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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

O doce sabor de um sorriso


Ouvir estrelas...

 “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas”.

O doce sabor de um sorriso

            Nasci em uma manhã de sol radiante, num pequeno hospital próximo ao bairro que minha mãe morava. Era um bairro humilde, onde os vizinhos tinham respeito entre si, eram grandes amigos e ninguém deixava de ajudar quando preciso. Quando nasci todos sorriram. Mesmo chorando eu tinha um lindo sorriso no rosto. Amargo sorriso. Acompanhou-me a vida toda. Tinha desprezo pelos espelhos. Não gostava de me ver. Aquele sorriso não se modificava mesmo que quisesse. Podia chorar gritar entortar o rosto e lá estava ele nos meus lábios. Cresci odiando meu sorriso. Na escola todos viviam sorrindo para mim, os professores me olhavam e sorriam. Deus meu! Porque era assim? Uma aberração da natureza?

              Os rapazes se aproximavam de mim com extrema facilidade. Claro, eles achavam que eu estava sorrindo para eles e era uma presa fácil. Corpo cheio, seios volumosos, nem gorda e nem magra e meus cabelos para dizer a verdade eram negros brilhantes e todos me olhavam embevecidos. Aqueles que escolhia ficavam comigo pouco tempo. Cansavam do meu sorriso. Achavam que eu estava fingindo. O namorado que mais durou foi com o Mario Augusto. Oito meses. Até o dia em que ele me levou a um imundo motel e me possuiu brutalmente. Ele também era virgem e fez o que os outros o ensinaram. Ridículo. Nem a roupa tirou. Tinha vergonha. Fez um sexo idiota que eu mesma sendo virgem quase ri da sua estupidez em me possuir.

             Até hoje não sei se choro por dentro ou se sorrio.  Mario Augusto se vangloriou com seus amigos que eu “dei” para ele sorrindo. Um sorriso idiota de puta “sacana”. Que ódio. Vontade de matar o Mario Augusto. Mas a vida nos ensina muitas coisas. Dizem que a vida é uma grande universidade, mas acho que ela pouco ensina a quem não sabe ser bom aluno e eu acredito não ser uma. Antes de completar dezoito anos, consegui um emprego. Fiquei nele dois dias. Meu chefe achou que eu estava sorrindo para ele e veio com aquela conversa enviesada. Porque não podia ficar séria? Tirar aquele sorriso “besta” no rosto? Isto não podia continuar assim. Chamei minha mãe e ela conversou com meu pai. Meu pai não se preocupava, achava que eu era feliz. Nunca entendeu por que eu sorri a vida toda ao lado dele.

              Um médico me examinou e sorriu. – Linda sua filha! Linda, e que sorriso! Meu Deus ninguém para entender? Resolveram me levar a um psicólogo. Deitei na poltrona e ele me olhando e sorrindo. Não tirava aquele sorriso idiota do rosto. Nunca mais voltei lá. O tempo foi passando, todo mundo me olhando e sorrindo. Acostumei. Sabia que não havia como evitar. Conheci Joca quando estava uma livraria próxima a minha casa. Tentava achar um livro que procurava há muito tempo. O Outono do Patriarca. De Gabriel Garcia Marques. Foi quando o vi retirando um livro da prateleira. Devia ter visto o livro que procurava e se assim o fosse teria tomado conhecimento de quem era ele, mas como diz um velho ditado, só o tempo sabe a resposta. Um belo jovem. Alto, cabelos pretos bem penteados, magro, e também tinha um belo sorriso.

               Foi amor à primeira vista. Apaixonamos-nos e nos casamos em dois meses. Meus pais foram contra. Mas quem segura à juventude? Os seus sonhos? Os seus desejos? Disseram-me uma vez que a infância é a idade das interrogações, a juventude a das afirmações e a velhice a das negações. Será verdade? Não sei. A vida real do ser humano consiste em ser feliz. Isto porque está sempre na esperança de sê-lo muito em breve. Fui morar com ele em sua fazenda no interior de Goiás. Não era a casa dos meus sonhos, mas vivi com ele uma linda historia de amor.  Amamos-nos em todos os lugares da fazenda. Joca era paciente, um amante a moda antiga. Sabia como fazer e eu me tornava super excitada com ele nestes momentos. Uma vez nas margens do pequeno rio Corumbá, um pescador nos viu nus, nos amando como dois amantes sedentos. Ele parou o barco e ficou ali até terminamos. Nunca fui uma “voyeur”. Naquele dia senti um prazer enorme em saber que estava sendo observada.

