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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Martinha Trambiqueira e sua morte por encomenda.



Epitáfio.
Ainda correm lágrimas pelos
Teus grisalhos, tristes cabelos,
Na terra vã desintegrados,
Em pequenas flores tornados.

Todos os dias estás viva,
Na soledade pensativa,
Ó simples alma grave e pura,
Livre de qualquer sepultura!

E não sou mais do que a menina,
Que a tua antiga sorte ensina.
E caminhando de mão dada,
Pelas praias da madrugada.
Cecília Meireles.

Martinha Trambiqueira e sua morte por encomenda.

                  Para que lembrar o que eu fui no passado? Interessa a você em saber que meu pai tentou varias vezes me violentar? Interessa a você saber que minha mãe não estava nem aí e nunca se interessou por mim? Claro que não. Meu passado é meu e não interessa a ninguém. Até o Delegado Jokito um dia achou que seria meu pai meu patrão e meu amante. Eu tinha quinze anos e já era mestre em bater carteiras e dar golpes. Adorava ver a cara de um otário se achando. Risos. Mas voltemos ao delegado Jokito ele me prendeu e me levou para sua casa. – Martinha, disse ele – Você vai trabalhar aqui, vou lhe dar um salario e em troca vai fazer a limpeza da casa. – Maldito eu sabia o que ele queria. Mas não iria esperar a noite chegar. Ele fez muitos elogios e ameaças antes de sair para trabalhar. Limpei a casa dele. Descobri no armário do fundo do quarto que ele guardava roupa de mulheres e cinco perucas. Então o valente Delegado era bicha? Vi tantas coisas na vida que mais essa serviu para não acreditar em ninguém. Ainda bem que um vestido me serviu. Eu tinha um belo corpo e jurei que ninguém iria me tocar sem eu autorizar. Sumi de Sumidouro das Vertentes naquele dia e nunca mais voltei. Ria a mais não poder em pensar naquele delegado filho da mãe. O maldito deve ter ficado uma fera.

      Cheguei a Belo Horizonte de carona com um caminhoneiro. Outro palhaço que achou que eu ia dar para ele em troca da sua boa vontade em me levar. Quando tentou tirei da bolsa um pequeno 32 que roubei do delegado e mostrei a ele. – Se tentar vai ganhar tantas balas no bucho quem vai alegrar as buchudas elas saberão fazer de você seu regalo. Irás servir de pasto para as formigas. O moço fechou a cara e na entrada de BH me mandou descer. Ir para onde? Próximo à rodovia avistei um bar. O lugar preferido dos otários. É neles que os bebuns rezam para serem roubados. O dono se arreganhou todo quando entrei. Deve ter pensado que ali tinha carne nova. – Veio com uma conversa que logo manjei ser conversa fiada. – Fiquei viúvo cedo. Preciso de uma mulher para me ajudar aqui no bar e em casa. Só esqueceu-se de dizer que eu iria dividir a cama com ele. Novinha e bonitinha, cabelos negros longos, seios fartos e pernas lindas eu seria um prato feito para ele. Eu precisava do emprego e naquele momento não falei nada. A noite ele chegou. Fiz um jantar caprichado. Sentei com ele a mesa e botei o revolver em cima. – Nestor! Eu disse. Preciso trabalhar até arrumar um lugar para ficar. Se você se portar como um cavalheiro serei sua cozinheira e ajudarei no bar. Todos os dias quero ser liberada às cinco da tarde. Sábado meio dia, domingo folga. Pode me pagar um salario mínimo e me arrumo.

