Bem vindo ao blog do Osvaldo

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sábado, 28 de dezembro de 2013

Borboletas também querem voar!




Não fuja deste desejo, te quero por inteiro
Sem pensar num amanhã
Quero viver o agora, quero delirar de prazer
Realizar todas suas fantasias
Ser possuída e dominada
Por você…

Borboletas também querem voar!

                Esta historia aconteceu na Itália na cidade de Milão, acho que foi em meados de janeiro de 1965. Não sei onde li ou se foi eu quem escreveu. Risos. Não sei se é verdadeira, se é real, não sei mesmo. Minha mente se confunde. Ela era jovem, cabelos compridos castanhos avermelhados, olhos castanhos, linda. Lábios carnudos, pedindo beijos. Tinha sonhos, como todas de sua idade. Escondidos claro, ninguém sabia. Gostava de sorrir, de sentir o mundo, fantasiava sair por aí, conhecer outros lugares, viver, sonhos que toda jovem tem.

               Todas as manhãs lá estava na janela. Observava as pessoas passando, uns vindo, outros indo caminhando com olhos baixos parecendo não ter destino certo. Sempre reparara nele. Um jovem de aparência meiga, olhos negros, andava de cabeça curvada como se soubesse seu destino. Parecia firme nos seus passos.

               Ela sentiu desejos pelo jovem. Desejo só seu. Ninguém podia saber. Católica fervorosa escondia de si e de seu Deus. Tinha medo. Rezava. Pedia perdão. Mas dentro de si, fervia estas fantasias pecaminosas. Ele sempre a via, de soslaio, sem encarar. Tinha medo, Nunca teve uma garota, nunca beijou. Mas sentia por ela um desejo profundo. Amor? Paixão? Não sabia.

              Chegava a casa, sentava em seu banquinho e ficava com a mente em devaneio, procurando concatenar um presente sólido para ela e para ele. Morava só. Seus pais haviam falecido. Era carpinteiro. Aprendera com o pai. Tinha medo de se aproximar. Tinha medo de ser repelido. As fantasias dele ficavam escondidas no recôndito de sua memória, feito monstros poderosos, que não deixavam ver a beleza de um amor profundo.

             Planejou, mentalizou um plano sórdido. Era um maldito. Achava ter nascido para o mal. Não era religioso, diziam que ele era frio, calculista, não tinha amor, não tinha passado. Ela sempre ia só à igreja à noite. Ele a espreita já sabia seu destino, onde passava e em um beco, subjugou-a colocando um lenço embebido em éter em seu rosto, ela desmaiando em seguida.

            Tinha alugado uma casa, na periferia afastada de tudo e de todos. Levou-a até lá. Até o porão, fechado, sem janelas, só com uma porta. Tinha preparado tudo. Iluminação, cama, água, roupas, alimentos. Deixou-a na cama, fechou a porta e se foi. Voltou dois dias depois. Abriu a porta, ela desesperada, gritando, explodindo e dizendo, maldito, filho da puta, desgraçado o que fez comigo? Ela o arranhava, o mordia, tentava fugir. Ele mais forte, a dominava. Nada dizia, permanecia calado.

            Uma semana, duas, ele sempre levava duas vezes por semana, sua alimentação e roupa de cama limpa. Sentava num banquinho de madeira e ficava olhando para ela, sempre de cabeça baixa, admirando, sonhando, mas sem nada fazer.

            Ela não parava de gritar. Palavrões que nunca tinha dito. Maldito! Perverso, desgraçado filho do Demônio do Príncipe das Trevas, O que queres de mim? – Queres me possuir? Possua filho da mãe mas me solte pelo amor de Deus! Ele nada dizia. Permanecia calado e ia embora. Ela se desesperava. Quem era? Seu nome? Sua voz? Meu Deus!

           Um mês, dois meses. A rotina de sempre. Agora ela ficava sentava na cama, olhando para ele com os olhos vermelhos, inchados de tanto chorar. Calada também. Viu que gritar e xingar não adiantava nada. Tentou todas as formas de fuga. Bateu com o banquinho em sua cabeça quando entrou. A casa de grade não deu para fugir. Ele não reagiu. De novo em seu banquinho, sem falar, sem tentar nada, ficava ali sentado de cabeça baixa.

          Seis meses, ele sabia das buscas, das investigações na cidade. Desistiram. Acharam que ela tinha fugido da cidade com outro. Nada descobriram. Um ano. Ela calada, ele calado. Ela nunca entendeu. Quem era ele? Um Louco? Um psicopata? Que era isso meu Deus? Como um homem podia agir assim? Nunca pensou que este era seu destino. Quem era ele? Como seria ele? O que fazia, o porquê de tudo aquilo? Sem respostas. Ele sempre calado.

         Quase dois anos. Começou a se apaixonar por ele. Calada, nada dizia. Mas as fantasias voltaram. Uma vontade louca de fazer amor com ele. Um dia ficou em sua frente, tirou suas roupas e o possuiu ali mesmo com ele sentado no banquinho, sem dizer nada, sentiu seu membro duro dentro dela. Latejante. Fechou os olhos. Sentava e levantava. Que prazer meu Deus! Ele aceitou que ela conduzisse. Não falou nada. Nunca havia sentido prazer assim em sua vida. Ele não gemeu uma única vez.

          Foi embora. Ela sabia. Ele nunca mais iria deixá-la sair. Uma ou duas vezes chegava, sentava no banquinho, ela o possuía, tirava suas roupas ali ou na cama. Acariciava o seu membro, colocava na boca, tentou fazer o mesmo para ele imitar. Nada. Sempre calado, viu que sentia tudo, gemia rouco, ela fazendo amor bruto e animal com ele, de todo jeito, ele nada dizia, pois era ela quem comandava tudo.

         Cinco anos. Ela estava perdidamente apaixonada por ele. Desgraçado. Mudou sua vida. Donzela virgem e agora amante do homem que  a sequestrara. Seus desejos de fugir acabou. Não tinha mais sonhos. Esquecera sua família. Esquecera-se de tudo. Aceitava ser uma prisioneira. Sua vida era aquela. Ela sabia. Conformava. Contava os dias que ele iria aparecer. Era sua única forma de combater a solidão.

        Quinze anos. Seus cabelos começaram a embranquecer. A rotina de sempre. Ele chegava, ela olhava para ele com olhos de gazela faminta. Esquecia tudo. Fazia amor com ele. Gritante, calmo, sensual. Gostava do seu sexo, adorava ele duro dentro dela. Esquecia-se de tudo quando sentia o jorro quente dentro de sí.  Ele sempre ali, olhando para ela, nada dizia. Agora ele gozava, vestia as roupas e ia embora. Ela não sabia seu nome e nem conhecia sua voz.

       Trinta anos prisioneira. Uma tosse rouca, seu corpo definhando, ele lhe dando remédios, uma semana, duas e ela se foi.

Ele se dirigiu a um bosque de azinheiro, procurou a árvore mais alta e se enforcou.

       Alguns meses depois o encontraram pendurado, com o corpo perfeito sem nenhum sinal cadavérico.

       Descobriram a casa. No porão a encontraram. Bonita, deitada na cama rosto angelical, vestida de noiva, cabelos soltos. Nada parecia que ela estivesse morta. Sorria, como se alguém estivesse com ela.

       Comentaram muito do acontecido, mas ninguém, ninguém mesmo até hoje foi capaz de explicar o que aconteceu.

       Milão, outubro 1998. Uma nota no jornal Corriere Della Sera falava pouco do acontecido. Quase não dizia nada. Alguém se interessou pelo fato. Ele conhecia uma moça, linda, sempre a via quando passava. Quem sabe?...

Me chama, me conta, me diz
Como vai sua vida
Mas diz a verdade com jeito,
Para não machucar
Engana que sente saudades
Que ainda não me esqueceu
Que seu amor ainda sou eu...

Confessa que eu tinha razão
E você estava errada, disfarça
E não diz que esse outro
Te faz feliz, me engana
Me esconde a verdade
Sonhar é melhor que sofrer,

Mente para mim, me ajuda a viver!

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O trem expresso noturno para Vitória.




Poema Quem é Ela?

-Você sabe quem é ela...
Que de todas é a mais bela?

