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quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O fabuloso espólio de Madame Jovina dos Prazeres



Inventário das sombras

O que deixou o espólio?
Algo além do imbróglio 
de rebuscar documentos
e reencontrar a estirpe
antes mero acessório?

O que sugeriu o espólio?
Que utilizemos 
o que nos restou de dignidade
numa derradeira homenagem?

O que exigiu o espólio?
Que alguns naveguem 
pelos vales das lágrimas
enquanto outros
no inventário das sombras
não partilhem sequer a dor premeditada?
(Luso poemas)

O fabuloso espólio de Madame Jovina dos Prazeres

            Lovelino não parava de pensar. Não pretendia e não queria nada do espolio de Madame Jovina dos Prazeres. Ninguem acreditou em seu amor por Madame Jovina. – Que se danem pensava. Agora ali, esperando uma recompensa? Um absurdo. O que mais ele queria é que ela estive ali com ele. Mas sabia que isso não iria acontecer. Ela tinha ido para sempre. Agora só as saudades lhe faziam companhia. Doces lembranças de um passado. Foi uma exigência do Comendador Praxedes da Aluvião. Achou que foi mais do que um convite. Uma intimação isso sim. Recusar? Impossível. Sentia-se um peixe fora d’água ali sentado na poltrona enorme de couro marrom, legítimo couro inglês (Deve ter custado uma nota!) importado. Nem olhava para os outros que estavam ali. Não eram amigos nunca foram.

            Sua mente não parava de buscar o passado. Não fora ninguém até o dia que a conheceu. Uma diferença de idade enorme. Poderia ter sido sua mãe, mas acabou sendo sua amante. Amante? Era muito mais. A mulher de sua vida eterna. Quantos anos se passaram? Muitos. Achava que mais de trinta. Afinal estava com vinte e cinco e agora com cinqüenta e cinco não esperava mais nada da vida. Se houvesse um espolio, que os filhos dela tomassem conta. Ele não queria nada. Ao perdê-la perdeu a vontade de viver. Perdeu o sentido da vida.

           O Comendador Praxedes da Aluvião além de juiz da comarca da cidade de Santa Genoveva era também o tabelião. Muito respeitado. Um vasto bigode que ele fazia questão de enrolar com os dedos sempre que estava junto a alguém. Usava sempre um jaquetão preto, uma gravata borboleta, uma botina “Jeca-Tatu” preta, não tinha carro e adorava sua charrete que dizia ter sido da Corte Inglesa. Ninguém o desobedecia. O ultimo que o desafiou está enterrado no cemitério da cidade, em uma cova nos fundos, com uma plaquinha que diz – Aqui jaz, um merda que morreu como um merda! Risos. É verdade. Quem duvidar pode ir lá ver. Lovelino voltou no tempo e lembrou quando viu Madame Jovina pela primeira vez. Nos seus vinte e cinco anos foi fazer uma entrega de vinhos importados que chegou pelo navio Pirineu no porto de Suape em Recife. Vindos da Itália, comprado especialmente para ela. Fora uma viagem longa. Mas seu chefe o explicou da sua responsabilidade e da figura do Comendador, o intermediário de Madame Jovina. Quando a viu seu coração bateu forte. Ela nem o notou. Agradeceu e ele se foi pensando que aquela era a mulher de sua vida.

           Claro, era uma boate de ricos. Cheia de luzes coloridas, cortinas vermelha de seda, um amplo salão com poltronas também vermelhas de couro importado e as mulheres, eram lindas. Novinhas, sempre sorrindo com roupas transparentes. Maquiadas. Vendendo o que tinham de melhor. Mas ele não se interessou por nenhuma delas. Só por Madame Jovina. Uma morena de cabelos presos em coque, um rosto angelical apesar dos seus quarenta e poucos anos, uma face corada, lábios carnudos, vermelhos, olhos verdes, como se fossem duas esmeraldas incrustadas naquele rosto maravilhoso. Seus dentes quando sorria eram perfeitos.

          Estranhou, pois Santa Genoveva não era uma cidade grande. Mas depois soube que ali tinha as maiores fazendas de café de todo o país. Exportavam para o mundo todo. Coronéis, Comendadores, Duques, Marqueses, Viscondes eles eram assim chamados. Era fácil comprar um titulo naquela época. Quando se instalou em Santa Genoveva, Madame Jovina sentiu um ambiente propício para montar a melhor boate de mulheres de todo o nordeste. Procurou primeiro o Comendador Praxedes da Aluvião. Ele a olhou ressabiado. Mas gostou do que viu. Logo desejou estar com ela em uma cama enorme, fazendo estripulias mil. Afinal ainda era jovem. Menos de cinqüenta anos. Madame Jovina tinha experiência. Desde que fora expulsa de casa a vinte e cinco anos atrás, só porque se apaixonou por um português fogoso, sabia que sua vida seria aquela. Não uma prostituta qualquer. Mas teria classe. Seria chamada de madame.
           Lovelino largou o emprego em Recife e partiu para Santa Genoveva. Com a cara e coragem procurou Madame Jovina e se declarou. Disse que não queria que ela correspondesse, bastava aceitá-lo como empregado. Faria qualquer coisa. Ela não precisava pagar. Refeições e um quartinho para dormir. Em pouco tempo ele dormiu com ela. Um sonho. Achava que era o homem mais feliz do mundo. Ela o ensinou como proceder na cama. Nunca foi o amante perfeito. Sempre fora um “janota” nestas coisas. Nunca soube se Madame Jovina o amava. Nunca perguntou e ela nunca disse. Mas passaram a dormir juntos e ele já ajudava na direção da casa. Ela comprou muitas roupas para ele. Ensinou como dar o nó em uma gravata, a escolher a cor certa, a se portar como um cavalheiro. Ensinou como tratar as “funcionárias” para que elas dessem o máximo do seu corpo aos clientes famosos. Conheceu a nata dos grandes fazendeiros. Tinha grande respeito pelo Comendador Praxedes da Aluvião.

          Aos poucos foi ficando intimo de Madame Jovina. Intimo de sua vida, de suas escolhas, de como guardava as economias. Mas tinha dúvidas. Acreditava que ela não devia entregar tudo para o Comendador Praxedes da Aluvião. Afinal em Recife tinha ótimos bancos e lá seu dinheiro estaria mais seguro. Mas Madame Jovina ria e dizia – Calma meu amigo. Eu sei o que faço. Não nasci ontem. Que seja pensava. Na cidade ficou conhecido por todos. Era respeitado. Afinal se alguém disse algum contra ele não entraria nunca mais na casa de Madame Jovina. Ela lhe dava algum dinheiro semanalmente, que ele sabiamente guardava em um banco em Recife. Não era muito, mas dava para ele fazer umas economias. Um dia uma surpresa. Ela o apresentou a duas crianças. Manuelita de oito anos e Andresinho de dez. – São meus filhos disse. Estudam na Europa. – Na escola Tasis, uma tradicional escola Suíça. Localizada na região italiana da Suíça, em Lugano. Lovelino não sabia o que dizer. Achou as crianças lindas, mas elas o esnobaram.

           Um mês depois voltaram para a escola. Era assim. Uma vez por ano apareciam. Lovelino nunca teve ciúmes deles. Afinal eram filhos. A Cesar o que é de Cesar. Mas seu coração a cada dia ficava mais profundamente apaixonado por Madame Jovina. Seus olhos brilhavam em sua presença. Na suíte dela, na enorme cama de casal estilo Luiz IV, (importada da França) ele acreditava estar em outro mundo. Madame Jovina fazia sexo devagar, sem pressa. Gostava de ficar minutos e minutos sentada no membro dele de olhos fechados suspirando, seus lábios molhados até que um grito forte e ele sabia que ela estava terminando.

