Bem vindo ao blog do Osvaldo

Seja bem vindo a este blog. Espero que aqui você encontre boas historias para passar o tempo, e claro, que goste.

Honrado com sua presença. Volte sempre!

sábado, 22 de setembro de 2012

O expresso do Rio Selvagem.



Fluir de um rio.

Correm as águas do rio
Passam na agulheta do tempo
A mesma água não volta, nem pelo fio
Não repete a sua passagem, observo, lembro
A vida é como esse rio
Na superfície a velocidade instantânea
No fundo as correntes pesadas
As pedras roladas, as plantas prezadas
O que se esconde e funde no leito
Escorregadio que com os tempos feitos
Pouco mudam, pouco nadam
A vida de um rio, não é só a agua que passa
É as margens descoladas, divididas
São quem passa quem refresca
É a vida num todo que se compõe
É quem mergulha, quem acha
Quem muda, leva ou põe
É quem toca no fundo
Traz a vida que mergulha num rio também


O expresso do Rio Selvagem.

            Carmem olhava pela janela do trem, as belas paisagens que iam ficando para trás. Sua mente rebuscava timidamente sua vida. Ela não sabia se era feliz, se tinha alegrias, tristezas, se sua vida estava valendo a pena. Achou que era hora de pensar. Com calma. Merecia umas férias. Quinze dias bastavam. Falou com seu diretor que autorizou na hora. Afinal ela tinha já duas férias vencidas. Trabalhava muito. Arduamente. Começou do nada e hoje era gerente na área de montagem. Telas de computador. Lembrava-se do seu passado. Não foi bom mas o que passou, passou não volta mais. Lembrou-se quando chegou em Santa Fé. Não era uma cidade pequena. As margens daquele rio caudaloso ela se destacava pela sua beleza selvagem e pela sua competência. Não sabia por que dissera selvagem quando lá chegou. Talvez pelo seu frenesi de homens e mulheres que andam sem saber aonde ir. Queria esquecer tudo. Não lembrar. Passar uma esponja em sua mente. Sabia que não dava. Esquecer não é fácil.

             Nasceu em Cidade Santa. Pequena. As margens do rio onde a ferrovia passava e morava com sua Vó. Ali viveu boa parte da sua vida. Ali viu seus pais serem enterrados. Mortos por nada. Uma peste? Assim disseram. Morreu muita gente. Ela não, sua Vó também não. Precisava de um emprego. Lá não conseguiria. Estava com dezenove anos, terminou o segundo grau. Difícil estudar mais. Queria ser alguém se formar, quem sabe ser professora ou então outra profissão que não fosse aquelas famosas que seria impossível de conseguir. Achou que uns dias em Cidade Santa para rever sua Vó e alguns amigos bastavam. Depois iria para Vitória. Procurar uma boa pousada em frente ao mar. Aí sim, iria colocar sua vida em ordem. Nada tão estranho. Era comedida. Tinha uma boa quantia na poupança. Poderia ter um carro mas achou que morava a duas quadras do trabalho e não precisava.

             Seria umas férias onde se daria ao luxo do bom e melhor. Nada de economias. Carmem não era linda. Bonita sim, simpática sim. Uns cabelos negros, olhos negros, um rosto muito simpático. Sua voz era calma. Cativante. Teve alguns pretendentes. Mas nenhum deles lhe interessou. Seu corpo era bem feito e ela cuidava bastante. Mesmo trabalhando de sol a sol não deixava de frequentar a academia. Conheceu um Engenheiro Espanhol que iniciou um trabalho na mesma empresa que ela. Era simpático, alegre, despretensioso. Saíram diversas vezes. Nunca dormiram juntos. Carmem jurou a sua Vó que só iria fazer amor depois de casada.

              Gostava de viajar de trem. Quanto tempo não fazia isto. Muitas saudades. A janela enorme, a vista linda, o verde, o amarelo, o rio caudaloso, uma fazenda aqui outra casinha ali, uns dados adeus e a meninada correndo ao lado do trem. Sentiu fome e viu que não tinha almoçado. Levantou-se pegou sua bolsa e se dirigiu ao vagão restaurante. Não notou um homem mal encarado que a acompanhou até lá. Sentou-se duas mesas atrás dela. Carmem almoçou devagar. Não tinha pressa. Só chegaria em Cidade Santa lá pelas quatro e meia da tarde. Pelo visto o expresso estava no horário. Bebeu uma cerveja pequena. Deu-se ao luxo. Não fazia isto mas agora podia. Quando voltasse a sua poltrona iria cochilar até chegar ao seu destino.

