Bem vindo ao blog do Osvaldo

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quarta-feira, 17 de junho de 2015

Hacienda Rosa... de Cimarron.

Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os Fados? 

Depois de tantos dias mal gastados, 
Depois de tantas noites mal dormidas, 
Depois de tantas lágrimas vertidas, 
Tantos suspiros vãos vãmente dados, 

Como não sois vós já desenganados, 
Desejos, que de cousas esquecidas 
Quereis remediar mortais feridas, 
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados? 


Se não tivéreis já longa exp'riência 
Das sem-razões de Amor a quem servistes, 
Fraqueza fora em vós a resistência. 

Mas, pois por vosso mal seus males vistes, 
Que o tempo não curou, nem larga ausência, 
Qual bem dele esperais, desejos tristes?


Hacienda Rosa... de Cimarron.

                 - Deveria ser o nome que eu coloquei quando meu pai morreu e eu assumi a fazenda. De onde vim? Não importa. Não é isto que vais escrever. Coloquei Fazenda Santo Eulálio. Mas ele com aquela alegria, com aquele olhar que me conquistou no primeiro minuto que nos conhecemos, pediu para mudar. Eu ria dele. Mudar para que meu amor? Para ficar igual a você. Hacienda Rosa... de Cimarron. Porque não? Pensei. Afinal ele era o homem da minha vida. O amei no dia que o conheci e até hoje nunca deixei de amá-lo. Não tive outro e nunca terei. Ele não tem substituto. Foi único. Uma paixão que durou muito tempo mas ele se foi. Chorar hoje não choro mais. Ele era um amante perfeito. Vivia sorrindo, cantava e olhe tinha uma linda voz. – Hacienda e Cimarron disse, foi de um livro que tinha lido.

                  Disse-me que Cimarron significava Cavalo selvagem. Eu sou assim? Ria dele. Melhor completou quem sabe os valentes selvagens que fugiram para a montanha dos pássaros dourados? Comprou uma cópia do livro Cimarron e me trouxe para ler. Uma história que me emocionou muito. Quando à placa foi colocada no novo pórtico que ele mesmo fez com as próprias mãos, olhou de todos os ângulos, deu um belo sorriso e tirou a foto do século com aquela máquina que dava um apito e uma luz forte pipocando. Claro, em preto e branco. Em 1921 poucos tinham uma melhor que aquela. Eu já estava com vinte e um anos. – Não se assuste. Claro que tenho mais de cento e dez anos. E ela ria. E como ria!

                    Eu estava com ela a mais de dois meses. Não sei como me descobriu no meu escritório diminuto no Bairro da Penha em São Paulo. Eu publiquei no meu jornal que fazia trabalhos de biografia e como “Biógrafo” já tinha escrito a vida de muita gente. Ela queria escrever sua história. A principio ir para aquele fim de mundo não me entusiasmou muito. Mas o que me ofereceu não era de se jogar fora. Aceitei. Pedi demissão do meu emprego no Jornal A Voz do Brasil e parti. Lembro que quando cheguei a Vale Feliz todos se assustaram comigo. Claro, cheguei de terno cinza, uma gravata vermelha com bolinhas azuis e somente uma valise de mão, pois achei que não ficaria mais que dez dias. Fui de ônibus. Tinha um carrinho mas não resolvi arriscar. Uma mulher como ela não teria muito a contar. Claro não foi ela quem me contratou. Foi através da firma Astolpho Advogados da capital. Eu já sabia quem eram. Famosos e reconhecidos como um dos melhores escritórios de advocacia do país. Disseram que seria por dois meses. Mais de cem mil reais para escrever a história dela. Puxa! Valia tanto assim?

                   Na cidade fiquei surpreso. Poucos a conheciam de perto. Fiz dela uma fazendeira bronca e pé de chinelo. Seu nome era conhecido de norte a sul da cidade e redondezas. Mas só o nome. De perto poucos tiveram esta honra. Diziam que seus avós já a conheciam antes de morrer. Não ia a cidade desde 1946. Desde que marido faleceu. Mais de sessenta anos. O farmacêutico Nando me disse que ela tinha ido lá com ele nesta data para assistir um foguetório da virada do ano. Foi uma festa na cidade a presença dela. Sempre foi motivo de especulação. Todos não tiravam os olhos dela e o padre nunca se queixou. Na igreja não faltava nada. Disseram-me também que era riquíssima. De onde veio o dinheiro ninguém sabia. No banco da cidade não tinha nada. Não criava gado e nem tinha nenhuma plantação. Sabiam que lá na Hacienda havia jagunços prá todo lado. Ninguém entrava sem permissão. Nicodemos um "Velho" que encontrei na praça me disse que ela era linda. Uma mulata para ninguém botar defeito Não soube descrevê-la. – Faz tempo meu amigo, muito tempo.

