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domingo, 24 de janeiro de 2016

Se vai viver viva no inferno!


Viver ou morrer?

Eu não sei o que é melhor…
Eu não quero esta Vida,
pois toda me é uma ferida.

Eu não consigo assim viver,
para além do grande mal que tenho
sozinho me tenho de precaver.

Para assim aqui andar
Acho que é melhor desertar,
deste Mundo infame em que estou
e partir para aquele onde o meu Coração ficou.

Se disto nada se resolve 
A minha Alma se dissolve,
ingressando na Morte
onde lá, terei outra Sorte.


Se vai viver viva no inferno!

                       Chegou sua hora Polônio. Se achar que rezar vai ajudar reze. Te darei o tempo que for necessário, mas não sei se os céus irão te ouvir! – Olhei para ele sem medo. Se fosse morrer eu sabia que iria morrer como um homem. Não iria pedir clemencia e nem perdão. Não me sentia culpado. – Vais me matar atoa seu Nonato. Sei que tens um pouco de razão mas eu sou sincero, a culpa foi dela e não minha. Afinal você não conhece sua filha? – Seu filho da puta, ela tem só desesseis anos e você levou-a para o mato e fez o que quis! Pelo menos se fosse um homem de verdade a levaria para um motel! Um merda como você não merece viver. Tentei meditar no que ele dizia. – Pensava comigo se outro faria diferente. Não sei, acho que mesmo um padre não perderia a oportunidade. Marilia era uma mulher linda e gostosa apesar dos seus dezesseis anos. Quem olhasse para ela iria balançar de paixão e tesão. Era gostosa demais. Afinal eu era solteiro, vinte e seis anos, namorador e não ia perder a oportunidade.

                        Todos diziam que ela era uma flor cheia de espinhos. Era só olhar e sonhar. Mas a danada sorriu para mim, piscou o olho e disse baixinho que seria minha se eu quisesse. E agora? Nestas horas a gente esquece tudo. A paixão indecente toma o lugar, parece o diabo no corpo assumindo os riscos e deixando a vida nos levar. A principio foi um namorico, atrás dos muros, beijocas quentes e salientes, saliva gostosa de uma boca de mel. Zé Maria meu amigo me alertou: - Polônio, está arriscando sua vida por alguém que nunca vai te fazer bem! – Eu playboy da cidade ria. – Se ela me quer Zé fazer o que? – Bem você é dono da sua vida, mas sabe muito bem que o pai dela vai te arrancar o pelo se não mandar você viver para sempre no Cemitério da Saudade. – Bem, havia esta possibilidade mas a menina era tão gostosa que valia a pena tentar. E aconteceu, em uma touceira de capim gordura, o assalto virou verdade. Parecia que eram um só corpo, ambos nus não importando com a gordura do capim.

                A coisa foi tão boa que não parei por aí. Agora queria todos os dias e ela sorria dizendo que gostava e eu podia fazer o que quiser. A cidade tem olhos no escuro, seja na frente ou atrás dos muros. Logo Seu Nonato ficou sabendo. Era um homem frio e calculista. Esperou com calma a hora e o lugar. Voltava de uma noitada na Casa de Vandica a puta do lugar e encontrei com ele em frente ao Curtume do Salador. Rezar? Eu tremia tanto que esqueci todas as rezas que um dia aprendi quando fui coroinha do lugar. Senti um balaço no pescoço, outro na virilha e outro na bunda que saiu na frente ao lado do meu saco. Cai como um saco de batatas. Apaguei. Abri os olhos dor terrível. Estava morto? Olhei de lado e vi Cristina à enfermeira sorrindo para mim. Não estava morto e sabia que no hospital não tinha onde esconder. Seu Nonato quando soubesse que suas balas não me mataram viriam atrás de mim.