              Pagou sua despesa e voltou calmamente. Ao atravessar um vagão para o outro, onde fica a porta de saída do trem, um braço a agarrou pelo pescoço. – Não grite. Se gritar enfio-lhe uma faca nas costelas. Tomou dela sua bolsa. Começou a forçar sua calça para baixo. Ele queria estuprá-la! Meu Deus! Isto não! Proteja-me. Ela gritou e mordeu com força as mãos do maníaco. Ele gemeu alto e a chamou de puta. Abriu a porta e a jogou do trem. Carmem não sentiu nada. Rolou em cima de algumas pedras e foi parar próximo a uma moita de capim colonião. Ficou desacorda. O trem sumiu no horizonte.

             Carmem acordou quase à noitinha. Não lembrava de nada. De nada mesmo. Quem era o que fazia ali nada. Sentia uma dor tremenda na testa passou a mão e viu que tinha um corte enorme. Deve ter sangrado muito mas agora já tinha coagulado. Não conhecia onde estava. Porque estava ali também não sabia. Levantou-se com dificuldade. Suas roupas rasgadas. Uma sede terrível. Começou a andar junto à linha do trem. Ouviu um barulho. Um barulho que achava que já tinha ouvido antes. Era um carro de boi. Atravessou um bosque e viu uma estradinha de terra. O carro de boi seguia devagar com duas juntas de dois bois cada uma. O carreiro era um menino de uns quinze anos. Correu para ajudá-la. Pediu para subir no carro pois ele estava indo para casa. Não era longe.

              Chegaram uma casinha de Sapé, pequena, apenas dois cômodos. Uma cozinha e um quarto. Feita de bambu com barro. Chão de terra. Carmem não estranhou. Não conheceu outra casa ou se conheceu não lembrava. Lico o menino disse que morava ali com seu pai. Não conhecera sua mãe. Ia sempre a Cidade de Manto Azul levar verduras e frutas para vender. Viviam disto. Seu pai ainda pescava alguns peixes e quando dava ele vendia também. À noitinha seu pai chegou. Assustou-se com Carmem. Lico explicou o que acontecera. Ele chamou Lico em um canto – Olhe filho, ela parece ser uma mulher fina. Não é daqui. Suas roupas mostram isto. – Pai, ela não trouxe nada. Não tem nenhuma muda de roupa extra. Nem documentos!

                Manuel não sabia ao que fazer. Não tinha ideias. Era homem da roça. Entendia tudo dela. De mulher não. A única lhe dera um filho e sumiu no mundo. Dificilmente ia a cidade para dar uma “fisgada” em alguma na Rua do Taichim. Agora soubera da tal AIDS. Evitava tudo. Não podia morrer enquanto Lico não fosse maior de idade. Lico sugeriu que ela ficasse ali por uns tempos. Quem sabe recuperava a memória. Pensaram em levá-la a Manto Azul mas lá não tinha delegado e nem prefeito. Era um arraial simplesmente.

                 Carmem ficou lá por muito tempo. Os dias passavam céleres. A noite sentava na porta da casinha e olhava as estrelas pensava quem era de onde era e o que fazia ali. Aos poucos acostumava a nova vida. Ajudava na horta, a colher jabuticabas, goiabas, laranjas, mangas tudo quando era época. Um dia foi com Lico a Manto Azul. Todo mundo veio para a porta. O pequeno arraial se assustou. Era uma mulher jovem e bonita. Vestia um short e uma camisa velha. Devia ser de Manuel. Ninguém sabia que ele estava com mulher. Ela fez algumas compras de roupas para ela. Roupas simples. A lojinha ficou cheia de olheiros.
                Carmem sem perceber começou a gostar de Manuel. Olhava para ele e sentia que o amava. Mas seria amor mesmo? Não sabia. O que era o amor? Também não sabia. Uma noite ele a beijou. Sentiu que ele não sabia beijar. Segurou sua língua e ele assustou mas deixou. Fizeram um amor louco. Ele não sabia como ela também não. Ela era virgem ele não mas não tinha nenhuma experiência. Foi gostoso. Ambos gostaram. Não parou por ai. Passaram a dormir juntos. Lico não se incomodou. Passou a gostar também de Carmem. Quem sabe ela poderia ser sua mãe? Manuel disse que queria casar com ela. Carmem achou melhor esperar para saber quem era.