 

              Vivi mesmo um conto de fadas com Joca. Mas alguns meses depois notei que ele estava meio estranho quando recebia a visita de Morel da Silva. Morel era um senhor de idade, de uns sessenta anos, uma barba branca, cabelos compridos, amarrados em rabo de cavalo. Ele me cumprimentava com educação. Nunca me olhava diretamente. Não sei por quê. Joca pedia para eu ir dormir e saia com Morel. Aonde iam? O que faziam? Nunca perguntei. Amava Joca e confiava nele. Só voltava de madrugada. Aquilo sempre me intrigou. Notei que Joca estava mudando de atitude. Não era mais o meu príncipe. Tratava-me muito bem, mas me negava muitas coisas que pedia. A ida a Alto Paraíso se tornou uma raridade. Era a cidade mais próxima da fazenda. Quando precisávamos de víveres, manda o Onofre, um jovem de dezesseis anos, que levava o dia inteiro a cavalo para ir e voltar.

 

               Joca nunca teve um carro. Achava que não precisava. Tínhamos uma charrete, e no principio eu me divertia quando íamos a Alto Paraíso. Mas tudo estava mudando. Uma tarde chamei o Onofre e devagar fui “assuntando” o que ele sabia sobre as saídas de Joca e Morel. Onofre ficou branco, balbuciou alguma coisa que não entendi e saiu correndo. Minha descoberta aconteceu da pior maneira possível. Joca me trouxe um vestido branco e pediu para vestir. Disse que ia junto a ele e Morel participar de uma “reza”. Será que era isso? Não era. Quando lá cheguei amarrou meus braços e me sentou em uma cadeira. Logo a sala se encheu. Pelo menos vinte pessoas. Todos os homens. Começaram a cantar algum estranho, e cada um deles vinha até a mim e passava as mãos sujas de sangue no meu rosto. Sangue de algum animal cuja bacia estava em cima da mesa.

 

                  Vi que estava em uma espécie de um altar. E no alto o símbolo de Baphomet. Eles eram da seita os Adoradores do diabo. Meu Deus! Morel era um espécie de sacerdote. Dizia sempre – “Shemramforash!” e gritava. Grito alucinantes. Todos gritavam também. Era apavorante. Quando Morel parou, todos pularam gritando “Satan!” Alguém tinha um tambor e começou a bater nele com toda força. Meu corpo tremia. Estava apavorada. E Joca? Onde estava? Como podia deixar que eles fizessem isto comigo? Não havia roupas especiais, só Morel usava uma pele de ovelha na cabeça. Gritei por Joca. Ele apareceu e me disse para ficar calma, não ia acontecer nada. Meu medo era terrível. Joca aproximou-se de mim e de uma vez só tirou minhas roupas me deixando nua e me penetrou com força. Gritei, gemi, pedi para parar, mas Joca parecia estar alucinado.

 

                 Uma fila se formou, todos gritando pulando e tiraram seus membros para fora. Joca terminou e desvencilhando das cordas que prendiam a minha mão, me levantei correndo e pulei uma janela aberta. Morel correu atrás de mim. O rio estava perto e saltei de uma ribanceira ainda com parte das mãos amarradas. Se tivesse de morrer que fosse afogada, não naquele ritual macabro. O rio estava cheio. Consegui boiar de costas. Nadava bem. Graças a Deus. A noite escura eles andando pelas margens. Continuei no meio do rio. Não ouvi mais vozes. Com dificuldade me aproximei da margem. Vi uma canoa. Alguém pescava. Gritei. Socorreu-me e desmaiei. Acordei em uma cabana improvisada em uma mata espessa. Vi meu salvador. Não era bonito. Tinha uma feia cicatriz na face. Não falava. Vi que tinha me desamarrado e estava deitada em uma cama de folhas improvisada. Disse-me que no dia seguinte partiríamos. Deixaria-me em Alto Paraíso. Pedi pelo amor de Deus que não. Levasse-me em outra cidade.

 

                 A vida tem altos e baixos. Dizem que ela é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso nos dizem para cantar, chorar, dançar e rir. Viver intensamente antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos. Não era a heroína e nem queria ser. Queria voltar a minha vida de antes. Eu era feliz a não sabia. Voltar a minha cidade tinha duvidas. Acho que Joca e Morel iriam atrás de mim. Meu salvador me disse que não tivesse medo. A vida é maravilhosa dissera. Claro se não tiver medo dela. Tonho não era bonito, mas tinha uma elegância que não parecia ser um pescador das barrancas do rio Corumbá. Levou-me para sua casa, sua mãe uma simpatia. Não tinha pai e só mais dois irmãos eram seus companheiros. Contei a eles o que aconteceu. Ficaram todos calados. Já sabiam do ritual macabro. Disseram que eu tive sorte. Fiquei na casa de tonho por três meses e resolvi voltar para a casa de minha mãe.

