Bem vindo ao blog do Osvaldo

Seja bem vindo a este blog. Espero que aqui você encontre boas historias para passar o tempo, e claro, que goste.

Honrado com sua presença. Volte sempre!

quarta-feira, 15 de abril de 2015

O Vale encantando dos sonhos perdidos.


O vale encantado dos sonhos perdidos

Foi em minha casa, passeando na net em que eu te conheci.
Foi encanto, foi magia, por trás de uma simples telinha.
Que muitos sonhos eu vivi.
Eu não sei como é seu rosto,
A não ser o seu retrato e seu lindo nome.
Em meus poemas te digo quantas vezes.
Pronuncio seu nome.
Suas mensagens eram lindas encheram-me de alegria.
 Até chegar o dia, de ouvir sua voz linda e macia.
Estranho, gostar de alguém assim
Tão longe e tão perto nunca Juntos enfim

               
             
                 Andava a esmo, sem rumo. Tropeçando. Não sabia aonde ir e de onde tinha vindo. Seus olhos fechando, o sono chegando, mas ele sabia que não podia parar. Encurralaram-no próximo da barranca da virgem do rio das Velhas com o São Francisco. Escondera-se por dias em uma velha igrejinha abandonada. Não era um bom esconderijo. Só viu quando uma dezena de macacos (policiais volantes) o cercaram. Saiu atirando com seus dois 38 cano longo. Deixou seu fuzil para trás. Seu cavalo também. Agora sabia que o tinha perdido para sempre. Pena, gostava dele.
                
                 Rosa Maria cantava. Sempre as tardes quando o por do sol ficava vermelho ela gostava de cantar. Havia um banco de madeira na porta de sua casa e ali ela olhava o céu cheio de estrelas ou a lua cheia da primavera. Diziam que tinha uma linda voz e cantava como uma cotovia. Nunca tinha visto ou ouvido uma. Diziam-se, acreditava. Acreditava em tudo. Nascera ali, naquela barranca do São Francisco. A cidade mais próxima que conhecia era o povoado de Cruz das Almas. Não mais que 500 almas perdidas naquele mundo de Deus. Nos seus dezessete anos acreditava em tudo. Não tinha namorado, não tinha sonhos não sabia o que era amor e nem sabia o que era apaixonar. Era fervorosa filha de Jesus e quando pudesse ia servir a Deus para sempre. Tinha sonhos de ser freira.
                
                Seu corpo não ajudava. Tinha de parar. Levara dois tiros. Um pouco abaixo da omoplata e outro acima da coxa esquerda bem perto da virilha. Era uma dor terrível. Já não sangrava mais. Tinha certeza que havia mandado para os infernos pelo menos uns dois macacos. Há meses estavam atrás dele. Ele não se arrependia de nada. Era um jagunço. Um dos últimos do sertão. Agora não tinha amigos, todos se afastaram ou foram mortos. Arrastava-se com um galho de um pequizeiro e não entendia porque ainda não tinha morrido. Dizem que raça ruim não morre. Só pode ser.

               Rosa Maria levava para casa como fazia todas as tardes, uma lata de vinte litros de água potável equilibrada na cabeça. O córrego de águas limpas ficava perto. As chuvas tornaram o São Francisco com águas barrentas. Vivia só com sua mãe. Ela era cega. Desde que nascera fora assim. Quem não soubesse não desconfiaria. Andava por ali, em volta da casa e até ia pescar, pois ali viveu toda a sua vida. Sabia que ali sua mãe seria enterrada. Próximo a sua casa existia uma cruz. Sua mãe dizia que ela enterrara seu pai, que morreu gritando de dor, por causa da mordida de uma cascavel.