            Um dia lera um livro onde conheceu a historia da mitologia grega dos Doze Deuses Olímpicos. Moravam no Monte Olímpo. Eram peritos na arte, no amor, nos sonhos, e ele se transportava para ali, quando estava nos braços de Madame Jovina. Achava ela superior a Atena e Afrodite. Ah! Afrodite a deusa do amor. Ela teria muito a aprender com Madame Jovina. Ele não era nenhum Zeus, Posidon, Neptuno, ou mesmo Apolo. Não era bonito. Achava-se feio. Tinha o nariz achatado, seus lábios eram grosseiros, seu cabelo mais para crespo do que liso. Era alto, talvez um metro e setenta e oito. Não sabia. Meio cambota. Risos. Feio mesmo.

             Os anos se passaram. Cinco, dez, vinte anos. Os filhos de Madame Jovina cresceram. Manuelita virou uma linda moça. Puxou a mãe. Andresinho também se tornou um rapaz bem afeiçoado. Agora era medico. Ela se formou em Ciências Humanas. Não gostavam de Santa Genoveva. Visitavam a mãe esporadicamente. Ambos moravam agora na Itália. Ambos solteiros. Nem cartas escreviam. Lovelino notou que ela chorava por eles não darem notícia. Mas ela nunca reclamou com Lovelino. Madame Jovina um dia se desentendeu com o Coronel Liturgo. Ele queria que Márcia Lavínia ficasse com ele. Mas ela estava com Jaubert, por quem tinha se apaixonado.

             Era uma situação incomoda. Márcia estava ali para servir a clientela. Agora só vivia com Jaubert. Madame Jovina já a havia repreendido. – “Se gosta dele vá viver com ele”. Mas Jaubert era um perfeito gigolô. Não queria nada. Só mulheres e que elas o sustentassem. Lovelino resolveu agir. Deu uma prensa em Jaubert. Márcia caiu em prantos. Madame Jovina interveio e deu em nada. Tudo continuou como antes. Até que o Coronel Liturgo aprontou uma arruaça em pleno salão. Abarrotado de gente. Gritava, dizia palavrões.

             Lovelino foi até ele. Recebeu um soco na cara. Sem consultar Madame Jovina, Lovelino o agarrou pelo paletó e o jogou fora da casa. Ele sacou um revolver e atirou em Lovelino. O tiro pegou de raspão, mas Lovelino tomou dele a arma e lhe deu uns pontas-pé no trazeiro. Foi à conta. Lovelino encontrou um inimigo de morte. Agora era ele ou Lovelino. Melhor que fosse o coronel. Armou uma emboscada a noite. Deu cinco tiros no Coronel Liturgo e dois em seu capanga. Todos desconfiaram dele. O delegado o inquiriu várias vezes. Mas era amigo de Madame Jovina. O assunto morreu por aí.

              Lovelino pegou fama. “Jagunço de Lampião” Todos tinham medo dele. Madame Jovina até gostou. Agora em sua “casa” haveria maior respeito. Mais dez anos se passaram. Cada dia mais Lovelino sentia que seu amor crescia. Era como se Madame Jovina fizesse parte dele. Não ficava muito tempo longe dela. O dia inteiro a procurando pela casa. Tornou-se até inconveniente. Ela lhe disse um dia. - Meu amigo Lovelino. Não seja assim, você sabe que eu gosto de você. Aqui nunca fiquei com ninguém. Mas você está sendo “chato” não sai de perto de mim.

            Lovelino se tocou. Sabia que não era “dono” dela. Poderia colocar tudo a perder. Tudo que conquistou. Madame Jovina estava com setenta e cinco anos. Mantinha ainda aquela pose altiva, aquele semblante de uma dama irresistível. Lovelino sorria por dentro. Fosse o que fosse era feliz. Muito. Um dia foi a Recife fazer umas compras para Madame Jovina. Ficou por lá cinco dias. Quando voltou encontrou um grande ajuntamento de pessoas em frente à boate. Assustou. Correu e subiu as escadas. Madame Jovina estava deitada na cama de casal, e seus olhos fechados.

            Lovelino se aproximou chorando. Minha Deusa! Meu único amor! Você não pode partir! Não pode morrer. Morrerei contigo se você se for. Mas Madame Jovina estava morta. Morte natural. Lovelino chorava como um menino. Estava com cinqüenta e cinco anos. Um homem apaixonado. Seu amor partiu. Não havia motivo para ele continuar vivendo. As moças da boate choravam com ele. Não tinham idéia do que iria acontecer. Foram dois dias inconsoláveis para Lovelino. O funeral ele assistiu soluçando. Ninguem para consolá-lo. Os filhos de Madame Jovina não estavam presentes. Ele tinha passado um telegrama. Sabia que não chegariam a tempo.

            A necrópole estava vazia. Todos já haviam ido. Lovelino não. Sentado no mausoléu de Madame Jovina ele não parava de soluçar. Pensou em tirar sua vida ali. Mas era um cristão. Não acreditava que morrendo iria encontrar Madame Jovina. Sabia que não. Sabia que um dia iria encontrá-la. Mas só Deus deveria saber como e onde. Ficou ali no cemitério a noite toda. Os responsáveis vieram dizer para ele que era hora de fechar. Ele não respondeu. Fechou os olhos e a viu em sonhos. Ela dizia que ele fora seu melhor amigo. Quando ele se fosse do mundo ficariam juntos novamente.

            O dia amanheceu. Uma garoa fina. Não havia trovões. O céu cinzento. Lovelino foi para casa. Um ultimo adeus a Madame Jovina. Uma pequena rosa ele colocou em seu mausoléu. Reuniu as moças no salão vermelho. Disse que não tinha vontade de continuar. Iria esperar os filhos dela para saber o que fazer. Que elas tirassem umas férias de vinte dias. Depois ele iria dizer o que foi resolvido. Lovelino ficou só na boate. Mandou fazer uma foto enorme dela. Passava horas e horas sentado na cama de Madame Jovina. Olhando a foto dela e sentindo sua presença. Parou de chorar. Alguém devia tomar as providencias necessárias para tudo.

           Agora estava ali. Na sala de espera do Comendador Praxedes da Aluvião. Ao seu lado Manuelita e Andresinho. Os filhos de Madame Jovina nem olhavam para ele. Sérios. Mal conversavam entre si. Lovelino se sentia desconfortável. Mas não tinha saída. O Comendador Praxedes da Aluvião o havia convocado para essa reunião. Iria dizer o que Madame Jovina tinha decidido de sua fortuna. Ele não queria nada. Nunca pediu nada. Suas economias no banco em Recife seriam suficientes para ele viver o resto de sua vida.

           Nunca mais iria se unir a uma mulher. Para ele só tinha havido uma. Madame Jovina. Ninguém poderia substituí-la. Fechou os olhos e pensava do que seria sua vida daí em diante. O passado se fora. Não iria enterrá-lo. Nunca. Ela iria viver em sua mente para sempre. Fora parte de sua vida. A mais importante. A mulher de seus sonhos. O amor de sua vida. Queria sair dali logo, mas tinha de aguardar. Era surreal tudo que estava acontecendo com ele.

        Finalmente o Comendador Praxedes da Aluvião os chamou ao seu escritório. Queria ficar em pé, ouvir e partir. Mas foi obrigado a sentar como os demais. – Que todos fiquem sabendo, que no ano da graça de Nosso senhor Jesus Cristo, no dia 22 de agosto de 1977, dona Madame Jovina dos Prazeres, aqui esteve junto com as testemunhas Sr. Mario Tenedes e Senhor Escrutino Xandoval, ditou seu testamento conforme abaixo escrito e que leio para todos vocês. De plena posse de minhas faculdades mentais, quero que toda minha fortuna, seja assim dividida: – Tudo que tenho em mãos do Comendador Praxedes da Aluvião seja entregue em partes iguais, aos meus filhos Manuelita dos Prazeres e Andresinho dos Prazeres. Também as terras e fazendas localizadas no vale do Imbu, próximo ao Rio Quitanda, seja inventariada e divida entre eles. Caso eles acharem melhor fazer uma divisão entre si, estou plenamente de acordo.

