Bem vindo ao blog do Osvaldo

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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Servidão humana


O CONDENADO 

O que importa se vivo, sentido, sem tino, sem valor? 
Eu não consigo ser diferente de mim mesmo. 
Não consigo não sentir o que sinto. 
Estranho é ser reticente... 

Não me julgue! Que não me condeno! 
Faço-me impune e detenho-me. 
Aprisiono-me em teus braços 
E declaro-me culpado! É prisão perpétua!


Servidão humana

                 Moro no inferno. Aqui onde estou é a casa do demônio. Não me invejem e nem queiram me fazer companhia. Onde estou à degradação e o sofrimento humano não é mais que um antro de podridão. Quem me visita e são poucos, ou melhor, ninguém eu sempre digo que se existir um inferno na terra ele é aqui nesta prisão onde a devassidão é inimaginável. Só quem vive aqui sabe que não existem palavras suficientes que explicam como é essa morada. Quem por aqui já passou pode relembrar o sofrimento, pois aqui eles são o pior que existe. Aqui sou um inquilino do príncipe das trevas.
                   Não durmo o sono dos justos. Não sou inocente. Se estou aqui é porque mereço. Ouvi de alguém dizer que quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo. Eu não consigo parar de lembrar. Marcou profundamente minha alma, meus sentimentos e até hoje não sei se os tinha. À tarde quando saio da cela nada tenho a fazer. No pátio ando de um lado para outro como todos. Olho as paredes do pátio, descascadas e úmidas cheirando a bolor. É melhor que nas celas, também úmidas, cheirando a podridão e onde as paredes sujas são cobertas pelos companheiros com fotos das namoradas ou de mulheres nuas rasgadas de revistas masculinas.
                Não tenho cama. Um levantado de cimento com um colchonete fino. Meu corpo já acostumou. Estou aqui há oito anos. Até a comida podre servida em mamitex de terceira já aprendi a comer. Muitas vezes infestadas de insetos, baratas e excremento de ratos. Não me incomoda mais.  Eu mesmo tento lavar minha roupa não mais que quatro peças. Não tenho ninguém para fazer isso. Os meus companheiros de cela recebem visitas e sempre trazem roupa limpa. O banheiro? Só rindo. Um quadrado pequeno chamado por todos de “boi” é compartilhado pelos quatro amigos, ou melhor, companheiros de cela, pois aqui não se tem amigos. Aqui me chamam de Pato o coxo, não sei por quê.
             Meu nome é Ivete. Tenho 19 anos. Não sei se sou feliz. Vivo como posso. Não tenho muito, mas não passo fome e nem frio. Moro com uma amiga, Leda, ela nunca me disse o nome completo e nunca perguntei. Trabalhamos juntas em uma lanchonete no centro da cidade. Trabalho simples. Ivete recebe muitas cantadas dos clientes eu não. Ela tem estilo, é bonita, loira, e veio de uma cidade do interior. Seu pai a expulsou de casa. Namorava um jovem negro. O pai não aceitava. Ele a abandonou quando vieram para a capital. Ela sozinha conseguiu o emprego e nós duas alugamos um quartinho barato na periferia da cidade.
                  Não reclamo da vida que levo. Não sou bonita, nunca fui. Sou morena, quase negra, meus cabelos crespos não ajudam. Um dos meus olhos são meio estrábico. De nascença me disseram. Fui criada em um orfanato. Não conheci um lar e ali eu tinha um. Madre Maria era enérgica e uma mãe para mim. Tive lá muitos amigos. Aprendi a cozinhar, a arrumar uma casa, a lavar e passar. Esqueci de dizer, aprendi a ler e escrever também. Nunca ninguém interessou em me adotar. Quando alguém aparecia, todos ficavam alvoroçados. Eu não. Sabia que não seria escolhida.
                 Nunca sai. Sempre lá, junto com minha amigas que fugiam ou que morriam. Muitas delas foram parar ali viciadas em drogas. Eu não sabia o que era isso. Via pela televisão que assistíamos toda tarde de duas as cinco. Madre Maria conversava pouco, mas por ela fiquei sabendo que cheguei com dois meses. Minha mãe me abandonou numa esquina movimentada em uma caixa de papelão. Quando fiz 18 anos Madre Maria me chamou e disse que eu tinha de ir embora. Era a lei. Não entendia de lei e nem sabia o que era. Me deram uma mala, algumas roupas, cem reais em dinheiro e um endereço onde disseram que eu poderia trabalhar de empregada domestica.
                 Quando cheguei aqui há oito anos atrás, fui violentado por dez presos. Diziam que era meu batismo pelo que fiz. Depois matei dois lá mesmo na prisão a escondida e ninguém até hoje sabe que fui eu. Os demais me pediram perdão e disseram que eu era o chefe, podia mandar e eles obedeciam. Mas com o tempo matei também todos eles. Não mereciam perdão. Apesar de baixo, sou forte, e diariamente não deixo de fazer meus exercícios físicos. Francamente eu sabia que um dia iriam acabar com minha vida ali. Se isso acontecesse tudo bem. Ainda tinha mais 22 anos pela frente. Poderia sair antes, mas não podia pagar advogado. Coisa que os outros faziam. Antes de irem presos, tinham quem pagasse para eles.