               Passaram-se quase um ano. Carmem ao seu modo era feliz. Alí naquela casinha junto a Manuel não pensava em mais nada. Não tinham luz, TV, geladeira e o fogão a lenha dava tudo que precisavam para fazer a alimentação. Ela mesma fazia. Lavava e passava. Uma verdadeira dona de casa. Não engordou, seu corpo até ficou mas esguio. Cuidava dos seus cabelos. Suas roupas simples para ela bastavam. Manuel era calado. Falava pouco. Conversava com ela em monossílabos. Não sabia ler e nem Lico também sabia. Ela passou a ensinar aos dois. Compraram em Manto Azul, cadernos, lápis canetas e uma tabuada.

              Um ano e meio. Dois anos. Nada de Carmem voltar a lembrar. Ela não se preocupava mais com isto. Vivia feliz muito feliz ao lado de Manuel e para ela Lico era como se fosse um filho. Pensava que se um dia recordasse quem era não iriam deixa-los nunca. Uma tarde voltada da mata onde tinha muitos pês de jabuticaba e não abaixou a tempo de evitar uma galhada grossa de uma jabuticabeira. Bateu a cabeça tão forte que ficou zonza e caiu ao chão. Estava só mas meu Deus! Ela voltou a se lembrar. Tudo veio assim do nada e ela agora sabia tudo de sua vida. Voltou correndo. Chamando alto Manuel e Lico – Lembrei-me! Agora sei o que fui! Mas ao olhar o semblante deles ficou triste também. O medo de perdê-la era grande. E ela não sabia que atitude tomar.

               Dormiu abraçado a Manuel. Disse que nunca iria abandoná-los. Mas tinha de voltar em Cidade Santa para saber de sua Avó e depois iria a Santa Fé. Tinha lá um apartamento, roupas, móveis e dinheiro no banco. Precisava ver se tudo estava lá. Lico chorou quando ela partiu. Manuel abraçou-o e ambos choraram quando ela pegou o trem de volta a Santa Fé em Derribadinha. Carmem também chorou. Mas prometeu voltar. Manuel e Lico não acreditaram. Sabia que ela era uma moça de cidade grande, estudada e porque voltaria?

              Na janela do expresso Carmem olhava o rio, as casas as fazendas e o seu passado. Desceu sem pressa na estação de Santa Fé. A cidade pouco mudou. Um taxi a levou em seu apartamento. Fechado. O porteiro a reconheceu e sorriu quando ela contou por partes o que tinha acontecido. Disse que a policia, o diretor e muitos da empresa que ela trabalhava lá estiveram. Ele tinha copia da chave. Ela entrou. Olhou, não sentiu saudades. Saudades sim de sua tapera de barro com telhas de folha de coco e capim seco. Foi até a empresa. Uma surpresa de todos. O diretor pediu a ela para ir a sua sala. Uma festa. Era muito bem quista. Dois anos e meio fora e todos compreenderam o que aconteceu com ela.

                O diretor disse que sua vaga estava em aberto. Ela podia começar a trabalhar quando quisesse. O salario seria aumentado. Não disse nada. Iria pensar e depois dar uma resposta. Ele não entendeu. Não quer mais o seu lugar? Vai voltar para a tapera onde morou muitos anos? Ela não sabia o que fazer. Duvidas e mais duvidas. Pediu um prazo. Duas semanas. O diretor riu. Claro que sim. Você não vai deixar isto aqui para morar lá no mato em uma casinha de barro. Carmem foi para o apartamento não antes de passar no banco. Estava tudo lá e até mais com os juros. Quase um milhão e meio.

               Dormiu mal em sua cama de casal. Grande, colchão de mola, caro que comprou há muitos anos. Estava novo ainda. Ficou ali olhando para o teto e pensando. Dormiu sonhando com Lico e Manuel. Pela manhã já sabia o que fazer. Publicou no jornal local a venda de tudo. Apartamento mobiliado. Separou as roupas que precisava as demais doou para uma instituição de caridade. Deixou o dinheiro da poupança lá no mesmo banco. Tirou cem mil para despesas. Foi à empresa e agradeceu ao Diretor pela confiança. Abraçou a todos os seus amigos e ao espantado engenheiro espanhol que tinha namorado.