          O Comendador Praxedes da Aluvião fez uma pausa. Olhou para Lovelino como a dizer, você não ganhou nada. Mas não foi bem assim. Continuou o Comendador Praxedes da Aluvião – Que minha boate, seus pertences, tudo que ali se encontra seja doado ao meu amigo Lovelino Santo Angelo, inclusive a escritura da casa, e que ele prometa que irá cuidar das moças, dirigir e dar prosseguimento a tudo àquilo que amei em vida. Lovelino se assustou. Não esperava aquilo. Os filhos de Madame Jovina se levantaram e se retiraram. Lovelino nunca mais os viu. Não era o que queria. Pensou em vender tudo e ir embora por esse mundo de Deus. Mas não foi esse o desejo de Madame Jovina. Que assim seja. Sua vontade será cumprida. Lovelino cumpriu sua sina. Nunca mais sorriu. Passava horas e horas sentado na cama Luiz IV de Madame Jovina olhando sua foto na parede. Dizem às moças que ali trabalhavam que ele conversava com ela horas e horas.

        Conta-se uma fábula, que Lovelino “enricou”. Comprou um titulo de Marques e se tornou o Marques de Lovelino Loreal. Diz também à fábula que ele deixou os cabelos crescerem, brancos, meios crespos. Um enorme bigode que ele enrolava com os dedos. Comprou um jaquetão azul, gravata borboleta, se tornou um profeta dizendo que os fins dos tempos estavam próximos. Não saia do quarto de Madame Jovina. Ali foi encontrado um dia. Sentado. Mas mortinho da silva.  Seus olhos estavam abertos. A olhar profundamente o retrato de Madame Jovina. Um sorriso em seus lábios grossos dizia que havia encontrado o que procurava no outro lado da vida. Ninguem soube mais nada, pois não sabiam também de onde ele teria vindo, se tinha parentes, nada. As moças resolveram fazer uma sociedade da casa. Descobriram uma carta de Madame Jovina. Nela ela dizia que sempre amou Lovelino e ficaram intrigadas. Porque nunca disse isso a ele?

        Setenta anos depois, nasceram em uma cidade chamada Pontal do Amor, no interior do Ceará, dois jovens, filhos de pais diferentes. Ela foi batizada de Jovina. Ele de Lovelino. Um dia se encontram em um jardim da praça da cidade. Ela colhendo flores, ele olhando as borboletas. Dizem, ou melhor, a fábula conta que se apaixonaram e que viveram felizes para sempre. Mas fábulas são fabulas. São contadas por escritores, poetas e trovadores. Eu não posso dizer se é verdade ou não. Que cada um faça sua própria historia e dê o final que achar válido. Para dizer a verdade, eu não acredito em fábulas! Risos.    


Quanto nos cobra o poema:
- por uma sinfonia de metáforas
- por uma visitação à alma
- por um deslumbre de vôos?

Ou desapegado da matéria 
doa-nos, ele, complacente
as suas inefáveis asas?

O preço do poema, senhores,

é o poeta quem paga!


(Luso poemas)

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Meu destino, minha vida.


Vida de drogado

Vagueias pelas ruas,
Perdido em teus pensamentos,
Já não sabes onde moras,
Pensas e agora choras,
Tua vida, feita de tormentos.
Já não te lembras como foi,
Deixaste-a entrar na tua vida.
No início era tudo mágico,
E depois da tua alma esquecida
Não vês como é tudo trágico.
Queres deixá-la e não consegues,
Quem te ajudará agora?
Ela não te irá perdoar
Tinhas tanto para viver lá fora…
E tu preso nela, a amargurar.
Pensas no fim que terás,
Procuras avidamente dinheiro,
Doente e desesperado,
No meio de uma noite escura,
Só a vida de drogado,
Não te permite ver tua figura.

lusos poemas.

Meu destino, minha vida.

