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quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Martinha Trambiqueira e sua morte por encomenda.



Epitáfio.
Ainda correm lágrimas pelos
Teus grisalhos, tristes cabelos,
Na terra vã desintegrados,
Em pequenas flores tornados.

Todos os dias estás viva,
Na soledade pensativa,
Ó simples alma grave e pura,
Livre de qualquer sepultura!

E não sou mais do que a menina,
Que a tua antiga sorte ensina.
E caminhando de mão dada,
Pelas praias da madrugada.
Cecília Meireles.

Martinha Trambiqueira e sua morte por encomenda.

                  Para que lembrar o que eu fui no passado? Interessa a você em saber que meu pai tentou varias vezes me violentar? Interessa a você saber que minha mãe não estava nem aí e nunca se interessou por mim? Claro que não. Meu passado é meu e não interessa a ninguém. Até o Delegado Jokito um dia achou que seria meu pai meu patrão e meu amante. Eu tinha quinze anos e já era mestre em bater carteiras e dar golpes. Adorava ver a cara de um otário se achando. Risos. Mas voltemos ao delegado Jokito ele me prendeu e me levou para sua casa. – Martinha, disse ele – Você vai trabalhar aqui, vou lhe dar um salario e em troca vai fazer a limpeza da casa. – Maldito eu sabia o que ele queria. Mas não iria esperar a noite chegar. Ele fez muitos elogios e ameaças antes de sair para trabalhar. Limpei a casa dele. Descobri no armário do fundo do quarto que ele guardava roupa de mulheres e cinco perucas. Então o valente Delegado era bicha? Vi tantas coisas na vida que mais essa serviu para não acreditar em ninguém. Ainda bem que um vestido me serviu. Eu tinha um belo corpo e jurei que ninguém iria me tocar sem eu autorizar. Sumi de Sumidouro das Vertentes naquele dia e nunca mais voltei. Ria a mais não poder em pensar naquele delegado filho da mãe. O maldito deve ter ficado uma fera.

      Cheguei a Belo Horizonte de carona com um caminhoneiro. Outro palhaço que achou que eu ia dar para ele em troca da sua boa vontade em me levar. Quando tentou tirei da bolsa um pequeno 32 que roubei do delegado e mostrei a ele. – Se tentar vai ganhar tantas balas no bucho quem vai alegrar as buchudas elas saberão fazer de você seu regalo. Irás servir de pasto para as formigas. O moço fechou a cara e na entrada de BH me mandou descer. Ir para onde? Próximo à rodovia avistei um bar. O lugar preferido dos otários. É neles que os bebuns rezam para serem roubados. O dono se arreganhou todo quando entrei. Deve ter pensado que ali tinha carne nova. – Veio com uma conversa que logo manjei ser conversa fiada. – Fiquei viúvo cedo. Preciso de uma mulher para me ajudar aqui no bar e em casa. Só esqueceu-se de dizer que eu iria dividir a cama com ele. Novinha e bonitinha, cabelos negros longos, seios fartos e pernas lindas eu seria um prato feito para ele. Eu precisava do emprego e naquele momento não falei nada. A noite ele chegou. Fiz um jantar caprichado. Sentei com ele a mesa e botei o revolver em cima. – Nestor! Eu disse. Preciso trabalhar até arrumar um lugar para ficar. Se você se portar como um cavalheiro serei sua cozinheira e ajudarei no bar. Todos os dias quero ser liberada às cinco da tarde. Sábado meio dia, domingo folga. Pode me pagar um salario mínimo e me arrumo.

       Nestor nunca mais sorriu para mim, mas ficamos juntos no bar e em sua casa por pouco tempo. No domingo na Praça Sete no Bar do Piaba encontrei um parceiro. Dos bons. Ele me olhou e sabia quem eu era e eu também sabia quem se tratava. Fizemos uma dupla de dar água na boca. Jojoca era bom no que fazia e coloca bom nisto. O cara era demais. Ensinou-me truque do arco da velha. Não perdoava ninguém e mesmo com o coração doendo por enganar aposentados velhinhos eu precisava da grana. Ganhamos uma dinheirama com o golpe do bilhete premiado. Meu Deus quanta gente otária. Pareciam pedir para serem roubados. Foram muitos golpes o maior foi com um fazendeiro otário de Teófilo Otoni. Gabava-se de ser um grande minerador de pedras preciosas e volta e meia ia para os States. Levou-me para o motel e disse que sem banho minhas pernas não se abririam. Ele foi correndo se lavar e quando voltou deve ter visto que eu tinha me mandado com sua carteira o dinheiro e o cartão de crédito. É como dizia minha avó, enquanto houver cavalo São Jorge não anda a pé. Jojoca meu novo parceiro de golpes sempre foi respeitador. Nunca me pediu para dormir comigo e nunca me relou. Não era bonito e seu bigodinho não enganava ninguém. Não sei por que tive uma queda por ele. Se tivesse pedido teria “dado” para ele. Não pediu e com dois meses juntos desapareceu. Procurei em todo lugar e nada. Não ia desaparecer assim como o vento. Nada disto. Ele tinha sido desovado em algum lugar por um figurão que perdeu dinheiro com ele.

