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quinta-feira, 12 de novembro de 2015

A história de Mel que não é mais virgem



Que mulher é essa

Que mulher é essa
que não se cansa nunca,
que não reclama nada
que disfarça a dor?
Que mulher é essa
que contribui com tudo,
que distribui afeto,
tira espinhos do amor!
Que mulher é essa
de palavras leves,
coração aberto,
pronta a perdoar?
Que mulher é essa?
Que sai do palco,
ao terminar a peça,
sem chorar!
Essa mulher existe,
sua doçura resiste,
às dores da ingratidão,
Resiste à saudade imensa,
resiste ao trabalho forçado,
resiste aos caminhos do não!
Essa mulher é MÃE,
linda, como todas são.

A história de Mel que não é mais virgem e virou mulher!

                        Vale da Lua estava em polvorosa. Alguém comprou o Sítio do Coronel Gerônimo. Ele jurou que nunca o venderia. Era um belo Sitio. No final da Avenida Sonhos Dourados.  Muitos passavam em frente e ficavam horas olhando. Não havia muros. O jardim imenso. A casa do estilo renascentista era imensa. Dizem poucos sabiam ao certo que atrás da casa existia uma enorme piscina em forma de coração que fazia as delicias dos moradores. Eram para muitos a casa dos sonhos. Quem comprou? Como o Coronel Gerônimo resolveu vender? De boca em boca o assunto do dia na cidade. Vale da Lua era pequena, não mais que vinte e cinco mil habitantes e todos se conheciam. Caras novas que apareciam na Pensão de Dona Dilva ou no Hotel do Seu Francisco todos já sabiam que eram caixeiros viajantes.

                        No dia seguinte chegou uma Nissan preta, com quatro homens que nem pararam na cidade e foram direito para o Sitio do Coronel. No segundo dia chegou um ônibus cheio de operários. O povo todo de porta em porta atrás de uma novidade. Nada. Ninguém sabia de nada. O Coronel Gerônimo passou a morar em sua mansão da Avenida Sonhos Dourados próximo a matriz. Ninguém ousou perguntá-lo nem mesmo seus companheiros das soturnas noites jogando pôquer com o prefeito Santino, o delegado Javier, o juiz Doutor Prazeres e o Padre Thomaz. Algumas vezes valendo altas somas. Em menos de um mês uma reforma foi feita no sítio do Coronel. Cinco caminhões baús enormes despejaram a nova mobília e os especuladores em volta quase nada viam. As comadres corriam aqui e ali. Nada. Ninguém sabia de nada. Um mês e dez dias e os carros rarearam. Chegou sim uma Van, com oito homens de terno, desceram com suas malas. Daquele dia em diante sempre tinha um em cada parte do Sitio.

                         Mel tinha treze anos quando tudo aconteceu. Mel não era linda, era sim uma menina magrinha, cabelos loiros encaracolados e uns olhos azuis que pareciam sair faísca quando se olhava para ela. Era filha única. Sua mãe a adorava, mas seu pai nem tanto assim. Parecia que Mel não era sua filha. Um dia ela viu pelo buraco da fechadura seu pai olhando para vê-la tomar banho. Assustou-se. Por quê? Passou mais dois meses até que um dia ele entrou em seu quarto quando ela trocava de roupa. Gritou com ela. Fique como está. Quero saber se ainda é virgem. Um susto enorme. O que era aquilo? Mel não sabia de nada. Começou a acariciar seu corpo magro. Seu pai emitia sons que a assustaram. Seus dedos passavam em todo parte do seu corpo. Quando levou a mão em seu sexo ela gritou. Ele assustou e saiu do quarto. Não foi a primeira vez. Ele entrava e exigia que ela ficasse só de calcinha enquanto ele se masturbava. Mel chorava de cabeça baixa.

                        Mel passou a ter medo do próprio pai. Esperava ele sair para tomar banho e trocar de roupa. Sabia que não podia contar para sua mãe. Ela nunca acreditaria. Pela janela Mel namorava Nonô, um rapazinho que aprendia a fazer pão na Padaria do Seu Ernesto. Ela gostava dele. Ficava na janela e ele em pé no muro da casa do Seu Antenor bem em frente. Ele fazia sinais e ela ria. Um dia sentiu uma lambada nas costas. Doeu muito. Era seu pai. “Vagabunda!” – Ela correu para seu quarto. Ele foi atrás. – Gritou alto – Tire a roupa, fique só de calcinha em cima da cama – Já! Se não vou te moer de pancada! – Ela começou a chorar, mas obedeceu. Ele não se aproximou dela. Ficou olhando. Tirou seu sexo enorme, e latente e de novo se masturbou na frente da filha.

                           Mel tentou falar com sua mãe. Ela gritou mais alto. Mentirosa! Seu pai é um santo! O que fazer? Procurou o Padre Thomaz. No confessionário contou tudo. O padre a mandou rezar padres nossos e ave Marias e depois procurá-lo na sacristia. A igreja estava vazia. Ela entrou. O padre mandou que ela sentasse em seu colo. Ela acreditou que ia ser consolada e o padre iria conversar com seu pai. Não era assim. Nunca foi. Ela sentiu o membro do Padre entumecendo. Sentiu as mãos do padre acariciando seu corpo. Ele pegou em sua mãozinha e colocou em volta do seu membro. Um susto, nunca pensou que isto pudesse acontecer. Saiu correndo. Agora passou a ficar com medo de estar em casa sozinha. Não tinha amigas para onde ir. Esperou Nonô sair do serviço na padaria. Ele se assustou. Contou para ele tudo. – Resolveram fugir da cidade. Ir para onde? Ela disse que preferia morar no inferno. Qualquer lugar serve. Ela não entendia o que queriam com ela. No dia seguinte ela fugiu de casa e partiu com Nonô.

                          Andaram por muitas léguas pela estrada. Ninguém dava carona. Parou um caminhão. Uma carreta, enorme. O Motorista moreno, forte um grande bigode parou e deu carona. Não deu um sorriso. Só olhou de soslaio para Mel. O que vinha a seguir seria a morte para qualquer um. Foi à primeira vez de Mel. Maldito. A possuiu com força na cabine. Doeu de mais. Ela gritou pediu pelo amor de Deus que parasse. Nonô não podia socorrer. Levou um soco e foi jogado fora da cabine. Ela nem sabia se ele estava morto. Mel desmaiou. O maldito depois de horas abusando dela a jogou na estrada e se foi. Mel ensanguentada se arrastava no asfalto. Muitos passaram e assustados não pararam para socorrer. Uma Mercedes preta parou. Desceu um homem pequeno. De terno. Seu rosto tinha uma enorme cicatriz. Pegou Mel no colo e a levou para seu carro.

                         Passaram não menos que seis anos. Mel agora estava com dezenove. Se sorrisse podia se dizer que era linda. Mas Mel nunca mais sorriu desde que foi estuprada covardemente pelo caminhoneiro. Até hoje ela se sentia suja. Nenhum banho a limpava. Morava em uma mansão nos arredores de Paris. Seu novo protetor tentou de tudo para vê-la sorrir. Mel gostava dele. Foi o pai que ela não teve. Apesar da cicatriz ele não era feio. Rico, riquíssimo. Tentou colocar Mel em uma escola famosa para moças na Basileia. Mel não quis. Mel não queria nada. Achava que devia ter morrido. Roodney tentou de tudo. Fez de Mel uma filha que não teve. Sentiu uma enorme revolta quando a encontrou caída na estrada.

                       Nunca contou para Mel, mas ele mesmo fez questão de castigar o caminhoneiro. Naquela tarde parou em um posto de gasolina para abastecer e ver se Mel queria alguma coisa. Ela agora não chorava mais e nem mostrava sentir suas dores. Antes pararam em uma clinica em uma pequena cidade a beira da estrada. Fizeram tudo para ela ficar internada. Não quis. Jurou que ia fugir. Roodney tinha compromisso em Belgrado. Não podia ficar. No posto de gasolina viu um caminhoneiro grande, enorme dando gargalhadas em uma mesa com os outros amigos. Ouviu dele o que tinha feito a uma menina na estrada. Contava como se fosse tudo natural. Roodney o matou com dois golpes mortais de caratê. Ele era um mestre. Não precisou de ajuda. Ele não estava sozinho. Seu motorista e o segurança estavam com ele a mais de dez anos e sabiam manejar qualquer arma.

