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sábado, 19 de julho de 2014

A lenda dos beijos perdidos.


Em cada dia, um ato
Em cada ato, um pensamento
Em cada pensamento, uma saudade
Em cada saudade... Você

Em cada vida, um livro
Em cada livro, uma história
Em cada história, uma lembrança
Em cada lembrança... Você

Em cada momento, um instante
Em cada instante, um saber
A cada saber, uma certeza
A certeza de amar Você!

Lisa Marie

A lenda dos beijos perdidos.

               Estava atrás do balcão quando ela entrou. Nem me olhou e nem cumprimentou. Dirigiu-se a mesinha do canto da parede e se sentou. Ficou de olhos baixos. Não dava para ver seu rosto. Ficou de costas para mim e de frente para a porta da rua. Meu bar era pequeno. Detestava o bar. Herança de meu pai. Só cachaceiros e arruaceiros. Devia ter vendido e sumido desta cidade maldita.

               Ouvi sua voz, meiga, macia, deliciosa. Um rouxinol cantando ao nascer do sol. Mas não era o que esperava – Traga-me qualquer lanche quente que tiver e uma dose de Martine. Depois um suco de laranja. Não me olhou, continuou com a cabeça baixa. Pronto, fui a sua mesa. Ela me olhou pela primeira vez. Incrível! Linda! Impossível descrever tamanha beleza. Sorriu, quase caí de costa. Morena jambo, olhos verdes, grandes, cabelos presos em coque, seu rosto liso como a pele de um bebê, uma boca de lábios grossos, vermelhos, deliciosos.

               Mastigava com educação. Via-se que era uma mulher de classe. Agora olhando a rua. Quase ninguém. Cedo ainda, cidade pequena. Um buraco perdido no fim do mundo. Fiquei ali olhando para ela e pensando. Chamou-me, pagou. Perguntou onde era a toalete. Mostrei. Uma privada imunda. Limpava só à noite. Ouvi a descarga, olhava a rua e ela veio de mansinho. Deu-me um beijo. Não um beijo comum. Um beijo que nunca na vida experimentei.

                Colou seus lábios ao meu. Senti seus dentes mordendo de leve minha língua. Forçou sua língua na minha, passeou em minha boca. Voltava para a língua, forçava. Eu comecei a tremer. Encostou-se a mim seu corpo escultural. Forçou. Gemia baixinho. O desejo a posse seria natural ali. Não tinha coragem. Não estava pronto para o assalto. Ela gemeu alto. Deixou-me. Saiu sem dizer adeus.

               Continuei ali por muito tempo. A respiração ofegante. O membro duro. Suava. Uma experiência que nunca tive. Afinal só conhecia algumas putas da cidade. Poucas. Não podia dar esse luxo. O dinheiro era pouco. As moças eram casadoiras. Minha mãe se foi há muito tempo. Fugiu com outro homem. Meu pai nunca disse nada até morrer vomitando sangue. Tuberculoso. Triste destino.

                Nasci ali. Agora com vinte e cinco anos. Só o segundo grau. Ir pra onde? Bonito não era. Dinheiro não tinha. Algumas jovens se interessavam por mim, eu não interessava por elas. Chico Negro Monte me ofereceu uma ninharia pelo bar. Fiquei de pensar. Afinal o que faria depois? Em meus pensamentos não vi dois homens de terno e gravata se adentrarem. Sentaram na mesma mesa da moça dos lábios de mel.

                 Pediram-me duas cachaças. Quando me aproximei um me agarrou pelos cabelos. O outro me forçou contra o tampo da mesa. Socou-me forte nela. Senti uma dor tremenda. Falaram baixinho no meu ouvido. Conte tudo ou vai encontrar seu pai no inferno. Não sabia o que contar. A morena que entrou aqui hoje disseram. O que dizer? Expliquei o que sabia. Um me deu um tremendo soco, o outro me encheu de pontapés. Arrastei-me até o balcão cheio de sangue. Eles nem me olharam mais. Acharam-se os tais. Peguei a faca de cozinha. Enfiei na garganta de um. O outro sacou um revolver. Deu-me um tiro. Pegou no braço esquerdo de raspão. Com o direito cravei a faca no seu coração.