                Sou caladão. Converso pouco. Aqui não dou as costas para ninguém. Muitos se dizem meus amigos, mas vá acreditar neles! Na cela os quatro que lá estão me olham sempre com medo. Desde que cheguei mais de 30 passaram pela minha cela. O diretor já me deixou varias vezes na solitária. Não fazia nada e lá estava eu. Mal cabia um homem ficar deitado. Só com as pernas encolhidas. Era um lugar fétido. Sem sol. Sempre na escuridão. De vez em quando baratas cruzavam meu corpo. Aprendi a comê-las. Assim elas diminuíam e me deixavam em paz. Não reclamo. Nunca reclamei.
                 Nunca disse nada a ninguém porque estava ali. Todos que conheci se diziam inocentes. Não fizeram nada. Eram puros. Só rindo! Eu nunca disse que era inocente. Não era. Antes de fazer o que eu fiz, trabalhei na roça de sol a sol. Não tinha medo e nem preguiça. Meu pai não queria que eu viesse para a cidade grande. Acho que sabia o que ia acontecer. Peguei umas poucas roupas, um ônibus. Cheguei em uma rodoviária cheia, carros passando, prédios, gente, fiquei pasmo. Sabia que seria assim. Tinha visto na televisão, mas ao vivo era outra coisa. Perguntei ao um carregador onde poderia achar uma pensão. Ele riu e me mostrou um homem de bigodes grandes.
                Custei a encontrar o endereço. Uma casa com muro alto. Me identifiquei e me mandaram entrar. Uma senhora gorda de uniforme falou comigo e perguntou se sabia passar e lavar. Balancei a cabeça. Ela me levou para um quartinho pequeno nos fundos. Uma cama, uma penteadeira, uma cadeira e um espelho pequeno. Não era difícil. Eu sabia como fazer. Fiquei lá três meses, não me deram nenhum dinheiro. Quando fui reclamar disseram que eu comia e dormia, não merecia mais. Não concordei com isso. Não foi o que Madre Maria me disse. Insisti. A gorda me disse que a porta da casa é a serventia da rua.
                Sai de lá, sem dinheiro, só minha mala e sem ter para onde ir. Andei alguns quarteirões. A fome apertou. Vi uma lanchonete. Uma loira servia alguns clientes. Falei para ela que faria tudo por um prato de comida. Ela me mandou sentar. Comi bem. Levantei e ela mandou esperar. Conversou com o proprietário. Fiquei sabendo depois que ele não queria. Me achava feia, sem graça e poderia espantar os clientes. Fui admitida. Fiquei amiga de Leda. Quando a noite terminou, ela me disse até amanhã e se foi. Eu fiquei por ali. Ela voltou e perguntou onde morava. Falei a verdade. Me levou para a casa dela. Um quartinho e uma cozinha pequena. Disse que eu pagaria a metade das despesas com meu salário. Sorri. Agora achava que minha vida tinha recomeçado.
              Já fazia mais de cinco meses que trabalhava na lanchonete. Adorava o trabalho. E seu Jorge passou a gostar de mim me elogiando. Recebia o pagamento, dava a Leda à parte dela e o que sobrava guardava. Comprei poucas roupas. Não tinha namorado não era atraente e, portanto não gastava com que considerava supérfluo. Uma tarde servi a um rapaz baixo, calado, nunca me encarava, ou seja, não encarava ninguém. Foi educado comigo e passou a vir todas as tardes para jantar. Aos poucos entabulamos conversa e ele me convidou para ir ao cinema. Fiquei de boca aberta. Nunca pensei que aconteceria comigo.
              O homem de bigode foi educado comigo. Depois soube que era um “gato”. Arregimentava trabalhadores para obras de construção na cidade. Disse que lá tinha alojamento. Fui. O salário não era bom, mas tinha de começar. O “Gato” queria meus dois primeiros salários. Não concordei. Ofereci a metade de um e só isso. O mestre de obras não aceitou a imposição dele. Sabia que eu era bom trabalhador e dedicado. Não tinha horas para parar e nem incomodava em receber ou não horas extras.
           Conheci uma moça em uma lanchonete próxima. Passei lá a fazer minhas refeições que era só um jantar a noite. Não almoçava. A firma dava um café quente e um pão com manteiga pela manhã. Comia dois. Seu nome era Ivete. Nâo era bonita. Acho que até feia sim. Mas ela me atraia. Era educada, simples sem afetação. Começamos a namorar. Conheci a historia dela, ela conheceu a minha. Em menos de dois meses convidei ela para casar comigo. Ela sorriu e aceitou. Uma semana antes aconteceu a desgraça. Uma turma de playboy a encurralou na saída de sua casa a noite quando retornava do trabalho.
           Ela não me contou. Nada disse. Mas seus olhos mostravam medo. O que antes não existia. Com muito custo narrou-me tudo. Achou que agora eu não ia mais casar com ela. Não era mais virgem. Isso não era importante para mim. Mas não ia deixar passar em branco o acontecido. Ela disse-me que se lembrava de um. Era o filho do proprietário da casa onde trabalhou. Ela me contou tudo que aconteceu lá. Fiquei sabendo onde era e fiz uma “campana“ de cinco dias. Pelos amigos que andavam com ele, sabia que todos tinham participado da curra. Um dia, quando saiam no portão, meti o revolver na boca do playboy. Os demais em numero de dois, não reagiram.