             Nestor se esqueceu de mim. Aparecia de vez em quando só para dormir no quartinho dos fundos. Um ano se passou e estava aproximando a data do meu aniversário de 17 anos. Ainda era virgem. Encostar-se a mim era encostar-se ao capeta. Sabia que era gostosinha e apetitosa, mas meu “negócio” não tinha dinheiro que pudesse pagar. Juramento jurado não ia voltar atrás, só se for por amor. Amor? Amar quem? Bem Jojoca se foi e nem sei se iria aparecer outro. Tinha juntado no Banco do Brasil mais de trinta mil reais e guardado a sete chaves cinco mil dólares americanos. Resolvi alugar um apartamento proximo a Praça Raul Soares. Foi difícil subornar alguém para seu minha avalista. Tudo estava indo a mil maravilhas. Mas tudo que é bom dura pouco. Um “bosta” de um investigador começou a dar em cima de mim. Ria e dizia que sabia quem era eu. Uma tarde quase escurecendo me levou em seu carro em um Motel na Pampulha. Nem entrei. Proximo ao Cassino pedi para parar que ia dar um beijo nele. Ficou super “tesado” quando peguei no “troço duro” dele. Tirei da minha bolsa o 32 e dei um só tiro na testa do meganha. Nem gritou. Ficou deitado em cima do volante parecendo estar dormindo. Saí e fui a pé até proximo ao Aeroporto da Pampulha. Peguei o ônibus de volta a cidade e ninguém até hoje sabe quem matou aquele filho da puta.

          Acham que me arrependi? Que me estressei? Que fiquei com dor na consciência? Necas e necas. O mundo não merecia um merda como ele. Fiz um favor ao santo protetor dele. Mesmo assim resolvi sair de BH. Fui para São Paulo. Achei que lá grande demais eu sumiria na multidão. Aconteceu mesmo, mas com seis meses a merda entornou. Nunca na vida ninguém me enganou. Achava que eu sabia reconhecer o santo do velhaco, o sabido do idiota. Não sabia. Na São João eu só ia de passagem. Lá tinha era muito lobo e quase nenhuma ovelha. Policiais aos montes querendo dinheiro e cafetão valente para me colocar na vida e comer meu dinheiro e algum mais. Cai na asneira de ir até próximo ao vale do Anhangabaú. Que bosta, pela primeira vez fui enganada. São Paulo prometia e meus trinta mil já haviam se transformado em cento e vinte mil. Dos cinco mil dólares agora eram dezoito mil. Sempre sonhei em dar golpe em Nova Iorque. Seria o máximo, pois milionários de todo o mundo faziam pic nic lá. Tony Marcoso era bonitão. Lindo mesmo. Um homem para toda mulher se apaixonar. Conversa mole, sabia usar as palavras que eu não conhecia.

          Quando o vi pela primeira vez achei que poderia ganhar uns tostões a mais. Ele estava no Bar do Girafa e metia a mão no bolso para pagar a conta. Tirava dezenas de notas de cem. Pensei comigo – Este está no papo! Pagou-me uma coca cola duas coxinhas e duas empadas. Convidou-me para conhecer seu sítio. – Não é longe disso, proximo a Itu. Podemos ir amanhã durante o dia. Sou respeitador não vou fazer mal a você, pode contar com minha discrição e honestidade. Deus do céu! O filho de uma égua me enganou direitinho. Tinha já dezenove anos e seis de trambicagem e cai na conversa de um “lagarto” verde? Quem sabe foram os seus dentes bem colocados e sua língua pequena, seus lábios molhados e seu penteado para trás com os cabelos caindo na testa que me encantou? Tudo bem pensei comigo. Vamos lá e junto meu inseparável amigo de todas as horas, meu trinta e dois.