                Encontrou um bosque de espinheiros. Adentrou e escolheu um local ermo e ali dormiu. Não sabia se ia acordar ali ou prestando contas de suas maldades a Deus. Poderia ter confessado com o padre Jesuino, mas ele mesmo perdoando não ia entender porque ele havia matado tanta gente. Diziam que ele era o pior de todos os jagunços que viveram naquelas terras perdidas no sertão de Minas Gerais com a Bahia. Não sonhou. Ele não sonhava. Pouco se lembrava de Constancia que um dia fora sua mulher e morrera quando os macacos o encurralaram em sua casinha próxima a Macaxeira. Deram trinta tiros nela. Sem dó e sem piedade.

                 Rosa Maria havia se lavado. Trocou de roupa. Tinha poucas. Dois vestidos de chita que usava quando ia rezar na capela do Padre Laurindo que uma ou duas vezes por ano ia ali para fazer batizados e casamentos. Duas saias de popelina e duas blusas que “seu” Waldomiro, um "Velho" pescador vizinho trouxera quando foi em Pirapora. Ela sonhava em ir a Pirapora. Seu Waldomiro contava maravilhas de lá. Ela deixava se levar com seu conto. Sabia que nunca iria lá. Era difícil. Deixar sua mãe só não podia. Acendeu a lamparina. Estava escurecendo. Queria ter um radinho de pilha igual do “seu” Waldomiro, mas não podia comprar e como ter pilhas reservas? Como seria bom ouvir umas musicas!

                Acordou várias vezes à noite. Suava. Um frio miserável o deixava tremendo. Um pesadelo o martelava e o acusava. Estava na porta do céu e o santo dizia que ali não podia entrar. Foi para o inferno e o demônio também o recusou. O acusavam de ter matado crianças, jovens, mulheres, homens e animais. Diziam que matava tudo que encontrava pela frente, principalmente seres vivos. Quando o sol começou a nascer se levantou tropeçando. Não tinha água. Uma sede terrível. Porque ele não morria? Raça ruim – repetiu. Coisa ruim não morre. Seguiu em frente. Não sabia até quando agüentaria mais um dia. Suava, seu corpo fedia. O sangue dos buracos das duas balas havia coagulado.

                 Rosa Maria acordou como sempre com o cantar do Carió, seu galo preferido. Tinham dois. Agradeceu a Deus pela noite e pediu a Jesus que protegesse sua mãe naquele dia e nos que virão. Não pediu para si. Não se lembrava disto. Lavou o rosto e usou uma escova de dente velha sem pasta, mas que ajudava a manter seus dentes sadios. Colocou alguns gravetos no fogão de barro e fez o mesmo café, aproveitando a borra do dia anterior. Não podia gastar. Levou para sua mãe. Estava sentada na cama. Era só o café pela manhã. Sabia que as goiabeiras estavam carregadas. Foi até lá com uma bacia. Ela e sua mãe comeram com gosto.

                 Avistou ao longe uma fumaça branca, rala. Achou que seria a morada de alguém. Ficou em dúvida se poderia ser os macacos ou se estavam à espera dele. Capengando foi até uma colina e lá avistou uma choupana de barro coberta de sapé. Não viu ninguém, chegou mais próximo e caiu numa vala onde corria um pequeno riacho. Ficou ali por muito tempo. Precisava daquela água mais que tudo. Desmaiou. Achou que agora sua vez havia chegado. Precisava morrer. Tinha que morrer. Ele estava morto e não sabia.

                 Rosa Maria o viu cambaleando pelos campos e cair na vala do riacho seco como o chamavam. Foi até lá e o viu desmaiado. Achou que estava morto, mas seu nariz fungava e seus olhos abriam e fechavam. Arrastou-o com dificuldade até sua casa. Contou para sua mãe. Ela disse que não. Ali não. Tinha experiência e podia ser um jagunço procurado. Não podiam se comprometer. Pediu para ela ir até a casa do seu Waldomiro e chamar à volante. Ela não obedeceu. Pela primeira vez não obedeceu. Sabia da gruta escondida na curva do rio e o levou para Lá. Não sabia o que fazer. Não tinha remédios. Nada.