           Tudo aconteceu muito rápido. Nosso namoro se transformou em noivado. Estava feliz. Muito feliz. Vivia fazendo planos. Muitos. Que beleza! Eu teria minha casa, meu marido meus filhos. Daria a eles o que não tive. Minha vida de plena felicidade se desmoronou. Fui currada por três playboys na rua onde morava. Voltava para casa à noite, eles estavam em uma picape. Me agarraram e me levaram para um terreno baldio. Fizeram comigo coisas incríveis. Todos três. Depois me deixaram lá, meio desacordada com as roupas todas rasgadas e toda suja de sangue. Doía muito, por fora e por dentro. Me senti imunda. Não pensei mais na minha vida de sonhos. Eles destruíram tudo.
              Devia ter ido fazer um boletim de ocorrência. Não fui. Achei que não ia resolver nada e iam rir de mim. Uma meia negra, feia, sem pai e mãe, criada num orfanato, não teria razão e nem acreditariam em mim. Um deles reconheci como o filho do patrão na casa que trabalhei e não me pagaram nada. Escondi tudo de Leda. Não queria piedade. O que diria para o Nelson? Não sei. Meu medo era grande demais. Não consegui esconder. Leda tanto insistiu que contei para ela que contou para o meu patrão. Eu e o Nelson saímos à noite e desatei a chorar. Resolvi contar tudo. Sabia que ele iria terminar comigo. Ele me ouviu calado. Só insistiu se eu sabia ou tinha reconhecido alguém.
              Nelson desapareceu da lanchonete. Eu sabia que isso iria acontecer. Soube depois o que tinha acontecido com ele. Deu dois tiros na boca de cada um e depois capou todos. Uma sangueira danada ficou na rua onde aconteceu. Todos morreram. A policia o encurralou na cidade onde ele morava antes de vir para a capital. Deram vários tiros nele. Ele revidou. Ficou ferido e não morreu. Levado para o hospital tiraram as balas e depois ele foi para a prisão. Foi julgado e condenado há trinta anos. O juiz fez questão de dizer que teria de cumprir toda a pena. Ele não tinha advogado, sua defesa foi improvisada. Ele nunca contou porque matou os playboy. Só eu sabia.
           Dizem que aqui é a sucursal do inferno. Não sei. Vai ser minha vida. Tenho 29 anos, quando sair, se sair, pois acho que me matam antes, terei mais de cinqüenta anos. Bem novo ainda, mas sem vida. Acabou as ilusões, os amores, os sonhos. Sempre me disseram que lugar de bandido é na cadeia. Acho que sou um bandido. A vida passa e a minha vida também. Ainda tenho dignidade, acho que ainda sou um ser humano. Sei que aqui muitos aprendem a ser melhores ladrões, bandidos e assassinos. Somos todos aqui demônios dominados pelo ódio e alimentados pela sede de vingança.
           Não há ninguém inocente aqui. Por um motivo ou outro estamos na prisão porque merecemos. Até pode ser fatos desta ou de outra vida passada. Acredito nisso. Vários pastores tentaram me catequizar. Não quis. Não preciso disso para acreditar em Jesus. Nunca deixei Ivete me visitar. Não queria alimentar ilusões. Ela nunca mais seria minha e nem eu seria nada dela. Soube que ela vinha sempre. Chorava e implorava para entrar. Mas eu era irredutível. Sinto que alguma coisa vai acontecer. Parece que sou um médio vidente. Não sei bem o que é, mas muitos irão morrer. Eu estarei junto. Irei prestar contas ao Satanás nas profundas do inferno.
           Foi num sábado, uma grande rebelião, ou motim sei lá, fogo nos colchões, fizeram carcereiros prisioneiros, arrebentaram portas, quebraram e botaram fogo em tudo. O pavilhão nove onde eu estava virou um inferno. A policia militar invadiu o pavilhão e instalaram o terror. Entravam de cela em cela, e atiravam em todos que ali estivessem. Eu ouvi os primeiros tiros, depois de metralhadora. Não corri, permaneci na cela sem me mexer. Sabia que tinha chegado minha hora. Estava só eu lá, os demais procuravam refugio, mas eu sabia que não encontrariam. Se tinha de morrer, que fosse como homem. Não iria pedir perdão e nem iria chorar.
           Eles entraram, mais de dez. Me viram, Olhei para eles sorrindo. Uma saraiva de balas me pegou em cheio. Não senti nada. Parecia que eu estava saindo de lá, voando não sei bem, e minha mente apagou. Onde estou hoje não tenho ódio e nem rancores de ninguém. De vez em quando me deixam visitar Ivete. Ela continua a mesma. Na lanchonete, dificilmente sorri. Queria ter casado com ela. Acho que se tivesse acontecido, seria maravilhoso. Meu destino foi outro. Gostaria que ela fosse feliz. Sei que vivemos juntos em outra vida, mas não sei o que fomos e nem o que fizemos. Vai haver continuação. Iremos nos encontrar de novo. Por muitas e muitas gerações.
         Aqui sou feliz. Não muito, mas aprendo todos os dias que os homens semeiam na terra o que colherão na vida espiritual: - Os frutos de sua coragem ou da sua franqueza. Ninguém pode voltar atrás e fazer um novo começo, mas qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim. Aprendo muito. Mas não sei, não me arrependo do que fiz. Um amigo aqui já "Velho" me disse: - Não amarre o seu amor, porém nunca dê muita corda, ela pode se arrebentar e você não saberá onde o perdeu.