Umas dicas vou lhe dar:
Ela é meiga e feminina.
É morena e é linda!
Alegre, carismática também!

Sorridente e gentil.
Bondosa, muito charmosa!
Educada, estudiosa,
É amiga e companheira,

Faceira,
Brejeira,
- Será arteira?

Hoje é seu aniversário!
A Deus venho pedir
Para que seja muito feliz!

Que ame muito a seus pais
Seus amigos e família.
Que da vida sempre tenha
Muitas, muitas alegrias!

Você já sabe quem é ela?
Ela é a bela...
- Sarah Janaína Leibovitch.

O trem expresso noturno para Vitória.

               Não era um ato, não estava em um palco e nem tinha alguém a me olhar pela coxia. A plateia vazia, bem lá no fundo um ar de mistério uma voz rouca me incentivava a continuar. Não tinha piedade e nem eu a pedi. Mas insistia em chamar-me de frívolo, inocente, pateta tacanho e tolo. Como podia representar assim? Claro se eu fosse ator o que não sou. A voz misteriosa dizia coisas que nunca fui. Sim eu sei, deixei-a ir sem um gesto ou dizer – Não vá! Mas poderia interromper sua partida? A dor doida me machucava internamente. Deixei tudo para trás deixei minha vida meus amigos, não disse nada aos meus patrões se um dia ia voltar. Para dizer a verdade nem disse adeus. Fiz o mesmo que ela me fez naquela tarde de primavera. Um dia lindo, as flores no parque, as borboletas azuis, alguns pássaros cantantes e o lago aonde dezenas de pequenos barquinhos iam e vinham com a meninada vibrando, ou mesmo um casal apaixonado beijando-se ternamente. – Não posso mais ficar. Eu não amo você. Preciso partir e nem outro tenho – ela me dizia. – Não quero magoar você, mas entre nós não existe mais nada. – Ela me devolveu a aliança de noivado, nem um beijo na face ela me deu. Seguiu beirando o lago por entre as árvores centenárias e desapareceu na curva do caminho.

              Era um domingo qualquer de setembro. O dia para mim não importava mais. Sentado no banco de madeira não me levantei. Não fui atrás dela, mas deveria ter ido. Sonhava dia e noite quando iriamos adentrar na igreja de Santo Antonio, colocar em seu dedo o anel para selar uma vida para sempre, tinha comprado com enormes dificuldades um pequeno apartamento no Padre Eustáquio, gastei o que não podia para comprar os móveis que ela escolheu e agora não me explica, não diz o porquê, só fala monossílabos dizendo que não me ama mais vai embora sem mais nem menos? Sempre fui calmo. Detesto brigar gritar então nunca mais e acabou? Mas me deu sim uma vontade enorme de gritar – Volte! Você me deve uma explicação. Não se termina assim o sonho de vida a dois como você está fazendo! Mas calado estava calado fiquei. Eram dez horas da noite e um guarda me disse que iriam fechar o parque. Saí sem rumo e me deu uma vontade de me embebedar. Seria certo? Não dizem que os corações partidos se curam com um pileque? Não sei, nunca fiz isto. Melhor é voltar para meu lar.

             O apartamento de dois quartos sala e cozinha estava nu. Esperava que ela desse o brilho que faltava, mas ela se foi e com ela meu coração. Mas eu estava tão apaixonado assim? Quem sabe foi porque sonhei com tudo aquilo? Sempre quis ter um lar diferente do que eu tive um dia. Minha mãe e meu pai não se entendiam até que ele se foi também sem dizer adeus. Minha mãe chorava pelos cantos da casa e tanto chorou que um dia foi para o céu. Resolvi partir e dar um novo rumo em minha vida. Estudei muito quase não tive amigos e um emprego me deu a tranquilidade que esperava. Empresa boa, pessoas educadas e nunca reclamei. Quando a vi pela primeira vez adentrando na sala do escritório meu coração bateu forte. Todos se assanharam para ela. Mas eu fui o escolhido. Namoro, beijos, carinhos e juras de amor. Agora aguardar o casamento. A história termina aqui. Não minha sina de idiota a chorar pelos cantos e até pensei em terminar minha vida abruptamente.

            Fiz uma mala com roupas e parti sem rumo. Retirei umas economias se fosse gastar. Não sabia aonde ir. Não avisei ninguém e nem tinha ninguém para avisar. Naquela noite cheguei sem perceber na Praça da Estação. Sentei em um banco e olhei a Gare. Enorme. Nunca tinha entrado. Entrei, no guichê parei. – O senhor vai até onde? Olhei para ela – Até o final. – Vitória? Se for o final sim. Primeira ou segunda classe? Primeira. – O trem parte em vinte minutos. Fui para a plataforma. Parecia um autômato no andar e pensar. Esquecia-me de tudo. Queria fugir e não sabia para onde. Deveria ligar para alguém do meu trabalho e dizer que estava partindo e não liguei. O primeiro apito o aviso de embarcar. Embarquei. Procurei meu número e sentei. Vagão vazio. O trem partiu rumo a João Monlevade. Muitas paradas. Não era um trem expresso? Tudo bem, não tinha pressa. Resolvi ir até o vagão restaurante. Duas da manhã um café quente iria me fazer bem.

               Vazio. Só uma moça olhando sua bebida na mesa ao lado e nem sequer levantou os olhos quando cheguei. Tudo bem não esperava boa vizinhança de ninguém. Pedi meu café. Senti que alguém me observava. Era ela. Linda, olhos incrivelmente verdes. Pareciam duas esmeraldas lapidadas. Ela abaixou a cabeça e saiu. Atrás dela dois homens de terno. Quem seria? Ouvi um grito. Assustei. Seria ela? Não sou um cavaleiro andante mesmo assim me levantei e fui até o vagão da frente. Era um vagão com diversas cabines. Ela gritou de novo. Bati na porta mandando abrir. Um dos homens de terno abriu com uma Pistola Glock calibre novemm. Sabia que era uma arma reservada as forças armadas e a policia federal. Ele me bateu na testa com a lateral da arma. Vi que sangrou. Obrigou-me a ir em frente e no final do vagão abriu a porta e jogou-me escada abaixo. Cai rolando sobre um monte de capim. Ainda bem que o trem estava em baixa velocidade, pois aproximava de uma estação.

               Estava fervendo de raiva. Nunca gostei de ser tocado daquele jeito. Corri estrada a fora e o trem já estava saindo. Na porta da estação um taxi. A cidade era um lugarejo pequeno que chamavam de Periquito. O taxista me disse que poderia pegar o trem em Coronel Fabriciano. Quanto? Trezentos reais. Paguei. Ele saiu a toda. Vinte e cinco minutos e chegamos em Fabriciano. Vi o trem na curva do rio. Na estação esperei e quando chegou subi. Era esquentado e sabia que não iria ficar assim. Fui ao carro dormitório. A porta onde ouvi os gritos estava fechada. Fiquei de lado e bati. O mesmo “merda” apareceu com a arma na mão. Quando me viu era tarde demais. Tomei dele a arma. Empurrei para dentro da cabine. Ninguém lá – Onde está a moça? Ele riu. - Cara não sabe com quem está se metendo. Ele falou. Senti que alguém me bateu de novo com outra arma. Era o seu comparsa. Arrastaram-me até a escada e de novo me jogaram porta a fora. Desta vez cai de mau jeito e me machuquei bastante, mas nada quebrado.

             Se eles estavam gostando do jogo eu também estava. Não tinha nada a perder, morava só, quem eu amava me deu um chute e se foi. Nunca fui um herói porque não ser um agora? Precisava de uma arma. Eles iam ver com quantos paus se faz uma canoa. Vi uma estrada, uma camionete vindo. Corri e dei sinal sorte ela parou. Ofereci mil reais para me levar até a próxima cidade desde que pegasse o trem expresso para vitória. Ele riu e se prontificou. Contei por alto o que acontecia. - Tem uma arma? Tudo por três mil reais. Feito. O trem parava doze minutos em Governador Valadares. Chegamos com ele saindo. Deu tempo para correr na plataforma e pular em um vagão. Sentia bem com aquele aço preso no peito. Estava carregada, uma pequena Smith & Wesson, mas eu conhecia. Treinei muito com arma de fogo. O barulho me fazia bem.