                Ele abriu os olhos. Estava no céu. Um anjo estava com ele. Perguntou se Deus havia perdoado seus pecados. Viu o anjo rindo preocupado. Não era um anjo, agora podia ver melhor. Era uma linda jovem. Estava febril, gemia de dor das balas no corpo. Pediu para ela fazer uma fogueira. Esquentar água. Iria tirar as balas dele. Ela assustou. Nunca disse. Vai sim, se não fizer volto para atormentar você e sua família. Todas as noites. Não darei paz a ninguém. Mato você, seus parentes e deixo para os urubus. Tirou sua faca presa nas costas. Deu para ela colocar a ponta no fogo.

                Rosa Maria estava apavorada. Fez o que ele mandou. Ele gritou quando a faca entrou em seu ombro. Rosa Maria tinha as mãos de seda. Se tivesse sido médica seria uma grande cirurgiã. Tirou a bala do ombro, da virilha não. Estava funda demais. Ele disse para deixar. Tinha mais cinco balas no corpo. Mandou-a pegar seu lenço, embebedar em álcool ou óleo. Ali não tinha. Rosa Maria foi a sua casa e trouxe óleo e um pouco de sal que ele havia pedido. Ferveu água, misturou o óleo com sal e colocou nas duas feridas das balas. Que experiência meu Deus!

                Pela primeira vez ele dormiu. Por mais de quinze horas seguidas. Acordou com fome e sede. Uma fome enorme. Não viu ninguém na gruta. Levantou com dificuldade. Sentiu que as feridas iriam se cicatrizar. Não era a primeira vez. Seu corpo tinha dezenas de cicatrizes. Marcas de bala. Com dificuldade chegou até a entrada da gruta. Escondeu-se. Viu lá embaixo vários cavalos. Sabia que era a volante. Macacos do inferno! Pensou. Encontrou um pouco de água numa bilha de barro. Bebeu com sofreguidão. Olhou de novo. Lá estavam eles. Olhando para todo o lado. Procurando. Se aquele anjo ou sua mãe desse com a língua dos dentes, ele sabia que não tinha salvação. Mas tinha jurado que não ia morrer sozinho.

                Rosa Maria estava apavorada. O Capitão da volante desconfiou. Deu-lhe um tapa com força no rosto. Conte a verdade putinha! – Ela negava. Nada dizia, sua mãe estava desmaiada, tinham dado uma coronha nela. Achava que tinha morrido. Ele bateu de novo e de novo. Ela serrou os dentes. Dois se espatifaram. Mandou dois soldados da volante a violentarem. Eles não tiveram coragem. Ambos tinham filhas naquela idade. Um terceiro não se fez de rogado. Ela gritou de dor quando ele a penetrou. Depois veio outro, desta vez por trás. Ela sentiu a pontada. Um estupro e uma dor terrível. Ela nada disse. Desistiram de tudo e do espancamento. Achava que ali ninguém sabia de nada.

                  Ele viu quando os macacos se foram. Esperou um longo tempo e desceu. Encontrou-a chorando, gemendo de dor. Toda ensangüentada. Jurou matar o capitão da volante. Quando ele jurava que Deus tivesse piedade da alma do escolhido. Tratou-a como pode. Ela soluçava. Sua mãe estava morta. Ele ajudou-a a enterrar junto de seu pai na curva do rio. Ela não chorava mais. Também não ria. Seu semblante era de ódio. Naquela noite fizeram amor ali na cabana. Ele foi gentil com ela. Ela pela primeira vez, pois era virgem antes da maldade da volante, sentiu o prazer de ser possuída com carinho. Não dormiram abraçados. Ele sempre a espreita, na janela, olhando o horizonte.

