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terça-feira, 30 de abril de 2013

A história de Mel que não é mais virgem e virou mulher!




Que mulher é essa
que não se cansa nunca,
que não reclama nada 
que disfarça a dor?
Que mulher é essa
que contribui com tudo,
que distribui afeto, 
tira espinhos do amor!
Que mulher é essa
de palavras leves,
coração aberto, 
pronta a perdoar?
Que mulher é essa? 
Que sai do palco,
ao terminar a peça,
sem chorar!
Essa mulher existe,
sua doçura resiste,
às dores da ingratidão,

Resiste à saudade imensa,
resiste ao trabalho forçado,
resiste aos caminhos do não!
Essa mulher é MÃE,
linda, como todas são.


A história de Mel que não é mais virgem e virou mulher!

                        Vale da Lua estava em polvorosa. Alguém comprou o Sítio do Coronel Gerônimo. Ele jurou que nunca o venderia. Era um belo Sitio. No final da Avenida Sonhos Dourados.  Muitos passavam em frente e ficavam horas olhando. Não havia muros. O jardim imenso. A casa do estilo renascentista era imensa. Dizem poucos sabiam ao certo que atrás da casa existia uma enorme piscina em forma de coração que fazia as delicias dos moradores. Eram para muitos a casa dos sonhos. Quem comprou? Como o Coronel Gerônimo resolveu vender? De boca em boca o assunto do dia na cidade. Vale da Lua era pequena, não mais que vinte e cinco mil habitantes e todos se conheciam. Caras novas que apareciam na Pensão de Dona Dilva ou no Hotel do Seu Francisco todos já sabiam que eram caixeiros viajantes.

                        No dia seguinte chegou uma Nissan preta, com quatro homens que nem pararam na cidade e foram direito para o Sitio do Coronel. No segundo dia chegou um ônibus cheio de operários. O povo todo de porta em porta atrás de uma novidade. Nada. Ninguém sabia de nada. O Coronel Gerônimo passou a morar em sua mansão da Avenida Sonhos Dourados próximo a matriz. Ninguém ousou perguntá-lo nem mesmo seus companheiros das soturnas noites jogando pôquer com o prefeito Santino, o delegado Javier, o juiz Doutor Prazeres e o Padre Thomaz. Algumas vezes valendo altas somas. Em menos de um mês uma reforma foi feita no sítio do Coronel. Cinco caminhões baús enormes despejaram a nova mobília e os especuladores em volta quase nada viam. As comadres corriam aqui e ali. Nada. Ninguém sabia de nada. Um mês e dez dias e os carros rarearam. Chegou sim uma Van, com oito homens de terno, desceram com suas malas. Daquele dia em diante sempre tinha um em cada parte do Sitio.

                         Mel tinha treze anos quando tudo aconteceu. Mel não era linda, era sim uma menina magrinha, cabelos loiros encaracolados e uns olhos azuis que pareciam sair faísca quando se olhava para ela. Era filha única. Sua mãe a adorava, mas seu pai nem tanto assim. Parecia que Mel não era sua filha. Um dia ela viu pelo buraco da fechadura seu pai olhando para vê-la tomar banho. Assustou-se. Por quê? Passou mais dois meses até que um dia ele entrou em seu quarto quando ela trocava de roupa. Gritou com ela. Fique como está. Quero saber se ainda é virgem. Um susto enorme. O que era aquilo? Mel não sabia de nada. Começou a acariciar seu corpo magro. Seu pai emitia sons que a assustaram. Seus dedos passavam em todo parte do seu corpo. Quando levou a mão em seu sexo ela gritou. Ele assustou e saiu do quarto. Não foi a primeira vez. Ele entrava e exigia que ela ficasse só de calcinha enquanto ele se masturbava. Mel chorava de cabeça baixa.