       Nestor nunca mais sorriu para mim, mas ficamos juntos no bar e em sua casa por pouco tempo. No domingo na Praça Sete no Bar do Piaba encontrei um parceiro. Dos bons. Ele me olhou e sabia quem eu era e eu também sabia quem se tratava. Fizemos uma dupla de dar água na boca. Jojoca era bom no que fazia e coloca bom nisto. O cara era demais. Ensinou-me truque do arco da velha. Não perdoava ninguém e mesmo com o coração doendo por enganar aposentados velhinhos eu precisava da grana. Ganhamos uma dinheirama com o golpe do bilhete premiado. Meu Deus quanta gente otária. Pareciam pedir para serem roubados. Foram muitos golpes o maior foi com um fazendeiro otário de Teófilo Otoni. Gabava-se de ser um grande minerador de pedras preciosas e volta e meia ia para os States. Levou-me para o motel e disse que sem banho minhas pernas não se abririam. Ele foi correndo se lavar e quando voltou deve ter visto que eu tinha me mandado com sua carteira o dinheiro e o cartão de crédito. É como dizia minha avó, enquanto houver cavalo São Jorge não anda a pé. Jojoca meu novo parceiro de golpes sempre foi respeitador. Nunca me pediu para dormir comigo e nunca me relou. Não era bonito e seu bigodinho não enganava ninguém. Não sei por que tive uma queda por ele. Se tivesse pedido teria “dado” para ele. Não pediu e com dois meses juntos desapareceu. Procurei em todo lugar e nada. Não ia desaparecer assim como o vento. Nada disto. Ele tinha sido desovado em algum lugar por um figurão que perdeu dinheiro com ele.

             Nestor se esqueceu de mim. Aparecia de vez em quando só para dormir no quartinho dos fundos. Um ano se passou e estava aproximando a data do meu aniversário de 17 anos. Ainda era virgem. Encostar-se a mim era encostar-se ao capeta. Sabia que era gostosinha e apetitosa, mas meu “negócio” não tinha dinheiro que pudesse pagar. Juramento jurado não ia voltar atrás, só se for por amor. Amor? Amar quem? Bem Jojoca se foi e nem sei se iria aparecer outro. Tinha juntado no Banco do Brasil mais de trinta mil reais e guardado a sete chaves cinco mil dólares americanos. Resolvi alugar um apartamento proximo a Praça Raul Soares. Foi difícil subornar alguém para seu minha avalista. Tudo estava indo a mil maravilhas. Mas tudo que é bom dura pouco. Um “bosta” de um investigador começou a dar em cima de mim. Ria e dizia que sabia quem era eu. Uma tarde quase escurecendo me levou em seu carro em um Motel na Pampulha. Nem entrei. Proximo ao Cassino pedi para parar que ia dar um beijo nele. Ficou super “tesado” quando peguei no “troço duro” dele. Tirei da minha bolsa o 32 e dei um só tiro na testa do meganha. Nem gritou. Ficou deitado em cima do volante parecendo estar dormindo. Saí e fui a pé até proximo ao Aeroporto da Pampulha. Peguei o ônibus de volta a cidade e ninguém até hoje sabe quem matou aquele filho da puta.

          Acham que me arrependi? Que me estressei? Que fiquei com dor na consciência? Necas e necas. O mundo não merecia um merda como ele. Fiz um favor ao santo protetor dele. Mesmo assim resolvi sair de BH. Fui para São Paulo. Achei que lá grande demais eu sumiria na multidão. Aconteceu mesmo, mas com seis meses a merda entornou. Nunca na vida ninguém me enganou. Achava que eu sabia reconhecer o santo do velhaco, o sabido do idiota. Não sabia. Na São João eu só ia de passagem. Lá tinha era muito lobo e quase nenhuma ovelha. Policiais aos montes querendo dinheiro e cafetão valente para me colocar na vida e comer meu dinheiro e algum mais. Cai na asneira de ir até próximo ao vale do Anhangabaú. Que bosta, pela primeira vez fui enganada. São Paulo prometia e meus trinta mil já haviam se transformado em cento e vinte mil. Dos cinco mil dólares agora eram dezoito mil. Sempre sonhei em dar golpe em Nova Iorque. Seria o máximo, pois milionários de todo o mundo faziam pic nic lá. Tony Marcoso era bonitão. Lindo mesmo. Um homem para toda mulher se apaixonar. Conversa mole, sabia usar as palavras que eu não conhecia.

          Quando o vi pela primeira vez achei que poderia ganhar uns tostões a mais. Ele estava no Bar do Girafa e metia a mão no bolso para pagar a conta. Tirava dezenas de notas de cem. Pensei comigo – Este está no papo! Pagou-me uma coca cola duas coxinhas e duas empadas. Convidou-me para conhecer seu sítio. – Não é longe disso, proximo a Itu. Podemos ir amanhã durante o dia. Sou respeitador não vou fazer mal a você, pode contar com minha discrição e honestidade. Deus do céu! O filho de uma égua me enganou direitinho. Tinha já dezenove anos e seis de trambicagem e cai na conversa de um “lagarto” verde? Quem sabe foram os seus dentes bem colocados e sua língua pequena, seus lábios molhados e seu penteado para trás com os cabelos caindo na testa que me encantou? Tudo bem pensei comigo. Vamos lá e junto meu inseparável amigo de todas as horas, meu trinta e dois.