                  Ele disse que ia partir. Chegou a hora, pois já se sentia recuperado. Ainda estava com a faca e os dois trinta e oito. Poucas balas, mas daria para dar uma lição naquela volante Filho da Puta. Ela disse que iria com ele. Ele recusou. Ela insistiu. Não tinha parentes, sua mãe morreu. Ficar ali para que? Queria ir para ajudar a matar o capitão da volante. Olhou para ele com seus olhos negros e com tanta determinação que ele não soube dizer não. Disse que tinha esse direito. Ele se lembrou de Constancia. Era determinada como ela.  Foram para as colinas em direção a Capitão Honório. Lá iriam roubar alguns cavalos, dinheiro, viveres e seguir a trilha dos volantes filhos de uma égua.

                 Rosa Maria cresceu. Ficou adulta em meses. Nunca mais sorriu. Dezesseis anos e virou mulher. Uma mulher dura e temida por todos cujo único sonho era encontrar e capar aquele capitão filho da puta. Viveu com seu jagunço por mais cinco anos. Seguiram as pegadas da volante por anos. Encontraram o capitão bebendo pinga em um boteco perto de Cracatua. Ele nem entendeu direito o que acontecia. Arrastaram-no pela estrada até o morro do Cavalo Doido. Ele a olhou e pensou em tê-la reconhecido. Estava amarrado em duas árvores em V e nu. Ela riu pela primeira vez em anos. Um riso de ódio e sem esperar o matou sem dó e sem piedade. Ela mesmo decepou sua cabeça não antes de enfiar um cabo de madeira grosso e cheio de espinhos no anus daquele nojento filho da puta. Ele berrou e gritou feito um porco capado. Fincou sua cabeça fedida num bambu na fazenda do Chico Bento.        

               Correram o sertão e não perdoavam ninguém. Um medo terrível nas fazendas e nos povoados com a chegada deles. Varias volantes se formaram e correram o sertão em busca dos jagunços do inferno. Pareciam estar mancomunados com o demônio, pois desapareciam como pó levado pelo vento.  Uma lenda se formou. Diziam que os Anjos do inferno tinham descido a terra e fizeram uma nova Rosa Maria. Ela e seu jagunço se amaram em lugares nunca antes imaginados. Amaram-se como dois amantes loucos nos espinheiros da Bahia e até nas escaldantes terras de buritis em Minas Gerais. Não tiveram filhos. Não poderiam. Não tinham futuro. Só o presente. O passado se foi. Agora era ele e ela. Nada mais importava.

                 Ele morreu sorrindo com uma saraiva de balas da volante e com seus dois trinta e oito jorrando balas para todo o lado. Matou não sei quantos. Ele já sabia que este era seu fim. Nunca teve medo. Uma palavra que não existia para ele. Sabia que Rosa Maria tinha escapado. Ele a deixara para trás quando sentiu a volante em seu encalço. Sabia que ela esperava um filho seu. Não deixaria que ela o tirasse como fez com os outros. Agora era hora de enfrentar o demônio. Ele estava preparado. Tinha que descansar sua cabeça em algum lugar. Poderia ser no céu ou no inferno. Não importava. Tanto faz. Não tinha escolha. Seu mundo fora aquele. Não conhecera outro.

                 Rosa Maria chegou tarde demais. A volante já havia levado seu corpo para Buritis. Ela sabia que ele estava morto. Ele nunca se entregaria. Jurava que neste dia levaria alguns macacos com ele. Seguiu outro rumo. Desceu o São Francisco numa Gaiola. Tinha algum dinheiro. Pegou um ônibus para São Paulo. Criou Rafinha Lá. Um lindo garoto. Quem a conhecia não se aproximava. Vizinhos e amigos tinham medo. Seus olhos mostravam ódio. Nunca mais sorriu para ninguém. Homem nenhum se aproximou dela. Ela não deixava. Só tinha olhos para Rafinha.