                        Mel passou a ter medo do próprio pai. Esperava ele sair para tomar banho e trocar de roupa. Sabia que não podia contar para sua mãe. Ela nunca acreditaria. Pela janela Mel namorava Nonô, um rapazinho que aprendia a fazer pão na Padaria do Seu Ernesto. Ela gostava dele. Ficava na janela e ele em pé no muro da casa do Seu Antenor bem em frente. Ele fazia sinais e ela ria. Um dia sentiu uma lambada nas costas. Doeu muito. Era seu pai. “Vagabunda!” – Ela correu para seu quarto. Ele foi atrás. – Gritou alto – Tire a roupa, fique só de calcinha em cima da cama – Já! Se não vou te moer de pancada! – Ela começou a chorar, mas obedeceu. Ele não se aproximou dela. Ficou olhando. Tirou seu sexo enorme, e latente e de novo se masturbou na frente da filha.

                           Mel tentou falar com sua mãe. Ela gritou mais alto. Mentirosa! Seu pai é um santo! O que fazer? Procurou o Padre Thomaz. No confessionário contou tudo. O padre a mandou rezar padres nossos e ave Marias e depois procurá-lo na sacristia. A igreja estava vazia. Ela entrou. O padre mandou que ela sentasse em seu colo. Ela acreditou que ia ser consolada e o padre iria conversar com seu pai. Não era assim. Nunca foi. Ela sentiu o membro do Padre entumecendo. Sentiu as mãos do padre acariciando seu corpo. Ele pegou em sua mãozinha e colocou em volta do seu membro. Um susto, nunca pensou que isto pudesse acontecer. Saiu correndo. Agora passou a ficar com medo de estar em casa sozinha. Não tinha amigas para onde ir. Esperou Nonô sair do serviço na padaria. Ele se assustou. Contou para ele tudo. – Resolveram fugir da cidade. Ir para onde? Ela disse que preferia morar no inferno. Qualquer lugar serve. Ela não entendia o que queriam com ela. No dia seguinte ela fugiu de casa e partiu com Nonô.

                          Andaram por muitas léguas pela estrada. Ninguém dava carona. Parou um caminhão. Uma carreta, enorme. O Motorista moreno, forte um grande bigode parou e deu carona. Não deu um sorriso. Só olhou de soslaio para Mel. O que vinha a seguir seria a morte para qualquer um. Foi à primeira vez de Mel. Maldito. A possuiu com força na cabine. Doeu de mais. Ela gritou pediu pelo amor de Deus que parasse. Nonô não podia socorrer. Levou um soco e foi jogado fora da cabine. Ela nem sabia se ele estava morto. Mel desmaiou. O maldito depois de horas abusando dela a jogou na estrada e se foi. Mel ensanguentada se arrastava no asfalto. Muitos passaram e assustados não pararam para socorrer. Uma Mercedes preta parou. Desceu um homem pequeno. De terno. Seu rosto tinha uma enorme cicatriz. Pegou Mel no colo e a levou para seu carro.

                         Passaram não menos que seis anos. Mel agora estava com dezenove. Se sorrisse podia se dizer que era linda. Mas Mel nunca mais sorriu desde que foi estuprada covardemente pelo caminhoneiro. Até hoje ela se sentia suja. Nenhum banho a limpava. Morava em uma mansão nos arredores de Paris. Seu novo protetor tentou de tudo para vê-la sorrir. Mel gostava dele. Foi o pai que ela não teve. Apesar da cicatriz ele não era feio. Rico, riquíssimo. Tentou colocar Mel em uma escola famosa para moças na Basileia. Mel não quis. Mel não queria nada. Achava que devia ter morrido. Roodney tentou de tudo. Fez de Mel uma filha que não teve. Sentiu uma enorme revolta quando a encontrou caída na estrada.