                Tentei levantar e não consegui. Cristina disse baixinho: - Calma, vai demorar para voltar a andar. A danada tinha ouvido que eu tinha o pênis enorme e enfiou a mão por baixo da colcha para saber se era verdade. Maldita. Eu ali quase morto e ela querendo me apalpar. Doutor Jacinto entrou. Foi a minha salvação pois vi que mesmo com um tiro bem perto ele ainda ficava arretado. Me olhou com cara de mau. Não gostava de mim. Pudera Dona Nair sua esposa vivia dizendo que ia dar prá mim. Bem nunca sai com ela, mas ele soube. Virou um inimigo mortal. Era assim em Morro Novo. Maldito pinto danado. Me jogou contra a parede, não havia uma mulher que não queria ser testada e eu um jogador mulherengo atrás de saia não perdia uma. Devia ter aprendido quando Dona Flor mulher do Delegado Madraga me pegou de jeito quando passei três dias na prisão. Ali mesmo na cela sozinho ela me comeu. Ainda bem que não entrou ninguém mas ele desconfiou. Entrou na cela, fechou e disse: Você não passa de um monte de merda! Estou desconfiado. Reservei duas balas de prata para acabar com você.

                    Ali na cama do hospital só pensava em sobreviver e fugir. Minha mãe velhinha pagava minhas contas, me dava o que comer e vestir. Eu vagabundo não trabalhava. “Bom vivant” tinha a mulherada a pagar para mim de tudo que precisava. – Cristina! Eu chamei a enfermeira – Preciso de você. Só você pode me salvar. Tem de me tirar daqui e me levar para longe. Qualquer cidade e me deixe no meio da rua que a policia vai me pegar e quem sabe me ajudar! – Cristina pensou e pensou. – É Polônio acho que tem razão. O Delegado Madraga esteve aqui, estava com Seu Nonato. Veio Também o Betinho. – O Betinho? Pensei. Juro que não comi a filha dele. Afinal tinha quatorze anos. Gostosa sim, apetitosa demais mas me aproveitei do seu corpo sem entrar. Se os três estavam de tocaia eu estava frito. Era questão de horas para me mandarem pro inferno. - Cristina, por favor, pelo amor que tem a Deus, só você pode me salvar!  Ela me olhou desta vez sem sorrir. – Ajudo se casar comigo!

                 - E agora? A danada não era bonita, tinha pernas finas, cabelos crespos, uns lábios que faziam medo a quem quisesse beijar. Casar? Tinha outra saída? Prometer e não cumprir ela vai contar prá todo mundo onde eu estou. Melhor fingir que aceito depois vamos ver. – Naquela noite, lá pelas duas da madrugada ela veio com uma maca de rodinhas e me ajudou a passar para ela. Tivemos sorte, em minutos estávamos na rua. Ela não tinha carro e eu também. A rua estava deserta e ela me levou até a sua casa. Morava com a Avó já cega, mas bem atenta. Fiquei em sua casa por cinco dias. Estava melhorando e com sacrifício já andava com uma perna. A outra da bala na virilha ainda doía demais. Evitava chegar à janela e sair na varanda. Pedi a ela que chamasse Zé Maria. Ele tinha uma camionete e poderia me ajudar. Apareceu lá à noite. Ria sem parar – Não te falei? Bala na bunda no saco e no pescoço, onde mais? Não disse nada, eu precisava dele para sair da cidade.

                  Um mês depois sem sair de casa, sem chegar à janela Zé Maria chegou de madrugada com sua camionete e disse: - Chegou a hora, vou levar você até Lagoa Azul. De lá você pega um ônibus e se manda para a capital. Se tiver cabeça arruma um emprego e muda de vida. Chegar de comer as mulheres que acham você o homem mais gostoso do mundo – Olhei para ele. Estava enciumado e tinha um brilho esquisito nos olhos. Bem eu tinha prometido a mim mesmo mudar de vida. Ele conseguiu com minha avó uns tostões para quebrar o galho.  Andava com muita dificuldade arrastando a perna esquerda. Cristina vivia pegando nele, botando na boca e dizendo: - Só entra em mim quando nos casar. Sou mulher séria e virgem. Olhava para ela e pensava o dia que teria de fazer isto. Seria um tremendo sacrifício. Ela não foi comigo. – Você vai para a capital quando chegar me telefone e vou te encontrar. Caso pensado. Ela sabia o que ia acontecer. Mulher? Eu sabia como eram. Quem pode desconfiar?