          Nunca tinha passado na Castelo Branco, uma estrada para ninguém botar defeito. Ele me mostrou Alphaville e disse que tinha uma vivenda lá. Disse que era linda e um dia iria me mostrar. O desgraçado se portava como um conquistador, querendo me impressionar e a “besta” que sou eu estava caindo em sua lábia. Antes de Itu ele entrou em uma estrada próxima a São Roque. Rodamos mais de seis quilômetros até o sitio. Sitio? Um castelo isto sim. Bonito demais. Por dentro a casa era um sonho e logo coloquei meu biquíni e fui para a piscina. Maravilhoso, que gostosura, uma vida que nunca tive. Até pensei que se ele esperasse um dia poderia “dar” para ele. Seria o primeiro e nem sei se arrependeria. Ele com seu jeito de conquistador e educado, apareceu de sunga e seu “negócio” quase saltava para fora. Veio com um copo de limonada natural e pedras de gelo boiando. Que vidão eu estava tendo. Nadamos, e antes do anoitecer senti uma sonolência enorme. Devo ter desmaiado, pois acordei com um gosto de urina na boca e presa por uma corrente e um cadeado próximo a um beliche de pedra. Meu corpo doía horrivelmente. Abri os olhos e dei de cara com outra jovem morena, nova amarrada como eu. Ela me olhava com olhos arregalados e estava quase nua. Seu corpo estava cheio de hematomas.

          Tentei falar com ela e ela só grunhia. Abriu a boca e me mostrou que sua língua fora cortada e ainda mostrava sinal de feridas em toda a boca. Estava estupefata e com um medo enorme de tudo aquilo. Nunca pensei passar por isto. Olhei melhor o buraco que estava. Ela junto à janela gradeada e no chão ao seu redor fezes e poças de urina. Que monstro estava fazendo tudo aquilo? Nem deu tempo de pensar mais, pois a porta rangeu e ele entrou. Nu em pelo. Seu membro estava duro como pedra. Chegou perto da outra e se masturbou jorrando todo seu néctar no corpo da jovem todo maltratado e fedido. Veio para mim e o xinguei de tudo. Filho da Puta, Viado, Filho da mãe, de uma égua e ele ria. Um sorriso idiota. Pegou um alicate na mesa e chegou perto de mim dizendo – Pegue nele, se morder ou apertar de mais vou lhe arrancar uma unha. Gritou para a outra: - Pietra mostre suas mãos para esta cadela! Ela não disse nada e me mostrou. Quase todas suas unhas arrancadas a alicate. Estava horrorizada.

      Peguei no seu membro e logo ele gozou. Acho que ficou satisfeito, pois foi embora. Onde estava? O que estava fazendo ali? Que diabo estava acontecendo? Comecei a chorar e convulsivamente sentei e passei as mãos no joelho em posição fetal deitei. Acho que fiquei horas ali sem saber o que fazer. Não sabia se era noite ou dia. Olhei melhor a menina que estava comigo. Estava deitada. Branca, não se mexia. Só podia estar morta. Quanto tempo demorou tudo aquilo para ela? No dia seguinte ele voltou. Viu que ela não se mexia. Tirou a chave do bolso e a soltou. Pegou-a pelos cabelos e saiu pela porta arrastando o cadáver da menina. Algumas horas depois voltou. Um arroz fedido e farinha e jogou no chão para mim. Chão sujo, urinado, mas tinha dois dias que estava ali, não tive outro jeito senão usar as mãos que ainda tinha e comer aqueles restos. Sabia que se ficasse sem em breve também morreria.