                       Nunca contou para Mel, mas ele mesmo fez questão de castigar o caminhoneiro. Naquela tarde parou em um posto de gasolina para abastecer e ver se Mel queria alguma coisa. Ela agora não chorava mais e nem mostrava sentir suas dores. Antes pararam em uma clinica em uma pequena cidade a beira da estrada. Fizeram tudo para ela ficar internada. Não quis. Jurou que ia fugir. Roodney tinha compromisso em Belgrado. Não podia ficar. No posto de gasolina viu um caminhoneiro grande, enorme dando gargalhadas em uma mesa com os outros amigos. Ouviu dele o que tinha feito a uma menina na estrada. Contava como se fosse tudo natural. Roodney o matou com dois golpes mortais de caratê. Ele era um mestre. Não precisou de ajuda. Ele não estava sozinho. Seu motorista e o segurança estavam com ele a mais de dez anos e sabiam manejar qualquer arma.

                        Ficaram um dia em São Paulo. Roodney disse que ia partir para a Europa. Não gostaria de deixa-la ali sozinha sem proteção. Ela o encarou e disse – Me leve com você. Nasceu daí uma grande amizade. Roodney a considerava a filha que não teve. Deu tudo que podia dar. Mas nunca conseguiu um sorriso. Nestes seis anos Mel aprendeu muito. Roodney viajava muito. Mel ia junto a não ser em alguns lugares que ele achava perigoso. Ela já sabia que ele era um grande traficante de armas pesadas. Chegou a armar diversos países sul africanos e americanos. Todas as policias do mundo gostariam de colocar a mão nele, mas não tinham provas. Mel gostava de ficar na Mansão de Paris. Ele tinha também um chalé na Suíça. Ela ia pouco. Não gostava de frio. Um dia sentiu saudades de sua cidade. Chorou porque sentia saudades também de sua mãe. De seu pai não. Comentou com Roodney. Ele sorriu. Deixe comigo, vou comprar a melhor casa de Vale da Lua.

                      Não foi difícil. Tinha um amigo que conhecia o Coronel Jerônimo. Ele estava devendo muito a este amigo. Quando viu a quantia que ofereciam vendeu logo. Comprometeu-se a não dizer para quem vendeu. Roodney depositou para ela uma grande quantia no banco. Um cartão de crédito sem limites. Colocou lá seis seguranças escolhidos a dedo entre seus homens. Lastimer ficou responsável por ela. Era seu braço direito. A acompanhava sempre aonde ela ia. A cidade em peso um dia a viu descer da Mercedes azul sem capota. Ninguém a reconheceu. Um frenesi geral. Fez algumas compras na loja do Turco e no Mercadinho do Zuzinha. Todo mundo nas janelas. - Quem era? Parece linda! Uma princesa? – Mel não conversou com ninguém. Entrou na igreja. O padre Thomaz veio correndo subserviente. Mel olhou para ele – Lembra-se de mim? – Não senhorita! Ele disse. Eu vou te amaldiçoar o resto da minha vida, seu sacana filho da puta!  Ela disse. Você não perde por esperar.

                     O Padre Thomaz passou uma tarde pensativo, preocupado e com medo. Quem era ela? Dormiu e acordou afoito. Mel! Era Mel! Meu Deus! Ela não tinha se esquecido do que eu quis fazer com ela. – Comentou com Matilde que fazia limpeza. Em menos de uma hora a cidade inteira sabia quem era a madona da mansão. Os pais de Mel ficaram sabendo. Correram até a mansão. No portão foram barrados. Mel só deixou sua mãe entrar. Falou pouco. Não contou nada de sua vida. Mel chorou aquele dia. Ela não tinha mais ódio de seu pai e sua mãe, mas achou que ainda não estava preparada para contar sua história. Um dia pela janela avistou um jovem moreno fazendo a entrega de pães. Meu Deus! Era Nonô! Estava vivo. Foi correndo ao portão. Ele quando a viu ficou com medo. Ela o abraçou. Ele tremeu ao ver os guarda-costas olhando sério para ele.