                 A cidade em peso agora em frente ao meu boteco. O delegado Idelfonso fazia perguntas. Achou-se o máximo com o crime. Nunca isto aconteceu ali. Expliquei tudo e ele sempre insistindo na mesma tecla. Assistia muito o detetive Columbo na TV. Na semana seguinte me chamou de novo a delegacia. Disse que eu devia sumir. Eles eram bandidos da capital. Uma espécie de máfia. Viriam outros com certeza. E desta vez era para me liquidar.

                Vendi o bar para o Chico Negro Monte por dois mil reais. Valia muito mais. A casa era minha, mas tranquei tudo e parti em um sábado a noite. Fui para Campinas. Lá iria decidir o que fazer. Já conhecia a cidade. Nem bem desci do ônibus e vi dois homens em um opala preto me seguindo. Dei a volta no quarteirão e retornei a rodoviária. Comprei passagem para Belo Horizonte. Minha vida agora estava se tornando um inferno.

                 Cheguei a Belo Horizonte e prestando muita atenção fui até a Estação Ferroviária. Tinha tudo planejado. Comprei passagens de trem para Vitória. Vinte e quatro horas de viagem. Achava estar livre deles.  Uma linda viagem. Primeira classe. Dormia quando senti alguém ao meu lado. Impossível! Era ela. Aquele sorriso maroto, sensual. Não falava nada e nem eu. A mulher que me condenou para sempre estava ali ao meu lado. Ela aproximou os lábios de mim de novo, me beijou o mesmo beijo, sensual, forte, cheio de tesão, língua com língua. Eu tremendo, ela gemendo. Ela me dominava. Eu não sabia o que fazer. Sem ação. Mulher incrível!

                 Muita gente no vagão. Muitos nos olhando, ela nem se importava. E nem eu para falar a verdade. Se ela quisesse faríamos amor ali mesmo na presença de todos. Ouvimos a voz do chefe do trem. Ela se levantou. Tirou da bolsa uma pequena beretta e mandou o chefe do trem sumir. – Se na próxima estação falar com alguém sobre nós, te mato e mais uns cinco aqui no vagão. Deus meu! Com quem eu tinha me metido? Ela me pegou pela mão e me levou até o último vagão. Vazio, cinco pessoas. Ela mandou todos embora.

                   No que eu estava entrando? Numa fria? Não tive tempo de pensar. Possuiu-me como uma gazela faminta. Sim ela me possuiu. Comandava tudo. Nem tiramos a roupa. Ela levantou a saia e entrou em mim com força. Perdí a respiração. Explodí em um gozo tremendo! Ela não me deu folga. Continuava e não parava. Enfim não agüentei mais e dormi. Acordei com a policia me puxando. Ela tinha sumido. Descemos em Aimorés. Fiquei preso por trinta dias. Soltaram-me numa quarta feira pela manhã. Devolveram-me meus pertences e meu dinheiro.

                   Resolvi ficar ali naquela cidade. Arrumei uma pensão barata. Não demorou dois dias. Pegaram-me no meu quarto a noite. Uma tremenda surra. Eram cinco desta vez. Arrastaram-me até um buick negro. Viajamos por horas. Eu estava todo machucado. Chegamos a Vitória. Direto ao aeroporto. Um jatinho nos esperava. Dentro o chefão. Eles o chamavam de “Casco Duro”. Conversa mole, falando feito um homossexual. Não fazia perguntas, só ria com os lábios entortados. Não me olhava. Dizia que eu tinha escolhido o meu destino. Levaram-me para um banco nos fundos da aeronave. Chegamos ao Rio de Janeiro pela manhã.