                        Ficaram um dia em São Paulo. Roodney disse que ia partir para a Europa. Não gostaria de deixa-la ali sozinha sem proteção. Ela o encarou e disse – Me leve com você. Nasceu daí uma grande amizade. Roodney a considerava a filha que não teve. Deu tudo que podia dar. Mas nunca conseguiu um sorriso. Nestes seis anos Mel aprendeu muito. Roodney viajava muito. Mel ia junto a não ser em alguns lugares que ele achava perigoso. Ela já sabia que ele era um grande traficante de armas pesadas. Chegou a armar diversos países sul africanos e americanos. Todas as policias do mundo gostariam de colocar a mão nele, mas não tinham provas. Mel gostava de ficar na Mansão de Paris. Ele tinha também um chalé na Suíça. Ela ia pouco. Não gostava de frio. Um dia sentiu saudades de sua cidade. Chorou porque sentia saudades também de sua mãe. De seu pai não. Comentou com Roodney. Ele sorriu. Deixe comigo, vou comprar a melhor casa de Vale da Lua.

                      Não foi difícil. Tinha um amigo que conhecia o Coronel Jerônimo. Ele estava devendo muito a este amigo. Quando viu a quantia que ofereciam vendeu logo. Comprometeu-se a não dizer para quem vendeu. Roodney depositou para ela uma grande quantia no banco. Um cartão de crédito sem limites. Colocou lá seis seguranças escolhidos a dedo entre seus homens. Lastimer ficou responsável por ela. Era seu braço direito. A acompanhava sempre aonde ela ia. A cidade em peso um dia a viu descer da Mercedes azul sem capota. Ninguém a reconheceu. Um frenesi geral. Fez algumas compras na loja do Turco e no Mercadinho do Zuzinha. Todo mundo nas janelas. - Quem era? Parece linda! Uma princesa? – Mel não conversou com ninguém. Entrou na igreja. O padre Thomaz veio correndo subserviente. Mel olhou para ele – Lembra-se de mim? – Não senhorita! Ele disse. Eu vou te amaldiçoar o resto da minha vida, seu sacana filho da puta!  Ela disse. Você não perde por esperar.

                     O Padre Thomaz passou uma tarde pensativo, preocupado e com medo. Quem era ela? Dormiu e acordou afoito. Mel! Era Mel! Meu Deus! Ela não tinha se esquecido do que eu quis fazer com ela. – Comentou com Matilde que fazia limpeza. Em menos de uma hora a cidade inteira sabia quem era a madona da mansão. Os pais de Mel ficaram sabendo. Correram até a mansão. No portão foram barrados. Mel só deixou sua mãe entrar. Falou pouco. Não contou nada de sua vida. Mel chorou aquele dia. Ela não tinha mais ódio de seu pai e sua mãe, mas achou que ainda não estava preparada para contar sua história. Um dia pela janela avistou um jovem moreno fazendo a entrega de pães. Meu Deus! Era Nonô! Estava vivo. Foi correndo ao portão. Ele quando a viu ficou com medo. Ela o abraçou. Ele tremeu ao ver os guarda-costas olhando sério para ele.

                     Mel ficou amigo de Nonô. Nada mais que isto. Não era mais o homem de sua vida. Mandou chamar seus pais. Comprou uma nova casa para eles. Seu pai sempre a olhava de cabeça baixa. O Padre Thomaz nunca mais apareceu. Pediu transferência para o Bispo. O medo grande de ser espancado pelos guarda- costas. Mel não deu satisfação para ninguém. Uma tarde Roodney chegou à cidade. Junto com ele mais de cem homens. Disse para Mel que ela devia ir embora. Aqueles homens eram mercenários. Iriam se entrincheirar no sitio fazer barricadas, pois uma guerra iria começar. Tudo que impedisse a entrada seria válido – Mas por quê? Disse Mel. – Querida filha, estou cansado de fugir. Vendi para um general fajuto no país pequeno da África diversas armas. Quando eram entregues o exercito do imperador atacou e matou quase todo mundo. Ele acha que fui eu quem deletou. Já tentou me matar em vários países. Agora chega. Não vou fugir mais.

                     Mel se recusou a sair. Ela não acreditava que alguém de outro pais fosse atacar Roodney ali. Afinal ainda havia leis no Brasil. Um exército em atividade. – Vou ficar – Se não fosse você eu teria morrido! Você me devolveu a vida! Quatros meses aquela movimentação de guerra no sitio. O delegado via tudo assustado e comunicou as autoridades na capital. Um general foi enviado para ver o que seria. Ficou estarrecido. Tentou conversar com Roodney e nada. Mandou avisar que traria um unidade do exército. Ou ele conversava por bem ou por mal. Não deu tempo. Zito Mobutu entrou na cidade com mais de trezentos homens. Vale da Lua virou uma praça de guerra. A população corria para o mato, para os morros e quem tinha carro sumia pelas estradas vicinais, estaduais e federais.

                   Cinco dias depois o Exército federal chegou. Mais de cinco mil homens. O General Afonso deu um ultimato para encerrar a luta. Ninguém ouviu o Exército. Uma ordem do presidente e aviões da força aérea bombardearam o sitio e arredores. Em volta centenas de repórteres de jornais, revistas rádios e TVs. Até a CNN estava lá. O Exército invadiu. Uma matança. Dois dias. Cadáveres e cadáveres. A paz voltou. Mais de duzentos mortos. Ninguém se entregou. Uma carnificina. O sitio destruído. Não encontram Roodney e Mel. Sumiram. Ninguém sabia onde teriam ido. Tornou-se o homem mais procurado do mundo. A Interpol tentou em todos os países onde podia agir. Dois anos depois a imprensa já tinha esquecido o acontecido em Vale da Lua. Acharam que Roodney tinha morrido na luta, pois vários mortos ficaram irreconhecíveis por causa do bombardeiro.

                     Era uma fazendinha no sul do Pará. Umas oitocentas cabeças de gado, uma boa aguada, o Rio Corrente atravessando a fazenda e Seu Honório e sua filha Larissa viviam uma nova vida. Nonô estava na mansão quando o tiroteio chegou ao auge. Mostrou um caminho onde fugir. Roodney Mel e cinco dos seus homens seguiram Nonô. Compraram o caminhão do Senhor Joelmir, dono de uma serralheria. Nonô foi com eles. Não havia militares na estrada. Compraram a fazenda. Roodney e Mel, ou melhor, Seu Honório e Larissa viveram ali para sempre. Mel não se casou. Nunca mais foi de ninguém. A sequela do estupro marcou para sempre. Nonô ficou trabalhando na fazenda. Roodney, ou melhor, Seu Honório dava uma ou outra escapulida até Nova Fonte. Lá se abastecia de algum dinheiro no banco. Sempre fazia transferência de bancos suíços. Não muito. Não queria dar a vista.

                      Mandou fazer um aeroporto na fazenda. Não possuía nenhuma aeronave. Alugava. Um simples telefonema e em menos de duas ou três horas ela estava à disposição. Viajavam muito pela Europa. Deixou crescer a barba. Fez uma operação no nariz e Mel usava lente escura. Não ficavam nos melhores hotéis para não dar na vista, mas não deixaram de viajar por todos os lugares que desejavam. Viveram por muitos e muitos anos, dizem que morreram já na velhice de “morte morrida”.  Os pais de Mel morreram sem ter a presença dela. O padre Thomaz foi encontrado enforcado um dia no quintal igreja. Ninguém nunca soube o porquê. E assim terminada a história. A história de Mel que não é mais virgem e virou mulher!

Soneto da mulher inútil

De tanta graça e de leveza tanta
Que quando sobre mim, como a teu jeito
Eu tão de leve sinto-te no peito
Que o meu próprio suspiro te levanta.