                     Mel ficou amigo de Nonô. Nada mais que isto. Não era mais o homem de sua vida. Mandou chamar seus pais. Comprou uma nova casa para eles. Seu pai sempre a olhava de cabeça baixa. O Padre Thomaz nunca mais apareceu. Pediu transferência para o Bispo. O medo grande de ser espancado pelos guarda- costas. Mel não deu satisfação para ninguém. Uma tarde Roodney chegou à cidade. Junto com ele mais de cem homens. Disse para Mel que ela devia ir embora. Aqueles homens eram mercenários. Iriam se entrincheirar no sitio fazer barricadas, pois uma guerra iria começar. Tudo que impedisse a entrada seria válido – Mas por quê? Disse Mel. – Querida filha, estou cansado de fugir. Vendi para um general fajuto no país pequeno da África diversas armas. Quando eram entregues o exercito do imperador atacou e matou quase todo mundo. Ele acha que fui eu quem deletou. Já tentou me matar em vários países. Agora chega. Não vou fugir mais.

                     Mel se recusou a sair. Ela não acreditava que alguém de outro pais fosse atacar Roodney ali. Afinal ainda havia leis no Brasil. Um exército em atividade. – Vou ficar – Se não fosse você eu teria morrido! Você me devolveu a vida! Quatros meses aquela movimentação de guerra no sitio. O delegado via tudo assustado e comunicou as autoridades na capital. Um general foi enviado para ver o que seria. Ficou estarrecido. Tentou conversar com Roodney e nada. Mandou avisar que traria um unidade do exército. Ou ele conversava por bem ou por mal. Não deu tempo. Zito Mobutu entrou na cidade com mais de trezentos homens. Vale da Lua virou uma praça de guerra. A população corria para o mato, para os morros e quem tinha carro sumia pelas estradas vicinais, estaduais e federais.

                   Cinco dias depois o Exército federal chegou. Mais de cinco mil homens. O General Afonso deu um ultimato para encerrar a luta. Ninguém ouviu o Exército. Uma ordem do presidente e aviões da força aérea bombardearam o sitio e arredores. Em volta centenas de repórteres de jornais, revistas rádios e TVs. Até a CNN estava lá. O Exército invadiu. Uma matança. Dois dias. Cadáveres e cadáveres. A paz voltou. Mais de duzentos mortos. Ninguém se entregou. Uma carnificina. O sitio destruído. Não encontram Roodney e Mel. Sumiram. Ninguém sabia onde teriam ido. Tornou-se o homem mais procurado do mundo. A Interpol tentou em todos os países onde podia agir. Dois anos depois a imprensa já tinha esquecido o acontecido em Vale da Lua. Acharam que Roodney tinha morrido na luta pois vários mortos ficaram irreconhecíveis por causa do bombardeiro.

                     Era uma fazendinha no sul do Pará. Umas oitocentas cabeças de gado, uma boa aguada, o Rio Corrente atravessando a fazenda e Seu Honório e sua filha Larissa viviam uma nova vida. Nonô estava na mansão quando o tiroteio chegou ao auge. Mostrou um caminho onde fugir. Roodney Mel e cinco dos seus homens seguiram Nonô. Compraram o caminhão do Senhor Joelmir, dono de uma serralheria. Nonô foi com eles. Não havia militares na estrada. Compraram a fazenda. Roodney e Mel ou melhor Seu Honório e Larissa viveram ali para sempre. Mel não se casou. Nunca mais foi de ninguém. A sequela do estupro marcou para sempre. Nonô ficou trabalhando na fazenda. Roodney ou melhor Seu Honório dava uma ou outra escapulida até Nova Fonte. Lá se abastecia de algum dinheiro no banco. Sempre fazia transferência de bancos suíços. Não muito. Não queria dar a vista.