                           Disseram-me um dia que precisamos ter sorte para a vida nos sorrir sempre. Nunca acreditei nisso. Não acredito em sorte. Acredito em escolhas. Estas sim decidem nosso destino. Afinal sempre disseram que temos o livro arbítrio para decidir o certo e o errado. Às vezes tomamos um caminho incerto achando que era o certo. Tomamos decisões que nunca deveriam ter sido tomadas. Mas e daí? Voltar atrás? Pensar de novo se a escolha foi correta? Absurdo. Uma vez a decisão tomada não tem volta. Ou tem?
                           Tudo começou quando fiz dezesseis anos. Loira, esbelta, corpo de Afrodite, uma perfeita combinação da mulher perfeita. Acreditava que sabia de tudo. Tinha todas as respostas. Até minhas amigas me achavam uma auto didata. Risos. Não era nada. Se tivesse metade do juízo delas não seria o que sou hoje. Mamãe sempre implicando. Papai ausente. Resolvi estudar a noite. Todos os meus amigos assim o faziam. Minha mãe dizia que deveria continuar no colégio onde estava. Lutavam com dificuldade, mas conseguiam sempre pagar a mensalidade.
                            Foi à conta. No Colégio Santa Maria das Mercês, do Estado, conheci Venâncio. Amor à primeira vista. Risos. Amor? Quem dera se fosse hoje. Mas os jovens acreditam em tudo. Entreguei-me a Venâncio. Como dizem por aí “ficávamos” em todos os lugares. A princípio usava preservativo, depois a paixão tomava conta. Esquecia-se de tudo. Durante um ano foi assim. Mesmo com minha mãe proibindo eu saia com ele. Braços dados, amor daqui, amor dali, paixão, todos sabem como é. Começa assim depois não quero vê-la nunca mais.
                          Não culpo Venâncio. Ele foi à mão do meu destino. Senti que estava grávida. Medo terrível. Precisava falar com minha mãe. Venâncio comprou uns comprimidos que se tomasse abortaria. Medo maior ainda. O Padre Juventino dizia que ia para o fogo do inferno quem fizesse aborto. Não tomei as pílulas. Tomei coragem. Falei com minha mãe. Que mãe eu tenho. – Gracielle, agora não tem volta. Vamos enfrentar juntas. Lembre-se, sua vida vai mudar. Ser mãe não é como ontem. Vamos exigir muito de você.
                         Estava no sexto mês de gravidez quando Venâncio me convidou para fumar um baseado. – É bom! Experimente! Dei uma tragada. Tossi muito. Vamos meu amor, não tenha medo. Isso vai ajudar a você enfrentar daqui para frente sua gravidez. É. Venâncio era um ingênuo. Sempre foi. Começou com um amigo dele. Traficante. Ele não sabia. Fumei um, dois, três e foi só o começo. Achava lindo. Minha mente abria, o céu era mais azul. Os pássaros cantavam como nunca tinha visto.
                         No oitavo mês comecei a dar os primeiros “caldos” com Venâncio. Um medo terrível no início. Depois usava a seringa com perfeição. Foi o princípio de tudo. Ficava relaxada, um mundo continuava azul, o sol lindo, as flores tinham um perfume que parecia o início da primavera em um bosque florido.  Nunca errei a veia certa. Uma vez a bomba entupiu. Estava com uma ressaca grande. Forçava e Venâncio me ajudava. “Bombei” no lugar errado. Passei mal, desmaiei.
                       Após o uso contínuo eu queria algum mais pesado. A droga estava perdendo o efeito. Venâncio perdeu o emprego. Lico Boca Torta queria dinheiro. Nada de graça. Minha decadência já tinha hora certa para começar, risos. Já tinha começado há tempos. Roubava tudo que encontrava em casa e não demorou para que minha mãe e meu pai descobrirem. Não entendiam porque fazia isso. Não sabiam que estava usando drogas. Escondia as marcas em meus braços, escondia tudo. Mas minha mãe um dia me viu prostrada na cama, seminua, gemendo pedido uma picada, só uma eu dizia.
                     Ela chorou muito. Falou com meu pai. Foram super compreensivos. Levaram-me até o padre Juventino. Ele me convidou a fazer parte do grupo dos Acólitos Anônimos. Lá eles também discutiam as drogas. Vi que era uma irmandade de homens e mulheres que compartilhavam suas experiências a fim de resolver seus problemas. Participei em três. Venâncio só foi à primeira. Depois ele desapareceu. Sentia uma falta tremenda dele e mais ainda da embriaguês infernal das drogas.
                      Resolvi sair de casa a procura de Venâncio. Foi a partir daí que começou minha decadência. Agora vivia no submundo e a correr atrás das “paradas”. Encontrei Venâncio drogado na Boca do Lixo. Cracolândia melhor dizendo. Precisava da droga, precisava mais que tudo. Venâncio me aconselhou a prostituir. Mas com aquela barriga não seria fácil. Mesmo assim encontrei homens para fazer um “boquete” por cinco, dez até vinte reais. Meu Deus! Que coisa horrível! Mas logo me acostumei.
                      O dinheiro era pouco. Mudei para o crack. Diziam ser uma droga devastadora. Paciência. Eu não tinha mais escolha. Estava chegando ao fundo do poço. Ao limiar da condição humana. Quando não podia usar o crack falava coisas sem sentido. Davam-me tapas na cara. Riam de mim. Vivia cercado por outros drogados. Centenas deles. Ainda bem que eram mais humanos. Risos. Sim procuravam dividir comigo o pouco que tinham. Venâncio um dia ficou desacordado. A polícia chegou e o levou. Eu ainda podia correr.
                     Comecei a passar mal em uma noite de domingo. As primeiras contrações. Um guarda civil me ajudou. Colocou-me em seu veículo e me levou até o pronto socorro das Clínicas. Deixou-me na porta e sumiu. Perguntaram-me meu nome, minha família, mas eu não sabia responder. O crack tomava conta do meu corpo. Entorpecido. Agora não via mais flores, céu azul, pássaros cantando. Agora era como se fosse meu ar que faltava.
                      Meu neném nasceu duas horas depois. Vivo. Risos. Não merecia isso, mas os médicos disseram que ele podia não sobreviver. Dei o telefone da minha mãe. Ela chorou muito quando me viu naquele estado. Meu pai mesmo o durão que era, tinha os olhos cheios de lágrimas. Cinco dias depois me internaram em uma clinica. Na cidade mesmo. Meu corpo doía o tratamento não me fazia bem. Fugi dali quatro dias depois. Com a própria roupa do hospital fui para a Cracolandia. Fumei logo quatro bolinhas. Desmaiei.
                     Eu sabia que a droga matava. Que os traficantes só pensam em dinheiro. Que a droga oferecia a morte. Mas quem acredita nisso estando drogado? Como reagir? Como acabar com essa alienação terrível? Eu era uma inculta, manobrável, consumível, descartável, distante. A porcaria me fazia bem. Nem pensava mais em meu filho. Nem sabia se era um menino ou uma menina. Sentia-me sozinha na escuridão da noite. Tomava na veia, fumava sem parar. Crack, maconha o que me dessem ou podia comprar. Nem tudo agora me satisfazia.
                    Se eu morresse ali, eu não me importaria. Não tinha mais vida, família, não tinha motivos para sair dali. Ou será que tinha? Fiquei amiga e amante de Lico Boca Torta. Ele no meio dos drogados fazia sexo comigo de todas as maneiras. Eles riam. Outros queriam participar. Uma festa e eu ali, uma maldita prostituta drogada só querendo mais e mais drogas. Minhas roupas apodreceram. Nua os guardas me levaram a delegacia. Lá risadas, escárnio. Uma baixaria sem tamanho.
                   Chamaram minha mãe. Saí correndo nua pela rua. Não conseguiram me pegar. Uma senhora se apiedou. Comprou ali mesmo um jeans com uma blusa. Não precisa de calcinha nem sutiã. Voltei para o meu lar. A Cracolândia. Um mês, dois, três. Queria dormir. Nunca mais acordar. Agora queria morrer. Nada do que fizesse tinha sentido. Nenhuma delas fazia mais efeito no meu corpo. Gritava. Sorria, cantava uma demente a vagar pelas esquinas da vida. Uma drogada isso sim.
                    Conheci Raquel. Uma assistente social. Ficamos amigas. Ela não insistia como as outras para sair dali. Ajudava-me. Trazia comida que eu comia e vomitava em seguida. Meu corpo era pele e osso. Pesava cinqüenta e nove quilos. Agora nem trinta. Trouxe roupas. Deu-me um banho na rua mesmo. Com esponjas. Raquel, meu anjo! Caída do céu! Um dia chorei, chorei muito. Deitei em seu colo. Ela me afagou. Nunca perguntou pela minha família. Nunca me forçou a nada. Era minha amiga assim, do nada. Ou será que era meu Anjo da Guarda?
                    Quando ficava mais de seis horas sem droga, meu corpo tremia uma febre alta, a garganta seca, uma lassidão tomava conta do meu ser. Não sei, mas gostava dos venenos mais lentos, drogas poderosas e quando me entupia delas meus pensamentos e minhas idéias ficavam poderosas, insanas um sentimento de liberdade. Risos. Liberdade? A noite era a minha escuridão da vida. Não era noite, era o meu dia. Zumbís a andar pelas esquinas da morte.
                    Um dia quando Raquel chegou. Chorei. Chorava em prantos. Muitos dos miseráveis que eram meus amigos acorreram a me acudir. Acharam que era a Raquel. Ela não dizia nada, só me afagava. Ela é meu anjo, minha alma, minha salvação. Resolvi pedir a ela que me ajudasse. Queria sair daquele inferno. Não tinha escolhas, que ela fizesse o que bem entender. Era seu trabalho. Beijou-me no rosto. Fechei os olhos e sonhei com minha mãe. E minha filha? Será que estava viva?
                    Ela conseguiu uma internação em uma clinica para dependentes químicos, no campo, próximo a uma cidade que não conhecia. Dirigida pelo pastor Jamilton. Ele e sua esposa eram duas almas bondosas. Ali vi que outras moças como eu tinham muitas historias. Eu as ouvia. Parecia que não havia diferença entre eu e elas. Quando cheguei ali achei que não tinha mais dignidade, valor pela vida. O vicio maldito não me abandonava. Daria tudo por uma picada. Uma só. Gritava, implorava, O Pastor Jamilton e dona Clementina ficavam ao meu lado. Dando-me forças.
                  Com uma semana diminuiu um pouco aquela vontade louca de me drogar. Mas estava longe de alcançar o ideal e voltar para minha casa. Só no segundo mês avisaram minha mãe. Tinha encorpado um pouco. Agora com trinta e nove quilos. Diferente de quando eu cheguei com vinte e três. Ela me abraçou. Meu pai também. Ficamos os três abraçados por um longo tempo. Toda semana eles vinham. Raquel também vinha uma vez por semana. Dizia que não podia ficar comigo muito tempo. Muitas outras pessoas precisavam de sua ajuda.
                 Já se passaram cinco meses. Estou com quarenta e oito quilos. Dizem que meu sorriso voltou. Dizem também que me tornei amiga de todos ali. E uma tarde chegou um automóvel. Surpresa! Bela surpresa! Venâncio tinha sido convencido por Raquel a ir para aquela clinica. Nunca aceitou, mas quando soube que estava ali, resolveu experimentar. Eu ficava ao lado dele constantemente. Autorizada pelo Pastor Jamilton.
               Um ano, dois, três e eu e Venâncio nos casamos. Ele trabalha em uma loja de calçados. O proprietário evangélico aceitava a pedido do Pastor Jamilton ajudar as pessoas drogadas. Sabia que a maioria não ficava lá. Recebiam o primeiro pagamento e voltavam de novo para a Cracolandia.  Isto não aconteceu com Venâncio. Quatro anos depois ele era gerente da loja. Mamãe sempre trazia Neusinha para ficar comigo. Minha filha!
               Agora moramos os três juntos. Uma família feliz. Longe das drogas. Espero que seja para sempre. Não digo que nos recuperamos. Longe disso. Mas eu e Venâncio somos um só. Amamos-nos muito. E Neusinha então? Era nossa luz, nossa estrela a indicar o novo caminho. Os novos tempos que já nos deram a alegria de volta e irão sempre trazer a brisa gostosa da manhã, a respirar pela janela da minha casinha e não mais na rua suja do passado.
                Ainda lembro-me dos meus amigos que lá ficaram. Rezo por eles todos os dias. Sei que não é fácil abandonar o vicio. Muitos já terão morrido. Outros irão morrer logo. Sei que Deus na sua suprema bondade irá amparar a todos. Eles sempre terão o direito de voltar aqui de novo. Uma nova vida. Um novo recomeço. Pois assim é a vida. Nascer, viver, morrer. Nascer de novo, pois esta é a lei!