                     Não andamos oitenta quilômetros e Zé Maria parou. Me olhou de soslaio e disse. – Chegou tua hora Polônio. Eu não vou proteger você. Desde o dia que comeu Norminha minha noiva nunca mais te perdoei. Só não matei você porque não sabia como e agora eu sei. Olhei a estrada poeirenta. Olhei mais a frente e vi vindo em nossa direção o Delegado Madraga, o Senhor Nonato, o Doutor Jacinto e o Betinho. Puta merda! Tudo combinado. Estava mesmo “fudido”! Tentei correr para o mato e cai. Sentia os tiros nas costas, na bunda no saco no pescoço e na cabeça. Levantei e sorri. Não morri cambada de filhos da puta! Foi então que vi meu corpo estirado no chão e morto. Era assim a morte? Mas não tinha outro corpo flutuando? O barulho dos infernos e vi uma turma de demônios sorrindo a me pegar. Vamos Polônio. Para onde você vai ter mulher pelada de montão. E riam e riam e eu gritava e gritava...
Soneto do amor e da morte

Quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. Quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.

quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não

tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.
Vasco Graça Moura

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

A doce vingança de Laudivino Centauro


Vingança

Eu consigo a incrível façanha
de ser feliz e triste ao mesmo tempo

É que falta uma peça
tão grande e importante
que fica difícil percebê-la
mas ela existe…
e dói saber

Não há fardo maior na vida
do que os malditos sonhos
que te iludem

Eu não quero me vingar da vida
mas parece que ela se vinga de mim.


A doce vingança de Laudivino Centauro

              Nuvens brancas, cinzentas perpassavam pela minha mente em um redemoinho nefasto. Minha vida mostrava devassidão, corrupção, bandalheira. Este era eu? Não estava me reconhecendo. Tentava concatenar as ideias e não conseguia. Era como se toda uma vida fosse passada ali naquela tela imensa um relato do que fui, do que fiz e sem sombra de dúvida mostrava que eu não era ninguém. Apenas um ser perverso, maléfico e que a troco de riquezas e poder destruiu muitas vidas e tirou de quem precisava em benefício próprio. Mas onde eu estava? Tentava lembrar tudo que aconteceu e só via aquele filme maldito que passava naquela tela gigante me forçando a lembrar de toda minha vida desde que nasci.

               Agora sim. Estava entendendo. Eu estava em um hospital. Vi-me ali cheio de fios na boca nas orelhas. Uma parafernália de aparelhos que me faziam respirar. Mas como se eu não estava lá no corpo? Como não sentia nada? Através do vidro vi Celina chorando e ela rezava. Sua reza me ajudava. Era pura, verdadeira. Celina, quem diria! A mulher que nunca pedi em casamento e me foi fiel por toda a vida. Uma empregada que nunca reclamou de salários nunca reclamou de meus carinhos. Maldito sou eu. Ficou do meu lado durante todo o tempo sem nada pedir. Celina, a mulher mais linda do mundo que não soube valorizar. Nunca quis o meu dinheiro, maldito dinheiro, sim, hoje digo maldito diferente do passado quando corria atrás dele como o diabo corre atrás das almas perdidas.

               Mas onde estava Fernanda? Afinal foi a ela que dediquei muitos anos para ver se tinha uma vida feliz. Dei a ela o que queria. Seus sonhos de mulher rica foram concretizados. Tinha tudo que desejou. Fomos para a Europa, Américas, lugares que nunca desejei ir e ela adorava e ria, cantava quando estávamos lá. E eu iludido fazia tudo o que ela me pedia. Mas onde está ela? Não jurou que me amava? Que a paixão por mim era a única e nunca iria me abandonar? Começava a lembrar-me de tudo. Não de tudo e sim de uma boa parte. Agora via o caminhão carregado vindo em minha direção. O volante não obedecia. Parecia que estava solto. Um monstro a minha frente buzinava alto, parecia dizer – Sai seu burro! Vais morrer e ir para o inferno onde é seu lugar.