                  Especulei o máximo que pude a respeito dela na cidade. Mas quase não sabiam de nada. Não entendia como uma mulher que morava ali há tantos anos ninguém a conhecia? Para dirimir dúvidas fui à delegacia.
Dr. Manuel o delegado, um homem educado pouco me contou. Falou-me que há quinze anos quando chegou foi fazer uma visita. De cortesia. Não passou da porta. Não há viu. Um jagunço de nome Dente Cariado não o deixou entrar. Nunca mais voltou. Procurei um taxi que me levasse até a Hacienda. Ninguém quis me levar. Pio XII soube que queria ir lá. Ofereceu-me sua charrete. Disse-me que o chamavam assim por se parecer com o “papa que morreu” Necas. Nem passava perto. Risos. Viajamos por mais de quatro horas. Estrada poeirenta. Tão logo ao passarmos pelas corredeiras do Bom Pastor ele me disse que já eram terras dela. Agora sentia que tudo mudou. A estrada era forrada de pedras bem postadas. Sem poeira, dos dois lados plantaram Ipês de todas as cores. Achei que quando florissem seriam um espetáculo digno de se ver. Andamos quase duas horas e meia até chegar ao pórtico da entrada.

                     Era lindo o pórtico. Enorme. Cavaram um fosso para parecer um castelo. Cortaram a mão duas toras enormes. Escrito a fogo – Hacienda Rosa... De Cimarron. Dezenas de casinhas pequenas que deveriam ser dos colonos começaram a aparecer. Limpas, com cercas brancas e a maioria com muitas flores. As crianças eram educadas. Não se viam nenhuma delas sem camisa, sujas ou descalças. Corriam de um lado ao outro para me ver. Os colonos tiravam o chapéu com minha passagem. Parecia que estava entrando em outro mundo. Já estive uma vez nos Urais, atravessei as cordilheiras e ao norte do Cazaquistão fiquei dois dias na ilha de Nova Zembla. Lembrei que lá os habitantes abaixavam a cabeça com nossa passagem e as crianças corriam para beijar as mãos. Mas não trago boas lembranças de lá. Principalmente quando atravessei ao sul dos Urais o rio Samara. Mas esta é outra história que não vou contar aqui.

                     Ao aproximarmos da Hacienda dois pistoleiros vieram me receber. Quem os visse não iriam dizer ser pistoleiros. Todos vestidos a caráter de terno e gravata e o indefectível quarenta e cinco na cintura. Já sabiam da minha chegada. A Hacienda era linda. Enorme. Parecia uma daquelas onde viviam os donos de Capitanias Hereditárias com todo luxo e conforto como se estivessem em algum palácio europeu. Era tão grande que calculei ter mais de vinte quartos e muitas salas. Na escada de acesso a varanda da casa um homem enorme, cabelos longos prateados, botas de cano longo, um vasto bigode e sem barba, mas com uma quarenta e cinco pendurada no quadril veio me receber. Também a caráter. Os ternos pareciam iguais. Bem vindo Senhor. Vamos entrar. Eu sou o Dente Cariado. Dona Rosa logo que puder vai encontrar com o Senhor. Deixe-me acompanhá-lo até os seus aposentos. Dente Cariado? Só se ele tivesse dentadura, pois seus dentes eram brancos e alvos.

                  Passei por duas salas, e vi com espanto duas enormes escadarias que brilhavam ali naquele lusco fusco da manhã. O chão de mármore era ou pelo menos parecia cravejado de pedras preciosas. Os moveis deu para ver eram no estilo Luiz XV. Como tinha algum conhecimento de móveis antigos só uma estante que ali estava tinha certeza que precisaria trabalhar por mais de vinte anos para comprar uma. E os quadros que vi na parede? Sem parecer esnobe mas lá estava um Van Gogh, Retrato de Dr. Gachet. Vi também um Cézanne que não lembro o nome, O Bau au moulin de la galete de Reonir. Mar au Chat de Picasso e para completar o Le massacre des innocents de Rubens. Incrível os poucos que vi valeriam milhões e milhões de dólares.

                  Meu quarto caberia tranquilamente cinco casas iguais a que eu morava. Enorme. Uma cama no estilo renascentista italiana, enorme gigante mesmo e muito macia com decoração e paredes forradas de tecido. Nossa nunca vi tanto luxo. Como uma mulher teria condições financeiras para manter uma Hacienda como aquela? Para que? Não recebia visitas e pelo que soube eu fui um dos poucos que adentrou ali nos últimos quarenta anos.                      Fiquei dois dias perambulando pela fazenda. Ela não apareceu. Tinha livre acesso a tudo. Adorei a Capela ao lado da Casa Sede. Parecia ter sido forrada a ouro e cheia de pedras preciosas. As refeições fazia sozinho. Sempre acompanhado de longe por Dona Nair e um jovenzinho vestido a caráter que servia como os melhores garçons do mundo. Deliciosas as sopas que ela fazia. Dona Nair cozinhava divinamente. Quase não via Dente Cariado, mas sabia que ele me observa o tempo todo. Já estava me cansando daquilo. Fui ali para trabalhar e até agora nada.