As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam) 
a cada instante de amor.


sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Vinte e cinco segundos para morrer!


Um beijo

Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior... Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!

Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.

Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?

Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! E anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto...

Vinte e cinco segundos para morrer!

Tempo atual
Quinta feira – 15 horas

                 - Você tem vinte e cinco segundos para rezar seu filho da puta. Vou matar você como se mata um cão! Não espere piedade. Você me tirou Letícia nada mais me resta. Vai se encontrar com o diabo nos meios dos infernos! – Eu estava branco, lívido, pálido e tremia. Que situação! Nunca pensei em morrer assim. Tentei falar e não conseguia, só balbuciava. O que fiz? Não podia acreditar no que estava acontecendo. Todos estavam espantados. Assim como eu estavam no lugar errado na hora errada!

                Impossível descrever meu pavor. Tudo parecia um grande engano, mas era real. Meu nome é Roberto Silviano. Sou um simples professor de história. Não sei o que é violência e nem tampouco estive com ela algum dia. Como fui parar ali era uma situação inusitada. Melhor é começar contando tudo. Incrível como a vida nos reserva surpresas assim. Dizem que na vida temos muitas surpresas. Boas, ruins e inesperadas. Temos de estar preparados para reagir a cada uma delas. Até me disseram que não devemos ter medo de viver e ser feliz. Mas eu não estava vendo assim.

Quarta feira – 22 horas – um dia antes

                  Tinha rodado por toda a cidade não só nos melhores colégios, mas também aqueles mais humildes. Cinco meses desempregado. Achei que era um bom professor. Sempre a mesma desculpa. Volte no fim do ano, quem sabe teremos alguma desistência de professores e poderemos admitir você? Educadamente é claro. Minha família era muito unida. Casei com Karina há dez anos atrás. Deus nos abençoou com Antero e Maria Eugenia. Um casal de filhos lindos e que agora se aproximando dos oito e nove anos faziam de nossa família o lado extremo da felicidade.

                   Dizem que a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente. Nunca tive problemas com minha atividade profissional. Provi minha família de um lar humilde sim, mas cheio de alegrias e felicidade. Era professor de um grande colégio que para surpresa de muitos fechou as portas e me vi na rua. Como não estava conseguindo nenhuma oportunidade, li que uma universidade no interior, por sinal muito bem quista na sua área, estava oferecendo vagas para professores que tivessem formação acadêmica ou pedagógica.

                   Karina concordou e até fez planos se fosse admitido. Ela achava que uma cidade menor teria uma vida mais simples, mas bem mais calma e pacata. Peguei o ônibus das 22 horas, e deveria chegar à cidade por volta de 07 da manhã. Uma viagem calma deu até para tirar bons cochilos. Notei com alegria que a cidade tinha aquele aspecto de interior, e era bem provida de arvores com um belo rio cortando de ponta a ponta vários bairros.

Quinta feira – 07 horas – o dia fatídico

                  A rodoviária era pequena e logo que desci peguei minha maleta e procurei alguém para me informar sobre a universidade. Uma moça próxima a uma banca de jornal me fazia sinais para aproximar. Era uma linda morena de olhos castanhos, grandes, um lindo cabelo negro amarrado em rabo do cavalo e ela sorria para mim. Deus do céu! Ela era linda demais. Fui ao seu encontro, primeiro pela sua beleza segundo porque achei que ela queria algum de mim e não era eu, pois não era bonito, e até tinha o corpo meio encurvado para os meus 42 anos.

                 Pediu desculpa e se apresentou como Cecília. Queria saber se poderia acompanhá-la até o Banco da cidade, pois iria retirar uma grande quantia em dinheiro e tinha medo e de ir lá só. Poderia ter aconselhado a pedir ajuda a um policial, mas não o fiz. Tinha duvidas sobre sua historia se era verídica. Eu estava absorto com sua imagem, pois apesar de amar profundamente Karina, não podia deixar de aproveitar alguns minutos ao lado dela. Não pensem mal de mim. Nunca iria trair Karina. Mas como era cedo, fomos até um restaurante/bar que estava aberto e tomamos um café acompanhado de pães e biscoitos.

Quinta feira – 09 horas – o dia fatídico

                  Se fosse um bom observador, o que não sou, poderia ter visto do outro lado da rua um pequeno Fiat com três pessoas dentro, a observar nosso colóquio amigo no restaurante. Conversamos amenidades, e eu não sei por que, estava fascinado com aquela mulher. Não deixava de olhar dentro dos seus olhos grandes, seus lábios grossos e vermelhos. Senti-me culpado por Karina. Eu ali com uma bela mulher, agora desejando ela ardentemente e ela a labutar e dar assistência aos filhos que lá ficaram.

                 Cecília falava naturalmente. Quando ria, sua boca estremecia para a direita e seus lindos dentes apareciam fazendo um trejeito irresistível. Não sei se falou a verdade ou se contou pequenas nuances de sua vida de maneira ficcional só para me enganar. Eu não tinha experiência com mulheres. Nunca tive. Cecília em poucas horas estava me conquistando fazendo de mim um escravo de tudo que ela desejasse. Agora ali, eu não olhava para trás. Este estava sendo o dia mais feliz de minha vida. Vivia ele como se fosse o único, e especial, com uma pessoa especial.

Quinta feira – 10 horas – o dia fatídico

                   Saímos do restaurante e nos dirigimos ao banco. Sua historia do dinheiro me deixou intrigado, mas sua beleza me enfeitiçou. Entramos e ela procurou o gerente. Não sei o que conversaram, mas o gerente saiu com ela branco como uma folha de papel. Ela me olhou e sorriu. Aproximou de mim e disse – Muito obrigado, não preciso mais de você e me deu um beijo mordido. Um beijo que nunca tive na vida. Foi realmente incrível. Fiquei estático com aquele beijo. Logo vi que a trama que me envolveram não estava de maneira nenhuma preparado para ela.