                      Mandou fazer um aeroporto na fazenda. Não possuía nenhuma aeronave. Alugava. Um simples telefonema e em menos de duas ou três horas ela estava à disposição. Viajavam muito pela Europa. Deixou crescer a barba. Fez uma operação no nariz e Mel usava lente escura. Não ficavam nos melhores hotéis para não dar na vista, mas não deixaram de viajar por todos os lugares que desejavam. Viveram por muitos e muitos anos, dizem que morreram já na velhice de “morte morrida”.  Os pais de Mel morreram sem ter a presença dela. O padre Thomaz foi encontrado enforcado um dia no quintal igreja. Ninguém nunca soube o porquê. E assim terminada a história. A história de Mel que não é mais virgem e virou mulher!

Soneto da mulher inútil

De tanta graça e de leveza tanta
Que quando sobre mim, como a teu jeito
Eu tão de leve sinto-te no peito
Que o meu próprio suspiro te levanta.

Tu, contra quem me esbato liquefeito
Rocha branca! Brancura que me espanta
Brancos seios azuis, nívea garganta
Branco pássaro fiel com que me deito.

Mulher inútil, quando nas noturnas
Celebrações, náufrago em teus delírios
Tenho-te toda, branca, envolta em brumas.

São teus seios tão tristes como urnas
São teus braços tão finos como lírios
É teu corpo tão leve como plumas.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Seja bem vindo ao inferno Malaquias!




Este Inferno de Amar!

Este inferno de amar – como eu amo!
Quem me pôs aqui n’alma... Quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que a vida – e que a vida destrói.
Como é que se veio a atear,
Quando – ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei não me lembro: o passado,
A outra vida que dantes vivi.
Era um sonho talvez... – Foi um sonho.
Em que paz tão serena eu dormi!
Oh! Que doce era aquele sonhar...
Quem me veio ai de mim! Despertar?

Só me lembra que um dia formoso,
Eu passei... Dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez el? Eu que fiz? – não não sei;
Mas nessa hora a viver comecei...

Almeida Garret.  

Seja bem vindo ao inferno Malaquias!

                       - Você soube do Cassandro? Não soube? Fugiu com a mulher do Nequinha. Coitado do Nequinha, em vez de ir atrás dele ou dar risadas o coitado senta na porta da sua casa e chora feito uma mulher! – Eu soube, mas é sempre assim. Já foram épocas que ser macho mesmo era ir atrás e sapecava uns dois tiros na testa do filho da puta! – Mas será que eles merecem mesmo? Afinal não foi a mulher que resolveu fugir com ele? – Malaquias sentado na ponta da mesa nada dizia. Sempre fora assim. Caladão. Sorriso? Ninguém viu. De onde veio e o que fazia para sobreviver era um mistério. Nunca disse uma palavra quando estavam ali em volta da mesa do boteco do Virgílio.  Milico Barbeiro é quem contava que ele chegou uma tarde com uma mochila nas costas e perguntou na Barbearia se alguém sabia de uma casa para vender. – Ali? No Martelo? Um povoado de merda onde Judas perdeu as botas? Milico vendeu seu barraco no fim da rua. A única do povoado.

                        O Zé Povinho ficou de olho em Malaquias que não deu bola para ninguém e meteu a cara no seu barraco. Sozinho deu uma melhorada. Comprou umas taboas e fez seus móveis. Claro ninguém tinha visto, pois ele nunca convidou ninguém para ir lá. As tardes costumava ir ao Bar, melhor ao boteco do Virgílio e tomava uma ou duas cervejas. Não bebia cachaça. Mal escurecia ia embora. As comadres diziam que ele ficava sentado na porta do barraco com um lampião a gás lendo. O que ele lia? Ninguém sabia. Interessante de vez em quando ele desaparecia. Cinco ou dez dias fora. Sumia e ninguém via quando ele ia ou chegava. Parecia um fantasma. E se ele fosse um? – Cruz credo, diziam. Martelo era um povoado, ou melhor, município de Lagoa Grande. Ficava a mais de setenta quilômetros de distância. Nunca recebeu nenhum beneficio, mas se orgulhavam de nunca terem pagado o imposto da prefeitura.