A vida de um drogado


Mais um dia...
Será que vai ser o último?
Acordo com um bófia, a pontapear-me,
Lá vou eu, ver se uns trocos consigo arranjar...
Se não me derem, vou ter mesmo de roubar...
A hora da dose ta a chegar,
Ainda tenho de arranjar dinheiro, para a ir comprar...

Hoje ta tudo de pernas pro ar
Nem uns míseros tostões consegui arranjar,
Não me sinto com forças, para esperar
Vou ter mesmo, de roubar...

Tenho o interior do meu corpo em desespero,
Aqueles bichos de baixo da pele põem-me louco,
Estou todo arranhado, esta cena dói, e não é pouco

Mais uma vez roubei
Foi muito fácil, aqui nunca pensei
A bolsa da "velha", tava recheada
Já vai dar para uma dose, bem abonada

Já ta ali o gajo, á mesma hora de sempre,
É agora menino riquinho, á conta da gente,
Enfim, andam a ganhar dinheiro desta forma indecente...

Já tenho tudo o que preciso, a colher, a prata e o limão...
E esta grande dose, toda na minha mão...

Ah! Que sensação, depois de injetar parece que sou o dono do mundo...
E sem ela, não passo de um drogado vagabundo...

Vem um homem na minha direção,
O quer ele, de mim? Que não passo de um ladrão,

Era o filho da Cota, que gamei,
Deu me tantas, que nem me levantei...
Agora estou aqui, dolorido por dentro e por fora,
E fico aqui á espera que chegue a minha hora...
Cathia Chumbo.

sábado, 8 de novembro de 2014

Uma historia de amor perdida no tempo


Uma historia de amor perdida no tempo

"Há homens que têm patroa.
Há homens que têm mulher.
E há mulheres que escolhem o que querem ser."

Os ventos que às vezes tiram
algo que amamos, são os
mesmos que trazem algo que
aprendemos a amar...
Por isso não devemos chorar
pelo que nos foi tirado e sim,
aprender a amar o que nos foi
dado. Pois tudo aquilo que é
realmente nosso, nunca se vai
para sempre...


Um conto baseado em uma historia impossível 

       
               Leonora, trinta e quatro anos, morena jambo, cabelos castanhos curtos, lábios carnudos, corpo bem feito, muito bonita. Quando passava próximo a minha casa, eu a via no seu porte altivo. Um olhar arrogante olhando sempre em frente. Quem a via não sabia o que se passava em sua mente. Ela planejava, era uma maquina trabalhando sem cessar. Buscava uma solução, um milagre. Sua vida pelo avesso. Dificuldades, sentimentos doidos, casamento fracassado, amigos distantes, credores ligando, ameaçando. Sua vida cada dia piorava. Só mesmo uma surpresa amiga que nunca esperou.

        Nunca teve vida fácil. Nasceu de um parto difícil, lá pelas bandas do norte estado sofrido,  cidade pequena, onde seu pai era já falecido nunca teve nada. Lutara com dificuldade desde pequena. Sua mãe a protegia muito. Seu pai não. Era severo, cara amarrada, fazia tudo que ela não queria. Não a deixava sair de dentro de casa, não tinha amigos e só foi para o colégio com oito anos. Mesmo assim a vigiava entrar e sair. Ele mesmo fazia questão disso todos os dias.

       Cresceu, virou mulher, sonhando em sair de casa, ter a sua, seu homem, mas esse dia não chegava. Terminou a oitava série. Era bonita, muito. Todos os homens corriam para ela. Ela criteriosa escolhia. Seu pai morreu numa tarde de setembro. Dia frio. Ela não chorou. Poucos compareceram ao seu féretro. Um ano depois, sua mãe amasiou com outro. Era um casal feliz. Ela passou a amar o padastro. Suas irmãs a adoravam. Eram grandes amigas.

      Por um capricho do destino, mudou de cidade. Sua mãe a expulsou. Por causa de nada. Não confiava nela. São pequenos pedaços de historia mal contada. Conheceu um homem. Rude, não sabia se gostava ou não dele. Bruto, sem cultura, mas seu coração batia por ele. Mas naquele momento era sua bóia naquele mar revolto. A primeira decepção. Sua mãe vivia dizendo do valor da virgindade. Colocou-a sem mais nem menos para fora de casa porque duvidou dela. Como se ela fosse uma mulher qualquer. Sabia de sexo o que tinha lido. Ele lhe fez um convite. Ela curiosa aceitou.

     Levou-a a um motel de terceira. Feio, fedido. Ela não se sentiu bem. Aquilo não era o que esperava. Entraram. Um quarto sem janelas. Cheiro ruim marcas na cama no chão na mesinha. Ele colocou em um filme pornô. Ela olhou. Primeira vez, quem sabe aprenderia. Ele ficou nu na cama. Ela olhou e assustou, ele nu na cama, medo, horror. Nunca tinha visto. O que fazer?

Deitou com ele. Só com roupa de baixo. Ele a forçou. Ela o empurrou. Não era aquilo que pensava como seria a primeira vez. Levantaram e se foram sem fazer sexo. A semana não foi boa. Sua mente sempre voltava aquele motel. Ficou noiva dele. Será que iria dar certo? Ela sonhava com isso. No fundo achava que gostava dele. Não aquele amor que lia nos romances nas novelas.

    Casaram-se. Houve sexo. No inicio nada bom. Depois ela sentiu que ele não tinha experiência. Ele a possuía com força. Não era e nunca foi carinhoso. Satisfeito virava e ia dormir. Se ela sentia ou não, ele não importava. O tempo foi passando, o primeiro filho, o segundo e ela pensava se teria futuro.

      Sua família fora do casamento não era muito unida. Se se preocupavam com ela, não sabia. Uma bela tarde soube que sua mãe tinha morrido. Suas irmãs casaram-se e não soube mais delas. Ela verteu lágrimas, gostava muito da mãe e de suas irmãs. Criou os filhos com dificuldades. Uma lutadora. O tempo passou, doze anos para ser exato. Largou o emprego fixo para uma aventura. Iria tentar nunca desistiu. Comprou um pequeno negócio.

        Com dificuldade, não tinha capital, mas arregaçou as mangas e foi em frente. Seu casamento estava no fim. Queria mudar de vida, viver com e para seus filhos. Sem ele. Mas eram doze anos de casada. Uma vida. Seus filhos não entendiam o porquê das brigas, das discussões, da sua tristeza.

        A cada dia mais seu casamento piorava. Ela era jovem, bonita, glamorosa, simpática, chamava atenção quando seu olhar firme de olhos amendoados sorriam para alguém. Atraia atenção. Muitos homens a queriam. Clientes que iam beber alguma coisa a olhavam com volúpia nos olhos. Ela via em algumas ocasiões um ou outro que poderiam lhe chamar a atenção. Olhe, não fiquei sabendo se ela teve ou não um caso. Nunca me falou sobre isso. Hoje, aqui em minha casa, eu e ela sentados nesta varanda em frente à praia das Palmeiras, conversamos sempre. Mas ela não diz nada.

       Seu marido era um homem sem cultura. Tentava de todas as maneiras ajudar, mas brigavam muito. A princípio até que foram felizes. Ela chegou até a gostar dele. Ele era perverso. Exigia muito dela. Um ciúme doentio. Agora faziam sexo por fazer. Ela não tinha mais nenhum interesse por ele. Quando ela me contava isso, eu não sei. Acreditava, pois sempre a achei sincera.