                    Os três bandidos que estavam no Fiat entraram armados até os dentes. Mandaram todos deitar e um cliente que demorou levou uma coronhada no ombro caindo como uma pedra no chão. Eu não deitei e o que parecia ser o chefão, um barbudo, se aproximou e me disse baixinho.  – Pela sua ajuda vais levar uma parte, agora não se faça de bobo e deite como todo mundo. Eu tremia. Não deitei e ele me olhou de novo e me deu uma rasteira. Mesmo assim não cai. Dei nele um tremendo soco no rosto. Nossa! Nunca fiz isso! Um dos bandidos atirou em mim e Cecília entrou na frente recebendo a bala que a mim era destinada.

Quinta feira – 11 horas – o dia fatídico

                     Virou uma balburdia o banco. Gente gritando, outros tentando correr para a porta e eu boquiaberto com tudo. Não sabia como reagir. Ouvimos lá fora a sirene do carro da policia. O banco estava cercado. O barbudo que parecia ser o chefe e dava ordens a todos inclusive a mim se aproximou de Cecília. O tiro tinha entrado no ombro e sangrava muito, mas ela ainda estava viva. Poderia ter sobrevivido, mas o barbudo não quis que ninguém a socorresse. Porque não sei. Ela estava de olhos abertos, deitada em uma poltrona e fez um sinal com os olhos para me aproximar.

                      Fernando Pessoa dizia que o próprio viver é morrer. Não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos nisso, um dia a menos nela. Foi uma carnificina. Os três ouviram os policiais para se renderem. Fizeram tudo ao contrário. Disseram alto que a cada cinco minutos matariam um se a policia não saísse de frente do banco. Policia do interior, não preparada para esse tipo de ação. Não saíram. Deram um tiro na cabeça do gerente. Cinco minutos depois outro no pescoço de uma moça jovem.

Quinta feira – 13 horas – o dia fatídico  

                        Cecília queria falar e não conseguia. Sua boca enchia de sangue. Fui até ela mesmo com o barbudo gritando para ficar onde estava. Ela baixinho pedia perdão, não queria isso, não era assim que tinham planejado. O plano falhou. Eu teria outro papel. Não sei que papel seria, pois ela morreu em meus braços. O barbudo me deu uma tremenda coronhada com o fuzil que portava. Cai esparramado no chão próximo a um vigilante desmaiado e não desmaiei. Deu para pegar seu 38. Nem sei o que pensei. Não sabia atirar. Nunca dei um tiro na vida.

                        Meu primeiro tiro pegou no peito do magrinho que não falava e ele caiu duro no chão. Corri atrás do balcão. Uma saraiva de balas pelos dois que lutavam ainda para escapar. Olhei e vi que só tinha duas balas. Mirei no cara do jaleco preto, ele também quase não falou, mas matou três pessoas no banco a sangue frio. Ele veio na minha direção rindo, debochando e acertei um tiro em sua boca. Ele caiu estrebuchando feito um porco capado.

Quinta feira – 14 horas – o dia fatídico   

                      Ouve um silencio macabro no banco. A policia não se mexia. Não queriam entrar. Receberam ordens da capital. Um major de uma cidade próxima chegaria logo para negociar. Eu fiquei calado e quieto. Só uma bala na arma. O barbudo começou a cantar baixinho e depois cantava alto. Louco, ele é louco pensei. Um homem de idade levantou e saiu correndo em direção à porta. O barbudo o derrubou com um tiro.

                     Fiquei ali sem saber o que fazer. O barbudo não se aproximou. Não sabia quantas balas tinha e eu achava que ele se amedrontou com meus tiros certeiros. Não sei por que fiz aquilo. Um simples professor. Nunca tinha usado da violência. Nunca dei um tiro em minha vida. Agora não tremia mais. Fiquei preocupado, pois achava que estava gostando de tudo. Deus meu! Isto não pode acontecer. Uma saraiva de balas entrou pela janela. Fui atingindo no braço e minha arma caiu. Os policiais resolveram atirar não sei por quê.

  Quinta feira – 15 horas

                 - Você tem vinte e cinco segundos para rezar seu filho da puta. Vou matar você como se mata um cão! Não espere piedade. Você me tirou Letícia e matou meus amigos. Nada mais me resta. Vai se encontrar com o diabo nos meios dos infernos! – Ele me pegou desprevenido. Olhava para a porta e ele veio por trás. Não reagi, não dava mais. Só vi a policia de choque invadindo o salão do banco. Ele atirou em mim e o tiro pegou no outro braço. Caiu para trás com vários tiros dados pelos policiais. Acho que morreu na hora.

                   Levaram-me para o hospital da cidade. Não tinham condições de me tratar. Duas balas em cada braço. Fui para outra próxima. Fiquei lá por 15 dias. Minha esposa me acompanhou. Quando soube veio correndo. Os jornais me tratavam como o herói que salvou muitos reféns. Não salvei ninguém. Nem sei até hoje porque fiz aquilo. Mas me fizeram um herói que nunca existiu. Não adiantava explicar.

Segunda feira – 07 horas – dois meses depois do acontecido.        

                    Meu primeiro dia de faculdade. Fui aceito como professor e todos me olhavam admirados. Não gostava disto. Mas sabia que era um fato e este fato iria desaparecer com o tempo. Karina estava contente com a nova casa. Simples mas uma morada cheia de amor. Meus filhos adoraram a cidade. Fui homenageado por diversos clubes da cidade. O Rotary e o Lyons Clube. O prefeito me deu uma medalha que disse ser a mais alta condecoração já dada a alguém. Não me sentia bem com todas aquelas homenagens. Mas a vida é assim mesmo.