                Nem fizera dezoito anos e sai de casa. Minha mãe chorava e meu pai sério ficou na janela sem dizer adeus. Ele no seu íntimo sabia o que eu era. Sabia da minha cobiça, dos meus sonhos de riqueza. Aquela vida que ele deu a mamãe e a mim eu considerava um lixo. Não posso reclamar tanto. Ele deu para ela uma casinha simples, limpa, aconchegante. Meu deu estudos ou tentou já que não liguei muito para isto. Na minha cidade sempre tentei enganar as pessoas. Era conhecido como um embusteiro, enganador e trapaceiro. Minha mãe sempre chorava quando ia preso. Mas menor de idade ficava lá pouco tempo. Tinha pinta, as meninas eram apaixonadas por mim apesar dos pais manterem elas longe. Engravidei umas cinco. Risos. Problema delas. Quem mandou abrir as pernas? Tudo bem. Menor de idade. Mas de uma coisa tinha certeza, nunca matei ninguém. Nunca.

               No Rio de Janeiro cheguei com uma mão na frente e outra atrás. Um mendigo que se dizia cego tentei roubá-lo. Não era cego. Chamou amigos e me deram uma surra tremenda. Uma ambulância me levou ao hospital. Fiquei oito dias internado. Arrumei lá algum dinheiro. De madrugada ia aos apartamentos e roubava os pacientes ricos. Não era muito, mas deu para ficar uns meses em um hotel enquanto planejava outros golpes. Achei um interessante. Na página de necrologia dos jornais via os que morreram, procura seus endereços e telefones, ligava para a empregada pedindo um documento como se eu fosse o gerente do velório onde ele estava. Enquanto ela corria para levar o documento eu fazia uma limpeza na casa. Era chamado de rato de velório.

                 Aprendi também a não pagar o barbeiro. Pegava um menino qualquer, cortava meu cabelo, fazia a barba, as unhas e quando terminava colocava o menino para cortar o cabelo como se fosse o meu filho e dizia que ia tomar um café. Sumia é claro. Assim fui dando muitos golpes até que um amigo me convidou para ser seu sócio. Arrematar em um leilão, dez mil fraldas para velhos. Ri dele. E daí? Perguntei. Simples, montamos uma firma fantasma, entramos em uma concorrência publica em uma cidade do interior, compramos o responsável pela escolha e dai partimos para outras concorrências mais fortes. Conheço gente que está rico com isto! E quando vamos precisar para iniciar? Se tiver vinte mil já dá. Tinha. Foi só o começo. Ninguém das prefeituras do interior recusavam uma propina. Ganhamos muito dinheiro.

                Comprei uma casa boa em um bairro de classe media. Celina apareceu um dia pedindo emprego. Negra, jovem ainda e sempre de cabeça baixa, humilde, simples. Ela me serviu na casa e na cama. Nunca reclamou. Não sei se fui bom para ela. O dinheiro que pagava não era nada. Mas nunca reclamou. Disse que não precisava de nada. O que sobrava guardava na poupança. Prá que Celina? Você é só no mundo. Não sei respondia. Um dia posso usar. Tudo cresceu mais quando entramos em uma concorrência em um estado. Desta vez era coisa grande. De cem milhões. Uma fábula. Ganhamos. Vinte por cento para meia dúzia de safados do governo. Daí foi um pulo. Outras e outras. Fiquei milionário. Deputados, senadores, prefeitos e vereadores me bajulavam. Sempre cada um querendo seu quinhão. É para o partido diziam! Partido. Eu sei que partido. O próprio bolso.