        Não sei por que estou contando isso. Ela é uma grande amiga. Gostamos muito um do outro como pai e filha. Visita-me sempre. Vem sempre a minha casa. Nunca tivemos relacionamento. Sou viúvo, moro de frente para o mar. Coisa que adoro. Gosto de ficar aqui, olhando as ondas jogando na praia, o vento soprando. Aqui eu costumo ficar até altas horas. Varias vezes dormi pensando em Maria. Sei que isso não vai trazer ela de volta. Mas minhas lembranças são minhas. Minha cadeira de balanço de palhinha que vive comigo a mais de 40 anos é minha companheira de nostalgia.

       Leonora estava em grandes dificuldades. Não tão grandes assim, ela uma mulher lutadora iria vencer. Mas sentia falta de um companheiro que lutasse ao lado dela. Contou-me que tentou muito. Mas o dialogo tinha chegado ao fim. O sexo ela sentia como obrigatório. Não gostava mais. Não acreditei muito nisso. Acho, no entanto que ela era honesta comigo. Agora só fazia quando ele insistia. Durante o dia, vinha para almoçar, e sempre lá estava ele, flertando com uma vizinha. Não tinha ciúmes acreditava que não era certo. Falou com ela um dia, foi franca, gosta dele? Pode levar! Achei graça.

        Era uma luta. Uma grande luta. Cuidar, criar e sustentar três filhos não era fácil. Levantava cedo, abria sua loja, voltava para fazer as refeições, cuidar da casa, a tarde voltava de novo. Clientes, crianças gritando, correndo dentro do seu estabelecimento a enervava. Gostava de ficar ali, na telinha, no computador ou no seu celular moderno, vendo e ouvindo tudo que encontrava na internet. Tinha amigos, recebia email, sorria, piscava seu olhos castanhos, mastigava uma bala, trabalhava. Assim era Leonora. Uma mulher de verdade.

        Ontem veio me contar, uma historia fantástica. Rocambolesca mesmo. Não sei se acreditei. Era inverossímil. Impossível mesmo. Mas partindo dela, porque não? – Olhe, ela me dizia, apaixonei por um homem, que nunca vi, nunca senti seu calor, seu aperto de mão, sua respiração. Eu vejo sua foto, algumas muitas antigas, quase não mostra o que é hoje. No entanto ele é para mim real. É Leonora, sua fantasia de mulher que sonha em conhecer algum dia seu príncipe encantado, desta vez passou dos limites.

        Ele é atencioso, educado, parece simpático. – continuou. Sei que tem mais de setenta anos, mas me parece ter uma saúde de ferro. Diz-me coisas lindas. Respeita-me, diz que gosta de mim. - Eu fiquei em dúvida. Acho que Leonora está indo para um caminho sem volta. Isso não existe. Não se pode amar uma fantasia, um fantasma, mesmo que ele seja de carne e osso, mas cuja pele você nunca sentiu e que nunca viu. Ela ria. Aquele sorrindo lindo, ardente. Olhe, vou lhe contar uma coisa, se fosse mais novo, pediria ela em casamento. Acho que ela apesar de pura nos pensamentos para comigo, devia ser ardente, fogosa, uma mulher que todo homem sonha.

       Leonora voltou mais algumas vezes em minha casa. Sentávamos sempre a varanda, olhando o mar, as ondas, o som do vento balançando as árvores. Sempre me contava do seu homem. Do seu amor por ele. Ficava abismado com sua maneira de dizer, de contar. Ela sorria sorriso de menina apaixonada. Ainda persistia Leonora? Dizia eu. Ela sorria de novo, com aquele seu jeito espalhafatoso de dizer – Claro amo ele, gosto dele não sei viver sem ele. Olhe passo os dias pensando só nele, é o sol da minha vida. O meu acordar das manhãs.

       Pensei comigo, pobre Leonora. Apaixonou-se por uma tela de computador. Alguém que não existe. Será que isso vale à pena? Um Engodo. Uma enganação. Achei que alguém a estava tapeando. Mas a mulher, principalmente Leonora, acreditava que aquela ilusão era real. Sonhava com ela. Comprou um celular e quando não estava na sua loja, ligava para ele de qualquer lugar. Gastava, gastava sem poder. Incrível um amor assim. Em meu pensamento não podia idealizar o que não existe.

     Leonora era simples. Claro uma mulher forte. Agora, aproximando da maturidade dos 34 anos, ela se portava como uma pantera, ágil, forte, mostrando que não era para qualquer macho do seu bando. Não sei se ainda interessa por sexo. Ela não me contou. De seu marido ela não esperava mais nada. Mas mesmo com muitas cantadas de outros, não aceitou nenhuma. Olhe, não sei se é verdade. Leonora era fogosa demais, se mostrava sempre como uma gata no cio. No seu subconsciente contava uma coisa, mas eu mesmo pensava que haviam outras.

       Ria desbragadamente, quando as tardes, ficava comigo na varanda, esperando o por do sol que se estendia no vasto azul do mar. Era um espetáculo novo para mim todos os dias. Vivia ali a mais de 15 anos. Diziam que morar ali era solidão de quem perdeu o bem amado. Não sei. Nunca esqueci Maria, minha esposa que morreu de câncer. Eu a amava mais que tudo. Nenhuma mulher a substituiu e nem iria substituir. Ali todas as tardes eu a via, saindo do mar, no seu vestido rosa, aquele que usava quando a conheci. Eu tinha poucos amigos. Leonora era a mais próxima. Gostava muito dela. Sempre a respeitei. Nutria um sentimento de pai para filha.

Lembro-me bem quando entrei em sua loja, e me deparei com ela. Lembrava quando passava em frente a minha morada. Por um motivo que não lembro bem, precisava fazer uma consulta de um pequeno gerador que queria comprar para minha casa. Faltava sempre luz e apesar de gostar do escuro e da solidão, achava que precisava ter um. Entrei e me deparei com aquela linda mulher. Adorei suas maneiras. Tratou-me como se fosse uma amiga de longa data. Conversamos banalidades, fiz o que pretendia e me fui. Lembrava-me sempre dela.

      Um dia, passando perto voltei lá. Conheci seus dois filhos. Os convidei para um domingo almoçar comigo. Foram. Nasceu uma grande amizade. Hoje, passado alguns anos ela sempre me procura. Não me considera um conselheiro, pois não vai à busca de conselhos. Mulher determinada nunca pede isso. Ela eu acho gosta de mim por ser bom ouvinte. A sua maneira é sincera. Conta tudo, até os detalhes mais sórdidos. Fiquei perplexo com certos detalhes que me contou. Mas era assim Leonora. Uma mulher de verdade.

Grande Leonora. Uma grande mulher. Ficou dias e dias amando sua ilusão. Uma quimera. Desmaio de segunda em seus braços. Flor que não desabrochou na primavera. Em seu devaneio via seu amor em todo o lugar. Dizia que o sentia que sabia como era seu toque. Sonhava com ele em todos os lugares por onde andava. Eu não ria, não podia, não era assim que a tratava. Gostava dela, me sentia feliz, extremamente afortunado para não dizer bem-aventurado por ter sua amizade.

       Alguns meses depois, ela chegou. Com os olhos vermelhos. Chorou ali, copiosamente naquela tarde de maio, inverno rigoroso. Disse que seu sonho acabou. Nada mais existia. Tentei saber o porquê, mas ela não disse. Seus olhos negros grandes como jabuticabas colhidas nas grandes matas escondidas nas extensas florestas verdes do amazonas, deixava escorrer lágrimas. Não pude dizer nada. Nada havia a dizer. Dizem que chorar faz bem. Eu quando perdi minha mulher não consegui chorar. Quem chorou e chora até hoje, é meu coração. Ficamos ali, ouvindo o anoitecer coberto pelas estrelas no céu. Uma brisa correu em seus cabelos, e ela sentiu um calafrio. Leonora estava silenciosa. Nada dizia. Olhava para o céu e mais lagrimas corriam no seu lindo rosto.

