Lúcifer
Então, Deus, são estas tuas imagem e semelhança...
Por elas varreste-me de teus céus que minha luz esfuziava.
Por tais criaturas, arrogantes e francas,
Interrompeste o diálogo;
Desdenhaste o encontro permanente,
Deste-lhe o amor que só nosso.
Como com todas tuas outras, travestiram-no de tudo:
Menos de teu amor.
Eu lúcifer, hei de compor um vírus, uma anti-vida
Escondido no rubro que vida representa,
Tão faminta da vida que criaste,
Que aniquile, com insídias, a obra que amaste.
Que o amor que lhes deste seja a porta
Pela qual entre minha criação, portal da morte.
Tocada por mim, tua imagem te amaldiçoará a cada instante.
E nela, ferida, que te feriei. Porque te amo ainda.
Júlio Dias de Queiróz
A dança da morte
Desde que nasceu Jove
ouvia falar em Deus. Sua mãe o obrigava a rezar, o padre a confessar, na escola
professoras enchendo sua cabeça de Deus. Sempre quis falar com ele, mas ele
nunca o atendeu. Entrava em igrejas, em templos em busca de Deus. Nada. Ficou
cinco dias no monte Caparal olhando as estrelas procurando um sinal. Nada. Resolveu
ficar jejuando para ver o que Deus faria. Não fez nada. Nando desistiu. Esse
Deus não existia.
Se Deus não existe e o
diabo? O demônio? O capeta? Ia provar que ele também não existia. Mas para isso
teria que fazer a invocação com a Dança da Morte. O que iria fazer seria
horrível, mas valeria a pena provar que o inferno não existia. Jove era
magrinho, cara de “fuinha” na escola o chamavam de “porquinho da índia”. Alugou
um sitio próxima a cidade. Avisou seus pais que iria fazer uma viagem de um mês
para não se preocuparem.
Ele conhecia Safira,
uma menina magrinha, com treze anos, muda e que morava com a avó próxima a sua
casa. Safira quase nunca saia de casa. Olhos pequenos boca grande, cabelos
escorridos, não tinha nada de belo em sua aparência. Nando a raptou quando ela
ia a padaria comprar pão. Fazia isso toda a manhã. Colocou em seu fusquinha e
partiu para o sitio. Tinha comprado éter e com ele embebido em um lenço viu que
Safira tinha desmaiado.
Ao chegar ao sitio,
tirou a roupa de Safira, deixou-a nua. Pequena, magra, apenas treze anos não possuía
nenhum atrativo sexual. Levou-a ao quintal, colocou-a dentro de um tanque de
agua fria, amarrou seus braços abertos em duas estacas fincadas ao lado do
tanque com cordas finas. Ela não tinha como levantar e teria que ficar dentro
da água só com a cabeça para fora. Safira quando acordou estava horrorizada.
Abria a boca e só saia grunhidos. Seus olhinhos saltavam como se fosse fugir. A
dor era incrível.
Um horror enorme saia
de seus olhos quando Jove se aproximava. Ele cortou com canivete varias lascas
finas de bambu. A cada hora enfiava uma lasca em uma parte do corpo de Safira.
Sempre ria quando o sangue se misturava a água do tanque. No segundo dia a água
já estava vermelha. Com um pequeno alicate, arrancou a força duas unhas de sua
mão direita. E duas do pé esquerdo. A pobre da Safira gemia horrorizada tentava
gritar um grito que não saia. Desmaiava e acordava. Uma dor tremenda. Não
entendia nada do que estava acontecendo.
À noite Jove tirou sua
roupa. Pintou-se de preto. Matou um galo que tinha comprado. Espalhou as penas
e o sangue em cima de Safira que agora estava desmaiada. Daquele jeito Safira
iria morrer no dia seguinte. Não aguentava mais de tanta dor. Jove começou a
gritar a meia noite em ponto. Gritava e dançava, cacarejava e pedia – Apareça
demônio! Mostre sua força! Mostre que você existe! Onde está você demônio dos
infernos! E dava grandes gargalhadas e gritos. Dançou por muito tempo a Dança
da Morte.