 

                   Dois meses depois Tonho apareceu por lá. Disse que queria que eu fosse sua mulher. Chorei de emoção. Ele era meu salvador não o amava com paixão, mas achei que podia acontecer. Fomos morar próximo a Parati. Tonho tinha um tio pescador. Fomos bem recebidos. Vivemos felizes, uma felicidade incrível. Hoje nem imagino o que fui. Chegue a cursar o primeiro ano de letras e parei. Agora era a mulher de um pescador. Tonho sai todas as manhãs no barco com seu tio. Dia sim dia não voltam com muitos ou poucos peixes. Não levo uma vida de ricos. Nada disto. Mas sou muito feliz ao lado de Tonho. Esqueci-me de dizer, hoje consigo chorar, rir, pensar, cantar e meus lábios me acompanham. Não sei por quê. Talvez pelo susto de ter passado pelo ritual dos Adoradores do Diabo. Estou grávida. Espero ansiosa este filho.

 

                    Faz cinco anos que estou aqui. Adoro minha casinha de folha de taipa em frente ao mar. As tardes fico na areia sentada em um banquinho a espera de Tonho. Sempre vejo o por do sol. É um espetáculo que cura qualquer ferida. Dizem que ninguém se preocupa em ter uma vida virtuosa e sim o tempo que poderá viver. Claro todos querem viver bem, ninguém tem o poder de viver muito. Mas eu quero ter muitos filhos, e morar aqui com Tonho agora minha única paixão além dos meus filhos. Como na vida não há dois momentos de prazer parecidos, tal como não há duas folhas na mesma árvore exatamente iguais, quero fazer de minha vida o que nunca tive. Dois grandes poetas disseram que há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinhos, e outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas! Eu tenho certeza, tenho tudo que almejei. Nada falta para transformar minha vida. Hoje eu vivo com prazer, pois tenho amor no coração e um sorriso nos lábios.

 

Risos. Desculpem, não disse meu nome. Acho que não importa, importa em saber que hoje meu sorriso é verdadeiro. E acredito que sou feliz. Alcancei a felicidade sem saber!

 

                                           


SONETO DO AMOR TOTAL

Amo-te tanto, meu amor... Não cante,
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante,
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade,
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude,
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente,
Hei de morrer de amar mais do que pude


Vinicius de Moraes.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Quem matou Joventino Praxedes?



Poética

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem

Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

Quem matou Joventino Praxedes?

                 O crime aconteceu em uma manhã poeirenta de agosto. Ele estava lá, estirado no chão na beira do Córrego Sant’Anna. Com uma sunga indecente seu corpo melado pelas formigas e bichos da mata que passeavam preguiçosamente naquelas delicias que eles sempre aproveitavam nos mortos. Quem o matou fincou quatro forquilhas e o amarrou como se ele fosse um grande X a ser visto pelo céu. O que ele o assassino queria dizer ninguém podia afirmar. Várias hipóteses foram levantadas. Poderia ser Madame Nataly? Afinal ele era seu funcionário e amante. Pelo menos a boca pequena todos diziam. Na casa grande que ela transformou em uma enorme boate todos sabiam que ele nunca fora seu filho como ela dizia. Já o tinham visto se esfregando e fazendo amor com ela em uma bela e frondosa figueira que existia nos fundos da Boate dos Prazeres. – Filho? Pois sim!
                  Ninguém sabia quando ele chegou à cidade. Uns dizem que ele veio com ela quando comprou a casa de Dona Filó e para surpresa de muitos foi transformada em boate. As famílias que sempre se arvoraram como católicas praticantes reclamaram com o Padre Nilton, com o Prefeito Josmar, com o Juiz de Direito Nonato e até com o delegado Molejo. Todos disseram que ela não estava cometendo nenhum crime e iria trazer para a cidade melhores arrecadações, pois já se sabia que ela tinha uma enorme Indústria têxtil na capital. Já corria de boca em boca que ela iria fazer a maior indústria têxtil do estado em Rio Verde. Quatro anos depois a indústria foi esquecida. Nada aconteceu e nem se tocou mais no assunto. Madame Nataly continuou com sua boate, bem frequentada pelas autoridades locais e com a complacência do Delegado do Prefeito e do Juiz. Todas as noites a maioria deles corria para a Boate onde se sabia que boas bebidas, um bom carteado e boas senhoritas sempre estiveram à disposição, claro se pudessem pagar.