                 Na manhã do sexto dia bateram na porta do meu quarto. Abri. Dente Cariado solenemente me disse que Madame Rosa iria me receber as onze em ponto no Salão de Cristal. Ufa! Parece que iria começar minhas tarefas para qual fui contratado. Tomei um banho, coloquei meu melhor terno e pus uma gravatinha borboleta com desenhos de flor de lis. Desci as escadarias e logo Dente Cariado me pediu para segui-lo. Atravessamos duas salas e adentrei em outra enorme. Uma verdadeira biblioteca. Teria ali no mínimo trinta mil livros. Que mulher é essa? Como poderia encontrar tanto luxo e tanta riqueza em uma fazenda do sertão de Goiás? Dente Cariado me pediu para sentar em uma poltrona no canto da parede, de frente a outra bem menor, ambas de madeira de lei pura, forrado com cetim escarlate. Uma musica suave adentrava ao Salão de Cristal. Tentei saber qual seria mas era tão linda que não a identifiquei de imediato.

                  Estava ali inebriado com tudo. Dente Cariado interrompeu minha “mise-en-scène” para anunciar solenemente a Senhora Rosa de Cimarron. Cimarron? Tinha adotado este sobrenome? Levantei-me, olhei para ela, meu Deus! Nunca tinha visto uma mulher assim. Deveria ter mais de um metro e setenta e cinco. Linda e olhe me disse ter mais de cento e dez anos. Não podia acreditar. Seu rosto não tinha rugas, seu cabelo avermelhado estava embranquecendo o que deva um aspecto maravilhoso a todo o seu corpo. Seus lábios grossos e seus olhos negros me colocavam em frente a uma estátua de alguma deusa grega que nunca tinha visto, mas que sem sombra de duvida eu se pudesse a levaria ao Olimpo para ficar junto às demais. Vestia simplesmente. Uma camiseta branca com gola, um lenço azul celeste amarrado ao pescoço e um jeans azul desbotado. Não daria para ela mais que uns cinquenta ou sessenta anos.

                  Cumprimentou-me simplesmente com um sorriso encantador. Quando apertei suas mãos vi uma mão macia sem rugas. Entrou logo no assunto do motivo de me ter contratado. Queria fazer sua biografia. Disse-me que um Diretor de cinema uma vez se encantou com ela. Ele queria por que queria conhecer minha Hacienda. Estávamos em um barco a vapor descendo o Rio Mississipi. Chegou a me pedir em casamento. Ficamos juntos por alguns meses. Em Nova York o deixei. Queria mandar em mim. Não me conhecia. Antes de partir insistiu que escrevesse sobre minha vida. Ia fazer um filme. Achei a ideia interessante. Mando minha biografia. Mas o filme só depois de minha morte. E olhe completou. Acreditando em você, farei um deposito em seu nome de quarenta milhões de dólares que só pode ser retirado após minha morte e com fins específicos para o filme. Não disse mais nada. Não tinha o que dizer. Ela estava me pagando cem mil reais para escrever. E fui ali para isto. Assim começou meus dias com Madame Rosa. Dias que até hoje não esqueço e acredito que nunca mais vou esquecer.

                     Resumindo. Era filha de uma índia com um Capitão português da Bandeira de Borba Gato. Ela foi aprisionada e feita escrava dele. Uma época que ninguém discutia estes atos. Sua mãe morreu quando ela tinha dois anos. Seu pai resolveu deixar a bandeira. Arranchou em Jaciara no sul de Goiás e ali tomou algumas terras para sí. Ela cresceu. Ficou moça. Ainda sem conhecer rapazes e nenhuma cidade próxima. Seu pai a prendia muito. Sua vida mudou depois que ele morreu. Então me contou um segredo que me fez jurar de não contar para ninguém. Deveria constar em sua biografia. Só iriam saber depois de sua morte. Ela deu um lindo sorriso e me disse – Se alguém souber meu amigo, você estará morto no outro dia. E riu novamente. Eu não duvidava.

                   - Meu pai tinha morrido e eu já estava com dezenove anos. Moça ainda sem saber o que fazer. Nossa casa era humilde. Tinha dois quartos uma sala e uma cozinha, mas era uma tapera. Uma noite um trovão anunciou uma enorme tempestade. Sempre tive medo e corri para meu quarto. Um raio entrou pela janela e abriu um enorme buraco no chão. Eu gritava e pedia a Deus para me ajudar. Assim como começou a chuva parou. Olhei o buraco. Enorme. Uma escada apareceu. Isto mesmo. E agora? Chamar quem? Morava sozinha. Não tinha vizinhos próximos. Meu pai me ensinou a plantar, caçar e pescar. Vivíamos assim. Tomei coragem. Com um lampião enorme que tínhamos desci as escadas. Acredito ter descido por meia hora ou mais. Nem sei onde tive aquela coragem. A escada terminou em um enorme salão. Estava iluminado. Luz elétrica? Já tinha ouvido falar mas não conhecia.

                     Notei uma serie de máquinas esquisitas. Sem querer toquei em uma. Uma mulher apareceu na minha frente. Era um fantasma só podia ser. Só depois de muito tempo fiquei sabendo que era uma holografia. Aos poucos ela foi me explicando tudo. Mandou-me colocar uns fios na cabeça. Aprendia rápido. Em pouco tempo aqueles computadores não tinham segredo. Não vou dizer para você tudo que fiquei sabendo deles. Ou seja de onde vieram e para onde foram. Mostrou-me um pequeno túnel. Disse que estava cravejado de diamantes. Sabia o que era um. Meu pai passou uma vida correndo atrás deles. Em alguns meses retirei uns dez. Não precisava de mais. Só aqueles valeriam milhões e milhões de reais. Assim começou tudo. Sem ninguém me ver fui a cavalo até Jaciara. Peguei um ônibus até Goiânia. De lá um avião para São Paulo. Claro que conhecia tudo e sabia de tudo através dos fios que coloquei em minha cabeça e em pouco tempo dominava sem problemas os conhecimentos de muitos e muitos anos que outros precisavam para saber o que eu sabia.

