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sábado, 10 de dezembro de 2011

O esquife de Martinho Boa Morte


Nem Jesus Cristo, quando veio à Terra, se propôs resolver o problema particular de alguém. Ele se limitou a nos ensinar o caminho, que necessitamos palmilhar por nós mesmos”.(Frases e Pensamentos de Chico Xavier).

O ESQUIFE DE MARTINHO BOA MORTE

                  Acordou de um sono profundo. Olhou em volta e viu tudo escuro. Não lembrava onde estava, quem era e porque tinha ido parar ali. Forçou a tampa do esquife e conseguiu sair facilmente. Não teve medo. Nem sabia que tinha sido enterrado vivo. Viu um pequeno vão com claridade e tentou ir até lá. Passagem estreita. Não desistiu. Achou um osso jogado em um canto. Usou-o como faca. Dois dias depois conseguiu uma abertura e deu para sair.

                   Era noite. Horas não sabia. Tudo escuro mais viu que estava em uma grande necrópole com muitos jazigos, mausoléus, sepulturas e não soube por que, mas ele se achou em casa. Gostava daquele lugar. Achou um portão trancado. Passou fácil por ele. Como passou também não sabia. Não tinha aparência de espectro, tinha certeza que era de carne e osso. Deu até vontade de soltar sua moafa mesmo sabendo que não tinha bebido nada. Não estava com fome, também não tinha sede.

                    Seguiu sem rumo na rua escura e abandonada. Viu que estava vestido com um terno apertado e sem sapatos. Só meias. Seus pés não doíam. Nada no seu corpo doía. Ele se sentia como uma pluma no vento. Andava como se estivesse volitando. Não encontrou ninguém, não viu ninguém. Viu ao longe umas luzes. Um farol foi de encontro ao seu rosto. O veículo rodava em grande velocidade. Freou em uma curva e parou. Desceram dois homens. Não foram ao encontro dele. Foi então que viu uma jovem na calçada e descobriu quem era a presa.

                    Eles agarraram a moça, subjugando-a. Ela gritava, esperneava, pedia pelo amor de Deus que a soltassem. Eles riam desbragadamente. Ele foi até lá, pediu para soltarem-na. Eles riram e pronunciaram palavras de baixo calão. Ele se aproximou mais, recebeu quatro tiros no peito. Ele não sentiu nada. As balas entraram e saíram do outro lado. Ele achou estranho. Os homens o olharam novamente e mais seis tiros, ele deu um tremendo soco em um e o outro pegou pelo cabelo e o jogou do outro lado do muro do cemitério.

                    A moça estava atônita. Perplexa. Queria agradecer ao seu salvador, mas não sabia como. Correu. Transformou-se em uma gazela espantada. Virou uma esquina, outra e mais outra. Não olhava para traz. Chegou a sua casa, pequena, humilde e não conseguia abrir a porta. Ela se abriu. O viu do outro lado dentro de sua casa. Fora ele quem abrira para ela. Um mistério. Quem seria? Um falecido? Seu fantasma? – Ele a olhava e sorria bondosamente. Queria falar, mas não conseguia.

                    Ela viu seu irmão de dez anos dormindo na poltrona. Ele sempre a esperava ali. Eram uma família de dois. O único emprego que conseguira foi de atendente e auxiliar de limpeza em um prédio próximo a sua casa. Horário desigual. Virava a noite. Terminando voltava mais cedo para casa. Dava para o sustento. Olhou para traz e viu que ele ainda estava lá. Terno amarrotado, sem sapatos, cabelos revoltos. Não era bonito, mas podia-se dizer que tinha um lindo porte. Pena que estava meio sujo e seu corpo soltava um odor diferente, nauseabundo,

                   Agradeceu a ele de novo e disse que precisava dormir. Ele sorria. Entendeu. Não falou nada. Ela fechou a porta. Olhou pela janela e não o viu. Dormiu pensando em tudo. Não entendia nada. Quem era? De onde tinha vindo? Claro, estava cortando caminho e passando numa rua paralela ao cemitério, mas fazia isto todas as noites, não tinha medo. Acordou pela manhã. Seu irmão já tinha ido para a escola. Uma rotina que ela havia ensinado. Limpou a casa, iniciou o almoço. Simples. Seu dinheiro era pouco.