Estônio acordou
assustado. Dois dias como o mesmo pesadelo. Estônio era investigador de polícia
e também "Chefe" Escoteiro. Adorava sua profissão e ria quando os
meninos e meninas da tropa pediam para ele contar historias de bandidos em
acampamentos ou mesmo na sede. Considerava-se um bom policial. Nunca abusou e
nunca deixou de cumprir suas obrigações dentro da lei.
Sempre o mesmo sitio que
ele não conhecia. Uma menina indefesa na mão de um maníaco. Teria que ser
verdade. Isso só podia ser um sinal de Deus. Teria que descobrir onde era o tal
sítio. Sem querer comentou com amigos seu sonho. Estava preocupado. Afinal era
casado também e tinha dois filhos homens. Ainda crianças com dois e três anos.
Rildo um colega de trabalho lembrou que seu pai alugou um sitio para um homem e
que ele tinha comentado que o tal queria só por um mês. Pagou adiantado e
dobrado.
Junto ao pai de Rildo ele
foi ao sitio. O que viram um verdadeiro terror. Nunca imaginaria algum parecido
e olhe, ele era um policial. Tinha visto muitas coisas na sua profissão. Ainda
encontraram Safira com vida. Desmaiada. Toda machucada, mas respirava. Em volta
pedaços de corpo de um homem todo queimado. Tinha sido esquartejado. Seus
membros fedia. Acharam sua cabeça fincada em um bambu. Sua língua para fora
mostrando que morrera gritando e horrorizado. Em todos os membros cortados,
lascas de bambus pontiagudos. Nas duas mãos e nos dois pés nenhuma unha. Foram
todas arrancadas a alicate.
Estônio ficou
estarrecido. Depois que a ambulância levou Safira, ele olhou e viu em uma
porteira próxima fumaça como se ela estivesse queimando. Foi até lá. Viu
escrito a fogo nas taboas e o que leu gelou suas veias. Estarrecido imaginou o
que poderia ter acontecido ali. Dizia: – “Não se preocupem. Ele queria me ver,
duvidava de mim. Ele agora vai morar comigo. Lá no meio dos infernos e vai
queimar comigo para sempre” assinado o “Demônio”.
O que viu o que sentiu
mostrou a Estônio que não se pode duvidar da morte, das pessoas, de Deus e do
Demônio. Não soube explicar quando do seu relatório policial. Não sabia o que
dizer. Escreveu o que viu. Hipóteses somente. Safira se recuperou. Com quinze
anos começou a balbuciar. Aos dezoito já falava normalmente. Sua mente apagou
tudo que tinha acontecido. A dor do passado agora eram alegrias do futuro.
Não sei quantas vezes outros
fizeram a “Dança da Morte”. Espero que não sejam muitos, pois seu final é
trágico.
Anjo ou Demônio
Por vezes te quero, anjo
Para afugentar meus demônios
Mas quando estou possuído
Peço-te socorro em meus sonhos.
Para afugentar meus demônios
Mas quando estou possuído
Peço-te socorro em meus sonhos.
Muitas vezes és demônio
Pecando me leva ao delírio
Minha alma fica entregue
Ardendo no seu martírio
Pecando me leva ao delírio
Minha alma fica entregue
Ardendo no seu martírio
Anjo que me fascina
Demônio que me instiga
E eu fico envolvido
No mistério que me domina
Demônio que me instiga
E eu fico envolvido
No mistério que me domina
Sedutora e sensual
Me hipnotiza e conduz
Com seu olhar demoníaco
Sugando-me toda luz
Me hipnotiza e conduz
Com seu olhar demoníaco
Sugando-me toda luz
Possuindo-me aos poucos
Demônio, Lasciva, Mandraca
Salvando-me de meus pecados
Anjo, Mulher, Fada.
Demônio, Lasciva, Mandraca
Salvando-me de meus pecados
Anjo, Mulher, Fada.
Angelical e indemnizada
Forte como um vulcão
Arrebatou-me por inteiro
Corpo, alma, coração.
Forte como um vulcão
Arrebatou-me por inteiro
Corpo, alma, coração.
André Ferreira