               Fui direto ao vagão restaurante. Passava das duas da tarde. A fome apertou. Se ia entrar na briga tinha de encher a barriga. Risos. Ela estava lá. Sozinha. Com um lindo vestido verde claro que com seus olhos ficavam muito bem. Linda! Adorável. Aproximei-me e ela escreveu em um guardanapo – Fique longe de mim se queres viver! Não sabe o perigo que está correndo. – Fingi que não li. Não me meteu medo. Sentei ao seu lado. Logo um dos engravatados apareceu. Mostrei a ele o que tinha desabotoando a blusa de frio. Ele olhou e riu. – Você está morto e não sabe. O restaurante do trem só tinha dois passageiros. Levantei-me. Tirei a arma e bati forte em sua cabeça. O empurrei até a porta de saída. Dei nele um chute no traseiro e ele rolou escada abaixo. Não teve sorte. Passávamos por um pontilhão. Seu grito de horror ficou gravado. Quando voltei ela não estava lá mais. Tudo bem. Se entrei na chuva era para me molhar.

              Fui a sua cabine. Não ia correr nem me amedrontar. Ela estava aberta. Olhos verdes estava lá, deitada na cama seminua. Senti uma vontade enorme de possuí-la. Tranquei a porta. Ela de olhos fechados. Minha ex-noiva sempre dizia que eu era um bom amante. Vamos ver se sou, pois sou homem de poucas mulheres. Fiz amor devagar, sem pressa, beijando-a, acariciando e penetrando aos poucos sem forçar. Senti que ela me apertava, passou as pernas em volta do meu corpo, uma verdadeira chave da morte. Ela gemia, gania, chorava e pedia mais. Não me senti morto e sim mais e mais com uma vontade enorme de repetir, de ficar ali sem sair, de esquecer que o mundo é mundo e a vida é feita para ser vivida. Terminamos juntos. Ela chorava. – Você vai morrer! Porque insistiu? Quem é você? Policial? – Ri do que ela dizia. Melhor não contar que era um simples gerente de uma empresa de cosméticos. Ela ia rir de mim se contasse.

            Fiquei com ela até onze da noite. Repeti o sonho real por várias vezes. Ela sabia posições que me deixaram louco. O Kama Sutra com suas posições e fotos perdiam a larga pelo que ela me fazia. Convidei-a para jantar. Ela riu. Nem pensar.  Yuri ainda está no trem. O que você fez com Mikhail? Nomes estranhos. Pareciam russos. Não disse nada. Peguei-a pelo braço e disse – Vista-se vamos jantar. Estava rindo de mim mesmo. De gangster eu só sabia o que tinha visto nos filmes. Mas não tinha medo. Ainda estávamos no restaurante quando o trem rápido noturno adentrou na gare da Estação de Pedro Nolasco em Vitória. Ela abaixou a cabeça me beijou e disse – Corra o mais que puder, sei que Pavlov está a me esperar. Já deve saber de você. - Sabe eu gostei de você. Mas sei que é um homem morto. Não corri, nunca fui homem de correr. Ela me fez um homem que nunca fui. Perguntei seu nome – Latasha gritou e saiu correndo descendo as escadas do trem.

               Máfia russa? Li uma vez um conto sobre isto. Não deu tempo para pensar mais. Uma pancada na cabeça e acordei em um galpão vazio. Um gordo barrigudo me olhou – Teve a coragem de comer minha Latascha seu merda? Cortem o pinto dele. Uma dor tremenda. Gritei feito um porco sendo capado, já não era o valente de antes. Ele ria. Filho da puta, agora vais direto ao inferno. Peça a Dona Capeta para dar para você nas profundezas dos infernos! Só então que notei que estava com os pés atolados em um cimento já curado. Pegaram-me pelos braços e me jogaram em uma caminhonete. Pararam nas cinco pontes sobre o braço de mar. Jogaram-me a mais de trinta metros de altura. Cai feito um pedaço de aço na água e afundei logo. Deus meu! O que fui fazer? Á agua entrava pelas narinas. Senti as pernas soltas, o pedaço de cimento partiu. Caramba, que sorte! Nadei até a margem. Dois moleques pescavam e se assustaram. Fui parar em um pronto socorro. Polícia, detetives todos a me interrogar. Fiquei oito dias lá. Dois enfermeiros me disseram que eu nasci de novo. Nasci de novo? Sem membro? Agora só um eunuco?

               Diverti-me bastante nesta viagem no trem expresso para vitória. Melhor voltar. O corte onde existia um pênis já se curava.  Peguei o trem expresso noturno de volta. Em Belo Horizonte voltei a minha velha lida. Meu Chefe sorriu quando adentrei em sua sala para explicar. – Tudo bem Norberto. Não se preocupe. Volte ao trabalho. Olhe, Noêmia te procurou ela me disse que está arrependida. Noêmia minha noiva? Eu deveria aceitá-la de volta? Que ela morresse para sempre. Agora sonhava com Latascha e sabia que tudo terminara. O que ela queria não podia mais dar.  Doutor Douglas à tarde mandou-me chamar. Norberto, temos um cliente especial, ele é um dos homens mais ricos do Brasil e da Rússia. Disse que só seria nosso cliente se fosse atendido por você. Fiquei branco, era ele, Pavlov em carne e osso, nada mais nada menos que o gordo filho da puta, o chefão que me capou. Meu destino foi servi-lo para sempre. Dizem que quem perde sua virilidade perdeu sua vida. Eu perdi muito mais. Levou-me para sua mansão no Rio de Janeiro. Aceitei ir. Sabia que ia matá-lo mais dias menos dias.  Latascha estava lá. Linda como sempre. Nem me olhava afinal agora era um empregado de luxo, um eunuco que só poderia lembrar os prazeres que ela me deu. Vida danada, mas fazer o que? Continuar vivo valia a pena? Quem sabe a sonhar com a vingança. Não posso reclamar. Sei não, mas tive minha liberdade sem cerceamentos. Nunca mais vi Noêmia, mas via Latascha todos os dias. Que fosse assim. Não escolhi este destino?

                  Encontraram o gordo Pavlov com a garganta cortada dois meses depois. Estava sem a língua e sem seu pênis.  Eu estava ao seu lado com um furo de bala na testa. Eu mesmo dei cabo de minha vida. Não nasci para eunuco e nem para adorar Latascha em pensamento. Diabo de vida. De quem foi culpa? De Noêmia eu sei que não foi. Quem sabe o culpado sou eu?

Os versos que te fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem para te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim para te oferecer

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não te digo ainda.
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz

Amo-te tanto! E nunca te beijei...
E nesse beijo, Amor, que eu não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Martinha Trambiqueira e sua morte por encomenda.



Epitáfio.
Ainda correm lágrimas pelos
Teus grisalhos, tristes cabelos,
Na terra vã desintegrados,
Em pequenas flores tornados.

Todos os dias estás viva,
Na soledade pensativa,
Ó simples alma grave e pura,
Livre de qualquer sepultura!

E não sou mais do que a menina,
Que a tua antiga sorte ensina.
E caminhando de mão dada,
Pelas praias da madrugada.
Cecília Meireles.

Martinha Trambiqueira e sua morte por encomenda.

                  Para que lembrar o que eu fui no passado? Interessa a você em saber que meu pai tentou varias vezes me violentar? Interessa a você saber que minha mãe não estava nem aí e nunca se interessou por mim? Claro que não. Meu passado é meu e não interessa a ninguém. Até o Delegado Jokito um dia achou que seria meu pai meu patrão e meu amante. Eu tinha quinze anos e já era mestre em bater carteiras e dar golpes. Adorava ver a cara de um otário se achando. Risos. Mas voltemos ao delegado Jokito ele me prendeu e me levou para sua casa. – Martinha, disse ele – Você vai trabalhar aqui, vou lhe dar um salario e em troca vai fazer a limpeza da casa. – Maldito eu sabia o que ele queria. Mas não iria esperar a noite chegar. Ele fez muitos elogios e ameaças antes de sair para trabalhar. Limpei a casa dele. Descobri no armário do fundo do quarto que ele guardava roupa de mulheres e cinco perucas. Então o valente Delegado era bicha? Vi tantas coisas na vida que mais essa serviu para não acreditar em ninguém. Ainda bem que um vestido me serviu. Eu tinha um belo corpo e jurei que ninguém iria me tocar sem eu autorizar. Sumi de Sumidouro das Vertentes naquele dia e nunca mais voltei. Ria a mais não poder em pensar naquele delegado filho da mãe. O maldito deve ter ficado uma fera.