                     - Por favor, Malaquias, não me mate! Eu juro por Deus que lhe pago o dobro! – Malaquias o olhou bem nos olhos. Não tinha volta, não tinha perdão. Quando Zózimo pedia e pagava Malaquias não discutia. Nem conversou com Bodoin. Não tinha o que falar. Meteu-lhe dois balaços entre os olhos. Morreu na hora. Ele gostava disto. Morte sem dor dizia para sim mesmo. Nunca perguntava o que o outro fez. Não lhe interessava. Contrato é contrato e tem de ser respeitado. Para falar a verdade não gostava do Zózimo. Homem falso, sem palavra, sorriso de idiota, mas não era nada disto. Malaquias sabia que ele cumpria ordens do Bicheiro Castanha. Homem rico. Dono de todas as bancas no Estado. Quando alguém resolvia entrar sem ser convidado ou então falasse o que não devia Malaquias era chamado.

                       Malaquias não gostava do seu passado. Nasceu num puteiro. Sua mãe morreu jovem de doença venérea. Dona Marquesa foi quem o criou. A dona da boate. Aos quinze anos se mandou. Caiu no mundo. Sofreu poucas e boas. Com dezesseis matava para roubar. Fora preso algumas vezes. Sendo menor de idade era sempre solto. Resolveu crescer no mundo do crime. Ficar matando atrás de uma esquina por cem ou trezentos reais era muito pouco para ele. Foi Zózimo que lhe ofereceu o primeiro contrato. Não escrito é claro. – Olhe Malaquias já dizia a Amanda Rodrigues que ninguém transforma um demônio em um anjo, mas um anjo pode virar demônio facilmente e deu belas gargalhadas. – Malaquias não entendeu. Mas ele sabia que um dia teria de matar o Zózimo. Ele sabia demais de sua vida. Seu primeiro trabalho lhe rendeu dez mil. A partir daí não aceitava nada por menos de vinte. Matou um cara na divisa com o Paraguay por cem mil reais. O cara era o delegado de lá.

                       Não podia morar na capital. Seria perigoso para ele. Um dia passou por Martelo. Era o lugar ideal. Disse ao Zózimo que quando precisasse dele enviasse uma cartinha para sua caixa postal. Bastava escrever: - Saudades de você amigo! - Caixa Postal? Disse o Zózimo. – Isto mesmo, em Lagoa Grande. – É lá que você mora? - Não, mas passo lá uma vez por semana. Zózimo não perguntou. Sabia que Malaquias não ia dizer mais nada. Malaquias podia ter feito uma casa enorme. Nada disto. Se fizesse despertaria suspeita. Ele lembrou-se de um matador que conheceu que disse para ele – Malaquias, um poeta Charles Caneia disse um dia - O que você chama de coincidência, sorte e azar é à maneira de Deus ou do Demônio se manifestar. Lembre-se a vida é um demônio disfarçado de um lindo anjo mal! Malaquias entendeu o recado.

                          Teve uma tarde que a mesa no Boteco do Virgílio tinha mais de oito cachaceiros. Até o Neco o padeiro da cidade metido a santo apareceu. Encheu Malaquias de pergunta. Malaquias não disse nada. Saiu do boteco e foi embora. Todos em volta da mesa se assustaram. – Neco! Não se faz perguntas assim! – Porque não? Porque você não o conhece! – Neco foi para sua casa preocupado. Caralho! Porque não fiquei de boca fechada? A rua estava deserta. Era assim o Martelo. Fazer o que a noite? A luz fraquinha nem iluminava onde passava. Não tinha cinema nada. Só o boteco do Virgílio. Uma sombra passou por ele. Sentiu um cano de revolver na nuca. – Se você um dia me perguntar mais alguma coisa, vai fazer companhia ao Demônio nas prefundas dos infernos! Neco se borrou todo. Gemeu baixinho pedindo a Deus que o socorresse. Não viu ninguém perto dele. O cara era uma alma do outro mundo.