            Ele ainda não havia me tocado, em nenhuma parte do corpo. Só gostava de se masturbar e pedir para eu fazer para ele. Não havia como fugir, a corrente era forte e o cadeado enorme. Vi próximo à porta um grampo. Pequeno, quase escondido no meio da sujeira. Quando ele saiu tentei pegá-lo com os pés. Custou mas consegui. Nem tentei abrir o cadeado por a porta rangeu e ele entrou. Nu como sempre. Levou aquele “troço” duro e sujo na minha boca. Meu Deus que vontade de esganá-lo. Cortar sua língua aprisioná-lo ali como ele fez com a outra e comigo. Não tinha como reagir. Precisava sobreviver para matá-lo. Comia no chão os restos de comida que ele deixava para mim. Um buraco proximo ao catre que dormia ele jogava agua. Bebia como se fosse um animal. Fiquei vários dias tentando abrir o cadeado com o grampo. Nada. Ele nem traque dava. Mas não desisti. Meus lábios estavam inchados. Sentia em meu corpo comichão mordido por larvas que se divertiam comigo. Era um trapo. Não entedia porque ele fazia tudo isto. Não o xinguei mais. Não adiantava. Meu plano era me soltar e aí ele iria pagar tudo aquilo.

             Um dia como sempre a porta rangiu. Ele entrou com uma menina nos braços. Prendeu seu pulso a corrente do cadeado. Cabelos loiros, não mais de que uns dezoito anos ou menos. Ela acordou apavorada e gritando. Pedia sua mãe, seu pai seus irmãos. Ele correu até ela e a esbofeteou varias vezes. Tanto que ela desmaiou. Ele suava e colocou a mão no coração. Ficou branco, gemeu alto de dor e caiu feito um dormente de estrada de ferro no chão. Sua cabeça se esborrachou. Bem feito eu sorria. A menina não parava de gritar. Tentei chegar proximo a ele para pegar a chave do cadeado. Mais de um metro de distância. Ele estava morto. Que o capeta leve sua alma e a enterre no fundo dos infernos. Agora precisava me libertar. Só tinha o grampo e minhas forças estavam se esvaindo. Mais um dia e nada. A menina parou de gritar e me olhava de olhos esbugalhados. Ainda iria aguentar algum tempo não muito. Fiquei bem próximo a ela e expliquei que se eu morresse ela devia tentar. Não haveria mais água e comida. Ele iria apodrecer ali na nossa frente.

        Minhas forças estavam sumindo. Enquanto aguentei contei tudo para ela da minha vida. Fui enganada por um Don Ruan do mal. Ela contou o mesmo. Acreditou que ele a amava. O convite ao sitio foi um pulo. Seus pais não deviam procurá-la tão cedo. Era estudante de engenharia, morava na USP e eles no interior. Ela passava meses sem dar notícias. Estava aterrorizada, pois nunca pensou em passar por aquilo. Ficamos amigas enquanto me mantive alerta. A comida e a água não existia. Sabia que iria morrer em breve. Ouvi um estalo. O cadeado se abriu do nada. Achei que era de tanto tentar. Sorri um sorriso azedo. Soltei a corrente e tentei levantar. Não consegui. Fui até o bolso do maldito e nada. Não havia chave. Seu corpo já estava em decomposição. Disse a ela que iria buscar socorro. Ela me pediu pelo amor de Deus para ficar. Estava com medo de ficar só. Volto logo eu disse. Vou tentar achar comida e um martelo. Se ali tiver um telefone melhor, pois logo iriamos sair. Fui me arrastando até a porta. Custei a ficar em pé. Na cozinha muitos biscoitos mortadela e salame. Pão Velho que adorei.

          Achei uma machadinha pequena. Já estava me recuperando e enchi um prato de pão com mortadela para ela e água fresca. Ela riu e chorou quando me viu. Achou que não ia voltar mais. Demorou mais de duas horas para arrebentar o cadeado. Ela não ficava em pé. Fomos para a sala e não tinha telefone. Deixei-a comer com calma. Coma eu disse, quando estiver melhor vamos embora daqui. Lá fora escurecia. Ela me pediu para irmos embora. Pensei em dormir ali aquela noite. Estava escuro. Mas o medo era grande e peguei uma sacola que achei, coloquei comida e água. A porta da sala não abria. Forcei. Dei para ela o bornal com a comida. Custei a abrir a porta. Saí por ela recebendo o fluxo do ar frio, gostoso, que coisa boa pensei! Vi um zunido, não entendi, era um facão preso por molas que havia se soltado e ele em circulo cortou minha cabeça. Só a senti rolando escada abaixo e meu corpo caindo estrebuchando na varanda. Martinha Trambiqueira estava morta. De uma maneira estúpida e preparado por um filho da puta caso alguma de nos fugisse.