                    Abriu a porta para colocar o lixo e o viu. Ele estava no passeio, em pé e olhando para ela e sorrindo. Assustou. Foi até ele e perguntou se ele não lembrava onde morava. Ele não respondeu. Continuava olhando para ela e sorrindo. Deu para ela uma sacola que estava encostada em um poste. Ele olhou de soslaio. Paes, doce, carne, muitos víveres. Uma sacola pesada. Agradeceu. Recusar na penúria que se econtrava era demais.

                      Deixou-o ali e entrou. Viu que uma sacolinha tinha grande soma em dinheiro. Correu para a rua. Ele tinha ido embora. Ficou receosa. Quem seria? O que queria? Seu irmão chegou e ambos fizeram uma lauta refeição. Quantos anos isto não acontecia. Escondeu o dinheiro que ele tinha dado. Iria devolver. A noite partiu para o seu trabalho. Todos haviam saído menos seu Honório que atendia na recepção. Começou o batente. Ela o viu de novo. Ajudava. Limpava em uma rapidez incrível. Parecia ser um daqueles super herói da historia em quandrinhos.

                      Deus do céu! Pensou. Em que tinha se metido? Quem era ele? Pelo jeito uma alma do outro mundo! Só podia ser. Rezou a Jesus que era seu amigo naquelas horas. Pediu tudo. Rogou aos santos protetores. Abriu os olhos e ele estava lá. Agora o salão que fazia limpeza estava um brinco. Nunca havia feito uma limpeza como aquela. Ele sempre em pé sorrindo. O mesmo cabelo revolto, o mesmo terno as mesas meias azuis sem sapato.

                      Ele não sabia o que estava acontecendo. Gostou da jovem, achou que a conhecia. Queria ajudar. Tentava conversar, explicar, não conseguia. Achou estranho quando os bandidos atiraram e ele não sentiu nada. Mas se fosse um espírito do outro mundo como se explicaria que ele pudesse tocar? Sentir, segurar? E agora, como se explica que ele consegue tudo? Virou um Super Homem? Caramba! Uma incógnita.

                     O dia amanhecendo ela retornando ele acompanhando. Ela aceitou sua companhia. Tentava entabular uma conversa. Mas era monólogo, só ela falava ele só sorria. Virou rotina. Uma semana, duas, resolveu ir até a delegacia explicar o que estava acontecendo. O delegado riu. Disse que ela precisava de se tratar. Ele estava junto ao delegado. Sorrindo. Levantou o telefone. O delegado ficou em pé assustado. Ele soltou o telefone. O delegado gritou. Sai de mim satanás!

                     Ela foi embora com o delegado desconjurando. Ele ao seu lado. Sorrindo. Sem falar nada. Chegou em casa, diversas sacolas, uma TV nova, muitas coisas. Seu irmão disse que vieram entregar. Não tinha nota fiscal, nada que identificasse quem foi que mandou. Vou morrer se continuar assim. Ajuda-me Jesus Cristo! Deus seja louvado. Abriu os olhos, ele estava na porta sorrindo. Acho que vou enlouquecer pensou.

                     Ele viu que ela estava assustada. Precisa pensar. Voltou ao cemitério, lá era mais tranqüilo. Entrou de novo no seu jazigo. Deitou em seu caixão e fechou a tampa. Ficou ali um bom tempo. Não lembrava de nada. Seu nome, de onde veio e para onde ia. Nada. Uma espessa nuvem branca em seu cérebro. Tentou dormir como todo mundo. Não conseguiu. Ouviu um barulho, saiu correndo do caixão a procura. Uma luz escarlate num jazido ao lado do seu. Conseguiu entrar. Tentavam abrir um caixão. Batiam de dentro para fora. Ele ajudou. Abriu. Viu uma linda jovem deitada com um vestido de noiva. Idêntica a  jovem que ele estava ajudando.

                     Passaram-se cinco dias. Ela estava mais calma. Ele não tinha mais aparecido. Queria devolver tudo que deu. Não sabia para quem. O jeito é usar. Paciência. Quando passava pelo muro do cemitério, o viu de novo. Acompanhado de uma moça linda, chegou mais perto. Era ela! Impossível. Ela estava ali de carne e osso. Não podia ter morrido. A moça de branco sorriu. Acenou. Ela reconheceu sua mãe. Mais nova. Tinha morrido com 75 anos. De coração. Fumava muito.