                           Ele estava ali na sala onde ela morava. Nunca tinha visto, nem sabia quem era e nem queria saber. Zózimo lhe dera o dinheiro e o endereço.  Só pediu que cortasse sua garganta e lhe disse para nunca tentar um homem como o Bicheiro Castanha. Malaquias não gostava de matar mulher. Matou algumas para roubar, mas achava que estava se defendendo. Não discutiu com Zózimo. Não era do seu feitio. Matador é assim. Recebe o pagamento, mata e esquece. Chegou cedo a casa dela. Vazia. Só a noite ela chegou. Ficou preocupado. Parecia ser uma menina. Não tinha mais do que dezesseis anos. Cabelos dourados. Raquítica, um metro e meio no máximo. O que Zózimo esperava de uma menina como essa? O que ele fez para ser apunhalada no pescoço? Ele sabia que não devia perguntar e nem fazer conjecturas. Um matador não faz isto. – Ela o viu com um punhal na mão. Seus olhos arregalaram. – Foi o Zózimo quem mandou?  Pelo amor de Deus! Não me mate. Juro que farei tudo que você quiser!

                             Pela primeira vez em sua vida Malaquias não soube o que fazer. Devia meter-lhe logo o punhal no pescoço, ver o sangue espirrar e ela berrar de dor e dar o recado de Zózimo. Foi pago para isto. Pegou-a pelos cabelos. Ela não gritou mais. As lagrimas secaram seus olhos.  – Só disse o seguinte: Vou me encontrar com você no inferno! Espero você lá! – Malaquias sentado na porta de seu barraco não sabia se estava arrependido ou não. Ela chegou à porta e disse que o jantar estava pronto. Morava com ele, mas não era sua mulher. Não deitava com ele. Uma menina. Isto ele não faria nunca. Sabia que agora estava marcado para morrer. Zózimo não iria perdoar. Iria remover céus e terras até encontrá-lo. Não estava arrependido. Poderia ter fugido dali e se embrenhado em matas do Mato Grosso ou do Pará. Quem sabe algumas das Guianas seria um paraíso para ele morar.

                             Sabia que tinha uma boa reserva financeira. Mais de oito milhões de reais. Uma fortuna para ele viver bem o resto da vida. Mas iria ficar ali e esperar o Zózimo. Ele viria pessoalmente. Seria sua “vendeta” ele sabia que era normal. Matador cumpre ordens caso contrário outro matador acaba com ele. – Uma tarde falou com a menina dos cabelos dourados: - Zózimo vai vir atrás de nós. Não vou fugir. Se você quiser ir embora fique a vontade. – Ela nada disse. Continuou ali ao lado dele. O Povoado de Martelo notou a presença dela. Mesmo não saindo de casa. Os comentários e buchichos se multiplicaram. – Uma menina! Uma menina! Ele é um pedófilo! – Mas ninguém dizia isto para ele. Sabiam o que acontecera com o Padeiro Neco. O cara era um perigo. Carne de pescoço! Alguns diziam que ele era o Demônio escondido ali para pegar um ou outro do povoado.

                              Era cedo quando uma BMW 760 LI entrou no povoado. Parou em frente ao boteco do Virgílio. Um homem atarracado de terno preto desceu e perguntou se alguém conhecia o Malaquias. Virgílio tremeu. Fazer o que? Mostrou onde era a casa. O carro foi em frente e parou no local indicado. Desceram quatro homens de terno. Chapéu atolado na cabeça para ninguém ver seus rostos. Ficaram lá uns dez minutos e saíram. Voltaram. No boteco Virgílio disse não saber onde ele tinha ido. Costumava pescar na curva do rio. Lá foram eles. Duas ou três horas se passaram. Ouviram barulhos de tiros. Muitos. Meia hora depois o carro passou na rua principal de Martelo. A menina loira dos cabelos dourados dirigia. Mais ninguém. O que houve? Ninguém sabia e ninguém nunca perguntou. Dois dias depois eles viram Malaquias e a moça novamente na casinha.