Se a menina loira escapou não sei. Para onde fui me proibiram de contar. Pelo menos aqui me tratam com respeito, me chamam de Martinha a virgem dos lábios de mel!                 

Soneto do amor e da morte.
Quando eu morrer murmura esta canção,
Que escrevo para ti. Quando eu morrer
Fica junto de mim, não queiras ver
As aves e pardais do anoitecer.
A revoar na minha solidão.

Quando eu morrer segura a minha mão,
Põe os olhos nos meus se puder ser,
Se inda neles a luz esmorecer,
E diz do nosso amor como se não

Tivesse de acabar, sempre a doer,
Sempre a doer de tanta perfeição,
Que ao deixar de bater-me o coração
Fique por nós o teu inda a bater,
Quando eu morrer segura a minha mão.
Vasco Graça Moura.





quinta-feira, 13 de agosto de 2015

O expresso do Rio Selvagem.



Fluir de um rio.

Correm as águas do rio

Passam na agulheta do tempo

A mesma água não volta, nem pelo fio
Não repete a sua passagem, observo, lembro
A vida é como esse rio
Na superfície a velocidade instantânea
No fundo as correntes pesadas
As pedras roladas, as plantas prezadas
O que se esconde e funde no leito
Escorregadio que com os tempos feitos
Pouco mudam, pouco nadam
A vida de um rio, não é só a agua que passa
É as margens descoladas, divididas
São quem passa quem refresca
É a vida num todo que se compõe
É quem mergulha, quem acha
Quem muda, leva ou põe
É quem toca no fundo
Traz a vida que mergulha num rio também


O expresso do Rio Selvagem.

            Carmem olhava pela janela do trem, as belas paisagens que iam ficando para trás. Sua mente rebuscava timidamente sua vida. Ela não sabia se era feliz, se tinha alegrias, tristezas, se sua vida estava valendo a pena. Achou que era hora de pensar. Com calma. Merecia umas férias. Quinze dias bastavam. Falou com seu diretor que autorizou na hora. Afinal ela tinha já duas férias vencidas. Trabalhava muito. Arduamente. Começou do nada e hoje era gerente na área de montagem. Telas de computador. Lembrava-se do seu passado. Não foi bom mas o que passou, passou não volta mais. Lembrou-se quando chegou em Santa Fé. Não era uma cidade pequena. As margens daquele rio caudaloso ela se destacava pela sua beleza selvagem e pela sua competência. Não sabia por que dissera selvagem quando lá chegou. Talvez pelo seu frenesi de homens e mulheres que andam sem saber aonde ir. Queria esquecer tudo. Não lembrar. Passar uma esponja em sua mente. Sabia que não dava. Esquecer não é fácil.

             Nasceu em Cidade Santa. Pequena. As margens do rio onde a ferrovia passava e morava com sua Vó. Ali viveu boa parte da sua vida. Ali viu seus pais serem enterrados. Mortos por nada. Uma peste? Assim disseram. Morreu muita gente. Ela não, sua Vó também não. Precisava de um emprego. Lá não conseguiria. Estava com dezenove anos, terminou o segundo grau. Difícil estudar mais. Queria ser alguém se formar, quem sabe ser professora ou então outra profissão que não fosse aquelas famosas que seria impossível de conseguir. Achou que uns dias em Cidade Santa para rever sua Vó e alguns amigos bastavam. Depois iria para Vitória. Procurar uma boa pousada em frente ao mar. Aí sim, iria colocar sua vida em ordem. Nada tão estranho. Era comedida. Tinha uma boa quantia na poupança. Poderia ter um carro mas achou que morava a duas quadras do trabalho e não precisava.

             Seria umas férias onde se daria ao luxo do bom e melhor. Nada de economias. Carmem não era linda. Bonita sim, simpática sim. Uns cabelos negros, olhos negros, um rosto muito simpático. Sua voz era calma. Cativante. Teve alguns pretendentes. Mas nenhum deles lhe interessou. Seu corpo era bem feito e ela cuidava bastante. Mesmo trabalhando de sol a sol não deixava de frequentar a academia. Conheceu um Engenheiro Espanhol que iniciou um trabalho na mesma empresa que ela. Era simpático, alegre, despretensioso. Saíram diversas vezes. Nunca dormiram juntos. Carmem jurou a sua Vó que só iria fazer amor depois de casada.