Tu, contra quem me esbato liquefeito
Rocha branca! Brancura que me espanta
Brancos seios azuis, nívea garganta
Branco pássaro fiel com que me deito.

Mulher inútil, quando nas noturnas
Celebrações, náufrago em teus delírios
Tenho-te toda, branca, envolta em brumas.

São teus seios tão tristes como urnas
São teus braços tão finos como lírios
É teu corpo tão leve como plumas.

sábado, 24 de outubro de 2015

O estranho funeral de Jacinto Malaquias


O funeral azul
Parem já os relógios, corte-se o telefone,
dê-se um bom osso ao cão para que ele não rosne,
emudeçam pianos, com rufos abafados
transportem o caixão, venham enlutados.
Descrevam aviões em círculos no céu
a garatuja de um lamento: Ele Morreu.
no alvo colo das pombas ponham crepes de viúvas,
polícias-sinaleiros tinjam de preto as luvas.
Era-me Norte e Sul, Leste e Oeste, o emprego
dos dias da semana, Domingo de sossego,
meio-dia, meia-noite, era-me voz, canção;
julguei o amor pra sempre: mas não tinha razão.
Não quero agora estrelas: vão todos lá para fora;
enevoe-se a lua e vá-se o sol agora;
esvaziem-se os mares e varra-se a floresta.
Nada mais vale a pena agora do que resta.
O estranho funeral de Jacinto Malaquias
                    Era estranho, muito. Jacinto não reconhecia aquele salão. Nunca o tinha visto, afinal sua cidade pequena não possuía salões assim. Lá dentro viu várias pessoas, muitos amigos. Seria uma festa? Festa estranha. Todos sussurrando, não havia musica. Grupinhos aqui e ali. Num canto do salão Pedro Bala e Antonio da Linda davam risadinhas sacanas. Claro, eles eram sempre assim. Nanci da Nadir e Napoleão espoleta também estavam lá. Sempre agarradinhos. Os dois namoravam há quinze anos (risos), nem noivos ficavam. Diziam que assim que era melhor.
                   Jacinto pensou que poderia estar em um sonho. Mas não se lembrava de ter dormido. Claro já tinha tido outros sonhos, mas nunca tão real como esse. Viu no fundo do salão uma figura de um homem que ele não conhecia. Fazia sinais para ele se aproximar. Ao adentrar viu na entrada uma plaqueta escrita – Jacinto Malaquias – 1980-2010. Era ele! Então estava sendo homenageado? Sorriu e entrou. Nunca na vida recebera uma homenagem. Viu seu avô em um canto sentado em uma cadeira de cabeça baixa. Sua avó não estava. Claro morrera cinco anos antes.
                     Quando estava entrando ouviu um sussurro no salão, olhou e viu Maysa chegando. Estava linda! Toda de preto com um véu negro sobre os olhos. Nossa! Como estava linda! Durante seus cinco anos de casados ele nunca tinha visto ela tão linda. Ela passou por ele sem dizer nada. Ele não se preocupou. Era sempre assim. Ela só o procurava quando queria. Nunca parava em casa. Mas ele gostava tanto dela que alem de ganhar seu sustento na sapataria, também fazia a limpeza da casa e as refeições diárias.
                     Ele sabia disso quando casou com ela. Diziam que era frívola fútil e interesseira. Não era surpresa. Afinal era a única que desde os doze anos só andava com um “micro-saia” que os homens adoravam e as mulheres detestavam. Sabia até que ela tinha vários casos com diversos homens da cidade. No entanto nenhuma mulher se interessou por ele nesses seus trinta anos de vida. Disseram-lhe uma vez que o homem verdadeiro quer duas coisas: perigo e jogo. Por isso escolhe a mulher, o jogo mais perigoso. Seria mesmo? Ela o enfeitiçou. Entrou na sua sapataria com um salto alto que quebrou. Sussurrou baixinho se ele podia fazer alguma coisa.
                    O que ele não faria por aquela mulher? Todos na cidade a desejavam. Jacinto sabia. É mais claro que o sol que Deus criou a mulher para domar o homem. E olhe, o homem que não mente para uma mulher tem muito pouca consideração pelos sentimentos dela. Risos. Jacinto era louco por Maysa. Depois da primeira vez ele voltou varias vezes na sapataria. Ele ficava sem ter o que falar. Só olhava para ela. Um feitiço isso sim ela tinha colocado nele. Um dia quando estava fechando ela chegou. Ajudou a fechar a porta e ficaram dentro da sapataria. O que ela fez quase matou Jacinto.
                 Jogou-o com força sobre uma velha poltrona de couro marrom rasgada. Pegou um cinto e bateu nas pernas dele. Ele estava atônito! Quando ia reagir ela começou a se despir. Devagar. Sensual. Jacinto ficou petrificado! Deus meu! Ela tinha um corpo fenomenal. Única loira autentica da cidade. Cabelos curtos, olhos azuis profundos. Ficou nua na sua frente. Jacinto não fez nada. Estava tremendo. Ela rasgou as roupas de Jacinto. Ela o possuiu. Jacinto fechou os olhos. Achou que estava no paraíso. Sempre fora assim. Terminavam e ela sussurrava em seu ouvido - “quero mais!”
                 Casaram-se na igrejinha de São Francisco numa tarde de setembro. Ele nunca esqueceu aquele dia. Seu vestido de noiva era transparente e mostrava a calcinha biquíni preta. Ela não usava sutiã. Terminado o casamento, por sinal bem concorrido ela sumiu. Sumiu mesmo da cidade. Voltou duas semanas depois. Foi para a casa de Jacinto. Entrou olhou para ele e não disse nada. Com o dedo polegar fez sinal para ele segui-la. Ele suspirou fundo. Achou que deveria inquiri-la, mas se calou. Ele era assim e aquela mulher o dominava. Toda a cidade sabia como ela era todos os homens a desejavam e Jacinto foi um privilegiado. Ele sabia que ia dividir. Seria normal.
                Durante cinco anos seu casamento foi entremeado de idas e vindas de Maysa. Interessante que nunca pediu dinheiro a Jacinto. Sempre quando sumia deixava uma boa quantia em cima da penteadeira. Jacinto não usava. Abriu uma poupança em nome dela. Um dia fechou a sapataria e ao chegar em casa ele viu saindo o Vadico do seu Leôncio. Ele conhecia Vadico. “O garanhão”, todos os chamavam de ‘gostosão da cidade’ o tal ‘Ricardão”. Nem se deu o implante de cumprimentar Jacinto. Ele a encontrou deitada, nua, de pernas abertas e molhadas, olhando para ele. Claro, esqueceu tudo e cumpriu sua função de marido.
                Agora ele estava ali, naquela festa estranha, ou melhor, dizer bizarra depois que Jacinto viu seu pai e sua mãe em volta de um esquife dourado. Ora, quem seria? Porque seu pai e sua mãe estavam chorando? Jacinto viu quando Maysa se aproximou deles e levantando o véu viu que algumas lágrimas desciam dos seus lindos olhos azuis da cor do céu de outono. Queria se aproximar, pois o amigo que tinha feito o sinal insistia em sua presença. Ele foi até ele. O cara que não conhecia sorriu e disse – “Bem vindo ao clube dos chifrudos mortos!”
                Ele deu uma gargalhada e sumiu. Jacinto aceitou. Sempre fora pacato e tranqüilo. Nunca brigou nem reclamou. A vida para ele era assim. Quando alguém perguntava a ele que “A vida é dura’, ele sempre respondia “Comparada a que?”E ainda completava a vida para os desconfiados e os temerosos, não é vida, mas uma morte constante. Simplório este Jacinto. Ingênuo? Não sei. Havia pelo menos umas trintas pessoas na sala, mas em volta do esquife que intrigava Jacinto. De quem seria? Aproximou-se – Nossa! Era ele! Mas não podia ser ele estava vivo, ali presente.
               Deu-se conta que ninguém falava com ele. Tentou falar com Maysa. Ele nem olhou para ele. Chamou sua mãe e seu pai. Nada. Alguém cutucou suas costas e ele se virou e outro estranho sorria, com dois pares de chifres na cabeça. Disse – Quando terminar me procure. Sou o chefe do Clube dos Chifrudos mortos. Vou fazer sua admissão no clube. Ria e a valer e saiu como entrou. Viu Maysa ir ao banheiro. Logo em seguida viu Vadico indo para lá. Ele atravessou a porta com facilidade. Maysa estava sentada no colo dele com a saia levantada e ele sentado no vaso. Ela gemia baixinho e Vadico ria. Se ele estava morto, até no enterro Maysa botava chifre nele?
               Saiu Dalí quando viu dois homens de uniforme dizendo – Chegou à hora, quem quiser que despeça agora. Todos fizeram volta no esquife. O sinal da cruz e os homens fecharam a tampa. Jacinto podia ler os pensamentos e ninguém pensava nele. Ao caminhar nas alamedas da necrópole, viu que os homens só olhavam a “bunda” de Maysa. As mulheres beliscando os homens. Maysa sabia disto e mais se rebolava. Jacinto riu. Gostava disto. Sabia como todos sonhavam em levar Maysa para a cama. Claro muitos levaram, mas ele a levou muito mais.
               Chegaram a um canto bem no final do cemitério. Uma roda, a mãe de jacinto chorava e o pai se despediu dele. Disse um Pai Nosso e Jacinto viu que o pai pensava outra coisa. “Vai meu filho, um frouxo, ficará na memória de todos como o maior chifrudo que esta cidade já teve”. Jacinto não chorava aquilo era estranho para ele. Todos que se aproximaram do caixão para se despedir aproveitavam a multidão (pequena) para passar a mão na “bunda” da Maysa. Que mulher pensava jacinto. Até no meu enterro deixava os homens fazendo “continência”.
               Só então Jacinto percebeu que o cemitério estava cheio. Tinha centenas e centenas de homens, sentados nos muros, nas cruzes, nos mausoléu e nas catacumbas. Todos com um par de chifres na cabeça. Todos riam. Gargalhavam. Gritavam para Jacinto, “Bem vindo ao clube”. Jacinto riu. Parece ser uma turma boa, acho que vou gostar daqui. Os amigos e parentes se foram. A noite chegou. Jacinto tentou sair do cemitério, não deixaram. Tentou dormir também não deixaram. Jacinto era de paz. Não quis discutir. Sentou em um galho de um abacateiro e lá passou a noite.
               Jacinto acordou. Não estava no cemitério. Estava em baixo da mangueira do quintal de sua casa. Ficou de pé. Estranho. Muito. Ele sentia que estava vivo, ficou com sede e foi até a pequena bica que passava em seu quintal. Bebeu com gosto. Olhou para a porta da cozinha. Estava aberta. Entrou. Não tinha café. Ele fez. Bebeu e comeu alguns biscoitos. Foi para a sala. Viu Maysa nua deitada na poltrona abraçada a Vadico. A Televisão estava ligada. Um desenho de Popeye.
               Pela primeira vez não gostou do que via. Uma coisa entrou na sua cabeça. Não sabia o que era. Foi cozinha. Pegou uma faca de cortar carne. Voltou e enfiou de uma só vez no pescoço de Maysa. Ela nem gritou. Passou a faca com o sangue no “penis” de Vadico. Cortou seu saco. Ele berrou. Jacinto bateu com um vaso de flores em sua cabeça. Subiu ao seu quarto, arrumou umas roupas e suas poucas economias. Levou também o cartão do banco onde depositava o dinheiro de Maysa. Ela agora não iria precisar mais.
               Saiu sem fazer barulho. Ninguém o viu. A cidade acordou. O padeiro foi entregar o pão. Jacinto não atendeu. O leiteiro entregou o leite. Ninguém atendeu. Dona Cotinha a vizinha achou estranho. Chamou o Delegado. A porta estava aberta. Viu que Maysa estava morta. Ao lado Vadico desacordado. De Jacinto nem sinal. Foi uma festa na cidade. Fofocas de boca em boca. Vadico matou Maysa porque ela cortou seu saco! Que isso, não foi assim. Jacinto cortou o saco de Vadico e matou Maysa.
              Vadico saiu do hospital e foi preso. Julgado foi condenado por quinze anos de um crime que não cometeu. Mas na cidade todos ficaram aliviados. Enfim deram um sumiço no “Ricardão”. Os maridos sorriram. As mulheres iriam sentir falta. Os pais de Jacinto venderam sua sapataria. O delegado desconfiou que eles soubessem onde ele estava. Juraram não saber. Ficou sabendo que Jacinto fez uma Poupança para Maysa. O gerente disse que tudo foi retirado. Não tinha mais um “tostão’.
              Seis anos depois, Miguezinho um vendedor de utensílios de alumínio da capital, em uma roda de sinuca no bar do Peixoto Pinto Morto, jurou que tinha visto Jacinto em Pacaraima. Uma cidade fronteiriça com a Venezuela. Aproximou-se, mas Jacinto disse que seu nome era Alberico das Flores. Miguezinho disse que não discutiu. Jacinto tinha na cintura um parabellum e seu olhar não era de bons amigos. Na pensão disseram que ele era o maior fazendeiro da região. Plantador de soja. Tinha mulher e quatro filhos. Quem diria.
              É vida. Hoje uma amanhã outra. Se Jacinto ganhou claro que Maysa e Vadico perderam. Mas quem tudo quer tudo perde não é assim que se fala? O tempo não cura tudo. Aliás, o tempo não cura nada, o tempo apenas tira o incurável do centro das atenções. Aconteceu na cidade de Jacinto. Ninguém lembrava mais dele, mas os homens nunca esqueceram Maysa e sua “bunda” de ouro. Enfim, tudo que existe existe. Talvez porque outra coisa existe. Nada e tudo coexistem: talvez assim seja o certo...
Enterro de Maysa