      Cheguei a Belo Horizonte de carona com um caminhoneiro. Outro palhaço que achou que eu ia dar para ele em troca da sua boa vontade em me levar. Quando tentou tirei da bolsa um pequeno 32 que roubei do delegado e mostrei a ele. – Se tentar vai ganhar tantas balas no bucho quem vai alegrar as buchudas elas saberão fazer de você seu regalo. Irás servir de pasto para as formigas. O moço fechou a cara e na entrada de BH me mandou descer. Ir para onde? Próximo à rodovia avistei um bar. O lugar preferido dos otários. É neles que os bebuns rezam para serem roubados. O dono se arreganhou todo quando entrei. Deve ter pensado que ali tinha carne nova. – Veio com uma conversa que logo manjei ser conversa fiada. – Fiquei viúvo cedo. Preciso de uma mulher para me ajudar aqui no bar e em casa. Só esqueceu-se de dizer que eu iria dividir a cama com ele. Novinha e bonitinha, cabelos negros longos, seios fartos e pernas lindas eu seria um prato feito para ele. Eu precisava do emprego e naquele momento não falei nada. A noite ele chegou. Fiz um jantar caprichado. Sentei com ele a mesa e botei o revolver em cima. – Nestor! Eu disse. Preciso trabalhar até arrumar um lugar para ficar. Se você se portar como um cavalheiro serei sua cozinheira e ajudarei no bar. Todos os dias quero ser liberada às cinco da tarde. Sábado meio dia, domingo folga. Pode me pagar um salario mínimo e me arrumo.

       Nestor nunca mais sorriu para mim, mas ficamos juntos no bar e em sua casa por pouco tempo. No domingo na Praça Sete no Bar do Piaba encontrei um parceiro. Dos bons. Ele me olhou e sabia quem eu era e eu também sabia quem se tratava. Fizemos uma dupla de dar água na boca. Jojoca era bom no que fazia e coloca bom nisto. O cara era demais. Ensinou-me truque do arco da velha. Não perdoava ninguém e mesmo com o coração doendo por enganar aposentados velhinhos eu precisava da grana. Ganhamos uma dinheirama com o golpe do bilhete premiado. Meu Deus quanta gente otária. Pareciam pedir para serem roubados. Foram muitos golpes o maior foi com um fazendeiro otário de Teófilo Otoni. Gabava-se de ser um grande minerador de pedras preciosas e volta e meia ia para os States. Levou-me para o motel e disse que sem banho minhas pernas não se abririam. Ele foi correndo se lavar e quando voltou deve ter visto que eu tinha me mandado com sua carteira o dinheiro e o cartão de crédito. É como dizia minha avó, enquanto houver cavalo São Jorge não anda a pé. Jojoca meu novo parceiro de golpes sempre foi respeitador. Nunca me pediu para dormir comigo e nunca me relou. Não era bonito e seu bigodinho não enganava ninguém. Não sei por que tive uma queda por ele. Se tivesse pedido teria “dado” para ele. Não pediu e com dois meses juntos desapareceu. Procurei em todo lugar e nada. Não ia desaparecer assim como o vento. Nada disto. Ele tinha sido desovado em algum lugar por um figurão que perdeu dinheiro com ele.

             Nestor se esqueceu de mim. Aparecia de vez em quando só para dormir no quartinho dos fundos. Um ano se passou e estava aproximando a data do meu aniversário de 17 anos. Ainda era virgem. Encostar-se a mim era encostar-se ao capeta. Sabia que era gostosinha e apetitosa, mas meu “negócio” não tinha dinheiro que pudesse pagar. Juramento jurado não ia voltar atrás, só se for por amor. Amor? Amar quem? Bem Jojoca se foi e nem sei se iria aparecer outro. Tinha juntado no Banco do Brasil mais de trinta mil reais e guardado a sete chaves cinco mil dólares americanos. Resolvi alugar um apartamento proximo a Praça Raul Soares. Foi difícil subornar alguém para seu minha avalista. Tudo estava indo a mil maravilhas. Mas tudo que é bom dura pouco. Um “bosta” de um investigador começou a dar em cima de mim. Ria e dizia que sabia quem era eu. Uma tarde quase escurecendo me levou em seu carro em um Motel na Pampulha. Nem entrei. Proximo ao Cassino pedi para parar que ia dar um beijo nele. Ficou super “tesado” quando peguei no “troço duro” dele. Tirei da minha bolsa o 32 e dei um só tiro na testa do meganha. Nem gritou. Ficou deitado em cima do volante parecendo estar dormindo. Saí e fui a pé até proximo ao Aeroporto da Pampulha. Peguei o ônibus de volta a cidade e ninguém até hoje sabe quem matou aquele filho da puta.

          Acham que me arrependi? Que me estressei? Que fiquei com dor na consciência? Necas e necas. O mundo não merecia um merda como ele. Fiz um favor ao santo protetor dele. Mesmo assim resolvi sair de BH. Fui para São Paulo. Achei que lá grande demais eu sumiria na multidão. Aconteceu mesmo, mas com seis meses a merda entornou. Nunca na vida ninguém me enganou. Achava que eu sabia reconhecer o santo do velhaco, o sabido do idiota. Não sabia. Na São João eu só ia de passagem. Lá tinha era muito lobo e quase nenhuma ovelha. Policiais aos montes querendo dinheiro e cafetão valente para me colocar na vida e comer meu dinheiro e algum mais. Cai na asneira de ir até próximo ao vale do Anhangabaú. Que bosta, pela primeira vez fui enganada. São Paulo prometia e meus trinta mil já haviam se transformado em cento e vinte mil. Dos cinco mil dólares agora eram dezoito mil. Sempre sonhei em dar golpe em Nova Iorque. Seria o máximo, pois milionários de todo o mundo faziam pic nic lá. Tony Marcoso era bonitão. Lindo mesmo. Um homem para toda mulher se apaixonar. Conversa mole, sabia usar as palavras que eu não conhecia.

          Quando o vi pela primeira vez achei que poderia ganhar uns tostões a mais. Ele estava no Bar do Girafa e metia a mão no bolso para pagar a conta. Tirava dezenas de notas de cem. Pensei comigo – Este está no papo! Pagou-me uma coca cola duas coxinhas e duas empadas. Convidou-me para conhecer seu sítio. – Não é longe disso, proximo a Itu. Podemos ir amanhã durante o dia. Sou respeitador não vou fazer mal a você, pode contar com minha discrição e honestidade. Deus do céu! O filho de uma égua me enganou direitinho. Tinha já dezenove anos e seis de trambicagem e cai na conversa de um “lagarto” verde? Quem sabe foram os seus dentes bem colocados e sua língua pequena, seus lábios molhados e seu penteado para trás com os cabelos caindo na testa que me encantou? Tudo bem pensei comigo. Vamos lá e junto meu inseparável amigo de todas as horas, meu trinta e dois.

          Nunca tinha passado na Castelo Branco, uma estrada para ninguém botar defeito. Ele me mostrou Alphaville e disse que tinha uma vivenda lá. Disse que era linda e um dia iria me mostrar. O desgraçado se portava como um conquistador, querendo me impressionar e a “besta” que sou eu estava caindo em sua lábia. Antes de Itu ele entrou em uma estrada próxima a São Roque. Rodamos mais de seis quilômetros até o sitio. Sitio? Um castelo isto sim. Bonito demais. Por dentro a casa era um sonho e logo coloquei meu biquíni e fui para a piscina. Maravilhoso, que gostosura, uma vida que nunca tive. Até pensei que se ele esperasse um dia poderia “dar” para ele. Seria o primeiro e nem sei se arrependeria. Ele com seu jeito de conquistador e educado, apareceu de sunga e seu “negócio” quase saltava para fora. Veio com um copo de limonada natural e pedras de gelo boiando. Que vidão eu estava tendo. Nadamos, e antes do anoitecer senti uma sonolência enorme. Devo ter desmaiado, pois acordei com um gosto de urina na boca e presa por uma corrente e um cadeado próximo a um beliche de pedra. Meu corpo doía horrivelmente. Abri os olhos e dei de cara com outra jovem morena, nova amarrada como eu. Ela me olhava com olhos arregalados e estava quase nua. Seu corpo estava cheio de hematomas.