                   Em um carro preto que nem vi a marca, fomos para a Barra da Tijuca. Uma bela mansão a beira mar. Entramos. Levaram-me a um casinha com dois guardas. Deixaram-me lá por cinco dias a pão e água. Que “Diabos” era tudo aquilo? Em que me metí? Quando abriam à porta eu me enroscava em um canto com medo de apanhar. E sempre apanhava. Mas naquele dia entrou um dos vigias com ela atrás e sua famosa beretta. Que mulher! Uma coronhada, duas, três e o vigia caiu desmaiado. Fez um sinal com a cabeça para segui-la. Não falou mais nada.

                   Não havia ninguém de vigia, saímos pela porta dos fundos. Ela tinha um pequeno corsa wagon, cinza. Saiu em desabalada carreira. Nada falou. Deixamos o Rio de Janeiro rumo a Petrópolis. Parou em uma pequena saída e uma vista linda mesmo a noite. Agarrou-me de novo. Deus meu! Que mulher é essa? Mesmo todo ferido, ainda com sangue no rosto ela chupava minha língua com força. Fizemos amor à noite toda. Dormimos. Acordei com ela fora do carro olhando a vista que era realmente espetacular.

                  Saí, tentei uma conversa. Nada. Ela me olhou e apontou para o carro. Viajamos por quatro horas. Passamos por Juiz de Fora e muitos quilômetros depois entramos rumo a Ponte Nova. Almoçamos nesta cidade. Ficamos pouco tempo. Logo embarcamos. Não me disse aonde íamos. Nunca dizia nada. Parou logo na saída da cidade. De novo me possuiu com violência. Não tinha como recusar. Estava louco de paixão por ela. Ficamos horas fazendo sexo. Nunca vi nada em minha vida.

                   Estava escurecendo quando chegamos a um sitio perto de Barra Longa pequena cidade de 12.000 habitantes. Uma casa pequena, mas aconchegante. Foram dois meses de amor. Dois meses que ela não me dirigiu a palavra nenhuma vez. O sitio tinha uma senhora que vinha diariamente fazer a limpeza e as refeições. Um dia levantei e ela tinha sumido. O carro não estava na garagem. Dona Matilde chegou para a limpeza. Perguntei.

                 Francesca era o nome dela. Italiana. Mal falava português. Seu pai a vendeu ainda moça para “Casco Duro”. Moravam em uma pequena cidade na região da Sicilia. Na cidade de Palermo. Em uma semana fugiu. Foi pega. Apanhou muito. Matou cinco deles. Fugiu de novo. Casco Duro nunca mais a encontrou. Comprou este sitio ano passado. Sabia da conta bancária de Casco Duro e a senha. Roubou mais de vinte milhões de reais. Passou tudo para a conta dela em um banco europeu. Sabia como fazer.

                   No sitio ela praticava todo tipo de exercícios. Gastava com balas a mais não poder. Acertava com sua beretta um lata de cerveja a mais de trinta metros. Estava apaixonado por uma Rambo de saias! Meu Deus! Um jovem do interior, sem eira nem beira, agora vivendo esta aventura sem fim? Mas olhe, a paixão era enorme. Não tinha como sair dali. Ela demorava dois três meses para voltar. Depois desaparecia de novo. Como o vento levado para qualquer lugar.

                  Quando ficava só, sentava a beira de uma lagoa e ficava a pescar, mas com a mente voando para o passado e pelo presente. Futuro? Creio que nada. Sou um homem dominado pelo medo. Nunca tomei decisões e quando as tomei escolhi as armas erradas. Nunca tive o que quero e o que aprendi em meus sonhos. Acredite não sou cego de orgulho, mas o que sonhei me escorregou pelos dedos. Não me considero um jovem velhaco. Não. Até sou meio religioso. Ia à missa todos os domingos em minha cidade.