                  Rosa Maria morreu com 91 anos de idade. Nunca contou sua vida para ninguém. Era uma mulher só. Nem Rafinha sabia. Todos ficaram assustados quando do seu funeral. Ela sorria. Um lindo sorriso de companheirismo e de amor. Rafinha se tornou um homem. Fez curso no SENAI. Torneiro. Ganhava bem. Nada faltava para sua mãe. Deu a ela um enterro de primeira no melhor cemitério da cidade. Diziam que todas as noites umas luzes vermelhas eram vistas em seu túmulo. Seu homem não a deixava sozinha. Amavam-se sempre ali embaixo de um abacateiro. Ele partia ao amanhecer. Dizia que o diabo não dava folga e ria. Ela tentava rir, mas não conseguia. Esperava todas as noites sua visita.

                  Contaram mais tarde, que na sepultura de Rosa Maria nasceu um lindo pé de Buritis. Sempre florido, seja na primavera ou no outono. Quando o sol se punha um clarão vermelho aparecia. Todos tinham medo. Ninguém se aproximava. Seja feliz Rosa Maria. Seja onde estiver, seja feliz com seu jagunço que amou para sempre...

Morrer, dormir, não mais: termina a vida
E com ela terminam nossas dores,
Um punhado de terra, algumas flores
E às vezes uma lágrima fingida.
Sim, minha morte não será sentida,
Não deixo amigos e nem tive amores!
Ou se os tive, mostraram-se traidores,
Algozes vis de uma alma consumida.
Tudo é pobre no mundo; que me importa
Que ele amanhã se esb’roe e que desabe
Se a natureza para mim está morta!
É tempo já que o meu exílio acabe;
Vem, pois, ó morte, ao nada me transporta!
Morrer, dormir, talvez sonhar, quem sabe?

segunda-feira, 6 de abril de 2015

O Gigolô, a menina virgem e o Padre Exorcista.



Menina sensível

Minha linda,
Minha menina sensível,
Garota carente!
Quero fazer de você
Uma fêmea fogosa,
Devassada,
Penetrada
Na frente e verso,
Sacudida e virada ao avesso,
Mas saciada,
E satisfeita,
Enfim
Uma mulher realizada.

E eu,
Eu serei o que você quiser.
Serei seu abrigo,
Seu aconchego,
Seu primeiro homem,
Seu conforto,
Seu amante,
Vibrante,
Um comediante,
Ator galante,
Um macho fulgurante,
De Olhar penetrante,
Seu guia ora em diante.

Serei aquele que vai lhe ensinar
A ser atrevida, fogosa e ardente,
Mas sem deixar de ser
Aquela garota sensível,
Gentil, carente,
Que trás no rosto
Um sorriso terno e meigo,
Propensa a sonhar
Com venturas sem fim...
Willian Armien


Menina sensível
O Gigolô, a menina virgem e o Padre Exorcista.

Tentei me esconder em vários lugares. Ninguém queria me ajudar. Por mais que pedisse todos me viraram as costas. Até as meninas que eu tomava conta e que pensei que gostavam de mim se viraram contra minha pessoa. Claro eu entendia o medo de todos. Cicatriz era temido no bairro. Diziam que ele tinha parte com o Demônio. Eu não pensava assim e para dizer a verdade não tinha medo dele. Maldita hora que tomei emprestado aquele dinheiro. Maldito agiota. Uma merda, uma merreca, menos de cinco mil reais. Mas o valor foi crescendo, crescendo e o filho da puta dizia que já devia a ele mais de vinte mil.

Lembro que cheguei aqui com uma mão na frente e outra atrás. Todos me achavam bonito. Lá em Santo Antonio do Monte diziam que eu podia ser ator de novela, ou até de cinema. Diziam que eu parecia com Mel Gibson. Risos. Minha mãe não gostava do meu estilo. Dizia que eu era espalhafatoso. As meninas viviam atrás de mim. Ainda não tínhamos telefone, mas os bilhetinhos e as cartas no correio chegavam aos montes. Claro, tive uma ou outra, mas sempre fui respeitador. Sabia que ali transar com alguma ou era morte certa ou então tinha de casar com uma arma nas costas junto ao delegado.