          Tentei falar com ela e ela só grunhia. Abriu a boca e me mostrou que sua língua fora cortada e ainda mostrava sinal de feridas em toda a boca. Estava estupefata e com um medo enorme de tudo aquilo. Nunca pensei passar por isto. Olhei melhor o buraco que estava. Ela junto à janela gradeada e no chão ao seu redor fezes e poças de urina. Que monstro estava fazendo tudo aquilo? Nem deu tempo de pensar mais, pois a porta rangeu e ele entrou. Nu em pelo. Seu membro estava duro como pedra. Chegou perto da outra e se masturbou jorrando todo seu néctar no corpo da jovem todo maltratado e fedido. Veio para mim e o xinguei de tudo. Filho da Puta, Viado, Filho da mãe, de uma égua e ele ria. Um sorriso idiota. Pegou um alicate na mesa e chegou perto de mim dizendo – Pegue nele, se morder ou apertar de mais vou lhe arrancar uma unha. Gritou para a outra: - Pietra mostre suas mãos para esta cadela! Ela não disse nada e me mostrou. Quase todas suas unhas arrancadas a alicate. Estava horrorizada.

      Peguei no seu membro e logo ele gozou. Acho que ficou satisfeito, pois foi embora. Onde estava? O que estava fazendo ali? Que diabo estava acontecendo? Comecei a chorar e convulsivamente sentei e passei as mãos no joelho em posição fetal deitei. Acho que fiquei horas ali sem saber o que fazer. Não sabia se era noite ou dia. Olhei melhor a menina que estava comigo. Estava deitada. Branca, não se mexia. Só podia estar morta. Quanto tempo demorou tudo aquilo para ela? No dia seguinte ele voltou. Viu que ela não se mexia. Tirou a chave do bolso e a soltou. Pegou-a pelos cabelos e saiu pela porta arrastando o cadáver da menina. Algumas horas depois voltou. Um arroz fedido e farinha e jogou no chão para mim. Chão sujo, urinado, mas tinha dois dias que estava ali, não tive outro jeito senão usar as mãos que ainda tinha e comer aqueles restos. Sabia que se ficasse sem em breve também morreria.

            Ele ainda não havia me tocado, em nenhuma parte do corpo. Só gostava de se masturbar e pedir para eu fazer para ele. Não havia como fugir, a corrente era forte e o cadeado enorme. Vi próximo à porta um grampo. Pequeno, quase escondido no meio da sujeira. Quando ele saiu tentei pegá-lo com os pés. Custou mas consegui. Nem tentei abrir o cadeado por a porta rangeu e ele entrou. Nu como sempre. Levou aquele “troço” duro e sujo na minha boca. Meu Deus que vontade de esganá-lo. Cortar sua língua aprisioná-lo ali como ele fez com a outra e comigo. Não tinha como reagir. Precisava sobreviver para matá-lo. Comia no chão os restos de comida que ele deixava para mim. Um buraco proximo ao catre que dormia ele jogava agua. Bebia como se fosse um animal. Fiquei vários dias tentando abrir o cadeado com o grampo. Nada. Ele nem traque dava. Mas não desisti. Meus lábios estavam inchados. Sentia em meu corpo comichão mordido por larvas que se divertiam comigo. Era um trapo. Não entedia porque ele fazia tudo isto. Não o xinguei mais. Não adiantava. Meu plano era me soltar e aí ele iria pagar tudo aquilo.

             Um dia como sempre a porta rangiu. Ele entrou com uma menina nos braços. Prendeu seu pulso a corrente do cadeado. Cabelos loiros, não mais de que uns dezoito anos ou menos. Ela acordou apavorada e gritando. Pedia sua mãe, seu pai seus irmãos. Ele correu até ela e a esbofeteou varias vezes. Tanto que ela desmaiou. Ele suava e colocou a mão no coração. Ficou branco, gemeu alto de dor e caiu feito um dormente de estrada de ferro no chão. Sua cabeça se esborrachou. Bem feito eu sorria. A menina não parava de gritar. Tentei chegar proximo a ele para pegar a chave do cadeado. Mais de um metro de distância. Ele estava morto. Que o capeta leve sua alma e a enterre no fundo dos infernos. Agora precisava me libertar. Só tinha o grampo e minhas forças estavam se esvaindo. Mais um dia e nada. A menina parou de gritar e me olhava de olhos esbugalhados. Ainda iria aguentar algum tempo não muito. Fiquei bem próximo a ela e expliquei que se eu morresse ela devia tentar. Não haveria mais água e comida. Ele iria apodrecer ali na nossa frente.

        Minhas forças estavam sumindo. Enquanto aguentei contei tudo para ela da minha vida. Fui enganada por um Don Ruan do mal. Ela contou o mesmo. Acreditou que ele a amava. O convite ao sitio foi um pulo. Seus pais não deviam procurá-la tão cedo. Era estudante de engenharia, morava na USP e eles no interior. Ela passava meses sem dar notícias. Estava aterrorizada, pois nunca pensou em passar por aquilo. Ficamos amigas enquanto me mantive alerta. A comida e a água não existia. Sabia que iria morrer em breve. Ouvi um estalo. O cadeado se abriu do nada. Achei que era de tanto tentar. Sorri um sorriso azedo. Soltei a corrente e tentei levantar. Não consegui. Fui até o bolso do maldito e nada. Não havia chave. Seu corpo já estava em decomposição. Disse a ela que iria buscar socorro. Ela me pediu pelo amor de Deus para ficar. Estava com medo de ficar só. Volto logo eu disse. Vou tentar achar comida e um martelo. Se ali tiver um telefone melhor, pois logo iriamos sair. Fui me arrastando até a porta. Custei a ficar em pé. Na cozinha muitos biscoitos mortadela e salame. Pão Velho que adorei.

          Achei uma machadinha pequena. Já estava me recuperando e enchi um prato de pão com mortadela para ela e água fresca. Ela riu e chorou quando me viu. Achou que não ia voltar mais. Demorou mais de duas horas para arrebentar o cadeado. Ela não ficava em pé. Fomos para a sala e não tinha telefone. Deixei-a comer com calma. Coma eu disse, quando estiver melhor vamos embora daqui. Lá fora escurecia. Ela me pediu para irmos embora. Pensei em dormir ali aquela noite. Estava escuro. Mas o medo era grande e peguei uma sacola que achei, coloquei comida e água. A porta da sala não abria. Forcei. Dei para ela o bornal com a comida. Custei a abrir a porta. Saí por ela recebendo o fluxo do ar frio, gostoso, que coisa boa pensei! Vi um zunido, não entendi, era um facão preso por molas que havia se soltado e ele em circulo cortou minha cabeça. Só a senti rolando escada abaixo e meu corpo caindo estrebuchando na varanda. Martinha Trambiqueira estava morta. De uma maneira estúpida e preparado por um filho da puta caso alguma de nos fugisse.

Se a menina loira escapou não sei. Para onde fui me proibiram de contar. Pelo menos aqui me tratam com respeito, me chamam de Martinha a virgem dos lábios de mel!                 

Soneto do amor e da morte.
Quando eu morrer murmura esta canção,
Que escrevo para ti. Quando eu morrer
Fica junto de mim, não queiras ver
As aves e pardais do anoitecer.
A revoar na minha solidão.

Quando eu morrer segura a minha mão,
Põe os olhos nos meus se puder ser,
Se inda neles a luz esmorecer,
E diz do nosso amor como se não

Tivesse de acabar, sempre a doer,
Sempre a doer de tanta perfeição,
Que ao deixar de bater-me o coração
Fique por nós o teu inda a bater,
Quando eu morrer segura a minha mão.

Vasco Graça Moura.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Quando e preciso ser homem.



Saudade

Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...

Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...

Saudade é sentir que existe o que não existe mais...

Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...

Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.

E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

Quando e preciso ser homem.