Morreu, vai a dormir, vai a sonhar, deixai-a!
(Fale baixinho, agora mesmo se ficou...)
Como padres orando, os choupos foram ala,
Nas margens do ribeiro onde ela se afogou...

Toda de branco vai, n’esse hábito de opala,
Para um convento: Não o que Hamlet lhe indicou,
Mas para um outro horror! Que em por nome Vala,
De onde jamais saiu quem, lá, uma vez entrou!...

O lindo pôr-do-sol, que era doido por ela,
Que a perseguia sempre, em palácio e na rua,
Vede-o, coitado! Mal pode sustar a vela...
Como damas de honra, ninphas seguem-lhe os rastros,
E assomando no céu, sua Madrinha, a Lua,
Por ela vai desfiando as suas contas, Astros!

Antonio Nobre

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Um poema escoteiro - Quem são eles?


Quem são eles?

Ei você, por favor, me diga, quem são eles?
Estes sorrisos cantorias são mesmo deles?
Aonde vão com essa tralha no costado,
Partem em bandos nem parecem assustados
Dizem que vão para os campos e montes,
Cheios de esperanças a beber água na fonte.

Sei que são meninos cheios de esperanças
A correr com bandeiras nas andanças,
No regato águas límpidas e formosas,
Contam casos contam prosas.
No lusco fusco do sol da tarde
Armam barracas sem fazer alarde.

Usam mochilas, distintivos e chapéu.
Usam lenço amarrados ao arganéu.
Na ravina eles gostam das flores
Orgulham da promessa, dos seus valores.
Armam barracas, arvoram bandeiras.
A moeda da boa ação está na algibeira.

Ei jovem, me diga quem são?
Vejo vocês fazendo boa ação,
Moço, sou menino, sou faceiro,
Olhe bem, sou um Escoteiro.
Amo a Deus, amo meus amigos,
Amo a pátria e da lei os seus artigos.

Pensei que eram simples meninos
Enganei-me, eram divinos.
Batutas, energia que consomem,
Sem duvida em breve serão homens.
Nunca seriam esquecidos forasteiros
Pois ali estavam verdadeiros Escoteiros.