Com dezessete anos me mandei para São Paulo. Nunca mais voltei. Soube um dia pelo Limão, um caixeiro viajante que ia sempre lá que minha mãe não chorou com minha partida. Dizia que ele me amaldiçoou. Disse que nunca mais queria me ver. Bem a principio eu a esqueci. A cidade grande, os amigos, as coroas ricas que levava para a cama, faziam de mim um folgado. Eu levava um vida que pedi a Deus. Mas tudo foi só uma ilusão. As noitadas, as bebidas e eu virei um trapo. Não achava mais as mulheres ricas para sair comigo. O dinheiro começou a rarear. Tive então uma ideia, porque não arrumar algumas meninas e mostrar que eu poderia tomar conta delas?

A primeira foi a Rosangela. Uma morena linda. Um corpo lindo. Tinha um dente cariado, mas isto era fácil. Um dentista, e pronto. Conversei com Lidonio, o dono de um hotel de terceira na esquina da São João com a Rua Formosa. Ele me emprestou um quartinho, que dava para iniciar. Se o lucro conforme esperava fosse maior, alugaria outro quarto. Enquanto as meninas usavam com seus clientes eu ficava por ali de olho nelas. Sabia que tinham outros querendo aliciar para seu covil.

Marlene foi à segunda. Baixinha mas um lindo corpo. Recém-chegada de Várzea da Roça uma pequena cidade no interior da Bahia. Marli foi a terceira e última. Não era fácil meu trabalho. Muitos clientes não queriam pagar, outros achavam que podiam espancar e era a hora que tinha de agir. Marli era o tipo de mulher que eu me casaria. Mas ela nunca se interessou por mim como amante. Claro uma vez ou outra dormia com ela. Mas tudo parava por aí. Ninguém entendia meu trabalho. Para mim um trabalho como qualquer outro. Achavam que eu era um aproveitador, demagogo e explorador de mulheres. Não sou nada disto.

Uma tarde Marlene passou mal. Rosangela correu a me avisar. Levei-a em um pronto socorro. Mau atendimento. Ela ficou lá jogada as traças. Levei-a em um hospital próximo. Pediram uma caução. Dei o dinheiro que tinha no banco. Acharam que era pouco. Gritei para atendê-la e um médico me deu uma hora para ver o saldo. Já tinha ouvido falar no Cicatriz. Ele me emprestou os cinco mil. Pagar a ele em uma semana com juros de vinte por cento.

Durante quinze dias ela ficou entre a vida e a morte. Gastei o que não tinha. Cicatriz veio me cobrar, pedi mais uma semana. Ele deu. Agora dizia, devia a ele mais de dez mil. Marlene saiu do hospital e me pediu para passar uns tempos com sua mãe em Buritizeiro Minas Gerais. Não tinha como negar. Mas o dinheiro não entrava. Cicatriz me deu vinte e quatro horas. Depois iria me cortar todo com navalha. Disse que ia dar meu “pau” de graça para as pombas do Vale do Anhangabaú.

Precisava desaparecer por uns tempos. No dia anterior Cicatriz pelas costas enfiou uma faca pontuda no seu braço. Isto é só o começo, disse. Rosangela fez um curativo. Expliquei as duas que tinha de dar um sumiço. Que elas aguentassem sozinhas. Cuidado com falsas promessas de outros homens que poderiam querer me substituir. Peguei um ônibus até Guarulhos lá embarquei para Santo Antônio do Monte. Ia procurar minha mãe. Ela não negaria ajuda. Foi uma viagem cansativa. Mais de quinze horas. Bem no interior de Minas Gerais.