            Eu queria esquecer. Esquecer-se de tudo que meu passado insistia em trazer para o presente. Colocar bem no fundo do baú tudo que eu gostaria de esquecer e tirar da minha memória. Sempre tentei ser honesto, homem honrado e nunca esqueci aquele poeta desconhecido que um dia escreveu – Você não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo ouvir. Tem que gostar de poesia, da madrugada, de pássaros, de sol, da lua, do canto da Cotovia, dos ventos e das canções da brisa. Não sou bonito, nunca fui, mas tive algumas aventuras que para mim não passaram de tempos perdidos. Minha família tentou tudo para que eu fosse um doutor, mas não deu. Até que me esforcei e quase cheguei lá, mas a bebida tomou conta e por mais que me esforçasse não conseguia parar. Eu tinha hora para começar e não para parar. Nos bares que frequentava amigos ainda pagavam uma dose ou outra, mas aos poucos isto foi rareando. Sem dinheiro, sem emprego nada mais me restava do que viver à custa dos meus pais.

           Um dia assisti a um crime bem na minha frente quando voltava para casa. Não vi que deu as facadas, pois estava embriagado e meus olhos nada enxergavam. Uma nevoa espessa parecia flutuar em minha mente. Tentei socorrer a vitima, mas socorrer como? Alguém passava na hora e me viu ajoelhado junto a ela com a faca na mão. Chamou a policia, fui preso, julgado e condenado há trinta anos em regime fechado. Não reclamei. Merecia por ser tão idiota, pois se não tivesse bebido isto não teria acontecido. Na prisão não bebi mais e nem me tornei um viciado em drogas. Graças a Deus. Achei que a prisão seria meu castigo e se um dia saísse seria outro homem. Tentaram me convencer a participar das reuniões que os pastores faziam. Não me interessei não porque não acreditasse em Deus. Eu acreditava. Naquele momento achava que seria falsidade me arrepender só por acreditar em Jesus.

           Cinco anos depois fui solto. Disseram que o verdadeiro assassino foi preso. Ninguém me procurou para se desculpar. Não me importei com isto. Foram cinco anos de abstinência. Na saída não vi meus pais. Depois fui saber que foram embora para sua terra. Interior do Maranhão. Não deviam saber de mim. Resolvi ser outro homem, estudar, trabalhar mostrar que a sociedade poderia acreditar em mim. Assim fiz e em oito anos me formei em engenharia civil. Mais três anos e já era um diretor de uma grande empresa construtora. Como era sozinho me entregava de corpo e alma ao meu novo sonho de me tornar dono de uma empresa como aquela. Não sei o que deu em mim em uma noite quando cheguei a minha casa. Encontrei deitada no sofá a Dona Josefa, faxineira que vinha três vezes por semana fazer limpeza. Ela estava com a saia levantada e sua calcinha deixava transparecer a sua penugem. Fiquei tonto. Um calor enorme no corpo. Havia mais de oito anos sem sexo. Meu membro endureceu. Fechei os olhos, tirei sua calcinha e entre nela sem pedir licença.

          Vi que ela acordou e não disse nada. Deixou que eu a possuísse sem reclamar. Nem camisinha usei. Jorrei tudo que tinha direito e não parei por ai. Parecia ensandecido por sexo. Estava insaciável. Exausto fui para minha cama e dormi o sono dos justos. Durante uma semana ela fingiu que não houve nada e eu também. Não era uma mulher jovem, devia ter seus trinta anos ou mais e até que era simpática, mas muito magra. Baixa, morena carnuda, cabelos crespos uns olhos castanhos profundos e sempre que me via abaixava a cabeça e nada dizia. Não pediu favores, não pediu nada. Seu salário continuou o mesmo. Durante três semanas minha mente matutava sobre o que fazer. Não fui homem para ela. Usei-a como se fosse uma lata de lixo, sem pedir licença e como se fosse o capitão do engenho. Se arrependimento matasse eu estaria morto.

          Passou um mês, dois e ela calada claro, trabalhando e executando a função que competia. No quarto mês notei que sua barriga crescera. Fiquei pasmo. Boquiaberto. Passei uma noite em claro. Ela engravidara? Um maldito eu era. Tinha de tomar uma atitude. Mas qual? Oferecer-lhe dinheiro? Casamento? Eu? Afinal ela uma simples faxineira e eu um executivo de sucesso. Naquela tarde sai mais cedo do trabalho. - Dona Josefa, falei, poderíamos conversar? Só eu falei. Ela nada dizia e só de cabeça baixa. No dia seguinte trouxe sua mudança. Duas malas e mais nada. Passou a morar no quarto de hospedes. Continuou executando suas tarefas, mas dificilmente trocávamos uma palavra. Eu a respeitava e nunca tentei fazer sexo com ela novamente. Nunca perguntei o que ela sentia e sabia se perguntasse ela não responderia. Não era minha esposa, não era uma faxineira, mas afinal ao que ela era? Quem sabe uma concubina, mas sem formalização de corpos. Todo seu pré-natal foi custeado por mim. Ficou em um quarto especial quando deu a luz.

           Nancy nasceu com três quilos e meio. Linda. Nunca vi uma criança como ela. Achava que era a mais linda da face da terra. Josefa teve um parto normal, mas no segundo dia sofreu uma parada cardíaca e não se recuperou. Morreu uma semana depois. Chorei como se ela fosse minha esposa. Acredito que tinha por ela um amor diferente, fechado, preso no coração e que não se soltava. Nunca soube se ela tinha parentes, nunca me contou sua vida. Agora nada mais importava. Eu tinha Nancy, eu faria dela a rainha do mundo! Cerquei-a de tudo. Contratei uma babá, quando ela fez cinco anos fiz questão de contratar uma governanta trilíngue. Ela ia cursar a melhor escola, teria as melhores roupas, tudo dela seria como de uma princesa. O que ganhava era para ela. Minha empresa crescia a olhos vistos, eu era outro homem. Não tinha olhos para outras mulheres e olhe que muitas faziam de tudo para me conquistar. Agora só via minha filha. Amava-a mais que tudo.

           O tempo foi passando, Nancy crescendo e cada dia mais linda ficava. Adorava sair com ela, teatros, cinema, melhores restaurantes e entrava de braços dados. Todos olhavam abismados. Lembro quando fomos a Paris e entramos no L’ambroisie um dos meus restaurantes prediletos e todos os olhos masculinos se viraram para ela. Um porte de princesa um sorriso encantador e eu sabia que se ela mandasse todos eles ficarem de joelhos em frente a ela eles obedeceriam. Uma noite de gala fui convidado para um espetáculo que se apresentava ano Teatro ala Scala em Milão na Itália. Eu sabia que era uma das mais famosas casas de ópera do mundo. Don Fagundes um conde bem considerado em Roma fez o convite. Fiquei sabendo que iriam apresentar “Die Walküre, e como não conhecia lá fui eu de braços dados com Nancy”. Ela nos seus dezesseis anos parecia uma jovem de vinte e um. Qual não foi a surpresa que ela sem perceber foi até o balcão onde estávamos e o teatro em peso deu um sussurro de admiração. Logo uma salva de palmas. Ela ficou vermelha de vergonha e sentou sem levantar mais.

            A levei para as mais lindas cidades do mundo. Eu a amava como um pai amoroso ama sua filha. Mas como dizem por aí, tudo que é bom dura pouco. Minha sina nunca foi marcada de felicidade para sempre. Eu mesmo estava espantado por ter tido a sorte que tive. Fiquei riquíssimo, uma linda filha, uma mansão na Côte d’Azur na França. Sempre passava as férias lá. Nancy era loira, naturalmente loira com cabelos amarelos cor de palha, olhos azuis um lindo corpo que atraiam homens que davam tudo para ficar ao lado dela. Estudava em um colégio feminino e Gustavo seu guarda costa já passava dos sessenta anos. Um dia Nancy desapareceu do colégio. Fiquei petrificado. Um medo grande de perdê-la. A polícia dizia para esperar vinte e quatro horas. – Moças desta idade sempre dão um passeio mais longo e davam risadinhas nada agradáveis. Passaram mais de vinte dias e nada. Contratei uma agencia de detetives, a melhor da cidade. Disse que pagaria oque fosse para encontrarem-na.