                   Ninguém nem ligava para Joventino. Uma figura apagada e que quase não aparecia no salão quando a sociedade de homens ricos lá compareciam. A acusação a Madame Nataly caiu por terra quando o Delegado, senhor de grandes bigodes e casado com Manuelita uma portuguesa miúda e calada, disse para quem quisesse ouvir que na noite do crime ele estava na boate, pois era um homem da lei e não podia aceitar brigas ou discussões naquele estabelecimento. Ele jurou ao Delegado da capital enviado pelo governador que durante toda a noite jogou um belo carteado e já de madrugada foi desafiado por ela para uma mão de pôquer. Portanto ele nunca poderia ser incriminado. A pergunta continuou a ser feita por todos habitantes da cidade: - Quem matou Joventino Praxedes? Diziam que o prefeito Josmar tinha grande ciúme dela com ele e podia ser um suspeito. Ao ser inquirido riu e mandou chamar Rosinha – Diga a eles que passei a noite toda com você! E o Juiz? Não teve um pega com o prefeito por causa dela? E todos não sabiam da sua discussão com Joventino?– Não me acusem, rosnou – Foi à única noite que passei em casa ao lado do meu filho e de Jovelina minha esposa.

                 O Delegado Delgado diziam que era o melhor investigador do estado. Ficou trinta dias procurando uma pista. Havia uma rosa no chão machada de sangue ao lado do corpo. Na rosa não conseguiu nenhuma digital. Rosa é rosa, só tem espinhos e um deles achou o dedinho fininho do Delegado que gruiu alto. Pensou e pensou. Tinha que acusar alguém e levá-lo as raias do tribunal. Paquetá um faz tudo na boate poderia ser um suspeito. Mandou investigar sua vida. Surpresa: - O filho da mãe passou toda sua vida em um seminário e só não foi padre porque sempre o encontravam masturbando. Claro que o delegado não achou nadica de nada que pudesse incriminá-lo. Mesmo todos sabendo que ele era amante  e junto com Juventino faziam par nas altas madrugadas, para transar em dupla com Madame Nataly ele estava limpo. Mas e dai? E ela? Não podia ser a assassina? Puta merda pensou, Já vi todos os tipos de crime, mas igual a este não. Vai ser foda achar uma pista. Quem o matou teria que ser algum cliente de Madame Nataly. Tinha que chafurdar em toda sua freguesia para achar o culpado. 

                 Foi Nico Estripa quem lhe deu uma pista. – Olhe delegado, um dia vi o Jovelino Praxedes tentar namorar Mariazinha. Ela não deu bola para ele. Namorava o Açougueiro Totonho e dizia que o amava e ele era o homem de sua vida. – O delegado pensou e pensou. Será que o açougueiro resolveu vingar as investidas de Jovelino na sua noiva? Até que podia ser, pois ele foi morto com duas facadas certeiras no coração. Ele já tinha visto centenas de crimes assim. Mandou prender Totonho o açougueiro. Os praças voltaram de mão vazia. – Cadê o home porra! Doutor o home casou com Mariazinha no mês passado e mudou para Pedra Azul. Não pode ser ele não! Merda! Pensou o delegado. Não sabia mais onde procurar. Quem poderia ter matado Jovelino Praxedes? Ele se perguntava e toda a cidade o perguntava também.
       
                 Um mês depois recebeu uma carta do Governador: - Se não consegue saber quem foi, retorne para a capital. Que foda-se quem matou Jovelino Praxedes. Encerre o inquérito como crime insolúvel. Ele não tinha mais nada a fazer ali, juntou suas traças pôs na mala e na rodoviária o povo o olhava enviesado. Do outro lado da Rua Nicota ria baixinho. Esperava o delegado partir para ela partir também. O filho da puta do Jovelino a cantou em uma noite de quermesse e ofereceu vinte paus para comer seu trazeiro. O filho da mãe nem carro tinha, ela foi na garupa da bicicleta até a entrada da mata do Jambreiro. Queria logo mandar bala, mas ela disse que só dava para ele se o amarrasse em forma de cruz. Ele ia gosar como nunca gosou na vida. O besta se deixou amarrar. Ele lhe meteu a faca pequena que trazia na bolsa, ele berrou feito um jumento capado.

                  Achou a chave do quartinho dele que morava nos fundos da boate. Foi lá e encontrou o que procurava. O monte de nota de cem e de cinquenta. Mais de vinte mil pratas. Desta vez valeu mais que Muriel Boa Morte de Espera Feliz. Ela riu quando lembrou. Outro idiota que só queria comer seu traseiro e mais nada. Ter bunda grande dá nisto pensava e ria. Um duro de tudo, pois não conseguiu nada dele nos bolsos. Na sua casa não podia ir. Era amasiado com uma mulher de vida que não saia de lá. Ela ria baixinho ao lembrar quando ele morreu de pau duro feito aço. Saiu de lá e agora em Monte Verde queria algum melhor. Sabia que Joventino Praxedes a olhava há tempos. Era questão de dias ele a levar para o mato. Deu o último olhar no Delegado Delgado. Um bosta de delegado ela pensou. Bem cada um sabe onde aperta as botas. Melhor fazer minha mala e partir. Quem sabe consigo outro trouxa que só pensa no seu pau? 
       
Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Produndissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!