               Quando estava no aeroporto para embarcar para Lós Angeles, conheci Fernanda. Ela também estava indo para lá. Disse que me conhecia pelos amigos que tinha. Fernanda era linda, alta quem sabe um e setenta e cinco, seios maravilhosos, olhos verdes profundos, cabelos loiros naturais. Uma voz rouca, gostosa que fazia dela a mulher perfeita. No avião ela não estava em minha poltrona. Havia duas vazias bem atrás. Fiz um sinal e ela foi. Amassos, beijos chupadas. Tudo terminou no WC do avião. Nunca tinha feito assim. Muito gostoso adorei. Nesta viagem fomos lá quatro vezes. Cheguei esgotado em Los Angeles.

                Ela aceitou meu convite. Mesmo hotel mesma suíte. O que veio fazer aqui? Perguntei. – Ela – Passear somente. Acreditei. Sempre fui um sabido com os negócios e um idiota com as mulheres. Minha missão era encontrar deputados, juízes, senadores na calada da noite para planejarmos negociatas longe das luzes de holofotes que se encontram no Brasil. Fernanda ia comigo. Aos poucos se inteirando de tudo. Os políticos e juízes a olhavam e ficavam loucos por ela. Ela disse-me que os durões ela amansava. E amansou. Fez sexo com muitos para me ajudar. Um ciúme enorme. Mas negócios são negócios, amores à parte.

               Comprei um apartamento de cobertura na Vieira Souto no Rio de Janeiro e outro no Morumbi em SP. Ela gostava mais do Rio. Tudo bem. Ficava em São Paulo a maioria do tempo. Sempre com a fiel Celina. Grande Celina. Tentou me abrir os olhos e eu cego achei que era ciumeira dela. Seu Laudivino, ela dizia, Fernanda já esteve aqui com outro homem quando o senhor Não estava. Eu ria e dizia, são negócios minha “nega”. Não sei como ela descobriu minha conta na Suíça. Uma grande quantia tinha lá, acho que mais de duzentos milhões de dólares. Uma fábula. No Brasil quase nada. Um dia poderiam vasculhar minha conta a vontade.

               Tudo começou a desmoronar quando fui preso de manhã em meu apartamento do Morumbi pela Polícia Federal. Quantas acusações. Falsidade ideológica (nem sabia o que era isso), formação de quadrilha, e mais uma dezena de acusações. Deram-me uns cascudos. Mas foram benevolentes. Não tinha advogado. Liguei para Fernanda e pedi que escolhesse o melhor de todos. O preço não importava. Ela escolheu o pior. Não me tirou da cadeia. Através deste advogado arrumei outro. Conseguiu um Habeas Corpus. Solto voltei ao apartamento. Vazio. Roubaram tudo. Foi Fernanda eu fiquei sabendo. E Celina? Perguntei ao porteiro. Não sei me disse. Fernanda a pôs para fora do apartamento.  Ela sempre ficava aqui sentada no meio fio esperando o senhor. Não veio ontem nem hoje. Já ia embora quando a vi. De cabeça baixa, chorando. O que será de mim senhor Laudivino sem o senhor? Calma Celina. Calma, vamos resolver tudo.

               Mas tudo estava indo para o brejo. Ainda bem que no Banco Itaú e no Bradesco tinha uma merreca. Comprei um notebook e uma surpresa. Não tinha nenhum tostão nos bancos suíços. Tinham sido surrupiados. Consegui em quatro bancos mais de trinta mil reais. Mal deu para pagar o advogado. Procurei uns amigos. Todos me viraram as costas. Coloquei a venda o apartamento do Morumbi, o mesmo ia fazer com o da Vieira Souto. Não estava mais no meu nome e sim no de Fernanda. – Então foi ela! Dei tudo que queria e não ficou satisfeita? Deve ter descoberto minha senha e retirou nos bancos suíços. Maldita, pensei, vai pagar em dobro!

               Aluguei uma casinha na Lapa, pedi a Celina para tomar conta e fui ao Rio de janeiro. Encontrei Fernanda. Junto o Laureano. Um antigo Deputado Federal que foi cassado. Agora eram amantes. Laureano me ofendeu. Que eu sumisse da vida deles. Juraram-me de morte. Morte? Quem ia morrer eram eles.