           Moreno o Chefe dos detetives me procurou no escritório em uma terça feira. Mostrou-me fotos dela. De braços dado com Anthony Pergiano. Um mafioso contrabandista dos mais perigosos. Não disse nada. Saí correndo e ele atrás dizendo que não era o melhor caminho. Na Vinte e Cinco de Março subi correndo o prédio do mafioso. Barraram-me no terceiro andar. Pelo celular mandaram deixar-me entrar. Minha linda filha, a quem eu mais amava sentada no colo daquele filho da puta mafioso foi como uma facada no coração. Ele devia ter uns trinta anos no máximo. – Porque Nancy, por quê? – Ela abaixou a cabeça e balbuciando disse que o amava. Não me disse nada, pois sabia que seria contra. – E porque não deu notícias? – Anthony proibiu. Disse que eu era dele e de mais ninguém. Olhei nos seus olhos e parecia que chorava as escondidas. Não me deixaram falar mais nada. Escorraçaram-me e ela nada fez para impedir.

            Maldito mafioso. Filho de uma puta descarado. Não ia ficar assim. Sabia que ela estava sofrendo uma pressão enorme. Moreno o detetive contratado me disse que a policia nada ia fazer. Ele mandava na policia. Lembrei-me de Parafuso. Um negro enorme que conheci na prisão. Sempre conversava comigo mesmo sabendo que não teria resposta. Precisava encontrá-lo a todo custo. Não foi difícil. Moreno o levou em minha casa uma semana depois. – Preciso de um favor. Preciso que consiga alguém para matar um homem poderoso. Um mafioso que tem a polícia nas mãos. Parafuso não perguntou o nome. Só disse onde ele morava e se tinha uma foto. Mostrei-o com minha filha abraçados. – A moça não eu disse. Ela é minha filha. Dei a ele trinta mil reais. – Faça o serviço e recebe mais duzentos mil. Ele calado saiu. Um mês depois os jornais em letras garrafais anunciavam a morte do mafioso – O senhor Anthony Pergiano morreu hoje. Deram nele onze tiros. Ele achava que tinha o corpo fechado. Não tinha guarda costas. A policia jurou que o crime não ia ficar impune.

           Ninguém sabia onde andava Nancy. Eu sabia que a tinha perdido. Se ela amava o mafioso não ia me perdoar nunca. Um mês depois recebi a noticia. Notícia não foi um coice de multa no rosto. Forte, marcou. E como marcou. Encontraram-na morta num Beco da Rua Augusta. Foi morta com onze tiros. A mesma quantidade que recebera seu amado. O mafioso filho da puta. Chorei e como chorei. O mundo desabou sobre mim. Eu sabia que em minha vida nunca seria feliz. Onde colocava as mãos o sangue derramava. Um ano depois vendi tudo que tinha. Já havia pago os duzentos mil ao parafuso que sumiu da cidade. Não me disse aonde ia. – Olhe seu Freedy, não fique por aqui ele me disse. Esta quadrilha não vai perdoá-lo. Mais cedo ou mais tarde o senhor vai receber o mesmo que sua filha. Eles já sabem que fui eu e olhe, nunca disse nada para ninguém que o senhor foi o mandante. Estou indo para Bolívia e de lá sem destino.

         Cheguei a Matões do Norte onde meus pais moravam uma semana depois. A cidade é considerada uma das quatro mais pobres do Brasil. O sitio onde estavam meus pais fazia pena. Um casebre de pau a pique. Com as próprias mãos fiz uma puxadinha de um quarto. Minha morada. Com as próprias mãos também construí minha mesa e uma cadeira. Ia a pé até a cidade para fazer uma feira. Uma feira pobre. Não podia chamar a atenção. Quer saber? Eu vivia feliz ali. Consegui esquecer tudo que fui e tudo que eu era. Só não dava para esquecer Nancy. Nem lembrava mais de Josefa. Que Deus a tenha. Foram quatro anos labutando no campo, onde fiquei “maneiro” com uma enxada e um enxadão e de olho na estrada. Nunca mais ouvi falar nos mafiosos. Deixaram-me em paz. Casei com uma rapariga nova que não conhecia. Seus pais ofereceram para mim por cem reais. Aceitei mas disse a ela que não teríamos filhos. Não poderia sofrer de novo a sede de vingança dos mafiosos filho da puta.

         Lena não sabia que seu marido era bilionário. Nunca iria saber até minha morte. Um advogado em São Luiz providenciou tudo. Não disse tudo. Só que tinha cinco mil em poupança e se morresse era dela. Risos. Eram mais de um bilhão e quatrocentos milhões de reais. Dinheiro suficiente para transformar aquela cidade em um paraíso. Eu? Eu continuei pobre. Tirava minha comida da lida diária aqui e ali. Do feijão plantado, do pequeno arrozal e da horta que fez inveja a muitos vizinhos. Lena foi à mulher que não tive. Gostava de mim e fazia tudo por mim. Ela não sabia que seria a mulher mais rica do brasil. O que iria fazer com tanto dinheiro? Iria casar novamente? Quase não pensava nisto. Não precisava pensar. O dinheiro muitas vezes é uma desgraça e só quem o tem sabe explicar melhor. Eu esperava que ela fosse feliz, que tivesse tudo que quisesse apesar de que nunca me pediu nada.

         Fiz setenta e cinco anos ontem. Os cabelos brancos aparecendo em quantidades. Apesar de ter uma aparência magérrima me sentia bem. Nunca senti dores e peço a Deus para não demorar em me levar. Sempre penso o porquê não morri até hoje. Aprendi a gostar de todas as tardes ficar cochilando em um banco na Praça de Matões do Norte. Fiz muitos amigos, até me convidaram para me candidatar a prefeito. Dei boas risadas. Minha vida era outra. Só esperava a hora de partir para o céu e pedir perdão a Josefa e Nancy. Não sabia se iriam me perdoar. Oscar Wilde já disse que o amor deveria perdoar todos os pecados, menos um pecado contra o amor. O amor verdadeiro deveria ter perdão para todas as vidas, menos para as vidas sem amor!

Fim.

Tomara
Que você volte depressa
Que você não se despeça
Nunca mais do meu carinho
E chore se arrependa
E pense muito
Que é melhor se sofrer junto
Que viver feliz sozinho

Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz

E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O rocambolesco escândalo da virgem Rebecca e o famoso Senador X.



Soneto do Prazer maior.

Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janela:

Faze-la vir abaixo, e com cautela.
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Aperta-la nos braços casta e bela:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vê-la rendida enfim a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que ha no mundo.
Bocage

O rocambolesco escândalo da virgem Rebecca e o famoso Senador X.

          Foram anos a procura dela. Anos que gastei o que tinha e fiz o que podia para saber seu paradeiro. Rebecca era única. Eu sabia que não ia amar a mais ninguém pois sem ela a vida para mim não tinha valor. Apesar de tudo eu não importava o que ela fez e a receberia de braços abertos. As notícias sobre ela deixaram de virar manchetes mas ninguém sabia onde ela foi parar. Dizem que as paixões nos levam a cometer erros e que o amor nos faz cometer desatinos que mais cedo ou mais tarde iremos nos arrepender. Um poeta anônimo escreveu que a cada dia que se passa você vai subindo um degrau dessa imensa escada algumas vezes você perde a força e cai depois se levanta e continua a subir essa escada de cabeça erguida. Pode ser. Eu não desisti e não vou desistir.

         Como fomos felizes juntos em nossa infância. De mãos dadas nunca iriamos saber o que o nosso futuro nos reservaria. Lembro-me de vê-la sorrindo na beira do Lago das borboletas, correndo entre elas, brincando sem as machucar. Apesar dos seus oito anos a cena merecia ser filmada e passada em todas as telas de cinema que existissem neste mundo. Eu fiquei ali inebriado com seu balé em meio às flores silvestres e a revoada das borboletas das mais variadas cores. Você se foi e eu voltei lá diversas vezes e não a vi. Sentado na Praça do soldado onde repassava a prova de história que teria no dia seguinte vi você parada na minha frente a dizer oi. Olhe quase cai do banco de madeira ao ver você. Sei que você sempre disse que foi o início de uma grande amizade. Para mim nunca foi.