                   Diziam que na vida, nada se resolve, tudo continua. Permanecemos na incerteza e chegamos ao fim sem sabermos com o que podemos contar. Nunca mais esqueci Cecília. As pessoas entram em nossa vida por acaso, mas não é por acaso que elas permanecem. Karina nunca soube da minha paixão momentânea por ela. Nunca contei. Se nossas vidas só pode ser compreendida olhando-se para trás, que assim seja. Mas acredito que só pode ser vivida olhando-se para frente.

                   Sei que os anos irão passar como o vento passa e se vai. Diferente do vento não esqueci. Tudo que aconteceu permanece vivo na minha mente. Amo Karina e não esqueço Cecília. Quem sabe as voltas do mundo me farão ver o outro lado que ainda não tinha visto. A violência nunca existiu em mim até o dia que ela apareceu. O deus da guerra e da violência aparece sempre em atitude de repouso. Não sei quanto tempo ficarei nesta inércia do passado e do presente. Mas se a vida quis assim, quem será eu para mudá-la?

CANÇÃO DE OUTONO

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.

Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando àqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.

Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

domingo, 7 de setembro de 2014

O Agente Funerário e a mulher do Barão da Mexerica.


O FUNERAL

Parem todos os relógios, desliguem o telefone,
Evitem o latido do cachorro com um osso suculento,
Silenciem os pianos e com tambores lentos
Tragam o caixão, deixem que o luto chore.

 
Deixem que os aviões voem em círculos altos
Riscando no céu a mensagem Ele Está Morto,
Ponham gravatas beges no pescoço dos pombos brancos do chão,
Deixem que os guardas de trânsito usem luvas pretas de algodão.

 
Ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste,
Minha semana útil e meu domingo inerte,
Meu meio-dia, minha meia-noite, minha canção, meu papo,
Achei que o amor fosse para sempre: Eu estava errado.

 
As estrelas não são necessárias: retirem cada uma delas;
Empacotem a lua e façam o sol desmanchar;
Esvaziem o oceano e varram as florestas;
Pois agora nada mais de bom nos resta.


O Agente Funerário e a mulher do Barão da Mexerica.

                    Esta história eu ouvi de um amigo meu, quando nos encontramos em uma viagem de trem até Vitória no Espírito Santo. Minha empresa me mandou lá para tomar uma providencia urgente sobre alguns funcionários da filial. Gostava do trem. Fui um dia antes para chegar na data certa. Não gosto muito de avião. Sentou ao meu lado um senhor já de idade, mas extremamente simpático. Valdo Feer as suas ordens disse. Uma conversa boa gostosa e fomos jantar juntos no vagão restaurante. Contou sua vida, seus amores suas histórias. Uma ficou marcada. O Agente Funerário de Rio Verde. Guardei tudo para contar a voces esta história que ele me garantiu verídica. Para dizer a verdade não acreditei. Se fosse verdade mesmo ele estaria com mais de cem anos. Mas quem sabe ele tem mesmo?

                            Toda tarde Picolino ia para os quartos dos fundos de sua Funerária mais conhecida como a “Aquela do sono gostoso e profundo”. Ninguém sabia o que ele ia fazer. Dormente e Mafalda que trabalhavam para ele nunca entraram naquele quarto. Sabiam que se perguntassem ou fossem lá seriam demitidos na hora. Emprego difícil, Picolino pagando bem porque facilitar? Claro eles sabiam da fama de Picolino. Nenhuma viúva deixava de visitar o quarto nos fundos de Picolino. O que todos não entendiam era por que. Picolino era feio. Alto. Cara chupada, nariz fino, olhos sumidos, cabelos negros com guméx para fixar mais para trás e sempre com um terno preto e chapéu coco preto.

                                Contaram-me uma vez, não sei se é verdade que Picolino mandou sua esposa para melhor só porque ela reconheceu um troço grande. Ele estava para mandar um tal Jamil Peixeira para ser cremado quando viu no seu corpo nu o maior membro que ele tinha visto na vida. Pediu desculpas ao morto o Jamil e disse a ele – Não posso mandar o senhor para o crematório com essa coisa enorme. Isto tem de ser conservado para a posteridade. Ele com um bisturi corta o treco do Jamil, guardou e o levou para casa. Não resistiu e resolveu mostrar a monstruosidade para a mulher que ao ver o conteúdo gritou! – Ai meu Deus! O Jamil morreu? Risos. Não sei se a história é verdadeira.
                    
                       Bem quando cheguei na cidade me disseram que ele não era casado. Viúvo talvez. Não importa, portanto vamos voltar à história. Mesmo com aquele olhar e aquela maneira de cadáver ambulante, o danado atraia as mulheres. E como atraia. Todos se perguntavam o que ele tinha assim para que elas caíssem em cima dele como moscas no mel. Seu estilo cadavérico? Conversa de macho? Mandioca grande? Ninguém contava. Nenhuma mulher falava. Na cidade os maridos ficavam de orelha em pé. Ninguém queria morrer e cá prá nós, morrer ninguém quer mesmo. Risos. Mas lá em Rio Verde pensar que todos estavam te pranteando e Picolino comendo sua mulher ali na funerária?