       Foi embora. Ao levantar, me olhou, e chorando disse. - Ele se foi. Meu único e grande amor se foi. Desejei morrer quando soube. Ele dizia que me amava, não sei. Acho que amava todas as mulheres. Disseram-me que morreu sorrindo. Foi melhor. Acho que foi o destino que quis assim. Deus não foi bom comigo. Desejei tantas coisas na vida, o único homem que amei, queria tocá-lo, sentir o calor do seu rosto, sentir o seu sorriso, ouvi sua voz umas poucas vezes e não pude vê-lo. Perdi o único homem que amava. O queria muito. Sempre pensei que um dia teria ele comigo em carne e osso. Ele sempre dizia não. Sei que sou infeliz. Perdi alguém que não podia perder. Que esteve ao meu lado longe de mim. Gostava dele, falar com ele. Agora só tenho meus filhos que muito amo. Ajudam-me a viver.

       Pobre Leonora. Também chorei por ela. Uma pequena lágrima escorreu pelo meu rosto. Gostava dela, minha única filha que nunca tive. O que ela sentia eu também sentia. Mas o amanhã nunca morre tudo tem seu tempo e sua hora. Sei que iria esquecer. A alegria de Leonora se foi. O tempo quem sabe vai fazê-la recuperar. Ao seu modo foi feliz por um mês ou dois não sei. Amou alguém que era uma ilusão. Manteve na mente um amor impossível.

      Nunca me contou quem era de onde era. Isto ela guardou para sempre. Hoje, perambula entre sua casa, seus afazeres, sua loja. Não sei se separou do marido, não sei. Só me disseram que fica horas e horas de frente para o computador, muitas vezes desligado, ou então ouvindo musicas que achei que antes não gostava. Quando estive lá, ela estava ouvindo “A montanha azul dos grandes amantes”, eu conhecia. Era uma paródia romântica de Stavivinsky. Ou melhor, Igor Fiodorovitch Starvinsky, um grande compositor russo. Ou então ouvia Somewhere in time (Em Algum Lugar do Passado) e chorava copiosamente.

       A vida é assim, feita de sonhos de pedaços de historias que não existem, mas que resistem ao sabor do tempo, na memória daqueles que puderam um dia vive um grande amor. Grande Leonora. Espero que seja feliz. Muito feliz. Ela merece e muito. Faz tempo que não a vejo. A última vez que esteve aqui, quase não falou. Pediu para colocar Have I told You Lolely, com floid Cramers, um grande pianista que tocava divinamente musicas românticas. Eu tinha o CD, Ela ficou horas e horas olhando para o mar. Ouvindo a melodia e chorava baixinho.

        Naquele dia, não ouve por do sol, os pássaros noturnos não gorjeavam. Uma chuva fina caia sobre o mar. Um véu cinzento cobria a encosta da montanha ao longe. E ela, Leonora, chorava copiosamente. Descanse minha filha. Linda e Bela Leonora. Também fiquei ali. Mudo. Sem nada dizer. Só as recordações dela e minha faziam do silencio uma memória viva da realidade!

Quero Amar-te

Quero amar-te como ninguém te amou;
Em toda a parte quero ter-te sem fim;
Como se fosses tu uma parte de mim;
Amar-te até desconhecer quem sou;

Quero encontrar-te se ninguém te encontrou;
Passear contigo entre as flores do jardim;
Colher as mais perfumadas que o jasmim;
Para que por ti saibas quem se apaixonou.

Quando te imagino sabes o que eu vejo:
Alguém que encheria todo o meu ego;
Por isso encontrar-te é o que eu almejo.

E se não podes amar-me por medo
Aqui te deixo um secreto desejo:
Seremos amantes em grande segredo!

Ass: amante virtual

          


sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A calcinha de renda vermelha de Lola.



CALCINHA
De renda sua textura
Moldando pele macia
Traduz sonhos na cama escura
Enquanto eu lhe tiraria
Perfumada pelo desejo
Eu te arranco com um beijo
Arrepiando seus sentimentos
Desvendando seus momentos
Calafrios em pensamentos
Que num toque se entregou
A essência do amor
De quem veio e lhe beijou.
Everson Russo


A calcinha de renda vermelha de Lola.

                      Lola, apenas um nome. Sua mãe nunca lhe disse o porquê. Era um mistério, de onde surgiu? Afinal Lola era uma menina de dezessete anos, morena magra, sem formosura, seios pequeninos, pernas finas, cabelos encarapinhado e o pior, era pobre. Mas conseguia sustentar sua mãe que vivia em uma cadeira de rodas. Trabalhava em casa de família como diarista e nunca pensou em ter um namorado. Ela entendia como era e sabia que nenhum rapaz um dia iria se interessar por ela. Cresceu assim ali naquele bairro pobre, e só Valeria como amiga. Valeria era diferente. Mais espevitada. Saia à noite para as baladas e voltava tarde. Seus pais acostumaram com tudo e virou rotina na vida dela. Convidou várias vezes para ela ir também, mas Lola sabia que não seria bem vinda. Sabia que era feia, corpo magro e quem poderia se interessar por ela?

                     Ramon era seu vizinho. Nascera ali ao lado da casa de Lola. Nunca foram amigos, pois Ramon também era meio esquisito. Não gostava do bairro que nascera e sabia que quando terminasse a faculdade ele iria embora dali. Trabalhava no Banco do Estado, serviço simples e salário pequeno. Quase todo gasto na faculdade São Judas no seu curso de Arquitetura e Urbanismo. Não sabia que teria possibilidade de algum dia ser um arquiteto famoso e isto não o incomodava. Queria trabalhar em um lugar onde fosse respeitado e que pudesse mostrar seu valor profissional. No banco não passava de um office-boy e poucos o respeitavam. Um dia Ramon ficou encucado. Tudo porque ele viu pendurado no varal da casa de Lola uma calcinha de renda vermelha. Seria dela? Teria que ser. Sua mãe nunca iria vestir uma calcinha assim. Ficou pensando nela com a calcinha de renda vermelha. Tentou fazer dela uma mulher sensual, mas não conseguiu. Não dava, Lola era o que é e nunca seria uma mulher atraente usando uma calcinha de renda vermelha.

                    Foi Valeria quem inventou tudo. – Lola, nem sempre o corpo é tudo, o que o envolve também. Vou lhe dar uma calcinha de renda vermelha que tenho. Você não vai usar. Pendure-a no varal. Todos que passarem irão ver sua calcinha. Ficarão intrigados como você seria usando esta calcinha. Vai ser divertido saber que pelo menos terão pensado em você e quem sabe alguém poderá ter tesão? Lola riu. Tesão minha amiga? Nunca. Não com este corpo. – Valeria disse – Olha Lola sem querer ofender, mas para todo chinelo Velho tem um pé que adora ficar ali. Quando Valeria saiu deixando a calcinha de renda vermelha na sua cama, Lola olhou bem para ela. Riu pensando como ficaria vestido com ela. Ficou tentada. Sabia que não iria ser nenhuma beldade, mas a vontade chegou e foi tanta que ela se despiu e olhando no espelho foi colocando devagar a calcinha. Passou pelos seus joelhos e ali ela deixou parada. Viu seus ralos pelos cobrindo sua nudez entre as coxas. Fechou os olhos e pensou que poderia estar sendo observada por um homem em algum lugar.

                    Pela primeira vez Lola sentiu sua condição de mulher. Teve desejos. Teve vontade de abraçar alguém, sentir o seu cheiro, teve vontade de ser possuída. Mas não sabia como. Nunca fora. Era virgem e nem tinha ideia de como seria. Abriu os olhos e se viu no espelho nua, tendo a cobrir-lhe as partes íntimas uma calcinha de renda vermelha. Tirou logo e não olhou mais no espelho. Vestiu seu vestido Velho de chita barata e saiu para o trabalho. Ninguém iria trabalhar para sustentá-la e uma vertigem erótica não poderia substituir o pobre dinheirinho que iria ganhar naquele dia. Saiu e viu muitos vizinhos olhando para ela. Sentiu vergonha. Alguém teria visto ela só de calcinha? Impossível. A janela estava fechada. Voltou e só de raiva pegou a calcinha de renda vermelha e a colocou no varal.