                 Vendi os diamantes. Em Goiânia conheci Dente Cariado. Fiz dele meu confidente e meu administrador. Ajudou-me em tudo para fazer desta fazenda uma que não tinha igual em todo o país. Mandei vir da França todos os móveis. Tudo que tem aqui veio de avião direto. Você ainda não viu mas tenho um pequeno aeroporto atrás das Colinas do Caçador. Ele está preparado para receber aviões até de médio porte. Aprendi através dos fios na cabeça como viver mais. O que comer, como tratar meu corpo. Estou agora com cento e doze anos. Pelo que eu saiba ainda posso viver mais uns vinte. Vamos ver. Foi então que ela me levou até uma sala pequena com uma porta de aço. Pediu-me para ficar afastado. Olhava a porta e ela se abriu como um passe de mágica. Se fosse pelos olhos ninguém nunca abriria aquela porta. A escadaria levava ao salão dos sonhos. Fiquei embasbacado. Um salão enorme. Cheio de parafernálias e fios. Um computador central não muito grande ocupava boa parte do salão. Vi que ele se matinha sempre ligado. Ela agora não teclava mais. Conversava com ele e ele obedecia a suas ordens.

                 Por favor, não riam de mim. Sei que dirão que em termos de ficção eu ultrapassei as raias da sanidade. E o túnel dos diamantes? Incrível! Centenas ou milhares deles. Brilhavam tanto que não precisava de nenhum tipo de energia. Tudo aquilo para mim era fantástico. Poderia ficar aqui horas discorrendo de tudo que estava vendo, mas não quero fugir do tema principal. Durante dois meses só falamos no salão dos sonhos onde poderia ser sem sombra de duvida uma cidade dos sonhos. Quem sabe ali seria uma replica de Xangri-lá. Pelo menos a Senhora Rosa de Cimarron tinha descoberto a fonte da juventude. Todos os dias ela mandava me chamar e passeando pela Hacienda conversando percorríamos grandes distancias do enorme jardim que havia atrás da casa sede. Olhe jardim imenso. Ela riu de meu espanto e disse que mandou fazer uma réplica dos jardins de Versalhes na França. Mandei um arquiteto lá só para isto. Treinei posseiros fora da Hacienda só para o jardim. Era lindo mesmo.

                - Riosvaldo, amanhã vamos viajar. – Onde? Perguntei – Vamos percorrer meio mundo. Quero que conheça algumas propriedades que tenho por aí. – Bem eu estava ali para isto. Já tinha preenchido bem umas trinta paginas em uma pequena maquina de escrever que ela me deu. Sairemos cedo. É melhor que saiba antes. Não tenho carro e nem aviões em lugar nenhum. Não quero, se os tivesse sempre teria pessoas que poderiam de uma forma ou outra bisbilhotar como vivo e o que faço. Para isto sempre alugo os veículos que preciso. Não eram nove da manhã e um Jatinho pousou no aeroporto da Hacienda. Parecia que os pilotos já a conheciam. – Ela deu suas ordens – Vamos para Aguascalientes, no México. Algumas horas de viagem. Um luxo meu Deus! Uma aeromoça nos servia o que quiséssemos. Não descemos em Aguascalientes. Mais adiante na Estancia Alfonso.  – É minha. Comprei depois que Alfonso morreu. – E quem foi Alfonso? – O homem que amei e que jurei nunca mais amar outro.

                     Então este era o grande amor de Rosa de Cimarron. A estancia era linda. Vieram recebê-la com honras. Não eram muitos. Um mordomo de Nome Delito, uma cozinheira e duas arrumadeiras. Nem entramos e ela me levou até o pé de uma montanha. Que coisa maravilhosa. Toda florida de Ipês de todas as cores. – Foi aqui que o vi pela primeira vez. Ele estava filmando. Fiquei estarrecida. Não era o homem mais lindo que conheci, mas seu olhar! Meu corpo tremeu. Perdi a voz. Apresentou-se e olhe uma voz de barítono. Não vou entrar em detalhes, mas em dois dias nos casamos em Aguascalientes. Casamento simples. Durou enquanto durou. Ele foi um homem que me disse coisas lindas e nunca tinha ouvido dos lábios de outro homem. – Sabes Rosa, queria ser uma lágrima para nascer em seus olhos. Rolar entre suas faces e teus lábios beijar. – Difícil você resistir. – Um dia ele me disse: - Fale comigo sempre que você estiver triste. Mesmo que eu não consiga lhe trazer a felicidade eu lhe darei o meu amor!