                      Era comum a Funerária estar sempre cheia. As mulheres vinham e ficavam a passear em voltas dos caixões, vendo os preços, quem sabe o mais luxuoso e pagar a prestação. Claro, isto não importava para quem morreu, mas quem fica sempre quer impressionar. E atrás vem a mortalha, a decoração do lugar no dia da morte, plantas e flores, a coroa de flores e claro um pedreiro para arrumar o tumulo da família se houvesse. Ficavam todas alvoroçadas quando Picolino vinha atender. Picolino tinha na parede vários diplomas de cursos que fez para cuidar dos mortos. Um deles fazia questão de mostrar pessoalmente. Tratronopraxia Avançada de Terapia Facial. (quase quebrei o queixo para falar) Picolino fazia os mortos reviverem de tão bonitos. Alguns até diziam – Parece que está dormindo!

                     Telúrio era um homossexual muito conhecido em Rio Verde. O único que saiu do armário apesar de todos saberem que a cidade era cheia deles, mas enrustidos. Tinha uma queda por Picolino. Ninguém soube até hoje se tiveram algum caso ou se ele foi até o quartinho dos fundos da funerária. O que ninguém sabia é que Telúrio ajudava Picolino a deglutir a mulher do Barão da Mexerica. A Baronesa Olga Cata Prússia chamava a atenção pelo seu porte. Linda, alta cabelos negros encaracolados. Usava brincos enormes, uns lábios carnudos vermelhos e por onde passava deixava um rastro de “Belle et Saine” um perfume que só ela usava e que vinha de Paris para ela. Coisa de duzentos mil reis.

                    Ninguém conhecia sua história. Chegou casada com o Barão das Mexericas numa tarde no trem da Central vindo da capital. O Barão, ou melhor, Doutor Archimedes Cata Prússia era um homem rico. Milhares e milhares de acres de pés de cacau. Ele tentou quando foi a capital comprar o titulo de barão pediu para ser o Barão do Cacau, mas já tinha outro. Disponível só o Barão das Mexericas.  Sem alternativa aceitou. Dizem que ela era uma das moças mais bonitas do Bordel de Madame Solange, lá na Ladeira da Montanha. Assim me contaram e o Barão se encantou por ela. Ninguém tinha certeza. Fuçar no assunto era morrer nas Mãos do Barão das Mexericas. Um olho na mulher dele, um tiro no olho ou na bunda e bem no buraco como ele gostava.

                    Eu não sei não, mas acredito que o Barão das Mexericas era cornudo. Mas se era mesmo porque não mandou matar ou ele mesmo podia ter liquidado Picolino? Quem na cidade não sabia que tinha um belo par de chifres na testa colocada gostosamente por Picolino? Um segredo que muitos tentavam saber. Mas era difícil. Muito. A mulherada não contava nada. Na beira do rio das Borboletas, lá onde ele tem as corredeiras cheias de pedras e onde as lavadeiras trabalham e se divertem, as fofocas correm longe. Mas sobre Picolino? Nada. Simplesmente nada. Um silencio sepulcral.

                   Rio Verde há quatro meses estava sem Delegado. O prefeito foi avisado da chegada de Mauzinho Tirocerto o novo Delegado transferido da comarca de Itabaiana. Foi informado que era um homem mau, não perdoava ladrão e assassino. Ele gostava de ser o Juiz e o Carrasco. Dizia que bandido bom é aquele que cheira a defunto. Dr. Mauzinho chegou a grande estilo no trem da tarde da Central do Brasil. Esperava Banda de Musica. Não tinha. Procurou autoridades. Nenhuma. Porra! Vou tirar o couro desta merda de cidade! Ele mesmo e sua bela mulher Pepita Tirocerto foram a pé para o hotel Bento das Flores. O prefeito quando soube, chamou o Doutor Juiz, o Doutor Promotor e correram para o hotel. O Delegado Mauzinho Tirocerto os mandou a merda. Não vou receber ninguém.

                  Assim começou o trabalho do Delegado Mauzinho Tirocerto em Rio Verde. Contra tudo e contra todos. Vão se foder comigo pensava. Mandou um recado para o prefeito. Urgente, quero uma casa boa no centro da cidade. Não tinha. A única era de Picolino. Estava vazia, mas ele nunca quis alugar para ninguém. O prefeito explicou ao delegado. Na mesma hora o valente homem foi à funerária. Vou mostrar a este “bosta” quem sou eu. Entrou sem bater e gritou: Quem é o dono desta merda?

                Bem não sei como, mas me contaram que Picolino levou o delegado para o quarto dos fundos e ele nunca mais encheu o saco de Picolino. Mas sua mulher a Pepita Tirocerto passou a frequentar e mais um dos rioverdenses foi coroado com um belo par de chifres na testa. Na morte do Doutor Malacacheta dos Santos a cidade em peso compareceu no velório. Para dizer a verdade sua mulher dona Zenilda dos Santos não era muito bonita e mesmo assim foi parar no quarto dos fundos de Picolino. Como eram muito ricos, donos de duas casas de comercio na cidade e único revender Ford da cidade ela resolveu dar uma grande festa na morte do marido. Bem isto era comum naquela época.

                Contrataram uma Madame da Capital, uma tal de Eufrásia Rigoleto que era bamba na preparação de tais festas e muito falada em toda a capital. Ela organizou uma festança e rápida, pois o defunto já tinha dois dias que tinha morrido. Claro Dormente e Mafalda se locupletaram. O defunto sempre bonito e cheiroso. E a mulher dele não parava de ir ao quarto dos fundos de Picolino. Madame Eufrásia vendo aquilo resolveu participar também. Uma saia outra entrava e Picolino lá. Puxa vida, que animal era esse para dar tantas assim uma atrás da outra?