Se um dia perguntarem aonde vão
Diga com calma com amor no coração.
Eles? Meu amigo são alegres são faceiros
São meninos, eles são Escoteiros.
Vivem de sonhos correndo neste céu cor de anil,

São sinceros, são Escoteiros do Brasil!   

sábado, 26 de setembro de 2015

A sombra do medo





Não tenho medo do frio, não tenho medo de nada.
Não tenho medo da vida e com ela me sinto forte,
Minha vida é tristonha, talvez a chuva molhada.
Lembra-me do meu pavor, o choro da madrugada.
Só a solidão me apavora, por isto não tenho sorte.
E repito mil vezes se preciso, eu não tenho medo da morte.
Osvaldo

A sombra do medo

                  Eu tinha 16 anos quando matei meu pai. Não se assustem. Ele merecia. A morte para ele foi até um bálsamo. Eu devia tê-lo capado como se capa uma porca no chiqueiro quando o matei. Não sei se éramos uma família feliz. Não sei mesmo. Eu minha irmã mais velha e a minha mãe estávamos sempre juntas. Quando meu pai vinha da lida na roça, nós ficávamos apavoradas. Meu pai estuprou minha irmã quando ela fez onze anos. Minha mãe não pode fazer nada. Ele a amarrou no pé do Juazeiro que tinha em frente de casa. Eu ele não se preocupou. Tinha apenas seis anos.

                 Dizem que tudo tem uma primeira vez, depois a culpa não mais existe. Torna-se uma rotina. Meu pai fez de minha irmã, uma puta particular. O ódio começou a tomar conta de mim já com meus sete anos. Minha mãe tentou tudo, mas não conseguiu nada. Só perder todos os dentes da boca, devido à sova que levava todos os dias. Minha irmã ficou prenhe e quando nasceu seu menino ela não agüentou e morreu ao dar a luz. Meu pai pegou o bebê e o jogou nas águas do rio Curimataú. Nem soube se ele estava vivo. Se estava às piranhas o comeram vivo.

                 Nosso vizinho mais próximo ficava a mais de vinte quilômetros. Meu pai plantava mandioca, abobora na barranca do rio, tínhamos um pouco de feijão que ele cultivava na larga do capão redondo. Ali também tinha feijão. Soltas em no pasto, oito vacas nos dava o leite do dia. Ovos não faltavam, as galinhas ciscavam em volta da casa. O rio era piscoso. Não passávamos fome, mas ele tinha outra fome. Insaciável. Não dava sossego a Barbara. Era de manhã, de tarde e de noite. Um dia pegou uma vara grossa de marmelo e bateu em minha mãe até ela morrer implorando perdão. Perdão não sei de que.

                 Nessa época tinha feito 10 anos. Meu ódio já existia e eu o olhava como se olhava um monstro. Não sabia que monstro era. Eu não conhecia nenhum, mas tinha ouvido falar. Não aprendi a ler e nem escrever. Meu pai enterrou mamãe junto a Barbara, lá bem próximo à curva das cinco pontes. Não, claro que não havia pontes. Nem sei por que esse nome. Ninguém estranhou. Ninguém deu falta de mamãe e da minha irmã. Não recebíamos visita. Todos tinham um enorme medo de papai.

                 Na primeira noite que ficamos sozinhos, ele se embebedou de cachaça. Me pegou pelos cabelos, rasgou minhas roupas e me comeu como se comesse uma franguinha no mato. Gritei de dor. O maldito nem aí. Quando ele entrou em mim, que dor dos infernos! Filho da Puta eu penso até hoje. Dez anos. Violentada pelo próprio pai. Virei daí em diante, a nova puta de papai. Onze anos, doze, treze e engravidei. Meu neném nasceu e ele o pegou ainda sujo do meu útero. O pobre ainda chorava quando meu pai o jogou no rio. Implorei para não fazer isso. Mas ele nem ligou. Me deu um chute no rosto. Parei de chorar. Agora não falava mais nada. Não valia a pena.

                  Quando fiz dezesseis anos, resolvi acabar com a vida dele. Chegou da lida, pegou a garrafa de cachaça e bebeu feito um porco. Eu sabia como era. Todos os dias a mesma coisa. Se embebedava e vinha me comer. Sem banho, sujo fedendo feito macaco prego do peito amarelo. Naquele dia fingi que gostava, ele estranhou. Disse-me até umas palavras carinhosas. Trouxe mais cachaça. Ele bebeu e ria babando no seu corpo nu. Ficou desfalecido na cama. O arrastei até o pé de Juazeiro e coloquei óleo e querosene que usávamos para as lamparinas, e risquei o fósforo com prazer.

                 Ele berrava de dor, tentou levantar, mas estava muito bêbado e eu tinha um pau enorme e grosso nas mãos. Dei nele uma cacetada e ele desmaiou queimando como se queima a roça abandonada. Ele ainda gemia e eu sorria. Ele queimando se preparando para ir para inferno. Por minha mãe, por Barbara dizia. Pelos bebês que você jogou para as piranhas. Quando o fogo apagou ele ainda não tinha morrido. Peguei a faca de cozinha e cortei o pau dele. Ainda deu um grito estridente. Agora sim, estava morto. O joguei no rio para as piranhas. Não merecia um enterro decente.

                 A vida mudou para mim. Estava agora sozinha. Não tinha idéia do que devia fazer. Meu nome é Branca, minha mãe dizia que significava luminosa, brilhante e eu era uma moça receptiva e otimista. Não sei. Não era nada disto. Eu nunca tive vida própria. Fui até a roça de papai e vi que podia colher muita coisa. Não sabia plantar, mas eu iria aprender. Aprender? Afinal será que ia ficar ali sozinha de novo? Cheguei à conclusão que devia partir. Para onde não sabia. Mesmo assim fiquei mais oito meses sem saber aonde ir.

                Modesto apareceu pela manhã, assim, como se não quisesse nada. Disse que estava de passagem. Perguntou pelo meu pai e minha mãe. Disse mentindo que tinham ido a Lázaro Feliz fazer compras. Lázaro ficava a vinte e dois quilômetros e a pé, quando meu pai ia até lá, demorava dois dias para voltar. Ele apeou do cavalo mesmo sem eu o convidar. Me pediu um gole d’água. Eu já sabia no que ia dar. Afinal ainda era bonita. De pele clara, cabelos castanhos, seios desenvolvidos, um belo corpo para os meus dezessete anos.

                Ele entrou em casa sem me pedir e me chamou dizendo que ia me comer. Outra vez? Pensei. Modesto era forte, muito. Eu não tinha como lutar com ele. Fingi aceitar. Fui até a cama da cozinha, ele tirou a roupa, ficou nu com um membro enorme balançando. Sorri para ele, e comecei a tirar a roupa, disse que antes tinha de lavar o que ele queria. Ele riu. Fui até o gaveteiro, tirei uma enorme faca de capar e limpar porco. Tirei a roupa e com a faca escondida nas costa me aproximei dele sorrindo. Ele ria, agora sim deve ter pensado na foda que ia dar. Vou comer essa linda menina!

                 Modesto Foi comer a mulher do capeta. Lá nas profundas do inferno! Enfiei a faca nele sem dó. Cortei seu pescoço como cortava as galinhas quando eram preparadas para o almoço. Ele deu um grito só e o sangue espirrou para todo o lado. O arrastei até o rio. Coitado do rio Curimataú. Não fazia nada só nos ajudava e tinha que aguentar aquelas “porqueiras’ que eu jogava em suas águas”.

                  Eu já sabia onde papai guardava suas reservas financeiras. Tinha mais de oito mil reais. Um dinheirão. O filho da mãe não gastava e vendia sempre uma vaquinha, um boizinho e nunca nos deu nenhum conforto. Parti em uma manhã de junho. Cheguei à noitinha em Lázaro feliz. Soube que um ônibus partiria às onze da noite para Salvador. Uma viagem gostosa, nunca tinha andado de ônibus. Dez horas de viagem e amanhecemos na capital da Bahia.