                                O sossego durou pouco. O que aconteceu ali seus oitocentos habitantes tiveram mil histórias para contar. Eram mais de quinze veículos. Eram Ranger Rover, Toyota, SUV de todos os tipos. Cheias de homens de terno e mal encarados. Fecharam as portas da cidade. Ninguém sai ninguém entra. Já sabiam onde Malaquias morava. Nem bem dois desceram de uma SUV e cada um recebeu uma condecoração no peito. Balaços sangrentos sem retorno. Passaporte para o inferno! Um tiroteio infernal. Ao amanhecer a rua cheia de mortos. Os engravatados jaziam ali na poeira do Martelo, como se fossem festejar o maior baile funk de todos os tempos. Claro junto aos capetas e demônios no lugar merecido. Um silêncio enorme abateu sobre todos. Ninguém se mexia. Lá no inicio da rua vinha Malaquias e a moça dos cabelos dourados.

                              Nenhum deles falou nada. Malaquias com a mesma mochila que chegou ali um dia. A moça sem nada na mão. Quando sumiram na curva da estrada foram contabilizar os mortos. Mais de vinte e uns dez ainda vivos precisando de socorro médico. Ninguém se mexeu. Era como estivessem mancomunados com Malaquias. Deixaram-nos morrer a mingua ali no meio da rua sob um sol escaldante e inclemente. Martelo ficou famoso. Repórteres, televisões, jornais até gente do exterior. – O que foi? Como foi? Como era Malaquias? E a moça dos cabelos dourados? Ninguém abriu a boca. Delegados, detetives, homens do serviço secreto e nada. Não conseguiram arrancar um naco deles. Todos juravam que não sabiam de nada. 

                              Naquela azáfama todo um homem parecia estar misturado à multidão. Ninguém o reconheceu. O Bicheiro Castanha era assim. Invisível para todo mundo. Olhou seus homens mortos. Paciência. Não tinha amizade com ninguém. Para isto foram bem pagos. Agora mais de trinta homens morrerem nas mãos de um só? Uns bostas isto sim! Quem era Malaquias? Tinha parte com o demônio? Bem ele agora não podia fazer nada. Sabia que dificilmente os encontraria novamente. Esta história que mundo é pequeno para nos dois é balela.  Tudo bem para Malaquias. Ele foi mais esperto, mais valente, mas não sabe com quem se meteu. Ele sabia que mais cedo ou mais tarde Vanessinha iria cortar sua garganta como fez com sua filha Naná. Não conseguiu a vingança que queria, mas tudo bem. Vanessinha um dia ia ter o que merecia. Seus quinze anos não iriam enganar por muito tempo e o tempo? Ah! O tempo. Ele sempre foi o aliado dos calmos, pois os apressados não sabem que o melhor é comer devagar, deixar a carne na brasa até ficar no ponto.

                             Como era mesmo o que dizia Abraham Lincoln? Ah! Sim, ele dizia que você pode enganar uma pessoa por muito tempo; algumas por algum tempo; mas não consegue enganar a todas por todo o tempo. As surpresas da vida estão em cada esquina. E olhem ninguém nunca mais soube de Malaquias e Vanessinha. A loira dos cabelos dourados. Nem mesmo aqueles jacarés do Lago do Suplicio na divisa com a Venezuela souberam de quem era as carnes pudentas e brancas que foram jogadas para eles. Nem repararam nos cabelos dourados cor de mel!                

Quando eu morrer.

Quando eu morrer e no frescor de lua
Da casa nova me quedar a sós,
Deixa-me em paz na minha quieta rua...
Nada mais quero com nenhum de vós!

Quero é ficar com alguns poemas tortos
Que andei tentando endireitar em vão...
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da Expressão!...

Eu levarei comigo as madrugadas,
Pôr de sóis, algum luar, asas em bando,
Mais o rir das primeiras namoradas...

E um dia a morte há de fitar com espanto
Os fios de vida que eu urdi, cantando,
Na orla negra do seu negro manto...