              Gostava de viajar de trem. Quanto tempo não fazia isto. Muitas saudades. A janela enorme, a vista linda, o verde, o amarelo, o rio caudaloso, uma fazenda aqui outra casinha ali, uns dados adeus e a meninada correndo ao lado do trem. Sentiu fome e viu que não tinha almoçado. Levantou-se pegou sua bolsa e se dirigiu ao vagão restaurante. Não notou um homem mal encarado que a acompanhou até lá. Sentou-se duas mesas atrás dela. Carmem almoçou devagar. Não tinha pressa. Só chegaria em Cidade Santa lá pelas quatro e meia da tarde. Pelo visto o expresso estava no horário. Bebeu uma cerveja pequena. Deu-se ao luxo. Não fazia isto mas agora podia. Quando voltasse a sua poltrona iria cochilar até chegar ao seu destino.

              Pagou sua despesa e voltou calmamente. Ao atravessar um vagão para o outro, onde fica a porta de saída do trem, um braço a agarrou pelo pescoço. – Não grite. Se gritar enfio-lhe uma faca nas costelas. Tomou dela sua bolsa. Começou a forçar sua calça para baixo. Ele queria estuprá-la! Meu Deus! Isto não! Proteja-me. Ela gritou e mordeu com força as mãos do maníaco. Ele gemeu alto e a chamou de puta. Abriu a porta e a jogou do trem. Carmem não sentiu nada. Rolou em cima de algumas pedras e foi parar próximo a uma moita de capim colonião. Ficou desacorda. O trem sumiu no horizonte.

             Carmem acordou quase à noitinha. Não lembrava de nada. De nada mesmo. Quem era o que fazia ali nada. Sentia uma dor tremenda na testa passou a mão e viu que tinha um corte enorme. Deve ter sangrado muito mas agora já tinha coagulado. Não conhecia onde estava. Porque estava ali também não sabia. Levantou-se com dificuldade. Suas roupas rasgadas. Uma sede terrível. Começou a andar junto à linha do trem. Ouviu um barulho. Um barulho que achava que já tinha ouvido antes. Era um carro de boi. Atravessou um bosque e viu uma estradinha de terra. O carro de boi seguia devagar com duas juntas de dois bois cada uma. O carreiro era um menino de uns quinze anos. Correu para ajudá-la. Pediu para subir no carro pois ele estava indo para casa. Não era longe.

              Chegaram uma casinha de Sapé, pequena, apenas dois cômodos. Uma cozinha e um quarto. Feita de bambu com barro. Chão de terra. Carmem não estranhou. Não conheceu outra casa ou se conheceu não lembrava. Lico o menino disse que morava ali com seu pai. Não conhecera sua mãe. Ia sempre a Cidade de Manto Azul levar verduras e frutas para vender. Viviam disto. Seu pai ainda pescava alguns peixes e quando dava ele vendia também. À noitinha seu pai chegou. Assustou-se com Carmem. Lico explicou o que acontecera. Ele chamou Lico em um canto – Olhe filho, ela parece ser uma mulher fina. Não é daqui. Suas roupas mostram isto. – Pai, ela não trouxe nada. Não tem nenhuma muda de roupa extra. Nem documentos!

                Manuel não sabia ao que fazer. Não tinha ideias. Era homem da roça. Entendia tudo dela. De mulher não. A única lhe dera um filho e sumiu no mundo. Dificilmente ia a cidade para dar uma “fisgada” em alguma na Rua do Taichim. Agora soubera da tal AIDS. Evitava tudo. Não podia morrer enquanto Lico não fosse maior de idade. Lico sugeriu que ela ficasse ali por uns tempos. Quem sabe recuperava a memória. Pensaram em levá-la a Manto Azul mas lá não tinha delegado e nem prefeito. Era um arraial simplesmente.