                  Aqui nesta encosta do Morro Das Flores ele me beijou. Meu primeiro beijo. Não resisti. Possuiu-me ali no chão, entre as pétalas dos ipês roxo, amarelo e não sei mais quantas cores. Andei com Rosa de Cimarron por todo o vale. Vi lágrimas em seus olhos. Não chorou, mas um pequeno soluço deixou escapar. Não ficamos muitos dias em sua instância. Novo destino: Suíça, mais precisamente na Basileia. Um helicóptero nos levou até os Alpes e conheci mais uma de suas propriedades. Um chalé enorme. Também com quatro funcionários. Todos a reverenciavam. Sentamos na varanda com uma enorme lareira acesa. Contou como ali viveu por cinco anos com Alfonso. Alí aprendeu a esquiar. Mais uma viagem, desta vez em Orleans, uma pequena cidade francesa as margens do Rio Loire. Um castelo! Isto mesmo! Um enorme castelo era dela. Não sei por que comprou tamanha propriedade. Lá tinha mais de dez funcionários. Estava intacto. Também me disse que morou ali seis anos com Alfonso. Acho que ela queria lembrar-se do passado e me levou para conhecer suas propriedades no mundo.

                   Ela mesma me disse que possuía propriedades em Portugal, Espanha, Itália, e em São Petersburgo na Rússia. A que ela mais gostava de ficar era nos Estados Unidos. Voamos para lá. Sempre foi o amor de Alfonso. Um grande rancho no Texas. Mais precisamente próximo a El Paso. Suas terras banhavam mais de seis quilômetros do Rio Grande. Enorme. Alí ela criava gado nelore. Dizia ter mais de vinte mil cabeças. Não precisava disto. Não pretendia em nenhuma de suas propriedades ter retorno financeiro. Mas foi Alfonso quem quis. Ele adorava ver o mar de chifres pelos campos. Todos os anos eles passavam pelo menos quatro meses ali no Rancho Cimarron. Ele assim também o chamou. Fiquei pensando que amor era este. Um amor de entrega total. Ela comprava tudo e podia ter quantos homens quisesse, mas se apaixonou por um homem que só podia dar ela muito amor e mais nada.

                 Ficamos fora quatro meses. Nunca a vi telefonar para ninguém. Parecia que ela sabia quem contratava. Não faziam perguntas. Quando vem e quando vai. Em Nova Yorque ela tinha um enorme apartamento de cobertura de frente para o Central Park. Ficamos lá um mês. Na viagem de volta ficou calada até chegar a Hacienda Rosa... De Cimarron. Durante dois meses não me procurou. Dente Cariado quando perguntei me disse – Quando ela quiser te chama. E mais não disse. Pensei em ir até Vale Feliz para dar uns telefonemas. Já estava fora de São Paulo há mais de seis meses. Para uns amigos disse que ficaria por dois meses. Não me deixaram sair. Entendi que era um prisioneiro com direitos de ir e vir, mas dentro da Hacienda. Em um domingo Dente Cariado me chamou. – Madame Rosa de Cimarron vai falar com o Senhor. Por volta de seis horas da tarde. Na capela da Hacienda. Por favor, não atrase. Faltando cinco minutos para as seis já estava lá. Pretendia dizer que precisava ir embora. Tudo que precisava saber dela já tinha escrito. Mais de quatrocentas folhas.

                   Entrei e sentei. As seis em ponto ela entrou. Vestida de preto com um véu sobre seu rosto. Sentou bem à frente. Apareceu um padre que nunca tinha visto. Celebrou uma missa. Após ela sentou ao meu lado. – Sei que você quer ir embora. Disse. Não pode e não vai. Sabe muito de mim. Vais morar aqui até minha morte. Quando morrer lhe darei uma sacola de diamantes uma fortuna que você nunca viu em sua vida. Terás aqui tudo que quiser. É só pedir e em quarenta horas será colocado em seu quarto. Inclusive um telefone, mas lembre-se ele será monitorado pela minha máquina. Não pode dizer onde estás. Uma Televisão também será instalada. Peço que não tente fugir. Meus homens tem ordem de atirar para matar. – E agora? O que faria? Não tinha saída. Sabia que a fortuna em diamantes era incalculável e ela mesma me disse que viveria no máximo uns dez ou quinze anos.

                    Ela mandou para seus advogados o esboço do livro que fiz de sua autobiografia. Tinha ordens expressas de publicar somente quando morresse. Já tinha feito seus planos. Dente Cariado tomaria conta de tudo com o auxilio dos advogados. Toda sua fortuna seria direcionada para instituições de caridade. Fiquei calado. Durante um ano fiquei calado sem nada dizer. Sempre que ela viajava para suas propriedades no exterior me levava consigo. Era a única diversão que me era dada. Eu e ela nunca tivemos nada. Claro, ela não fez qualquer menção em ter algum comigo. São coisas que nunca entendi. Até seu amor doentio por Alfonso, pois via em seus olhos que não o esquecia.