                  Me espantei com a cidade, linda, casas e prédios. Procurei uma pensão e me instalei. Meu dinheiro guardei a sete chaves. Debaixo da cama abri um buraco, enterrei numa lata de doce vazia. Fiquei só com duzentos reais. Dormi até tarde. Para dizer a verdade não lembrava mais de nada do que me tinha acontecido. Aqueles dois que matei mereciam. Se tivesse de prestar contas, seria a Deus o meu protetor. O diabo que fosse para os infernos. Risos esqueci que ele morava lá.

                   Seis meses de Salvador, já conhecia a cidade e muitos homens me procuravam, mas eu não me interessei por ninguém. Arrumei um emprego de Gari. Foi ótimo. Fiz muita amizades. Uma noite Marcelinha me convidou para uma festa de aniversário próximo a casa dela. Fui apesar de que não gostava muito de festas. Um homem loiro, até bonito não tirava os olhos de mim. Marcelinha me disse que era Frances. Falava mal o português. Estava de férias e ia voltar para a França daí a uma semana.

                 Aceitei seu convite para sair. Gerard era educado. Muito. Nunca vi ninguém assim. Dizia estar apaixonado por mim. Eu não sabia o que sentia. Uma tarde antes de ele partir me levou a um motel. Foi calmo, amoroso, acho que até gostei do que fizemos. As dores que sentia de meu pai desapareceu. Quando saímos do motel disse que queria casar comigo. Eu iria com ele para a França.

                 Não devia ter aceitado, mas minha amiga tanto insistiu, dizia que eu seria uma Lady ou uma Mademoiselle. Eu nem sabia o que era isso. Mas lá fui eu com Gerard. Que viagem. Uma maravilha. Adorei a viagem de avião. Primeira classe, as moças sempre perguntando o que eu queria. Em París ele me levou a diversos lugares lindos. O Museu do Louvre, o Chateau de Versailles, A Torre Eiffel, o Arco do triunfo, a Basílica de Sacre Coeur. Mas o que mais me encantou foi o Jardim de Luxembourg, um dos mais bonitos de Paris. As flores, as cores delas estavam lindas. Tudo florido. Muita gente sentada nas cadeiras observando. Fiquei ali estática, sem nada dizer.

                 Uma moça ignorante, analfabeta, vivendo aquilo sem saber o que era, foi como um conto de fadas as avessas. Ficamos em Paris uma semana e partimos para Colmar. Seria onde iríamos morar. É uma pitoresca cidadezinha francesa, situada na alsácia bem pertinho da divisa com a Alemanha. Não merecia aquilo. Deus me deu o que eu não podia ter. Gerard me tratava como uma princesa. Sabia que eu era analfabeta e me prometeu ensinar a ler. Claro, seria em Frances.

                 Mas nem tudo que é doce dura para sempre. No segundo mês de casada Gerard foi até Stuttgart na Alemanha a serviço. Gerard era advogado e sempre tinha coisas a resolver fora de Colmar. Ah! Destino. Ele me persegue. Não quer que eu seja feliz. De novo um vizinho gordo, feio e claro, bêbado bateu a porta da minha casa. Abri e ele entrou sem pedir. Eu já o conhecia e educadamente o cumprimentava. Acho que ele não entendeu.

                 Tirou o pinto para fora e disse para eu pegar. Fazia gesto, eu horrorizada tentei sair pela porta correndo. Ele não deixou. Apesar de gordo era forte. Só sabia dizer - Puta brasileira. Puta brasileira. Me arrastou até o quarto, era no andar de cima. Um lance de escada, ele escorregou e caiu com a cabeça no piso. Morreu na hora. Sai gritando chamando os vizinhos. A polícia chegou. Me levaram presa.

                   Eu estava em minha casa, me defendi e fui presa. Mas acho que merecia, matei meu pai e o homem que tentou me estuprar pela segunda vez. Agora não. Não encostei no “leitão bêbado Frances” Ele caiu de bebida no bucho. Gerard tentou entender. Mas não sei se entendeu. Acho que ele acreditava que eu queria alguma coisa com o vizinho, pois só assim ele entraria na casa. Ele até que foi condescende. Pagou um advogado, pois ele não queria me defender.

                    Fui condenada a 18 anos de cadeia. Sem direito a sair mesmo com bom comportamento. Estou aqui há 15 anos. Falta somente três. Fiz muitas amigas aqui na prisão. Todas elas me disseram que poderiam me ajudar quando eu saísse. Eu não sabia se ia voltar para o Brasil. Acho que lá o passado poderia voltar. Gerard nunca me visitou. Uma amiga de cela ficou marcada em meu coração. Rosália era natural de San sebastian, uma cidade localizada a beira mar no golfo de Vizcaia, no norte da Espanha. Ela dizia que era linda. Me lembrei de Salvador.

                    Quando sair, irei morar lá com Rosália. Ela nunca me disse o que fazia e nem perguntei. Mas acredito que depois de tudo que passei, mereço uma vida melhor e vou lutar por isto. Sei que não será fácil, mas eu vou conseguir. As lembranças do passado já estão sendo esquecidas. Meu pai e Modesto devem estar junto se abraçando com o demônio, pois nunca mais voltaram a me importar com pesadelos. Não posso dizer que Deus os tenha. Mas digo com prazer, que o tinhoso, o maldito, o coisa-ruim e o lúcifer das trevas proteja-os para nunca mais sair deste fogo dos infernos.

Futuro?
Uma palavra muito difícil de dizer diante do presente, pois não sabemos o que vai acontecer diante dele para existir esse tal de futuro. Pode ser que tenha planejado ele, mas de uma hora prá outra todas suas idéias podem mudar.
Quem já não pensou como vai ser? Se realmente vai ser do jeito que pensou? Mas isso só Deus sabe, não é a gente que decide.
Existem várias formas de fazer um futuro, como pensar o que vai ser da minha vida profissional, meu casamento, filhos e por aí vai...
Sendo que primeiro na nossa vida temos que ter o presente, para depois termos um futuro, e isso não é uma vidente que vai descobrir. Você mesmo pode fazê-lo e também escolher quem vai estar nele junto com você.
Para isso é só ter força de vontade e ser feliz, para que seu esperado futuro seja tranqüilo e seguro. E pensar que o futuro sempre está começando agora.

Eliene – blog – Vejo o mundo de outra maneira.               

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Martinha Trambiqueira e sua morte por encomenda.



Epitáfio.
Ainda correm lágrimas pelos
Teus grisalhos, tristes cabelos,
Na terra vã desintegrados,
Em pequenas flores tornados.

Todos os dias estás viva,
Na soledade pensativa,
Ó simples alma grave e pura,
Livre de qualquer sepultura!

E não sou mais do que a menina,
Que a tua antiga sorte ensina.
E caminhando de mão dada,
Pelas praias da madrugada.
Cecília Meireles.

Martinha Trambiqueira e sua morte por encomenda.

                  Para que lembrar o que eu fui no passado? Interessa a você em saber que meu pai tentou varias vezes me violentar? Interessa a você saber que minha mãe não estava nem aí e nunca se interessou por mim? Claro que não. Meu passado é meu e não interessa a ninguém. Até o Delegado Jokito um dia achou que seria meu pai meu patrão e meu amante. Eu tinha quinze anos e já era mestre em bater carteiras e dar golpes. Adorava ver a cara de um otário se achando. Risos. Mas voltemos ao delegado Jokito ele me prendeu e me levou para sua casa. – Martinha, disse ele – Você vai trabalhar aqui, vou lhe dar um salario e em troca vai fazer a limpeza da casa. – Maldito eu sabia o que ele queria. Mas não iria esperar a noite chegar. Ele fez muitos elogios e ameaças antes de sair para trabalhar. Limpei a casa dele. Descobri no armário do fundo do quarto que ele guardava roupa de mulheres e cinco perucas. Então o valente Delegado era bicha? Vi tantas coisas na vida que mais essa serviu para não acreditar em ninguém. Ainda bem que um vestido me serviu. Eu tinha um belo corpo e jurei que ninguém iria me tocar sem eu autorizar. Sumi de Sumidouro das Vertentes naquele dia e nunca mais voltei. Ria a mais não poder em pensar naquele delegado filho da mãe. O maldito deve ter ficado uma fera.