                 Carmem ficou lá por muito tempo. Os dias passavam céleres. A noite sentava na porta da casinha e olhava as estrelas pensava quem era de onde era e o que fazia ali. Aos poucos acostumava a nova vida. Ajudava na horta, a colher jabuticabas, goiabas, laranjas, mangas tudo quando era época. Um dia foi com Lico a Manto Azul. Todo mundo veio para a porta. O pequeno arraial se assustou. Era uma mulher jovem e bonita. Vestia um short e uma camisa velha. Devia ser de Manuel. Ninguém sabia que ele estava com mulher. Ela fez algumas compras de roupas para ela. Roupas simples. A lojinha ficou cheia de olheiros.
                Carmem sem perceber começou a gostar de Manuel. Olhava para ele e sentia que o amava. Mas seria amor mesmo? Não sabia. O que era o amor? Também não sabia. Uma noite ele a beijou. Sentiu que ele não sabia beijar. Segurou sua língua e ele assustou mas deixou. Fizeram um amor louco. Ele não sabia como ela também não. Ela era virgem ele não mas não tinha nenhuma experiência. Foi gostoso. Ambos gostaram. Não parou por ai. Passaram a dormir juntos. Lico não se incomodou. Passou a gostar também de Carmem. Quem sabe ela poderia ser sua mãe? Manuel disse que queria casar com ela. Carmem achou melhor esperar para saber quem era.

               Passaram-se quase um ano. Carmem ao seu modo era feliz. Alí naquela casinha junto a Manuel não pensava em mais nada. Não tinham luz, TV, geladeira e o fogão a lenha dava tudo que precisavam para fazer a alimentação. Ela mesma fazia. Lavava e passava. Uma verdadeira dona de casa. Não engordou, seu corpo até ficou mas esguio. Cuidava dos seus cabelos. Suas roupas simples para ela bastavam. Manuel era calado. Falava pouco. Conversava com ela em monossílabos. Não sabia ler e nem Lico também sabia. Ela passou a ensinar aos dois. Compraram em Manto Azul, cadernos, lápis canetas e uma tabuada.

              Um ano e meio. Dois anos. Nada de Carmem voltar a lembrar. Ela não se preocupava mais com isto. Vivia feliz muito feliz ao lado de Manuel e para ela Lico era como se fosse um filho. Pensava que se um dia recordasse quem era não iriam deixa-los nunca. Uma tarde voltada da mata onde tinha muitos pês de jabuticaba e não abaixou a tempo de evitar uma galhada grossa de uma jabuticabeira. Bateu a cabeça tão forte que ficou zonza e caiu ao chão. Estava só mas meu Deus! Ela voltou a se lembrar. Tudo veio assim do nada e ela agora sabia tudo de sua vida. Voltou correndo. Chamando alto Manuel e Lico – Lembrei-me! Agora sei o que fui! Mas ao olhar o semblante deles ficou triste também. O medo de perdê-la era grande. E ela não sabia que atitude tomar.

               Dormiu abraçado a Manuel. Disse que nunca iria abandoná-los. Mas tinha de voltar em Cidade Santa para saber de sua Avó e depois iria a Santa Fé. Tinha lá um apartamento, roupas, móveis e dinheiro no banco. Precisava ver se tudo estava lá. Lico chorou quando ela partiu. Manuel abraçou-o e ambos choraram quando ela pegou o trem de volta a Santa Fé em Derribadinha. Carmem também chorou. Mas prometeu voltar. Manuel e Lico não acreditaram. Sabia que ela era uma moça de cidade grande, estudada e porque voltaria?

              Na janela do expresso Carmem olhava o rio, as casas as fazendas e o seu passado. Desceu sem pressa na estação de Santa Fé. A cidade pouco mudou. Um taxi a levou em seu apartamento. Fechado. O porteiro a reconheceu e sorriu quando ela contou por partes o que tinha acontecido. Disse que a policia, o diretor e muitos da empresa que ela trabalhava lá estiveram. Ele tinha copia da chave. Ela entrou. Olhou, não sentiu saudades. Saudades sim de sua tapera de barro com telhas de folha de coco e capim seco. Foi até a empresa. Uma surpresa de todos. O diretor pediu a ela para ir a sua sala. Uma festa. Era muito bem quista. Dois anos e meio fora e todos compreenderam o que aconteceu com ela.