              O Delegado Doutor Mauzinho Tirocerto chegou com a mulher dona Pepita Tirocerto. Ela disse que tinha de ir à toalete, mas o delgado sabia aonde ela ia. No quarto dos fundos de Picolino. Ele fechou a cara e não disse nada. O que aquele homem tinha? Deus do céu! Ninguém se revoltava dos chifres que estavam levando? A mulherada da cidade toda passou pelo quarto dos fundos de Picolino naquele enterro onde os comes e bebes corriam solto. E olhem, ninguém, ninguém dizia nada. Quase cinco mil habitantes e ninguém para se revoltar contra Picolino?

               Lamartine de Vilavenco da Anunciação Caravajio, era um simples caixeiro viajante. Nunca fez aquela área, pois era de um colega seu. Agora que ele se demitiu da companhia Lamartine ficou encarregado. Chegou a Rio Verde no expresso da Central do Brasil as cinco da tarde de uma sexta feira, data programada para o enterro do Doutor Malacacheta dos Santos. A cidade vazia. Um moleque contou o que estava havendo. Foi ao hotel e estava fechado. Chamou o moleque para tomar conta de sua mala. Lá foi ele para o cemitério. Nunca tinha visto uma cidade parar por causa de um enterro. Assustou com tudo. Comida farta, bebida farta e nunca viu tantas mulheres bonitas.

                 Ficou de olho em uma. Moreninha linda, baixinha quase da altura dele. Devia ter o mesmo que ele um metro e cinquenta e cinco. Sempre gostou de jovens da altura dele. Adorava fazer o “negócio em pé”. Cada um com suas manias e suas taras. Quando ia aproximar viu que ela foi pelo corredor da Funerária sem olhar para trás. Achou que era um chamariz para ele. Não se fez de rogado. Ela entrou em um quartinho dos fundos. Riu para sí próprio. Está no papo! Abriu a porta já com o negocio em ponto de bala! Meu Deus! Que diabo era aquilo? A moreninha estava de quatro com as calcinhas rasgadas gemendo e o Capeta atrás enfiando um membro enorme nela. Minha nossa senhora, ia sair correndo e o capeta com um olhar não deixou. Soltou à moreninha e colocou-o de quatro. Maldito demônio dos infernos! Comigo não seu filho da mãe!

                    Gritou alto. Jesus amado socorrei-me! O capeta ou o demônio sei lá gemeu e pegou uma espada em chamas e ia cortar seu pescoço. Pulou uma janela e sumiu em uma rua da cidade. Sua mala ficou lá. Uma semana depois chegou com vários milicos da capital. Não acreditaram nele, mas ele disse que se não fossem com ele publicava em todos os jornais da capital. Chegaram à estação e ela vazia. A cidade vazia. Parecia uma cidade fantasma. Foram até a delegacia. O delegado Mauzinho Tiro certo, o chifrudo mor, recebeu a todos com cara amarrada. Olhou para Lamartine com os olhos em chama. Filho da Puta! O Delegado era um merda. Um cornudo que gostava de ser. Foram até a funerária. Pranteavam um morto. Lamartine riu. Agora vamos pegar o danado com a boca na botija. Levou o tenente até o quarto dos fundos. Abriram e a surpresa. Picolino e duas mulheres de joelhos rezando em frente à Santa Erotildes.      
                                           
                      O tenente estava puto. Vamos embora. – Vamos sumir daqui. Não sei onde arrumou esta historia do demônio. Riram dele. Resolveu ficar até o dia seguinte. Afinal eram anjos ou demônio? Lamartine foi dormir. Não conseguiu. Uma luz vermelha em seu quarto. Picolino de capeta rindo. Mostrando o membro enorme. Lamartine saiu correndo. Correu pela estrada até a cidade de Batislau Amarelo. Pegou o trem. Na capital contou tudo para seus amigos repórteres. Riram dele, mas um resolveu ir até a cidade de Rio Verde. Na estação o bilheteiro disse que não havia aquela cidade servida pelo trem. Lamartine quando ficou sabendo correu mais ainda. Saiu pela fronteira do Paraguai. Deve estar correndo até hoje. Nos seus pensamentos a capetaiada estava montando um inferno particular nas cidades. Pegando todo mundo de quatro! Nunca mais voltou ao Brasil. A ultima noticia dele é que havia passado pela Mongólia. Lá nos montes Urais. Nunca mais souberam dele.

                    Se você quiser um bom enterro, procure o Picolino. Será um enterro nota dez. Mas não leve sua namorada e ou sua mulher. Risos. Agora me lembrei. Você é o morto. Não pode fazer nada. Feliz bom inferno para você chifrudo!

                                             Suspiro - o derradeiro

Por quais devaneios tu reclamas,
Se tu és um homem coroado,
Entre mil margaridas e rosas,
E gritas: “Deus! Estou acordado!”.
 
Que angústia invasora é essa?
Quando tu foste abençoado
Pelo padre, anjo dominical,
E gritas: “Deus! Sou um desgraçado!”.
 
Que paixão derradeira é essa?
Por entre o véu de rendas bordado,
Que na escuridão se manifesta,
Gritando “Deus! Estou acordado!”.
 
Que choro de lamento é esse? 
Teu terno italiano foi passado.
Lindos sapatos te adularam.
Só porque vivo fostes sepultado?
 
Que engraçado! Até na morte tu és ingrato!