              Pegou o expresso novamente rumo a Cidade Santa. Precisava ver sua Avó. Desta vez prestou atenção a tudo no vagão de primeira classe e quando foi ao vagão restaurante ficou de olho. Nada aconteceu. Sorriu quando viu sua Avó viva. Foi uma festa o encontro das duas. Contou tudo. Ela compreendeu e a motivou a continuar com sua tomada de decisão. Deixou um cheque com ela de cinquenta mil reais.  Disse que voltaria daí a um ano e daria mais a ela. Em oito dias estava de volta. Desceu em Derribadinha. Uma maleta com poucas roupas. Nenhuma joia. Só com o saldo do dinheiro que tirou. Agora uns quarenta mil reais. Poderia ter comprado um carro, chegar lá de carro novo. Não era o que desejava.

               Comprou uma pequena charrete de três lugares. Um cavalo baio bom para trotar. Saiu de Derribadinha às duas da tarde. Às quatro e meia chegou a Manto Azul. O povo todo veio à porta. Nunca acreditaram que ela ia voltar. Já sabiam de sua história. Ela cumprimentou a todos. Sorria. Às seis e meia da tarde avistou a Casinha. Avistou de longe Lico que veio correndo e gritando chamando seu pai. Desceu da charrete e o abraçou com força. Era seu filho. Não de “barriga” mas de direito de mulher do seu pai. Manuel a olhou. Sorriu sem jeito. Pensou em abraçá-la. Estava bonita. Roupas novas. Sapatos novos. Um brinco de ouro. Teve medo. Achou que ela foi ali para despedir para sempre. Ela o abraçou. Disse – Manuel sou sua mulher. Nunca mais me separarei de você. Abraçaram-se ali, um beijo enorme. A lua brotou no céu. “Bunita, que nem um queijo redondo”.

               Ela de vez em quando voltava a Santa Fé. Levava Manuel e Lico juntos. Tirava dinheiro do banco, não muito, faziam umas comprinhas e voltavam ao seu lar, sua casinha de barro de chão de terra com um banquinho na porta para ver as estrelas e a lua quando estava cheia. Acertou em cheio. Nunca se arrependeu. O que sei é que viveram felizes por toda a vida. Um amor simples, uma aceitação de ambos que só podia ser de almas gêmeas!      

Não escrevas aos meus olhos.
Não me iludas se não
tens a intenção
de entregar-me 
o teu coração! 
Não escrevas aos meus olhos
lindas palavras de amor
se pensas fazê-lo
chorar de dor!
Não grites que me amas
se o teu silêncio 
revela que apenas 
me enganas!
Não quero mais 
os teus beijos...
Quero apenas um pouco de paz!
Vou ardendo de desejo
quando lembro
das tuas mãos deslizando
no meu corpo gélido
nas madrugadas 
que fui inocente
entregando-me a ti
Poeta indecente,
de corpo, alma 
e coração.
Mas agora basta!
Não viverei mais de ilusão.
Já sofri demais
nessa vida madrasta!

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Menina Maria sem pecado e sem ódio no coração.



Cantiga para não morrer


Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve. 


Se acaso você não possa

me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração. 

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar. 

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.


Menina Maria sem pecado e sem ódio no coração.

              Eram doze irmãos. Uma escadinha que começava com Vania de seis até Marilda que tinha 19. Todos só conheciam o pai. A mãe morrera há tempos. Virgo Olho Grande seu pai, era um homem feio, barbudo, mau e ela nem sabia por que ele ainda dava comida a todos. Só comida porque roupas todos se viravam quando iam à igreja do padre Aloizio. E nem sempre podiam. Eram mais de vinte e cinco quilômetros de trilha até a cidade de Rio Esperança. Todos nasceram sob o jugo de seu pai. Ele praticava o incesto com todas as meninas. Quando alguma alcança dez anos ele dizia que era hora do batismo. Quatro de seus irmãos e irmãs eram filhos de Marilda. Quem não conhecia achava que ela era mulher dele. Fazia a comida e dirigia a casa.

             Menina Maria escapou da sanha pedófila dele. Todos sabiam por quê. Seus olhos. Isto mesmo, azuis, parecido com o da Virgem Maria da igreja. Seu pai até que tentou, mas ao olhar seus olhos esqueceu-se de tudo. Era como se estivesse fazendo sexo com uma santa. Achou que devia descartar Menina Maria. Ela não tinha mais serventia para ele. Dois Exploradores de ouro passaram próximo ao rancho onde moravam e o pai ofereceu Menina Maria para eles. – Se vão para Serra Pelada, porque não ter uma mulher junto? Ela sabe lavar, passar, cozinhar e olhem, tem um belo corpo. Tonico e Milorde não fizeram de rogado. Compraram Menina Maria por duzentos reais.