          Nunca tinha passado na Castelo Branco, uma estrada para ninguém botar defeito. Ele me mostrou Alphaville e disse que tinha uma vivenda lá. Disse que era linda e um dia iria me mostrar. O desgraçado se portava como um conquistador, querendo me impressionar e a “besta” que sou eu estava caindo em sua lábia. Antes de Itu ele entrou em uma estrada próxima a São Roque. Rodamos mais de seis quilômetros até o sitio. Sitio? Um castelo isto sim. Bonito demais. Por dentro a casa era um sonho e logo coloquei meu biquíni e fui para a piscina. Maravilhoso, que gostosura, uma vida que nunca tive. Até pensei que se ele esperasse um dia poderia “dar” para ele. Seria o primeiro e nem sei se arrependeria. Ele com seu jeito de conquistador e educado, apareceu de sunga e seu “negócio” quase saltava para fora. Veio com um copo de limonada natural e pedras de gelo boiando. Que vidão eu estava tendo. Nadamos, e antes do anoitecer senti uma sonolência enorme. Devo ter desmaiado, pois acordei com um gosto de urina na boca e presa por uma corrente e um cadeado próximo a um beliche de pedra. Meu corpo doía horrivelmente. Abri os olhos e dei de cara com outra jovem morena, nova amarrada como eu. Ela me olhava com olhos arregalados e estava quase nua. Seu corpo estava cheio de hematomas.

          Tentei falar com ela e ela só grunhia. Abriu a boca e me mostrou que sua língua fora cortada e ainda mostrava sinal de feridas em toda a boca. Estava estupefata e com um medo enorme de tudo aquilo. Nunca pensei passar por isto. Olhei melhor o buraco que estava. Ela junto à janela gradeada e no chão ao seu redor fezes e poças de urina. Que monstro estava fazendo tudo aquilo? Nem deu tempo de pensar mais, pois a porta rangeu e ele entrou. Nu em pelo. Seu membro estava duro como pedra. Chegou perto da outra e se masturbou jorrando todo seu néctar no corpo da jovem todo maltratado e fedido. Veio para mim e o xinguei de tudo. Filho da Puta, Viado, Filho da mãe, de uma égua e ele ria. Um sorriso idiota. Pegou um alicate na mesa e chegou perto de mim dizendo – Pegue nele, se morder ou apertar de mais vou lhe arrancar uma unha. Gritou para a outra: - Pietra mostre suas mãos para esta cadela! Ela não disse nada e me mostrou. Quase todas suas unhas arrancadas a alicate. Estava horrorizada.

      Peguei no seu membro e logo ele gozou. Acho que ficou satisfeito, pois foi embora. Onde estava? O que estava fazendo ali? Que diabo estava acontecendo? Comecei a chorar e convulsivamente sentei e passei as mãos no joelho em posição fetal deitei. Acho que fiquei horas ali sem saber o que fazer. Não sabia se era noite ou dia. Olhei melhor a menina que estava comigo. Estava deitada. Branca, não se mexia. Só podia estar morta. Quanto tempo demorou tudo aquilo para ela? No dia seguinte ele voltou. Viu que ela não se mexia. Tirou a chave do bolso e a soltou. Pegou-a pelos cabelos e saiu pela porta arrastando o cadáver da menina. Algumas horas depois voltou. Um arroz fedido e farinha e jogou no chão para mim. Chão sujo, urinado, mas tinha dois dias que estava ali, não tive outro jeito senão usar as mãos que ainda tinha e comer aqueles restos. Sabia que se ficasse sem em breve também morreria.

            Ele ainda não havia me tocado, em nenhuma parte do corpo. Só gostava de se masturbar e pedir para eu fazer para ele. Não havia como fugir, a corrente era forte e o cadeado enorme. Vi próximo à porta um grampo. Pequeno, quase escondido no meio da sujeira. Quando ele saiu tentei pegá-lo com os pés. Custou mas consegui. Nem tentei abrir o cadeado por a porta rangeu e ele entrou. Nu como sempre. Levou aquele “troço” duro e sujo na minha boca. Meu Deus que vontade de esganá-lo. Cortar sua língua aprisioná-lo ali como ele fez com a outra e comigo. Não tinha como reagir. Precisava sobreviver para matá-lo. Comia no chão os restos de comida que ele deixava para mim. Um buraco proximo ao catre que dormia ele jogava agua. Bebia como se fosse um animal. Fiquei vários dias tentando abrir o cadeado com o grampo. Nada. Ele nem traque dava. Mas não desisti. Meus lábios estavam inchados. Sentia em meu corpo comichão mordido por larvas que se divertiam comigo. Era um trapo. Não entedia porque ele fazia tudo isto. Não o xinguei mais. Não adiantava. Meu plano era me soltar e aí ele iria pagar tudo aquilo.