      Cheguei a Belo Horizonte de carona com um caminhoneiro. Outro palhaço que achou que eu ia dar para ele em troca da sua boa vontade em me levar. Quando tentou tirei da bolsa um pequeno 32 que roubei do delegado e mostrei a ele. – Se tentar vai ganhar tantas balas no bucho quem vai alegrar as buchudas elas saberão fazer de você seu regalo. Irás servir de pasto para as formigas. O moço fechou a cara e na entrada de BH me mandou descer. Ir para onde? Próximo à rodovia avistei um bar. O lugar preferido dos otários. É neles que os bebuns rezam para serem roubados. O dono se arreganhou todo quando entrei. Deve ter pensado que ali tinha carne nova. – Veio com uma conversa que logo manjei ser conversa fiada. – Fiquei viúvo cedo. Preciso de uma mulher para me ajudar aqui no bar e em casa. Só esqueceu-se de dizer que eu iria dividir a cama com ele. Novinha e bonitinha, cabelos negros longos, seios fartos e pernas lindas eu seria um prato feito para ele. Eu precisava do emprego e naquele momento não falei nada. A noite ele chegou. Fiz um jantar caprichado. Sentei com ele a mesa e botei o revolver em cima. – Nestor! Eu disse. Preciso trabalhar até arrumar um lugar para ficar. Se você se portar como um cavalheiro serei sua cozinheira e ajudarei no bar. Todos os dias quero ser liberada às cinco da tarde. Sábado meio dia, domingo folga. Pode me pagar um salario mínimo e me arrumo.

       Nestor nunca mais sorriu para mim, mas ficamos juntos no bar e em sua casa por pouco tempo. No domingo na Praça Sete no Bar do Piaba encontrei um parceiro. Dos bons. Ele me olhou e sabia quem eu era e eu também sabia quem se tratava. Fizemos uma dupla de dar água na boca. Jojoca era bom no que fazia e coloca bom nisto. O cara era demais. Ensinou-me truque do arco da velha. Não perdoava ninguém e mesmo com o coração doendo por enganar aposentados velhinhos eu precisava da grana. Ganhamos uma dinheirama com o golpe do bilhete premiado. Meu Deus quanta gente otária. Pareciam pedir para serem roubados. Foram muitos golpes o maior foi com um fazendeiro otário de Teófilo Otoni. Gabava-se de ser um grande minerador de pedras preciosas e volta e meia ia para os States. Levou-me para o motel e disse que sem banho minhas pernas não se abririam. Ele foi correndo se lavar e quando voltou deve ter visto que eu tinha me mandado com sua carteira o dinheiro e o cartão de crédito. É como dizia minha avó, enquanto houver cavalo São Jorge não anda a pé. Jojoca meu novo parceiro de golpes sempre foi respeitador. Nunca me pediu para dormir comigo e nunca me relou. Não era bonito e seu bigodinho não enganava ninguém. Não sei por que tive uma queda por ele. Se tivesse pedido teria “dado” para ele. Não pediu e com dois meses juntos desapareceu. Procurei em todo lugar e nada. Não ia desaparecer assim como o vento. Nada disto. Ele tinha sido desovado em algum lugar por um figurão que perdeu dinheiro com ele.

             Nestor se esqueceu de mim. Aparecia de vez em quando só para dormir no quartinho dos fundos. Um ano se passou e estava aproximando a data do meu aniversário de 17 anos. Ainda era virgem. Encostar-se a mim era encostar-se ao capeta. Sabia que era gostosinha e apetitosa, mas meu “negócio” não tinha dinheiro que pudesse pagar. Juramento jurado não ia voltar atrás, só se for por amor. Amor? Amar quem? Bem Jojoca se foi e nem sei se iria aparecer outro. Tinha juntado no Banco do Brasil mais de trinta mil reais e guardado a sete chaves cinco mil dólares americanos. Resolvi alugar um apartamento proximo a Praça Raul Soares. Foi difícil subornar alguém para seu minha avalista. Tudo estava indo a mil maravilhas. Mas tudo que é bom dura pouco. Um “bosta” de um investigador começou a dar em cima de mim. Ria e dizia que sabia quem era eu. Uma tarde quase escurecendo me levou em seu carro em um Motel na Pampulha. Nem entrei. Proximo ao Cassino pedi para parar que ia dar um beijo nele. Ficou super “tesado” quando peguei no “troço duro” dele. Tirei da minha bolsa o 32 e dei um só tiro na testa do meganha. Nem gritou. Ficou deitado em cima do volante parecendo estar dormindo. Saí e fui a pé até proximo ao Aeroporto da Pampulha. Peguei o ônibus de volta a cidade e ninguém até hoje sabe quem matou aquele filho da puta.

          Acham que me arrependi? Que me estressei? Que fiquei com dor na consciência? Necas e necas. O mundo não merecia um merda como ele. Fiz um favor ao santo protetor dele. Mesmo assim resolvi sair de BH. Fui para São Paulo. Achei que lá grande demais eu sumiria na multidão. Aconteceu mesmo, mas com seis meses a merda entornou. Nunca na vida ninguém me enganou. Achava que eu sabia reconhecer o santo do velhaco, o sabido do idiota. Não sabia. Na São João eu só ia de passagem. Lá tinha era muito lobo e quase nenhuma ovelha. Policiais aos montes querendo dinheiro e cafetão valente para me colocar na vida e comer meu dinheiro e algum mais. Cai na asneira de ir até próximo ao vale do Anhangabaú. Que bosta, pela primeira vez fui enganada. São Paulo prometia e meus trinta mil já haviam se transformado em cento e vinte mil. Dos cinco mil dólares agora eram dezoito mil. Sempre sonhei em dar golpe em Nova Iorque. Seria o máximo, pois milionários de todo o mundo faziam pic nic lá. Tony Marcoso era bonitão. Lindo mesmo. Um homem para toda mulher se apaixonar. Conversa mole, sabia usar as palavras que eu não conhecia.

          Quando o vi pela primeira vez achei que poderia ganhar uns tostões a mais. Ele estava no Bar do Girafa e metia a mão no bolso para pagar a conta. Tirava dezenas de notas de cem. Pensei comigo – Este está no papo! Pagou-me uma coca cola duas coxinhas e duas empadas. Convidou-me para conhecer seu sítio. – Não é longe disso, proximo a Itu. Podemos ir amanhã durante o dia. Sou respeitador não vou fazer mal a você, pode contar com minha discrição e honestidade. Deus do céu! O filho de uma égua me enganou direitinho. Tinha já dezenove anos e seis de trambicagem e cai na conversa de um “lagarto” verde? Quem sabe foram os seus dentes bem colocados e sua língua pequena, seus lábios molhados e seu penteado para trás com os cabelos caindo na testa que me encantou? Tudo bem pensei comigo. Vamos lá e junto meu inseparável amigo de todas as horas, meu trinta e dois.

          Nunca tinha passado na Castelo Branco, uma estrada para ninguém botar defeito. Ele me mostrou Alphaville e disse que tinha uma vivenda lá. Disse que era linda e um dia iria me mostrar. O desgraçado se portava como um conquistador, querendo me impressionar e a “besta” que sou eu estava caindo em sua lábia. Antes de Itu ele entrou em uma estrada próxima a São Roque. Rodamos mais de seis quilômetros até o sitio. Sitio? Um castelo isto sim. Bonito demais. Por dentro a casa era um sonho e logo coloquei meu biquíni e fui para a piscina. Maravilhoso, que gostosura, uma vida que nunca tive. Até pensei que se ele esperasse um dia poderia “dar” para ele. Seria o primeiro e nem sei se arrependeria. Ele com seu jeito de conquistador e educado, apareceu de sunga e seu “negócio” quase saltava para fora. Veio com um copo de limonada natural e pedras de gelo boiando. Que vidão eu estava tendo. Nadamos, e antes do anoitecer senti uma sonolência enorme. Devo ter desmaiado, pois acordei com um gosto de urina na boca e presa por uma corrente e um cadeado próximo a um beliche de pedra. Meu corpo doía horrivelmente. Abri os olhos e dei de cara com outra jovem morena, nova amarrada como eu. Ela me olhava com olhos arregalados e estava quase nua. Seu corpo estava cheio de hematomas.