                   Dizem que o amor de mãe por seu filho é diferente de qualquer coisa no mundo. Ele não obedece à lei ou piedade. Ele ousa todas as coisas e extermina sem remorso tudo o que ficar em seu caminho. Seria isto verdade? Não. Para mim não. Minha mãe me deixou com oito anos. Nunca mais me procurou. Eu não sabia o que era amar uma mãe. Foram vinte anos sem ela. Mas agora minha vida tinha mudado. Uma paixão avassaladora. Uma pistoleira de saias. Meu coração explodindo a cada dia que ela chegava.

                   Ficávamos dias e dias juntos. Ela não dizia nada. Eu não podia acreditar que depois de tantos anos não falasse nossa língua. Porque então? Não sei. Nunca soube. Varias vezes ao dia ela me possuía. Não ria. Por favor. Era assim mesmo. Ela dirigia tudo. Subjugou-me. Transformou-me em seu escravo. Aprendi a aceitar e seu silencio agora era por mim compartilhado. Ninguém ousa dizer adeus aos seus hábitos. Muitos se detiveram no limiar da morte ao pensar no amanhã sem saber o que esta fazendo hoje.

                    Assim como chegava desaparecia. O que estaria fazendo? Onde andaria? Um mistério. Um mistério que nunca resolvi. Nunca. Um dia ela não voltou mais. Dois meses, três, seis um ano. Meu coração insistia em me machucar. Uma dor imensa.  Sabia que estava morta. Não haveria outro motivo para seu sumiço. Se assim fosse sabia que seria daqui para frente um homem sem alma. Um ser ignóbil e perverso. Não haveria mais motivo para viver.

                    Um ano e seis meses. Resolvi ir embora. Uma dúvida cruel. Ir para onde? Voltar a minha cidade? Será que “Casco Duro” tinha me esquecido? Não sei. Não me importei se ele me encontrasse e acabasse com minha vida. Resolvi ir ao Rio de Janeiro. Iria enfrentar o bandido cruel. Quem sabe ela estaria lá? Sabia onde morava. Fiz uma campana de cinco dias. Surpresa, meu grande amor estava lá. Ele a mantinha a sete chaves. Agora vi que não estava tão bela. Estava tristonha. Olhos fundos Devia ter apanhado muito.

                    Esperei a noite. Peguei duas enormes pedras. Pulei o muro. O primeiro vigia caiu como abobora partida. O segundo nem teve tempo para respirar. Tirei suas armas. Entrei pela casa atirando. Ria. Um riso de idiota suicida. Ela estava no quarto. Não acreditou. Saiu comigo pela frente. “Casco Duro” nos esperava. Dei vários tiros nele. Levei outros tantos, mas não cai. Francesca atirava com precisão. Conseguimos chegar a um volvo velho. Mas bom de corrida. Por sorte só um tiro entrou próximo ao joelho e saiu do outro lado.

                  Chegamos a Ponte Nova à tardinha. Um lanche e fomos para nosso esconderijo. Vivemos um romance que ninguém e nunca haverá alguém que poderá ter. Um romance de amor que não sei como descrever. Os anos passaram. Francesca não saiu mais do sitio. Dona Matilde se encarregava de tudo. Francesca a pagava bem. Deu até um carrinho para ela. Quando fiz cinqüenta anos, a maldita tuberculose me alcançou. Assim como meu Avô e meu pai. Sabia que ia morrer. Não queria que Francesca tivesse o mesmo destino que o meu.

                   Comecei a me afastar dela. Não adiantou. Ela me possuía quando queria e eu não sabia recusar. Não tinha como. Francesca era minha paixão. Agora muito mais, meu único e grande amor. Ela também ficou doente. Cuspíamos sangue, mas nunca deixamos de nos beijar. Quando estávamos melhor ela me beijava, como se fosse aquele dia, no meu bar, um beijo ardente, forte, incrivelmente cheio de paixão.

                   Ela morreu uma semana antes de mim. Foi uma morte sorrindo. Seus olhos tinham pequenas lágrimas e não chorava. Eu também não. Fiquei ali olhando para ela toda a noite. A enterrei no quintal do sitio, a beira da lagoa que apelidei de Solidão. Ficava horas e horas sentado em seu leito de morte. Conversava com ela. Sabia que ela estava ali me esperando.