             Um dia como sempre a porta rangiu. Ele entrou com uma menina nos braços. Prendeu seu pulso a corrente do cadeado. Cabelos loiros, não mais de que uns dezoito anos ou menos. Ela acordou apavorada e gritando. Pedia sua mãe, seu pai seus irmãos. Ele correu até ela e a esbofeteou varias vezes. Tanto que ela desmaiou. Ele suava e colocou a mão no coração. Ficou branco, gemeu alto de dor e caiu feito um dormente de estrada de ferro no chão. Sua cabeça se esborrachou. Bem feito eu sorria. A menina não parava de gritar. Tentei chegar proximo a ele para pegar a chave do cadeado. Mais de um metro de distância. Ele estava morto. Que o capeta leve sua alma e a enterre no fundo dos infernos. Agora precisava me libertar. Só tinha o grampo e minhas forças estavam se esvaindo. Mais um dia e nada. A menina parou de gritar e me olhava de olhos esbugalhados. Ainda iria aguentar algum tempo não muito. Fiquei bem próximo a ela e expliquei que se eu morresse ela devia tentar. Não haveria mais água e comida. Ele iria apodrecer ali na nossa frente.

        Minhas forças estavam sumindo. Enquanto aguentei contei tudo para ela da minha vida. Fui enganada por um Don Ruan do mal. Ela contou o mesmo. Acreditou que ele a amava. O convite ao sitio foi um pulo. Seus pais não deviam procurá-la tão cedo. Era estudante de engenharia, morava na USP e eles no interior. Ela passava meses sem dar notícias. Estava aterrorizada, pois nunca pensou em passar por aquilo. Ficamos amigas enquanto me mantive alerta. A comida e a água não existia. Sabia que iria morrer em breve. Ouvi um estalo. O cadeado se abriu do nada. Achei que era de tanto tentar. Sorri um sorriso azedo. Soltei a corrente e tentei levantar. Não consegui. Fui até o bolso do maldito e nada. Não havia chave. Seu corpo já estava em decomposição. Disse a ela que iria buscar socorro. Ela me pediu pelo amor de Deus para ficar. Estava com medo de ficar só. Volto logo eu disse. Vou tentar achar comida e um martelo. Se ali tiver um telefone melhor, pois logo iriamos sair. Fui me arrastando até a porta. Custei a ficar em pé. Na cozinha muitos biscoitos mortadela e salame. Pão Velho que adorei.

          Achei uma machadinha pequena. Já estava me recuperando e enchi um prato de pão com mortadela para ela e água fresca. Ela riu e chorou quando me viu. Achou que não ia voltar mais. Demorou mais de duas horas para arrebentar o cadeado. Ela não ficava em pé. Fomos para a sala e não tinha telefone. Deixei-a comer com calma. Coma eu disse, quando estiver melhor vamos embora daqui. Lá fora escurecia. Ela me pediu para irmos embora. Pensei em dormir ali aquela noite. Estava escuro. Mas o medo era grande e peguei uma sacola que achei, coloquei comida e água. A porta da sala não abria. Forcei. Dei para ela o bornal com a comida. Custei a abrir a porta. Saí por ela recebendo o fluxo do ar frio, gostoso, que coisa boa pensei! Vi um zunido, não entendi, era um facão preso por molas que havia se soltado e ele em circulo cortou minha cabeça. Só a senti rolando escada abaixo e meu corpo caindo estrebuchando na varanda. Martinha Trambiqueira estava morta. De uma maneira estúpida e preparado por um filho da puta caso alguma de nos fugisse.

Se a menina loira escapou não sei. Para onde fui me proibiram de contar. Pelo menos aqui me tratam com respeito, me chamam de Martinha a virgem dos lábios de mel!                 

Soneto do amor e da morte.
Quando eu morrer murmura esta canção,
Que escrevo para ti. Quando eu morrer
Fica junto de mim, não queiras ver
As aves e pardais do anoitecer.
A revoar na minha solidão.

Quando eu morrer segura a minha mão,
Põe os olhos nos meus se puder ser,
Se inda neles a luz esmorecer,
E diz do nosso amor como se não

Tivesse de acabar, sempre a doer,
Sempre a doer de tanta perfeição,
Que ao deixar de bater-me o coração
Fique por nós o teu inda a bater,
Quando eu morrer segura a minha mão.

Vasco Graça Moura.