            De manhã ela embarcou na canoa deles, e com lágrimas nos olhos despediu com um aceno dos seus irmãos. Em Pirapora pegaram a Gaiola uma espécie de barca a vapor e foram até Juazeiro na Bahia. Em nenhum momento Tonico e Milorde ameaçaram tocá-la. Nem pediram nada. Davam a ela comida e na Gaiola almoçou a comida que serviam a todos. Tiveram sorte, um caminhão de boiadeiro vazio os levou até o inicio da rodovia PA-150, uma rodovia estadual do Estado do Pará. Lá esperando carona viajaram a pé por oito dias. Menina Maria estava esgotada. Agora quando a noite chegava ela preparava em fogões improvisados almoço e jantar que não passavam de carne seca farinha de mandioca e uma vez ou outra cozinhava um feijão.

             Quando chegaram à PA 275 uma carona em uma caminhonete os levou até o km 16 e dai em uma estrada vicinal chegaram à serra Pelada. Menina Maria nunca esqueceu seus irmãos. Viveu junto com Tonico e Milorde por cinco anos. Fazia tudo para eles e os considerava como irmãos. Só Milorde um dia tentou estuprá-la, mas a olhar em seus olhos desistiu. Em uma tarde seu Tarcino a procurou para dizer que eles estavam mortos. Soterrados quando garimpavam em um buraco onde achavam que iam encontrar ouro. Menina Maria chorou. Agora estava sozinha. Nenhum dos amigos de Tonico e Milorde a convidaram a morar com eles. Claro sabiam que ela era ótima para cozinhar lavar, e que sua comida era muito boa, mas eles ali naquele inferno precisavam de uma mulher que fizesse tudo inclusive fosse para cama com eles. Todos tinham medo de Menina Maria e seus olhos da Virgem Imaculada.

              Menina Maria já não era mais aquela donzela que abaixava a cabeça e aceitava tudo que a mandavam fazer. Sabia que era desejada por muitos e ela também sonhava em conhecer alguém, que a amasse de verdade e não há visse como uma santa. Queria um homem que a amasse de verdade, quem pudesse confiar e que faria dela uma esposa para sempre. Sabia que em Serra Pelada nunca encontraria ninguém. Olhou na parede onde Tonico e Milorde colocavam o ouro que encontravam e viu que daria uma boa quantia. Seu Joaquim comprava ouro e ela sabia que era um homem honesto. Vendeu a ele a metade e aumentou sua casinha e fez dela um restaurante. Cozinhar não era problema. Em pouco tempo a procura foi tanta que teve de empregar mais uma pessoa, mais uma e quando assustou eram nove.

                  Ganhou muito dinheiro. Tornou-se uma mulher experiente com dinheiro e negócios. Seu Joaquim ficou seu amigo e dizia para ela – Olhe Menina Maria, venda logo seu restaurante. Isto aqui não dura mais um ano. Já não encontram ouro e todo mundo irá embora. Achou um comprador que pagou menos de trinta por cento do que queria. Tudo bem. Agora era ir embora. Para onde? Voltar onde morava? Tinha dinheiro no banco, mas de três milhões de reais. Daria sem sombra de dúvida para iniciar uma nova vida onde quer que quisesse montar seu rancho. Pensou nos seus irmãos. Pensou no maldito pai que aprendeu a não gostar desde que saiu de lá. Ela não entendia porque nunca teve ódio dele e nem de ninguém.

                  Uma tarde de setembro, Menina Maria chegou em Rio Esperança. Dalí a sua antiga casa era menos de trinta quilômetros em estrada de terra ou de barco pelo Rio Jaboti. Entrou em um pequeno hotel o único da cidade. Era ali que ela iria morar. Procurou o dono e ofereceu a ele Duzentos mil reais. O dono o Senhor Jacobino não titubeou. Aceitou na hora. Chamou todos os empregados, não mais que onze e apresentou a nova proprietária. Queria rever seus irmãos e irmãs, mas não ia sozinha e não chegara a hora. Tinha medo do seu pai e ele podia ser perigoso com sua chegada. Contratou dois homens que tinham sido policiais e eles passaram a ser seus seguranças dia e noite. Rio Esperança era um lugar pacato, simples e com um cabo e três soldados que só prendiam bêbados à noite e os soltavam no dia seguinte.