                  Morri uma semana depois. Não senti e nem vi como meu corpo se separou do meu espírito. Uma luz forte apareceu e nela Francesca. Linda, com o mesmo vestido que tinha enterrado seu corpo. Só vi quando ela me abraçou e me beijou. A mesma Francesca. O mesmo beijo, o mesmo gosto, a língua quente na minha. Forçando seu corpo ao meu. Onde estávamos? Será certo o que fazíamos? Não sei. Nunca me preocupei com isso. Eu e Francesca nos amamos em todos os lugares da terra. Em lugares lindos onde as flores são mais belas, onde os pássaros gorjeiam músicas maravilhosas. Onde os sonhos são realidade.

                   Confesso que não sabia o tempo. O tempo agora para nós não existia. O amanhã era hoje e o ontem era agora. Não nos preocupávamos com nada. Só mesmo nosso grande amor. Francesca mesmo ali, na eternidade nunca falou. Nunca me disse nada, nunca me contou sua vida. Eu aprendi a respeitar. Nunca perguntei. Bastava sua presença e com ela eu me completava. Ah, universo. Eu sei que muitas vezes sou levado por uma série de pensamentos. Bons e ruins. Mas não importava e sim o amor que eu e ela estávamos vivendo.

                 Talvez eu não conhecesse a força da perfeição. Eu não conhecia o melhor de mim. Agora eu me entrego me comprometo comigo mesmo, vou manter minha mente aberta, e a luz que irradia em mim será para sempre ao lado de Francesca! Os espíritos que nos viam na eternidade sorriam e nos cumprimentavam prazerosamente. Soubemos depois, muitos anos depois que ficamos conhecidos por muitos. Tornamo-nos uma lenda. A lenda dos beijos perdidos! Os amantes e seus beijos apaixonados na terra e no céu!

Meu nome? Eu sou Ninguém. Na terra procurado por crimes de amor. Extremamente perigoso. PROCURADO VIVO OU MORTO! Risos. Estou morto e ninguém sabe...                                    

Olhos Assim

 

Seus olhos lindos
São como espelhos
Me vejo refletida neles.
Eles me olham
Me partem ao meio
Como uma espada
Transpassasse meu corpo
Seus olhos...
Seus olhos dizem tanta coisa
Dizem da sua saudade
Dizem da minha saudade
Dizem tudo que você quer dizer
E não pode dizer
Seu olhar é minha vida
Minha vida é seu olhar.
Através dele consigo sentir
Tudo que vivi
Tudo que sinto saudade.
Mas, agora tenho a absoluta certeza
Nada acontece por acaso
Seu olhar é meu!
Meu olhar é seu!

Lisa Marie

sábado, 5 de julho de 2014

O ESQUIFE DE MARTINHO BOA MORTE




Nem Jesus Cristo, quando veio a Terra, se propôs resolver o problema particular de alguém. Ele se limitou a nos ensinar o caminho, que necessitamos palmilhar por nós mesmos”. (Frases e Pensamentos de Chico Xavier).

O ESQUIFE DE MARTINHO BOA MORTE

                  Acordou de um sono profundo. Olhou em volta e viu tudo escuro. Não lembrava onde estava, quem era e porque tinha ido parar ali. Forçou a tampa do esquife e conseguiu sair facilmente. Não teve medo. Nem sabia que tinha sido enterrado vivo. Viu um pequeno vão com claridade e tentou ir até lá. Passagem estreita. Não desistiu. Achou um osso jogado em um canto. Usou-o como faca. Dois dias depois conseguiu uma abertura e deu para sair.

                   Era noite. Horas não sabia. Tudo escuro mais viu que estava em uma grande necrópole com muitos jazigos, mausoléus, sepulturas e não soube por que, mas ele se achou em casa. Gostava daquele lugar. Achou um portão trancado. Passou fácil por ele. Como passou também não sabia. Não tinha aparência de espectro, tinha certeza que era de carne e osso. Deu até vontade de soltar sua moafa mesmo sabendo que não tinha bebido nada. Não estava com fome, também não tinha sede.