                   Valeria quando chegou à tardinha riu quando viu a Calcinha de renda vermelha no varal de Lola. Foi até lá, mas ela ainda não havia chegado do seu trabalho. Mais tarde iria comentar com ela como todos os vizinhos estavam alvoraçados com a calcinha de renda vermelha presa no varal do seu quintal. Valeria não viu mais Lola naquela noite. Saiu como sempre fazia como uma mariposa noturna em busca de sua diversão, dos homens que amava. Nem prestou atenção na calcinha de renda vermelha que estava presa no varal do quintal de Lola. Naquele noite Ramon chegou tarde da faculdade. Quando ia entrar em sua casa reparou que a calcinha vermelha estava lá. - Que coisa pensou. Uma calcinha de renda vermelha a me importunar? Queria esquecer Lola e sua calcinha de renda vermelha. Tomou logo uma ducha fria. Precisava. Sentia que seu corpo tremia. Desejos? Como? Por Lola? Riu só de pensar. Não era Lola, era a calcinha de renda vermelha. Ela sim lhe dava uma sensação enorme de possuir Lola. Não iria olhar em seu rosto, iria esquecer seu corpo magro e sem graça, estava encantando era de ver Lola vestida com a calcinha de renda vermelha.

                       Por vários dias a Calcinha de renda vermelha de Lola não saia da cabeça de Ramon. Até seus estudos estavam prejudicados. Na sala de aula da faculdade ele não se concentrava. Não tinha jeito. Ele tinha de ver Lola com a calcinha de renda vermelha. Enquanto isto não acontecesse ele não teria paz. Era um jovem tranquilo, calmo e sempre respeitador até mesmo em seus pensamentos. Agora não era mais assim. Passou a se masturbar com frequência sempre a pensar em Lola com sua calcinha de renda vermelha. Em seus sonhos eróticos a possuiu em todos os lugares. No cinema, no motel, em sua cama, na cama dela e em bosques de parques da cidade que conhecia. Lola, Lola e sua calcinha vermelha de renda. Tomou uma decisão. Iria conquistá-la. Acontecesse o que acontecesse. Mas iria demorar a conquista. Ele não podia chegar a ela e dizer – Lola, eu estou louco por você. Vista sua calcinha de renda vermelha e deixe-me olhar. – Não isto é coisa de doidos. Mas como conquistá-la? E a vizinhança o que iriam dizer? Afinal ele era um guapo bonito e tinha muitas moças do bairro que faziam tudo para um convite dele. Bastava ele sorrir e piscar os olhos que elas vinham correndo.

                       Aquele dia não foi trabalhar. Ficou na varanda de sua casa esperando Lola sair ou chegar. Meio dia, quatro da tarde, seis e nada. Lola não aparecia. Ele não sabia, mas Lola o observava sorrateiramente atrás da cortina de sua casa. Ela também sonhou com ele. Um sonho lindo, ela sendo possuída pela primeira vez. Ele um cavalheiro entrou devagar para não machucar. Afinal Lola era virgem e sempre dói na primeira vez. Ele foi calmo. Sentiu sua dureza em seu íntimo. Sentiu suas caricias seus beijos e ela pela primeira vez chegou a um clímax que nunca tinha chegado. Acordou suando. Isto era errado. O que Valeria tinha feito? Era feitiço? Era apenas uma calcinha de renda vermelha, mas que transformou Lola e Ramon. Ambos sabiam que queira ou não um seria do outro. Teriam que fazer o que todo homem e mulher fazem. Lola sabia que quando Ramon a convidasse ela aceitaria no ato. Não precisava de preliminares. Ela queria ser possuída. Seja como for ela nunca pensaria mal dele.

                        Ramon não aguentou mais. O dia inteiro esperando Lola chegar ou sair. Resolveu tomar uma decisão. Foi até sua casa. Bateu e a porta se abriu. Ele viu o céu a sua frente. Lola nua vestida com a calcinha de renda vermelha. Ele não sabia o que fazer. Sem membro endureceu. Ele queria abraçá-la, beijá-la, fazer tudo que achava direito. Mas entrou devagar em sua sala. Lola morena estava vermelha. O que Ramon poderia pensar dela? Receber ele assim nua só de calcinha de renda vermelha? Ela não era uma mulher de vida, não era uma moça oferecida. Ela era uma moça direita, virgem e que sabia não ter atrativos, mas aquela calcinha de renda vermelha a transformou. O jovem mais bonito do bairro a queria. Ela sabia disto. E depois? Sabia por ter lido que após o ato muitas vezes vem o arrependimento. E se ele se arrependesse? Seria só uma vez? Valeria a pena? Pelo sim e pelo não pegou ele pelo braço e o levou ao seu quarto. Ele fechou a porta devagar, olhou para ela nua só com a calcinha de renda vermelha.

                         Parece que o mundo explodiu em goso. Um goso gostoso, animalesco, um goso de um homem e de uma mulher. Ramon achou que estava voando no céu. Achou que seu corpo estava experimentando um êxtase nunca antes conquistado. O assalto não foi uma única vez. Ele assaltou seu corpo por varias vezes. Não falavam. A cúpula era uma atrás da outra. Como ele conseguia? Mas ele estava extasiado com aquela mulher e ela extasiada com ele. Nunca pensou que o ato fosse assim. Sempre teve medo sempre correu dos homens, pois nunca pensava em ser possuída. Ramon sentou em sua cama. Colcha branca agora vermelha como sua calcinha de renda vermelha. Não se arrependeu. Para ele Lola era outra moça. Não a achou mais feia, magra sem graça. Ele a queria para sempre. Um amor diferente estava nascendo. Ela também sentia o mesmo.

                           Na rua ela andava agora diferente. Olhava a todos como se fosse uma vencedora. Não era mais uma moça, agora era uma mulher. Ramon também mudou. Era outro homem. Sabia que tinha encontrado a mulher dos seus sonhos. Não esquecia a calcinha vermelha de renda. Formou-se e se tornou um famoso arquiteto. Sempre corre para casa as pressas para encontrar Lola. Seus desejos eróticos se mantinham firmes. Todas as noites ele a possuía. Ela gemia de prazer quando ele lhe tirava a calcinha de renda vermelha devagar. Devagar para não rasgar. Ambos sabiam que era uma calcinha de renda vermelha encantada. Ela foi à razão deles se tornarem amantes e agora casados viviam a vida de um casal em plena felicidade. Feliz para sempre. Nem mesmo Jô, Martinho e Lolita seus filhos tiraram seus prazeres secretos. Eles sabiam que quando o pai chegava se trancava no quarto de sua mãe. Saiam de lá sorrido, de mãos dadas como se tivessem feito o grande amor de suas vidas.

                     A calcinha de renda vermelha, guardada sozinha em uma pequena cômoda feito só para ela sorria. Sabia que todas as noites ela seria usada. Mas não foi encantada por uma feiticeira que sentia falta de um grande amor? E agora ela parecia viva, sabia que estava ali por pouco tempo. Até a hora que Ramon ia chegar e amar Lola. Assim termina a história. A história de uma calcinha de renda vermelha que fez um casal feliz por todo o sempre.
CALCINHA
Ah que calcinha linda
De renda nunca foi não
Os fios todos bem justos
Querendo ser proteção
Uma calcinha bem branca
Bem fina de algodão
Fugindo do cós da calça
Deixando-me com paixão
Chateia-me esta peça
Nos dias de muito tesão
Só serve pra dar trabalho
De tirar molhada ou não
Depois do amor já feito
Volta ela ao lugar
Branca, seca, bonita
Fetiche de me matar

João Freitas