                     Estou "Velho" e cansado. Muito. Fiz cento e cinco anos no mês passado. Ela continuava como se fosse à mesma quando a conheci. Ela me ajudou com sua fonte da juventude. Agora quase não consigo andar. Dente Cariado me ajuda. Milagrosamente ele continua o mesmo. Não mudou nada. Então este será meu destino. Morrerei antes dela. Sei tudo de sua vida, sei tudo de seu amor por Alfonso. Não entendi e nem entendo o que ela queria ou quer agora. Não mudou suas atitudes, sua maneira de ser. Costuma ficar meses sem falar comigo. Porque não me deixou ir embora? Afinal sua vida se contasse para alguém ninguém iria acreditar. Se este é meu destino que assim o seja. O mundo um dia vai conhecer sua história. Sei que será um belo filme. Será conhecida no mundo inteiro e todos saberão quem foi Rosa... de Cimarron. Sua história está escrita. Quando isto vai acontecer não sei. Até me pergunto se ela não tem parte com o Demônio. Acho que não. Estou perdendo a noção de tudo. A vida vai se esvaindo de mim. Acho que é o meu fim. Vejo-me no céu olhando Rosa... de Cimarron. Eu conheci sua história, eu vivi ali, junto a Rosa. Aquela que amava Alfonso, aquela que morava na Hacienda Rosa... De Cimarron! 
                    
"Leia o texto abaixo e depois leia de baixo para cima”
Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...


sexta-feira, 5 de junho de 2015

Uma cruz a beira do caminho.




O matuto sonhador.

Um matuto sonhador
Lá das quebradas do sertão
Queria um emprego
Que o enriquecesse rapidão.
Escreveu uma carta de apresentação,
E enviou para a mais conceituada
Empresa da Região.

Esse matuto,
É mesmo sem noção.
Sem nem ao menos
Um décimo de estudo
Alimentou essa ilusão.

O Pobre Serafim
Logo soube da verdade.
Que não tinha a menor chance
Para sua infelicidade.

Oh! Serafim
Toma tento homem de Deus,
E procura um emprego
Compatível ao seu perfil.

E se esse é seu sonho,
Estude e corra atrás
Conquiste o que deseja
E conquiste um pouco mais...
Leidiana S. Silva.

Uma cruz a beira do caminho.

                     Ela estava ali, na curva da Aranha, bem perto da nascente do Rio Pomba. Não havia nada escrito, ninguém sabia por que estava ali, quem a colocará e o motivo de ter uma cruz como aquela na beira do caminho. Todos que passavam a viam e sabiam que todos os anos alguém trocava por outra, mais nova, mais durável. Mas o que significava? Ninguém sabia... Rolando o barbeiro sabia. Sorria quando ouvia alguém comentar e perguntar ele não dizia nada. Para que dizer? Se existia uma história uma lenda ou mesmo um fato era melhor esquecer. Ele se lembrava de tudo, de tudo que aconteceu. Ninguém lhe pediu silêncio, nada, mas ele talvez por discrição ele preferiu manter silêncio. Afinal ele não passava de um meninote, metido a sabido e quase morreu por que achou que devia saber de tudo. Sua barbearia estava vazia. Já não era como antes sempre cheia e todos comentando a vida monótona da cidade. Cidade? Não mais de que seis mil almas que dariam tudo para sair dali e nunca mais voltar. Quem sabe uma vida arredia, entediada e tendo o que falar dos que chegavam e saiam seria a melhor forma de viver ali.

                          Ele se lembrava de Juca Soldado. Mas quem não se lembrava? E o que aconteceu com ele? Sumiu de um dia para o outro e ninguém também soube explicar seu sumiço. Seu erro Rolando depois de muito tempo pensou que sabia. O homem não pode apaixonar por alguém que não se apaixona por ele. Vai dar tudo errado. Afinal Flor Bela não era bela, podia-se dizer que tinha um belo corpo, mas bela não. Bem tinha os dentes perfeitos, um belo trazeiro arrebitado, seios enormes e para quem gosta eram um prato cheio. Mas seu rosto parecia que levou uns tabefes quando menina e ficou amassado. Risos. Amassado? Bem eram bem chatos e não arredondados como todos são. Filha de João Araci, nunca conheceu sua mãe. Diziam que largou o João e sumiu neste mundo de Deus. Os dois moravam em uma tapera de pau a pique lá prás bandas do Morro Doce. Eram terras do Coronel Tubino de Mattos. Ele não ligava para quem morasse em suas terras. Não cobrava, não exigia nada pedia em troca. As más línguas diziam que o pai comia a filha e o Velho Coronel também dava suas bicadas. Verdade ou não os dois só andavam abraçados e não eram abraços de pai e filha.

                         Juca Soldado se apaixonou por Flor Bela. Uma paixão sem limites. Só sonhava em tê-la ao seu lado. Comprou uma casinha pequena na Rua da Garça e ia reformando ela aos poucos. Tijolo por tijolo, telha por telha. Seria a casa dele de Flor Bela. Claro iria encher ela de filhos. À tardinha sentava na varandinha e ficava pensando como poderia ser feliz para sempre ali com Flor Bela. Pintou a casa de Branco, as janelas azuis e com as rosas, jasmim e begônias que plantou em volta ficou linda de morrer. Fez questão de plantar um Ipê Amarelo. Iria demorar em florir, mas ele não tinha pressa. Todas as noites quando saia da Delegacia ia para sua casa e sonhava sonhos impossíveis. Lá estava ela na porta esperando seu amor. Ela? Não meu amigo, eram sonhos de Juca Soldado. Salomé Soldado que com ele tomava conta da cidade sempre dizia: - Juca Soldado esqueça esta mulher. Ela nunca vai ser sua. Todo mundo sabe que mora e dorme com o pai. Juca Soldado nada dizia. Dizer o que? Encobrir seu amor por alguém que daria tudo na vida para ela viver com ele? Daria o mundo se ela pedisse, daria sua vida se ela quisesse. Um dia bebeu umas quantas e zonzo saiu andando aos troncos e barrancos pela cidade a caminho da tapera de Flor Bela.