                   Rafael Campo Grande vivia em Rio Esperança há cinco anos. Nunca ouviu falar em Menina Maria e quando o buchicho sobre ela começou se interessou em conhecê-la. Que graça! Pensou. Linda. Quem sabe seria a mulher que procurava? Ele vivia de um pouco de dinheiro que sua mãe deixara quando morrera. O dia inteiro estava no boteco de Jesuíno, jogando sinuca ou um baralho num jogo qualquer. Não apostava. Nunca apostou. Rafael Campo Grande não era mau sujeito. Parecia um preguiçoso, mas não era. Nunca trabalhou porque ainda tinha uma reserva financeira e achou que quando acabasse ele iria embora para uma cidade grande. A turma do bar o incentivava a cortejar Menina Maria e até já havia apostas se ele conseguiria ou não.

                 Um dia, ao passar por ela em uma rua da cidade, se fez de galante. Tirou seu chapéu de palha, fez uma reverencia e disse – Boa tarde moça! Tenha um lindo dia. Menina Maria estranhou. Quem era? Quem seria? Nunca o tinha visto apesar de estar a poucos meses morando em Rio Esperança. Em casa ficou pensando nele. Era um rapaz bonito, alto, cabelos negros e até sonhou com ele a noite. Um sonho que ela não costumava sonhar. Erótico. Ele a possuíu. Calmamente. Foi um cavalheiro. Não a machucou. A beijou em todos os lugares. Ele sentiu em seu sonho pela primeira vez que poderia ser mulher. Nunca tinha sido. Até agora aos 26 anos ainda era virgem. Acordou suada e sentiu que estava levemente molhada em suas partes intimas.

                  Menina Maria levantava cedo. Tinha hospedes para servir. Verificava na cozinha se tudo andava bem, olhava as mesas servidas com pãezinhos da padaria do Seu Inácio, os bolos que Gorete fazia os biscoitos de polvilho que ela mesmo tinha feito no forno que mantinha no quintal. Gostava de cumprimentar a todos que ali estivessem hospedados. Seus clientes quase sempre caixeiros viajantes adoravam Menina Maria. Nenhum tentou se mostrar um Don Juan. Eles olhavam em seus olhos e logo desistiam. Uma tarde, sentada na varanda Rafael Campo Grande passou devagar. Parou. Subiu os quatro degraus e educadamente se aproximou dela fazendo um galanteio. Menina Maria ficou vermelha. Nunca ninguém fez isto com ela. Seu Arlindo um dos seguranças se aproximou. – Tudo bem Dona Menina Maria? Ela riu. Sim seu Arlindo.

                 Começou ali o namoro. Rafael Campo Grande era um cavalheiro. Nunca tentou nada. Mal pegava em sua mão nas noites que ficava com ela conversando na varanda do hotel. Quando a convidou para um cinema a cidade toda comentou. Passaram a ir a missa juntos. Menina Maria não esqueceu suas irmãs. Estava na hora de ir busca-las. Comprou ao lado do hotel uma casa e a mobiliou. Nos fundos construiu dois barracões com mais seis quartos e em todos eles tinham chuveiros e WCs. Contou para Rafael Campo Grande um pouco de sua vida. Contou que ia buscar as irmãs. O pai não. Que ele ficasse só ali no mato e morresse. Rafael Campo Grande se ofereceu para ir junto. Ela agradeceu. Não, obrigado. Chamou os dois seguranças, pediu para alugarem um barco grande, e mais quatro homens para proteção. Deixou Gorete responsável pelo hotel e partiu. Acreditava que no dia seguinte estaria de volta.

                   Assustou-se com o que viu quando lá chegou. Cinco irmãs tinham morrido de hemorragia ao dar a luz. Havia mais oito meninos e meninas pequenos que nasceram de uma de suas irmãs desde quando ela partiu. Eram agora quinze irmãos. Todos vivendo como ratos. Sem cama para todos. Ainda bem que Marilda cuidava deles. Coitada de Marilda. Menos de 35 anos e parecendo uma velha de 60. Alí tinham muitos irmãos que também eram seus filhos. Ela nem sabia o que era incesto. Seu pai não estava. Muitos não a reconheceram, mas Vania, Marilda, Josenildo e Alfredo não tiveram dúvidas. Era Menina Maria. Uma festa. Alegria. Ela explicou sua vida hoje. Onde estava. Disse que comprou uma casinha para todos eles morarem com ela na cidade. Só Marilda não quis ir. Disse que se ela não ficasse seu pai morreria logo. Não iria aguentar ficar sozinho.