          Tentei falar com ela e ela só grunhia. Abriu a boca e me mostrou que sua língua fora cortada e ainda mostrava sinal de feridas em toda a boca. Estava estupefata e com um medo enorme de tudo aquilo. Nunca pensei passar por isto. Olhei melhor o buraco que estava. Ela junto à janela gradeada e no chão ao seu redor fezes e poças de urina. Que monstro estava fazendo tudo aquilo? Nem deu tempo de pensar mais, pois a porta rangeu e ele entrou. Nu em pelo. Seu membro estava duro como pedra. Chegou perto da outra e se masturbou jorrando todo seu néctar no corpo da jovem todo maltratado e fedido. Veio para mim e o xinguei de tudo. Filho da Puta, Viado, Filho da mãe, de uma égua e ele ria. Um sorriso idiota. Pegou um alicate na mesa e chegou perto de mim dizendo – Pegue nele, se morder ou apertar de mais vou lhe arrancar uma unha. Gritou para a outra: - Pietra mostre suas mãos para esta cadela! Ela não disse nada e me mostrou. Quase todas suas unhas arrancadas a alicate. Estava horrorizada.

      Peguei no seu membro e logo ele gozou. Acho que ficou satisfeito, pois foi embora. Onde estava? O que estava fazendo ali? Que diabo estava acontecendo? Comecei a chorar e convulsivamente sentei e passei as mãos no joelho em posição fetal deitei. Acho que fiquei horas ali sem saber o que fazer. Não sabia se era noite ou dia. Olhei melhor a menina que estava comigo. Estava deitada. Branca, não se mexia. Só podia estar morta. Quanto tempo demorou tudo aquilo para ela? No dia seguinte ele voltou. Viu que ela não se mexia. Tirou a chave do bolso e a soltou. Pegou-a pelos cabelos e saiu pela porta arrastando o cadáver da menina. Algumas horas depois voltou. Um arroz fedido e farinha e jogou no chão para mim. Chão sujo, urinado, mas tinha dois dias que estava ali, não tive outro jeito senão usar as mãos que ainda tinha e comer aqueles restos. Sabia que se ficasse sem em breve também morreria.

            Ele ainda não havia me tocado, em nenhuma parte do corpo. Só gostava de se masturbar e pedir para eu fazer para ele. Não havia como fugir, a corrente era forte e o cadeado enorme. Vi próximo à porta um grampo. Pequeno, quase escondido no meio da sujeira. Quando ele saiu tentei pegá-lo com os pés. Custou mas consegui. Nem tentei abrir o cadeado por a porta rangeu e ele entrou. Nu como sempre. Levou aquele “troço” duro e sujo na minha boca. Meu Deus que vontade de esganá-lo. Cortar sua língua aprisioná-lo ali como ele fez com a outra e comigo. Não tinha como reagir. Precisava sobreviver para matá-lo. Comia no chão os restos de comida que ele deixava para mim. Um buraco proximo ao catre que dormia ele jogava agua. Bebia como se fosse um animal. Fiquei vários dias tentando abrir o cadeado com o grampo. Nada. Ele nem traque dava. Mas não desisti. Meus lábios estavam inchados. Sentia em meu corpo comichão mordido por larvas que se divertiam comigo. Era um trapo. Não entedia porque ele fazia tudo isto. Não o xinguei mais. Não adiantava. Meu plano era me soltar e aí ele iria pagar tudo aquilo.

             Um dia como sempre a porta rangiu. Ele entrou com uma menina nos braços. Prendeu seu pulso a corrente do cadeado. Cabelos loiros, não mais de que uns dezoito anos ou menos. Ela acordou apavorada e gritando. Pedia sua mãe, seu pai seus irmãos. Ele correu até ela e a esbofeteou varias vezes. Tanto que ela desmaiou. Ele suava e colocou a mão no coração. Ficou branco, gemeu alto de dor e caiu feito um dormente de estrada de ferro no chão. Sua cabeça se esborrachou. Bem feito eu sorria. A menina não parava de gritar. Tentei chegar proximo a ele para pegar a chave do cadeado. Mais de um metro de distância. Ele estava morto. Que o capeta leve sua alma e a enterre no fundo dos infernos. Agora precisava me libertar. Só tinha o grampo e minhas forças estavam se esvaindo. Mais um dia e nada. A menina parou de gritar e me olhava de olhos esbugalhados. Ainda iria aguentar algum tempo não muito. Fiquei bem próximo a ela e expliquei que se eu morresse ela devia tentar. Não haveria mais água e comida. Ele iria apodrecer ali na nossa frente.

        Minhas forças estavam sumindo. Enquanto aguentei contei tudo para ela da minha vida. Fui enganada por um Don Ruan do mal. Ela contou o mesmo. Acreditou que ele a amava. O convite ao sitio foi um pulo. Seus pais não deviam procurá-la tão cedo. Era estudante de engenharia, morava na USP e eles no interior. Ela passava meses sem dar notícias. Estava aterrorizada, pois nunca pensou em passar por aquilo. Ficamos amigas enquanto me mantive alerta. A comida e a água não existia. Sabia que iria morrer em breve. Ouvi um estalo. O cadeado se abriu do nada. Achei que era de tanto tentar. Sorri um sorriso azedo. Soltei a corrente e tentei levantar. Não consegui. Fui até o bolso do maldito e nada. Não havia chave. Seu corpo já estava em decomposição. Disse a ela que iria buscar socorro. Ela me pediu pelo amor de Deus para ficar. Estava com medo de ficar só. Volto logo eu disse. Vou tentar achar comida e um martelo. Se ali tiver um telefone melhor, pois logo iriamos sair. Fui me arrastando até a porta. Custei a ficar em pé. Na cozinha muitos biscoitos mortadela e salame. Pão Velho que adorei.

          Achei uma machadinha pequena. Já estava me recuperando e enchi um prato de pão com mortadela para ela e água fresca. Ela riu e chorou quando me viu. Achou que não ia voltar mais. Demorou mais de duas horas para arrebentar o cadeado. Ela não ficava em pé. Fomos para a sala e não tinha telefone. Deixei-a comer com calma. Coma eu disse, quando estiver melhor vamos embora daqui. Lá fora escurecia. Ela me pediu para irmos embora. Pensei em dormir ali aquela noite. Estava escuro. Mas o medo era grande e peguei uma sacola que achei, coloquei comida e água. A porta da sala não abria. Forcei. Dei para ela o bornal com a comida. Custei a abrir a porta. Saí por ela recebendo o fluxo do ar frio, gostoso, que coisa boa pensei! Vi um zunido, não entendi, era um facão preso por molas que havia se soltado e ele em circulo cortou minha cabeça. Só a senti rolando escada abaixo e meu corpo caindo estrebuchando na varanda. Martinha Trambiqueira estava morta. De uma maneira estúpida e preparado por um filho da puta caso alguma de nos fugisse.

Se a menina loira escapou não sei. Para onde fui me proibiram de contar. Pelo menos aqui me tratam com respeito, me chamam de Martinha a virgem dos lábios de mel!                 

Soneto do amor e da morte.
Quando eu morrer murmura esta canção,
Que escrevo para ti. Quando eu morrer
Fica junto de mim, não queiras ver
As aves e pardais do anoitecer.
A revoar na minha solidão.

Quando eu morrer segura a minha mão,
Põe os olhos nos meus se puder ser,
Se inda neles a luz esmorecer,
E diz do nosso amor como se não

Tivesse de acabar, sempre a doer,
Sempre a doer de tanta perfeição,
Que ao deixar de bater-me o coração
Fique por nós o teu inda a bater,
Quando eu morrer segura a minha mão.
Vasco Graça Moura.