                         Não era perto, nada disto, mais de três léguas até a subida da Serra do Morro Doce. Nunca tinha ido lá. Tinha medo do que ela ia dizer. Tinha medo do que seu pai ia falar. Juca Soldado nunca foi de falar duas vezes. Atirava bem, já mandou pras prefundas dos infernos muitos bandidos que o desafiou. Nunca pensou em tirar a vida de ninguém, era de paz e se matava era para não ser morto. Quando Capitão Nanico do Batalhão da cidade de Horizontina o mandou para Rio Pomba ele agradeceu. Pensou em viver lá para sempre. Gostava da cidade, mas se sentia sozinho. Queria arrumar uma mulher para casar e nunca soube por que não escolheu muitas da cidade que ficavam a sorrir para ele. Ele ficava envergonhado quando algumas delas o chamavam de gostosão. Será que ele era mesmo? Virgem não era, pois comeu algumas putas em Horizontina. Mas quer saber? Depois que gozava queria sumir dali, tinha asco da mulherada safada que tinha dado para ele.

                        Ele mesmo tinha duvida se era bom de cama. Isto não o preocupava, pois sabia que para ser feliz não precisava disto. Ele iria dar a sua cara metade a outra metade da sua vida. Tinha certeza que se um dia casasse ele faria sua esposa feliz para sempre. Não andou muito no caminho da serra do morro Doce. Alguns quilômetros e caiu na poeira da beira do caminho. Dormiu como um porco naquela sujeira e acordou enojado. Voltou correndo para a cidade antes que amanhecesse e alguém o visse naquele jeito. Uma semana depois, já com sua casinha pronta, onde todos que passavam por ali invejavam seu trabalho, ele viu Flor Bela e seu pai Clotilde Sinfrônio, (nome danado ele pensava) de braços dados entrando na cidade. Desavergonhados ele pensou. Pai e filha não davam exemplos. Pensou em prender Clotilde, lhe dar uma surra e jurar de morte se ele não partisse da cidade. Poderia ter feito isto, mas e Flor Bela? O que ela pensaria dele? Afinal nunca se declarou para ela.

                       Ficou na sua. Tremia de raiva quando ela dava risadas abraçada com o pai no bar do Pacheco. Bebiam e pareciam dois namorados se comendo com os olhos. Quem passava olhava com asco. Afinal era pai e filha. A cidade em peso reprovando tamanha desenvergonhice. Interessante, diziam que ela dava para o pai ha muito tempo, desde que sua mãe morreu de tifo. Morreu sem tratamento, pois não havia médico naquele lugar. Morreu as margens do Rio Pomba e dizem que nem enterrada fora, Clotilde e Flor Bela amarraram ela em um lençol e deixaram que as águas barrentas do rio Pomba a levasse para o mar. Juca Soldado pensou em acabar com aquela farra. Mas ele era comedido, calmo e mesmo com o coração batendo e o corpo fervendo ficou na sua na delegacia. João Soldado disse para ele se não iria tomar uma providencia. Ela calado nada falou. Costinha charreteiro os levou de volta para a tapera de Morro Doce. Juca Soldado magoado, nada dizia. Em sua casinha branca ainda sonhava com Flor Bela, mesmo sabendo que ela nunca seria dele.

                    Tudo na vida tem seu começo e tem seu final. Caseiro um menino da Rua Santos chegou correndo na delegacia. Seu Juca Soldado! Flor Bela está morta! Morreu na curva da Aranha. Está lá toda cheia de sangue! – Juca Soldado saiu correndo, o povo da cidade atrás. Um circulo já se formava em volta dela. A danada sorria, morreu sorrindo. Juca Soldado tirou sua arma e deu dois tiros para o alto. Gritou em seguida que voltassem para suas casas. Não queria ninguém ali. O povo obedeceu e aos poucos foram se afastando até que Juca Soldado se viu sozinho com sua amada. Ele sabia que ou o Coronel Turbino ou seu pai Clotilde eram um deles assassino. Não precisava correr. Eles não iriam fugir. Eles iriam ter a paga dos seus atos. Levou Flor Bela nos seus braços até sua casa. A colocou na cama de casal que tinha comprado. Tirou todo o sangue, limpou e lavou com bucha leve para não ferir sua pele mais.