        Alguém um dia me disse que a mais nobre paixão humana é aquela que ama a imagem da beleza em vez da realidade material. O maior prazer está na contemplação. Pode ser verdade. Eu nunca me cansava de olhar para você. Foram anos de juventude contemplativa e poucas vezes senti sua pele morena em minhas mãos. Nunca beijei você. Nunca. Quer saber? Nem sonhos eróticos eu tinha. Eu dizia para mim que poderia não ser hoje, poderia não ser amanhã mas algum dia eu iria realizar o meu grande sonho de ter você junto a mim para sempre. Quando tudo aconteceu você ia fazer dezesseis anos. Todos os anos que brincamos juntos, que cantamos e como sua voz era maravilhosa, como passeamos pelas ruas de Campos Dourados e eu sabia que ninguém duvidava que um dia iriamos fazer o par perfeito, nos casar, ter uma família e viver feliz para sempre. Mas isto só na minha mente. Ninguém nunca aceitaria estarmos casados. Sociedade hipócrita.

      Maldito Senador. Maldito mil vezes. Eu era uma pulga, um mosquito que ele com um simples bater de mão me destruiria. Porque foi a nossa cidade? Era pequena e ele que queria conquistar o mundo não precisava ter ido lá. Seu discurso em frente à Matriz de Santo Antonio foi arrebatador. As moçoilas da cidade estavam em estado de êxtase. Quando ele jogava seu topete já embranquecido de um lado ao outro elas suspiravam. Fizeram fila na porta do seu hotel. Diziam que ele era solteiro e aspirante a Presidente da Republica. Como foi bajulado. A cidade inteira ficou aos seus pés. Porque seu pai o convidou a sua casa? Não precisava. Mas ele foi só era uma das famílias mais conceituadas e como médico seu pai seria um cabo eleitoral dos mais perfeitos.

       Eu fiquei em frente sua casa, junto a uma multidão enquanto o Senador X se refastelava com o almoço cinco estrelas que sua mãe fazia. Você chegava à janela, me dava adeus, sorria e voltava para dentro. Os erros são os rascunhos da vida. E foi naquele dia que eu descobri uma coisa fantástica, talvez a mais fantástica de todas: Quando a gente para de procurar desesperadamente por um amor, a gente percebe que não pode amar qualquer coisa. Eu amava só você e mais ninguém. Fiquei feliz com a partida do Senador X. Mas o que me contou a noite me deixou atordoado. Seu pai autorizou você a ir morar na capital na casa do Senador X. Ele tinha prometido que você iria estudar no melhor colégio. Iria aprender a viver na melhor sociedade brasileira, prometeu mundos e fundos. E o pior, disse que a trataria como se fosse à filha que nunca teve. Eu gostaria de ter lhe dito que nunca acredite em uma lágrima, acredite na pessoa que derramou esta lágrima por você.

          Ele mandou sua limusine para sua viagem. Tentei me aproximar mas seu pai não deixou. Pediu-me que não atrapalhasse seu futuro brilhante. Eu perdi o sentido da vida. Sem você ela para mim não tinha mais valor. Pensava como estava vivendo, se sorria como outrora, e se deixou que o maldito Senador X a tocasse. Isto me embrulhava o estomago. Nunca podia imaginar ele acariciando seu rosto, seus seios, todo seu corpo que pensei que um dia seria meu. Sei que você não sabe, mas pense, pense que existe alguém que sorri só a ouvir o teu nome? Mas o mundo não para de girar, a vida segue sua rotina e o tempo foi passando, passando, e eu não me interessando por ninguém. O que aconteceu me deixou atabalhoada. Os jornais estamparam em letras garrafais – O Senador X quase foi morto por um jovem de nome Rebecca.

           Aquilo era impossível. Seus pais não me diriam nada. Com os parcos recursos que um dia guardei para nós parti para a capital. Eu sabia que não seria recebido pelo Senador X. Mas eu precisava saber onde você estava. Eu não ia deixar você sozinha. Eu jurei que éramos um só antes e seriamos sempre a mesma pessoa. Não iria condenar o que fizeste. Nunca. Perdoar é libertar alguém da culpa e descobrir que o prisioneiro era você! Fiquei vários dias no portão tentando saber de alguém onde você estava. Um jardineiro sorriu para mim. Era novo, me achou bonita. Sorri para ele. Deixei que me acariciasse apesar de sentir asco. Contou-me que por ser menor você foi para a Fundação Casa. Onde internam os menores infratores. Disse-me mais que você iria ficar lá por dois anos até fazer 18 anos. Eu não iria deixar. Combinei com o jardineiro de voltar à noite e deixar que ele me possuísse. Maldito que se masturbasse a vontade, pois ali nunca mais voltaria.

             Precisava conhecer alguém que trabalhava ali. Ninguém iria me deixar entrar. Afinal estava com meus dezessete anos e o que poderia acontecer é ser presa também. Uma mocinha magrinha muito simpática estava saindo do prédio. Aproximei-me. Disse que uma prima estava ali se ela conhecia. Ao dar o nome ela sorriu. – Olhe sua prima não está mais aqui. Ficava o dia inteiro gritando, dizendo que ia se matar. Foi levada para o Hospital psiquiátrico de Sorocaba. Meu dinheiro estava acabando. Comia quase nada. Um Cachorro quente aqui outro ali, mas deu para comprar uma passagem de ônibus até Sorocaba. Não foi difícil encontrar o hospital. Difícil era entrar lá e descobrir onde estava Rebecca. O jeito era me prostituir com um guarda. Não seria fácil. Era virgem, mas por Rebecca eu faria qualquer coisa.

            Antonio foi uma bela surpresa. Quando me aproximei dele ele sorriu para mim. Quando disse o que queria ele se assustou, quando ofereci meu corpo ele fechou a cara e disse que aquilo ele nunca faria. Era evangélico e respeitava todas as mulheres que um dia apareceram em sua vida. Disse que iria ajudar. Que eu voltasse no dia seguinte e ele iria se informar onde Rebecca estaria internada. Arrumou-me um uniforme de faxineira. Entrei sem problemas junto com ele. Quase chorei quando vi Rebecca. Estava um trapo. Aquela menina linda e formosa era sombra do agora. Ela não me reconheceu e só no segundo dia um lampejo passou em sua mente. Antonio me ajudou a fugir com ela. Deu-nos uma carona até Campinas. Não poderia voltar a nossa cidade. Ela seria presa novamente. O dinheiro acabou. Tive que me prostituir. Um rufião me fez uma proposta para trabalhar em São João da Barra. Estavam construindo o grande porto e era um ótimo local para fazer dinheiro se prostituindo.

              Rebecca me seguia onde fosse. Não era dona de si mais. Não tinha domínio sobre si e era mais um robô humano a me seguir. Faz onze anos que estamos morando em São João da Barra. Compramos a Boate Nostradamus. Ela não é a melhor, mas não nos deixou na miséria. Falta pouco para irmos embora daqui e quem sabe abrir um pequeno comercio em alguma cidade. Rebecca dorme comigo na mesma cama. Não fazemos sexo. Ela não sente nada. Mas eu durmo abraçado com ela. Eu a amo mais que tudo na vida. Nunca me perguntou pelos seus pais e pelo Senador X. Não contei para ela que ele e a família tinham morrido em um acidente aéreo. Não importava para ela. Eu e ela já temos mais de dezoito anos. Sei que seremos felizes, pois eu vou cuidar dela por toda minha vida. Como disse Shakespeare, é muito melhor viver sem felicidade do que sem amor. E eu amo muito a minha querida Rebecca. Sei que não disse, mas me chamo Monalisa e não sou bonita. Mas importa?  

Soneto do Monge caluniado.
 [anônimo]
Língua mordaz, infame e maldizente,
Não ouses murmurar do bom prelado:
Ainda que o vejas com Alcippe ao lado.
Amigo não será, será parente:

Geral da Ordem, pregador potente,
No jogo padre-mestre jubilado,
E também caloteiro descarado
Pode ser que o repute alguma gente:

E que te importa que fornique a moça?
Que pregue o evangelho por dinheiro? [pé quebrado]
Que em vez de andar a pé ande em carroça?

Talvez que disso seja um verdadeiro
Dos monges exemplar, da Serra d'Ossa,

Pois que dos monges é hoje o primeiro. (anônimo)