                O diretor disse que sua vaga estava em aberto. Ela podia começar a trabalhar quando quisesse. O salario seria aumentado. Não disse nada. Iria pensar e depois dar uma resposta. Ele não entendeu. Não quer mais o seu lugar? Vai voltar para a tapera onde morou muitos anos? Ela não sabia o que fazer. Duvidas e mais duvidas. Pediu um prazo. Duas semanas. O diretor riu. Claro que sim. Você não vai deixar isto aqui para morar lá no mato em uma casinha de barro. Carmem foi para o apartamento não antes de passar no banco. Estava tudo lá e até mais com os juros. Quase um milhão e meio.

               Dormiu mal em sua cama de casal. Grande, colchão de mola, caro que comprou há muitos anos. Estava novo ainda. Ficou ali olhando para o teto e pensando. Dormiu sonhando com Lico e Manuel. Pela manhã já sabia o que fazer. Publicou no jornal local a venda de tudo. Apartamento mobiliado. Separou as roupas que precisava as demais doou para uma instituição de caridade. Deixou o dinheiro da poupança lá no mesmo banco. Tirou cem mil para despesas. Foi à empresa e agradeceu ao Diretor pela confiança. Abraçou a todos os seus amigos e ao espantado engenheiro espanhol que tinha namorado.

              Pegou o expresso novamente rumo a Cidade Santa. Precisava ver sua Avó. Desta vez prestou atenção a tudo no vagão de primeira classe e quando foi ao vagão restaurante ficou de olho. Nada aconteceu. Sorriu quando viu sua Avó viva. Foi uma festa o encontro das duas. Contou tudo. Ela compreendeu e a motivou a continuar com sua tomada de decisão. Deixou um cheque com ela de cinquenta mil reais.  Disse que voltaria daí a um ano e daria mais a ela. Em oito dias estava de volta. Desceu em Derribadinha. Uma maleta com poucas roupas. Nenhuma joia. Só com o saldo do dinheiro que tirou. Agora uns quarenta mil reais. Poderia ter comprado um carro, chegar lá de carro novo. Não era o que desejava.

               Comprou uma pequena charrete de três lugares. Um cavalo baio bom para trotar. Saiu de Derribadinha às duas da tarde. Às quatro e meia chegou a Manto Azul. O povo todo veio à porta. Nunca acreditaram que ela ia voltar. Já sabiam de sua história. Ela cumprimentou a todos. Sorria. Às seis e meia da tarde avistou a Casinha. Avistou de longe Lico que veio correndo e gritando chamando seu pai. Desceu da charrete e o abraçou com força. Era seu filho. Não de “barriga” mas de direito de mulher do seu pai. Manuel a olhou. Sorriu sem jeito. Pensou em abraçá-la. Estava bonita. Roupas novas. Sapatos novos. Um brinco de ouro. Teve medo. Achou que ela foi ali para despedir para sempre. Ela o abraçou. Disse – Manuel sou sua mulher. Nunca mais me separarei de você. Abraçaram-se ali, um beijo enorme. A lua brotou no céu. “Bunita, que nem um queijo redondo”.

               Ela de vez em quando voltava a Santa Fé. Levava Manuel e Lico juntos. Tirava dinheiro do banco, não muito, faziam umas comprinhas e voltavam ao seu lar, sua casinha de barro de chão de terra com um banquinho na porta para ver as estrelas e a lua quando estava cheia. Acertou em cheio. Nunca se arrependeu. O que sei é que viveram felizes por toda a vida. Um amor simples, uma aceitação de ambos que só podia ser de almas gêmeas!      

Não escrevas aos meus olhos.

Não me iludas se não

tens a intenção

de entregar-me 

o teu coração! 
Não escrevas aos meus olhos
lindas palavras de amor
se pensas fazê-lo
chorar de dor!
Não grites que me amas
se o teu silêncio 
revela que apenas 
me enganas!
Não quero mais 
os teus beijos...
Quero apenas um pouco de paz!
Vou ardendo de desejo
quando lembro
das tuas mãos deslizando
no meu corpo gélido
nas madrugadas 
que fui inocente
entregando-me a ti
Poeta indecente,
de corpo, alma 
e coração.
Mas agora basta!
Não viverei mais de ilusão.
Já sofri demais
nessa vida madrasta!