                     Vestiu nela o longo prata que tinha comprado. Era seu sonho vê-la vestida assim, sorrindo para ele e dizendo que o amava. Sonhos nada mais que sonhos impossíveis. Sentou na cabeceira da cama e ficou acariciando seus cabelos, sua face, seus lábios grossos que agora estavam brancos como a morte. Melhor passar um pó de arroz, um pincelada de batom vermelho para ela voltar à vida. Risos. Era sonho, ele sabia que ela estava morta, mas queria acreditar que ainda estava viva. Nos seus sonhos ele contou para ela quanto a amava. Contou quantas vezes a via na porta da casinha branca a lhe esperar com um sorriso após o seu dia de trabalho. Contou do que gostava de comer, um franguinho com quiabo, uma taioba com angu mineiro, um torresmo no feijão preto. Perguntou para ela do que gostava, mas ela não respondeu. Afinal estava morta. Dormiu no banco em frente a sua cama de casal olhando para ela. Muitas vezes acordava com os olhos rasos d’água a correr pela face e molhar o tapete que ele mesmo comprou do Mascate Juventino.  

                  Dois dias depois sentiu uma mão em seu ombro. Era João Soldado seu amigo de farda e do peito. – Hora de fazer o enterro Juca Soldado. Você não pode adiar mais. A cidade em peso falando e você aqui chorando! Juca Soldado sabia que não dava mais para adiar. Comprou um caixão branco, cheio de flores marcadas na madeira, custou caro, mas ele pagou sem reclamar. Quando o caixão desceu para sua ultima morada Juca Soldado chorou. Chorou demais. De uma hora para outra parou. Não chorava mais. Viu do outro lado da cerca do cemitério, o Coronel Turbino e Clotilde. Dois assassinos. Sua face encrespou. Deu vontade de ir até lá e matar os dois. Um tiro só em cada um. Ele sabia que não ia errar. Mas não era a hora, tudo tinha sua hora e seu lugar. Eles dois estavam marcados para morrer!

                Juca Soldado não fez um epitáfio. Nem uma cruz colocou na ultima morada de Flor Bela. Todas as noites, ele ia até lá e colocava uma rosa, ou uma gardênia do seu jardim. Ajoelhava e dizia: - Se eu te oferecer uma flor! Receba-a, com carinho... Ela é coberta com pétalas do eu amor! Cuida dela direitinho!! E lembra-se de mim. Não se esqueça... Ela é de pele, Revestida de pétalas macias. Onde guardo todos Os sonhos com você. Juca nunca deixava de chorar. Um homenzarrão de trinta anos, alto e forte e chorava, seu amor era mais forte que tudo. Uma vez por ano ia até a curva da Aranha e lá colocava uma cruz de madeira. Substituía a velha que já estava apodrecendo com o tempo. Não escreveu nada nela. Toda a cidade deu falta de Clotilde e do Coronel Turbino. Eles desapareceram. Nada na fazenda e nada na tapera onde morava. Ninguém nunca mais ouviu falar deles.

               O Gavião do mar foi quem que contou para o Gavião da Montanha que ele viu onde estava Clotilde e o Coronel Turbino. Estavam enterrados bem no alto do Morro Doce, lá aonde ninguém vai. Num sopé cheio de espinhos, onde o vento sopra e só deixa poeira no ar. Ficaram assim com o corpo todo amarrado em uma vala cônica, só a cabeça para fora, vermelhos e roucos de tanto gritar pedindo socorro. Morreram bicados pelo Abutre das Sete Mortes. Ele se deliciava com a carne apodrecida e por vários dias se serviu do banquete. Ninguém nunca soube e ninguém nunca acusou Juca Soldado pelo sumiço deles. Rolando o Barbeiro sorria. Ele sabia de tudo que aconteceu. Mas valia a pena contar? Para que? O tempo passou, Juca Soldado morreu de desgosto e tristeza. Ninguém nunca saberia de seus lábios a morte horrível de dois homens que mereciam ter a morte que tiveram.

                 Mas Rolando o Barbeiro já sabia que o Santo Homem da curva do destino sabia muito mais. Ele falava com os mortos, ouvia seus causos, sentia seus abraços e rezava por todos eles. Cortando seu cabelo naquela tarde quente de setembro ele sorriu e contou baixinho para Rolando o Barbeiro; - Eles estão felizes, ela agora tem três ao seu lado. São casais jocosos, amantes do mal, que correm nas nuvens do céu e nem se lembram mais do pecado que cometeram.

CONSEIO

Era assim que eu lhe dizia
Menina você me insurta
Repare essa saia curta
Cuidado que o povo espia
Pois quando ocê vai passando
Os ôme ficam rezando
Prá que dê uma ventania…
Assuba mais o decote
Que assim tá muito descido
E prú favor tomem bote
Uma barra nesse vestido
Menina: ninguém é santo
Repare que em tudo canto
Tá assim de ôme inxirido…
Mas vosmecê repare só
Ela não tinha receio
Se eu falasse era pió
Porque depois do conseio
Prú capricho ela botava
Um vestido que amostrava
A “metade” du jueio…
Pois vosmecê logo imagina
O que isso tudo veio dá…
Coitadinha da menina,
Eu cansei de lhe avisá.
Pois sabe o que acunteceu??…
Ela casou-se cum eu
Tem dez filhos pra criar.
Pompílio Diniz