Havia mais de doze anos que eu tinha saído da cidade. Quando o ônibus entrou na periferia vi que nada mudou. As mesmas casas, as mesmas ruas barrentas, o coreto, a igreja, a prefeitura alguma ruas com o mesmo calçamento de pedra. Estava com uma pequena maleta e atrai a atenção de todo mundo. Ninguém parece tinha se esquecido de mim. As moçoilas na janela sorriam e piscavam o olho. A casa de mamãe era a mesma. Uma pintura amarela descascada, uma janela simples e o mesmo portão de ferro do passado.

Mamãe me recebeu com um sorriso. Oitenta e cinco anos. Agora em uma cadeira de rodas. Falava pouco. Dona Mercês era quem cuidava dela. Uma santa, pois o dinheiro que recebia da aposentadoria do meu pai não dava para nada. Mas a casa era limpinha. A roupa também.  No quintal sempre tivemos uma horta. Muito tomate, verduras, pés de mamão, goiaba e tantas outras frutas que sempre tínhamos alguma não importando o mês. Cheguei sem dinheiro. Mal tinha para cobrir o gasto com um café no bar do Joca.

Os amigos não demoraram a aparecer. Alguns mais duro que eu. Fiquei um bamba na sinuca e ganhava uns trocados apostando. Divaldo foi quem me mostrou a menina virgem. Lá estava ela na praça com sua mãe do lado. – Todo dia ela vem com a mãe. Sentam no banco da praça e depois vão à igreja. Lá sempre tem muitas beatas que acreditam que ela faz milagres. Eu mesmo nunca vi, mas dona Clotilde disse que a pedra do rim sumiu depois que ela colocou a mão. Divaldo era um pândego. Não contou a verdade. Parecia um pacto de silêncio.

Prestei mais atenção na Virgem. Caramba! A danada era linda. E que rosto meu Deus! Vestia-se de branco e os cabelos cobertos por um manto também branco. Ela me olhou de soslaio. Divaldo riu e disse que podia tirar ao cavalo da chuva. Sua mãe não desgrudava dela. Mas gostei de flertar com a Virgenzinha. Fui para casa pensando que ela seria um “patuá” na cama. Como mudei Nossa Senhora! Dormi sonhando com a Virgem. Fiquei duro a noite toda. Ainda não era meia noite e batiam na porta com força. Abri. A surpresa! Era a mãe da Virgem.

- O Senhor tem de vir comigo a minha casa. Ela está tomada de novo. O Demônio não a deixa em paz! Quase um ano sem ataque. Está quebrando tudo em minha casa e diz que se não for lá ele vai desgraçar minha filha! Pelo amor de Deus! Vem comigo! Não estava entendendo nada. Que diabos era o tal demônio? Mas vesti uma roupa as pressas e fui com ela. O que vi me deixou boquiaberto! Ela a Virgem estava nua na porta. Ninguém na rua olhava, pois todos se escondiam atrás das janelas de suas casas.

Seu rosto mesmo angelical tinha um que de maldade. Rosnou grosso e me disse a queima roupa – Ainda bem que veio filho de uma égua, agora você vai-me foder! E com força! Estou doida para dar para você, até o rabo se for preciso! Deus do céu! O que era aquilo? Não era ela. Estava tomada por alguém que diziam ser o demônio. E que força descomunal! Agarrou-me pelo braço e me arrastava para seu quarto. A mãe gritava e berrava. Pelo amor de Deus, não faça isso com minha filha. Não sabia se ela falava comigo ou com o satanás que estava dentro dela.

O padre José chegou correndo. De novo Dona Maria? – De novo padre. Ela quando viu o jovem na praça começou a se transformar. Nem fomos à igreja. Ela não deixou. Vi que ia dar um espetáculo no meio da rua e corri para a casa. Lá ela se acalmou um pouco, mas tão logo escureceu o Demônio tomou conta dela. Rasgou as roupas, tirou a calcinha e ficou dançando na varada. Não sei mais o que fazer. Padre – O que fiz para merecer tudo isto?