                    Em menos de uma hora todos estavam no barco. Menina Maria insistiu com Marilda, mas ela foi irredutível. Chorava muito, mas disse que não ia. Como ia fazer agora sozinha na casa não sabia. Quando ela ia para barco viu seu pai chegando e gritando. Ameaça todos que estavam indo embora. Gritou palavrões e disse que se fossem ele ia atrás, mataria todo mundo. Dois seguranças de Menina Maria o pegaram e amarraram.  Ela mesmo disse a ele que se aparecesse na cidade seria preso. Ia falar com o delegado o que ele fazia. Não iria escapar de uns vinte anos de cadeia. Disse a Marilda que quando o barco partisse ela o desamarrasse. Partiu chorando por Marilda. Prometeu voltar um mês depois. Não iria deixar ela desamparada. Deu a ela escondido dois mil reais. Compre o que quiser apesar de que aqui só quando o barco do Jesuíno passar.

                   Durante vários meses Menina Maria viveu feliz com seus irmãos. Rafael Campo Grande a pediu em casamento. Não sabia o que sentia por ele. Aceitou. Precisava de um braço a mais para ajudar no Hotel. Casaram-se. Uma decepção. Rafael Campo Grande não conseguiu fazer amor com ela. Olhe que ele tentou. Não olhava em seus olhos, mas era como se estive vendo eles em sua mente. Durante meses ele tentou até que desistiu. Dormiam na mesma cama, se beijavam, abraçavam e nada alem disso. Menina Maria se conformou. Ia morrer virgem. Seus irmãos e irmãs receberam dela tudo o que poderia dar. Estudo, roupas não faltou nada.

                   Rafael Campo Grande foi um grande amigo. Mais nada. Ninguém se aproximou dela para quem sabe ter um amante. Seu pai nunca mais apareceu. Uma manhã de sol Marilda chegou ao hotel. Maltrapilha, suja, sentou na varanda e ficou olhando o horizonte. Ninguém sabia quem ela era. Um dos seguranças a pegou pelo braço e a jogou na rua. Tavinho ia passando e viu sua irmã sendo maltratada. Chamou Menina Maria. Alegria geral dos irmãos. Fizeram uma festa para ela. O segurança pediu desculpas. Mas mesmo assim foi chamado a atenção. Marilda contou que seu pai morrera. Acordou com ele gemendo e viu que não dava mais. Ela achou que tinha pegado malária. O enterrou na curva do rio. Sabia que uma cheia qualquer o levaria junto às águas barrentas.

                   Uma história comum. Sem surpresas. Menina Maria viveu ao seu modo feliz ao lado de Rafael Campo Grande. Ele se tornou seu braço direito. Fazia de tudo. Foram inclusive todos eles passar vinte dias no litoral. Ninguém ainda tinha visto o mar. Uma festa. Menina Maria chorou muito mas de alegria. Rafael Campo Grande morreu com setenta e dois anos. Menina Maria morreu com noventa e cinco. A família dela se casou tiveram filhos e na cidade eram bem considerados. Não sei na eternidade o que aconteceu a Menina Maria. Não sei. Não tem explicação dos seus olhos de santa. Um dia fui a Rio Esperança. Visitei o hotel onde ela morou. Conversei com muitos moradores que a conheceram. Ninguém podia explicar a vida de Menina Maria. Bem nada mais a dizer, a não ser... Que Deus a tenha!


Menina-Moça 
A menina-moça sonha...
Sonha  com o que a menina-moça?
Com o vestido branco rodado,
com a emoção da valsa no salão enfeitado.
A menina-moça acredita...
Acredita em que a moça-menina?
Na vontade de enfrentar a vida,
na beleza da noite prometida.
A menina-moça vive...
Vive como a moça-menina?
Como o botão que se transforma em flor,
acreditando num futuro alentador...
A menina-moça sorri...
Sorri por que a moça-menina?
Pela certeza da glória alcançada,
pela  alegria da paixão encontrada.