                      Tentou abraçar sua mãe. Não conseguiu. Ele segurou na sua mão. Ela sentiu mas com sua mãe nada. Foram juntos para sua casa. Ela sentou na poltrona, ele não, sempre em pé sorrindo. Tentou conversar com sua mãe. Nada. Ela mostrou uma parede. Não viu nada. Sentiu que não havia tijolos por trás do reboco. Quebrou com um martelo. Viu uma caixa. Uma cruz de madeira pequena, um sapo pequeno empalhado, dois dentes de ouro. Fez sinal para jogar no fogo. Ela assim o fez. Ela sorriu e desapareceu.

                      Ele viu tudo aquilo. Não entendeu. Saiu rápido e foi até ao esquife dela, no jazigo que estava. Abriu. Pedaços de ossos, dentes, uma cruz de madeira, e um sapo empalhado. Achou que Ela agora iria descansar. Imaginou para onde teria ido. Nada. Sua mente não concatenava. Voltou a casa da jovem. Estava fechada. Entrou. Ninguém. Vazia. Ela, seu irmão e moveis haviam desaparecido. Não entendeu nada. Ela gostava dela, era a única que conhecia e que o via como alguém e não um defunto.

                      Passaram-se dois meses. Ela não viu mais o homem e nem sua mãe. Tinha medo de ficar ali. Buscou suas últimas economias no banco e mudar para outra cidade. Assustou. Uma enorme quantia estava depositada em seu nome. Procurou o gerente, confirmaram. Foi depositado para ela. Era dela. Poderia fazer o que quiser com o dinheiro. Ninguém lembrava quem depositou. Foi uma ordem de pagamento feita em um país distante.

                      Ela voltou para sua cidade natal. Comprou uma bela casa. Um carro e montou uma loja de roupas. Seu irmão sorria. Boas roupas, bom colégio. Suas vidas se transformaram. Era uma tarde de domingo, Foram a um parque de diversões. Ele ria, ela ria, pipocas, doces, dinheiro a vontade. Acabaram-se as dificuldades, agora iriam viver o que não tinham vivido. Sentiu um estranho a olhando. Virou-se. Era ele. Meu Deus! De novo. Não. Ajude-me Jesus amado.

                      Ele se aproximou. A cumprimentou. Ela ouviu. Se for ele agora falava. Apresentou-se. Eduardo Palhares Sacramento. Juiz de Direito nesta cidade. Ela viu que eram sósias. Não é possível! Mas aquele era de verdade. Estava de roupa esporte. Lindo, belo, um sorriso encantador. Foi galante. Convites. Jantares. Casamento. Seu irmão gostou do novo cunhado.

                     Estavam juntos há oito anos. Felizes. Sem filhos. Tentava de todo jeito. Agora estava fazendo uma fertilização. Não sabia o nome direito. Todos na cidade gostavam do casal. Eram convidados para festas, recepções e muitos queiram como padrinhos para casamentos ou batizados.

                     Recebeu um telefonema. Gelou. Ele reagira a um assalto e tinha sido morto com dois tiros. Desespero. Nunca pensou que isto pudesse acontecer. A cidade em peso compareceu nas suas exéquias. Muitos choravam. Ela voltou para casa. A vida continua dizia ela. Tudo tem explicação. A morte é um mistério, mas um dia ela iria passar por isto.

                     Acordou de um sono profundo. Olhou em volta e viu tudo escuro. Não lembrava onde estava, quem era e porque tinha ido parar ali. Forçou a tampa do esquife e conseguiu sair facilmente. Não teve medo. Nem sabia que tinha sido enterrado vivo. Viu um pequeno vão com claridade e tentou ir até lá. Passagem estreita. Não desistiu. Achou um osso jogado em um canto. Usou-o como faca. Dois dias depois conseguiu uma abertura e deu para sair.

                     Foi até o portão. Uma rua escura. Passou fácil. Poucas luzes. Um carro jogou os faróis acima dele. Freou bruscamente. Ela desceu. Fascinada! Tremia!  De novo não. Meu Deus! Jesus amado!. Não deixe acontecer de novo!

... Se encontrares algum cadáver, dá-lhe a bênção da sepultura, na relação das tuas obras de caridade, mas, em se tratando da jornada espiritual, deixa sempre "aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos"...

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