                    Seguiu sem rumo na rua escura e abandonada. Viu que estava vestido com um terno apertado e sem sapatos. Só meias. Seus pés não doíam. Nada no seu corpo doía. Ele se sentia como uma pluma no vento. Andava como se estivesse volitando. Não encontrou ninguém, não viu ninguém. Viu ao longe umas luzes. Um farol foi de encontro ao seu rosto. O veículo rodava em grande velocidade. Freou em uma curva e parou. Desceram dois homens. Não foram ao encontro dele. Foi então que viu uma jovem na calçada e descobriu quem era a presa.

                    Eles agarraram a moça, subjugando-a. Ela gritava, esperneava, pedia pelo amor de Deus que a soltassem. Eles riam desbragadamente. Tiravam sua roupa e forçavam a ficar de quatro.  Ele foi até lá, pediu para soltarem-na. Eles riram e pronunciaram palavras de baixo calão. Ele se aproximou mais, recebeu quatro tiros no peito. Ele não sentiu nada. As balas entraram e saíram do outro lado. Ele achou estranho. Os homens o olharam novamente e mais seis tiros, ele deu um tremendo soco em um e o outro pegou pelo cabelo e o jogou do outro lado do muro do cemitério.

                    A moça estava atônita. Perplexa. Queria agradecer ao seu salvador, mas não sabia como. Correu. Transformou-se em uma gazela espantada. Virou uma esquina, outra e mais outra. Não olhava para traz. Chegou a sua casa, pequena, humilde e não conseguia abrir a porta. Ela se abriu. O viu do outro lado dentro de sua casa. Fora ele quem abrira para ela. Um mistério. Quem seria? Um falecido? Seu fantasma? – Ele a olhava e sorria bondosamente. Queria falar, mas não conseguia.

                    Ela viu seu irmão de dez anos dormindo na poltrona. Ele sempre a esperava ali. Eram uma família de dois. O único emprego que conseguira foi de atendente e auxiliar de limpeza em um prédio próximo a sua casa. Horário desigual. Virava a noite. Terminando voltava mais cedo para casa. Dava para o sustento. Olhou para traz e viu que ele ainda estava lá. Terno amarrotado, sem sapatos, cabelos revoltos. Não era bonito, mas podia-se dizer que tinha um lindo porte. Pena que estava meio sujo e seu corpo soltava um odor diferente, nauseabundo.

                   Agradeceu a ele de novo e disse que precisava dormir. Ele sorria. Entendeu. Não falou nada. Ela fechou a porta. Olhou pela janela e não o viu. Dormiu pensando em tudo. Não entendia nada. Quem era? De onde tinha vindo? Claro, estava cortando caminho e passando numa rua paralela ao cemitério, mas fazia isto todas as noites, não tinha medo. Acordou pela manhã. Seu irmão já tinha ido para a escola. Uma rotina que ela havia ensinado. Limpou a casa, iniciou o almoço. Simples. Seu dinheiro era pouco.

                    Abriu a porta para colocar o lixo e o viu. Ele estava no passeio, em pé e olhando para ela e sorrindo. Assustou. Foi até ele e perguntou se ele não lembrava onde morava. Ele não respondeu. Continuava olhando para ela e sorrindo. Deu para ela uma sacola que estava encostada em um poste. Ele olhou de soslaio. Paes, doce, carne, muitos víveres. Uma sacola pesada. Agradeceu. Recusar na penúria que se encontrava era demais.

                      Deixou-o ali e entrou. Viu que uma sacolinha tinha grande soma em dinheiro. Correu para a rua. Ele tinha ido embora. Ficou receosa. Quem seria? O que queria? Seu irmão chegou e ambos fizeram uma lauta refeição. Quantos anos isto não acontecia. Escondeu o dinheiro que ele tinha dado. Iria devolver. A noite partiu para o seu trabalho. Todos haviam saído menos seu Honório que atendia na recepção. Começou o batente. Ela o viu de novo. Ajudava. Limpava em uma rapidez incrível. Parecia ser um daqueles super herói da historia em quadrinhos.