À tardinha de novo a Federal. Disseram que eu estava cerceando testemunhas. Mas não me prenderam. Só disseram para tomar cuidado. Um delegado dos mais novos ao pé do ouvido me disse para ficar de orelha em pé. Muita gente querendo me ver morto. Muitos figurões. Voltei a São Paulo de carro. Quando passei por Resende notei uma folga no volante. Esperei o próximo posto. Lá veria o que era. Antes da entrada de Itatiaia o carro dançou na pista, não consegui dominar, invadiu a pista contrária e bati de frente a uma enorme carreta que estava a mais de cem por hora.

               Estou me vendo ali na cama, cheio de fios, e no vidro chorando estava Celina. A única companheira de verdade. Fernanda eu sabia que não viria. Devia estar festejando com Laureano em algum lugar do Rio de Janeiro. Malditos. Tinha de me vingar. Minha mente só pensava em vingança. Notei ao meu lado dois homens vermelhos, como se estivessem queimando. Exalavam um mau cheiro parecendo enxofre. Nós ajudamos você disseram. Nosso mestre tem poderes e se os quiser mortos o faremos. Em troca vai conosco. Fechei os olhos. Tinha lido histórias de pacto com o demônio. Eles estavam me oferecendo um? Valeria a pena? Olhei para Celina no espelho. Ela rezava. Sua reza chegava até a mim. Dizia para me arrepender dos meus pecados que estavam passando na tela grande a minha frente. Eram muitos. Não sei se Deus iria me perdoar.

              Os dois homens vermelhos começaram a me arrastar. A reza de Celina bateu fundo no meu coração. Comecei a rezar também. Chorava, um clarão apareceu. Vários homens e mulheres de branco. Junto meu avô que só me lembrava dele quando tinha cinco anos depois ele morreu. Pegou no meu braço e disse – Venha comigo meu neto querido. Levou-me rumo aos céus. – Laudivino meu filho, você cometeu muitos erros, prejudicou muita gente, mas Deus se apiedou de sua alma. Você vai ter que trabalhar em dobro para recuperar o que perdeu em suas ultimas andanças na terra. Alguém me levou para uma cidade cinzenta, onde todos choravam e gemiam. Uma mulher me abraçou e disse, vamos trabalhar meu amigo, aqui tem muito trabalho a fazer. São espíritos que precisam de nossa ajuda. Vieram das zonas inferiores. Aqui não vais ter folga, não vais ver o céu azul, só dores e sofrimento.

               Ainda recebo as boas rezas de Celina. Elas me ajudam muito. Aos poucos fui esquecendo-se de Fernanda. Não pensava mais em vingança. Minha alma estava em paz. O Chefe da cidade me chamou. Venha me ajudar. Fiquei contente ia sair da cidade em que estava por anos a fio. Um trabalho incessante. Fomos a uma casa simples.  Lá estava Fernanda, gritando. Laureano tinha atirado nela por uma discussão boba. Estava morta. Desencarnada. Gritava, queria ver morto o Laureano. Aproximei-me. Ele me viu e se assustou. Dei a mão a ela. Venha minha amiga, vamos a uma cidade onde poderemos trabalhar muito. Você vai gostar de lá. Ela se calou. Olhou nos meus olhos, não viu vingança viu amor. Um amor diferente do qual ela nunca teve. Ouvi o sorriso de Celina, na terra ela continua a horar por nós dois.


Lágrimas tristes tomarão vingança

Se somente hora alguma em vós piedade
De tão longo tormento se sentira,
Amor sofrera mal que eu me partira
De vossos olhos, minha saudade.

Apartei-me de vós, mas a vontade,
Que por o natural na alma vos tira,
Faz-me crer que esta ausência é de mentira;
Porém venho a provar que é de verdade.

Ir-me-ei, Senhora; e neste apartamento
Lágrimas tristes tomarão vingança
Nos olhos de quem fostes mantimento.

Desta arte darei vida a meu tormento
Que, enfim, cá me achará minha lembrança
Sepultado no vosso esquecimento.


Luis Vas de Camões