O padre jogou água benta na virgem. Ela olhou para o padre e lhe deu um belo soco no queixo. Com tanta força que o padre caiu desmaiado de encontro à parede. A virgem não me soltava. Rasgou minhas calças, pegou no meu membro e gritou – Bota ele duro filho da puta! Duro? Nunca daquele jeito. Tentei me desvencilhar e nada. Vi encostado atrás da porta um banquinho de madeira. Peguei o mesmo e arremessei na cabeça da virgem.

Ela me soltou e sai correndo pela porta atingindo a rua. Entrei em casa e tranquei a porta. Eu tremia. E como tremia. Que diabos seria isto? Jesus Cristo me ajude, pois nunca imaginei uma coisa desta. Deitei em minha cama e custei para dormir. Acordei tarde. Abri a janela de leve. Nada na rua. Tomei um banho frio e um café bem quente e fui para o bar do Joca. Todos me cercaram. O que aconteceu? Comeu a virgem? Todo mundo sabia do acontecido.

Lembra-se do Joildes? Aquele que trabalhava no armazém do Coelho? Ela encrencou com ele. Um dia arrastou ele para a casa dela. O obrigou a foder com ela. Ela gritava e berrava. Saiu de lá correndo todo ensanguentado. “Ela cortou seu pau e ele ficou ‘cotoco”. Fugiu daqui e ninguém nunca mais o viu. Estava mesmo assustado. Menos de dois dias na minha cidade e tinha conhecido o inferno. O que fazer? Voltar para a capital era morrer na mão do Cicatriz. Ficar ali a danada ia me capar.

Nem fiquei por muito tempo no bar do Joca. Fui para casa e arrumei minha mala. Quando ia sair o ônibus estava chegando. A surpresa era grande. Nada mais nada menos que Cicatriz nele. O desgraçado deve ter descoberto com as meninas onde eu estava. Não saí de casa naquele dia. Quando amanheceu soube do ocorrido. Ela viu o Cicatriz. Agarrou-o e levou para a casa dela. Dizem que ficou “comendo” ele a noite toda. De manhã ele saiu correndo com a mão no saco. Sangue prá todo lado.

Não sei para onde foi. Nunca mais o vi. Voltei para São Paulo. Minha vida voltou ao normal. Agora fazia boas economias. Abri uma firma fictícia. Só para registrar as meninas e dar a elas um plano de saúde. Quando souberam disto as outras começaram a me procurar. Agora agenciava mais de dez meninas. Arrumei um contador. A firma ia de vento em popa. Cicatriz sumiu. A virgem nunca mais a vi, pois não voltei mais a Santo Antônio do Monte. Acho que lá os rapazes são todos capados. Que se fodam.

Contaram-me depois, muito tempo depois que o padre fugiu da cidade. Também sem saco. Risos. O Coronel Fagundes da Fazenda Córrego D’água comeu ela e não deixou que cortassem seu saco. Acho que o demônio apaixonou pelo coronel. Anda com ela de braços dados pela rua e ela dá grandes gargalhadas. Eu perdi o tesão por um bom tempo. Só de pensar cortarem meu saco ele murchava.

Ainda estou solteiro. De vez em quando dou uma ou outra nas minhas meninas. Aos poucos vou voltando a acreditar que nenhuma delas é a virgem de Santo Antônio do Monte. Que Deus me ajude. Sei que mamãe ainda está viva, mas não pretendo voltar lá nunca mais. Se tem uma coisa que preso muito é meu saco!
O final a pensar

Virgem! Filha minha
De onde vens assim
Tão suja de terra
Cheirando a jasmim
A saia com mancha
Da flor carmesim.
E os brincos da orelha,
Fazendo tlintlin?
Minha mãe querida
Venho do meu jardim,
Onde a olhar o céu
Fui, adormeci.
Quando despertei
Cheirava a jasmim.
Que um anjo esfolhava
Por cima de mim...


Vinicius de Morais.