                      Deus do céu! Pensou. Em que tinha se metido? Quem era ele? Pelo jeito uma alma do outro mundo! Só podia ser. Rezou a Jesus que era seu amigo naquelas horas. Pediu tudo. Rogou aos santos protetores. Abriu os olhos e ele estava lá. Agora o salão que fazia limpeza estava um brinco. Nunca havia feito uma limpeza como aquela. Ele sempre em pé sorrindo. O mesmo cabelo revolto, o mesmo terno as mesas meias azuis sem sapato.

                      Ele não sabia o que estava acontecendo. Gostou da jovem, achou que a conhecia. Queria ajudar. Tentava conversar, explicar, não conseguia. Achou estranho quando os bandidos atiraram e ele não sentiu nada. Mas se fosse um espírito do outro mundo como se explicaria que ele pudesse tocar? Sentir, segurar? E agora, como se explica que ele consegue tudo? Virou um Super Homem? Caramba! Uma incógnita.

                     O dia amanhecendo ela retornando ele acompanhando. Ela aceitou sua companhia. Tentava entabular uma conversa. Mas era monólogo, só ela falava ele só sorria. Virou rotina. Uma semana, duas, resolveu ir até a delegacia explicar o que estava acontecendo. O delegado riu. Disse que ela precisava de se tratar. Ele estava junto ao delegado. Sorrindo. Levantou o telefone. O delegado ficou em pé assustado. Ele soltou o telefone. O delegado gritou. - Sai de mim satanás!

                     Ela foi embora com o delegado desconjurando. Ele ao seu lado. Sorrindo. Sem falar nada. Chegou a casa, diversas sacolas, uma TV nova, muitas coisas. Seu irmão disse que vieram entregar. Não tinha nota fiscal, nada que identificasse quem foi que mandou. Vou morrer se continuar assim. Ajuda-me Jesus Cristo! Deus seja louvado. Abriu os olhos, ele estava na porta sorrindo. Acho que vou enlouquecer pensou.

                     Ele viu que ela estava assustada. Preciso pensar. Voltou ao cemitério, lá era mais tranquilo. Entrou de novo no seu jazigo. Deitou em seu caixão e fechou a tampa. Ficou ali um bom tempo. Não se lembrava de nada. Seu nome, de onde veio e para onde ia. Nada. Uma espessa nuvem branca em seu cérebro. Tentou dormir como todo mundo. Não conseguiu. Ouviu um barulho, saiu correndo do caixão a procura. Uma luz escarlate num jazido ao lado do seu. Conseguiu entrar. Tentavam abrir um caixão. Batiam de dentro para fora. Ele ajudou. Abriu. Viu uma linda jovem deitada com um vestido de noiva. Idêntica a jovem que ele estava ajudando.

                     Passaram-se cinco dias. Ela estava mais calma. Ele não tinha mais aparecido. Queria devolver tudo que deu. Não sabia para quem. O jeito é usar. Paciência. Quando passava pelo muro do cemitério, o viu de novo. Acompanhado de uma moça linda, chegou mais perto. Era ela! Impossível. Ela estava ali de carne e osso. Não podia ter morrido. A moça de branco sorriu. Acenou. Ela reconheceu sua mãe. Mais nova. Tinha morrido com 75 anos. De coração. Fumava muito.

                      Tentou abraçar sua mãe. Não conseguiu. Ele segurou na sua mão. Ela sentiu, mas com sua mãe nada. Foram juntos para sua casa. Ela sentou na poltrona, ele não, sempre em pé sorrindo. Tentou conversar com sua mãe. Nada. Ela mostrou uma parede. Não viu nada. Sentiu que não havia tijolos por trás do reboco. Quebrou com um martelo. Viu uma caixa. Uma cruz de madeira pequena, um sapo pequeno empalhado, dois dentes de ouro. Fez sinal para jogar no fogo. Ela assim o fez. Ela sorriu e desapareceu.

                      Ele viu tudo aquilo. Não entendeu. Saiu rápido e foi até ao esquife dela, no jazigo que estava. Abriu. Pedaços de ossos, dentes, uma cruz de madeira, e um sapo empalhado. Achou que Ela agora iria descansar. Imaginou para onde teria ido. Nada. Sua mente não concatenava. Voltou à casa da jovem. Estava fechada. Entrou. Ninguém. Vazia. Ela, seu irmão e móveis haviam desaparecido. Não entendeu nada. Ela gostava dela, era a única que conhecia e que o via como alguém e não um defunto.

                      Passaram-se dois meses. Ela não viu mais o homem e nem sua mãe. Tinha medo de ficar ali. Buscou suas últimas economias no banco e mudaria para outra cidade. Assustou. Uma enorme quantia estava depositada em seu nome. Procurou o gerente, confirmaram. Foi depositado para ela. Era dela. Poderia fazer o que quiser com o dinheiro. Ninguém lembrava quem depositou. Foi uma ordem de pagamento feita em um país distante.

                      Ela voltou para sua cidade natal. Comprou uma bela casa. Um carro e montou uma loja de roupas. Seu irmão sorria. Boas roupas, bom colégio. Suas vidas se transformaram. Era uma tarde de domingo, Foram a um parque de diversões. Ele ria, ela ria pipocas, doces, dinheiro à vontade. Acabaram-se as dificuldades, agora iriam viver o que não tinham vivido. Sentiu um estranho a olhando. Virou-se. Era ele. Meu Deus! De novo. Não. Ajude-me Jesus amado.

                      Ele se aproximou. A cumprimentou. Ela ouviu. Se for ele agora falava. Apresentou-se. Eduardo Palhares Sacramento. Juiz de Direito nesta cidade. Ela viu que eram sósias. Não é possível! Mas aquele era de verdade. Estava de roupa esporte. Lindo, belo, um sorriso encantador. Foi galante. Convites. Jantares. Casamento. Seu irmão gostou do novo cunhado.

                     Estavam juntos há oito anos. Felizes. Sem filhos. Tentava de todo jeito. Eles faziam sexo sentado, deitado, ela por cima, de quatro, levou ela para o bosque, no cinema, tentaram de todo jeito. Nada. Agora estava fazendo uma fertilização. Não sabia o nome direito. Todos na cidade gostavam do casal. Eram convidados para festas, recepções e muitos queiram como padrinhos para casamentos ou batizados.

                     Recebeu um telefonema. Gelou. Ele reagira a um assalto e tinha sido morto com dois tiros. Desespero. Nunca pensou que isto pudesse acontecer. A cidade em peso compareceu nas suas exéquias. Muitos choravam. Ela voltou para casa. A vida continua dizia ela. Tudo tem explicação. A morte é um mistério, mas um dia ela iria passar por isto.

                     Acordou de um sono profundo. Olhou em volta e viu tudo escuro. Não lembrava onde estava, quem era e porque tinha ido parar ali. Forçou a tampa do esquife e conseguiu sair facilmente. Não teve medo. Nem sabia que tinha sido enterrado vivo. Viu um pequeno vão com claridade e tentou ir até lá. Passagem estreita. Não desistiu. Achou um osso jogado em um canto. Usou-o como faca. Dois dias depois conseguiu uma abertura e deu para sair.

                     Foi até o portão. Uma rua escura. Passou fácil. Poucas luzes. Um carro jogou os faróis acima dele. Freou bruscamente. Ela desceu. Fascinada! Tremia!  De novo não. Meu Deus! Jesus amado. Não deixe acontecer de novo!

... Se encontrares algum cadáver, dá-lhe a bênção da sepultura, na relação das tuas obras de caridade, mas, em se tratando da jornada espiritual, deixa sempre "aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos"...