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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A canção do adeus


Canção do Adeus

Digo-te adeus e talvez
Ainda te queira
Não sei se vou te esquecer,
Mas te digo adeus
Não sei se você me quis
Não sei se eu te quis
Ou talvez a gente se quis
Demais os dois.
Este meu carinho,
Apaixonado e louco.
Eu o semeei na minha alma
Para te querer a ti.
Não sei se te amei muito,
Não sei se te amei pouco.
O que eu sim sei é que nunca
Voltarei a amar assim.
Fico com teu sorriso,
Gravado nas minhas lembranças
Y o coração me diz,
Que não vou te esquecer.
Mas ao ficar sozinho,
Sabendo que perco você
Talvez comece a te amar,
Como jamais te amei.
Digo-te adeus e talvez,
Nesta despedida.
Meu sonho mais bonito,
Morra dentro de mim,
Mas te digo adeus,
Para toda a vida.
Ainda que toda a vida,
Continue pensando em você,
Continue pensando em você,
Continue pensando em você.
(Horacio Guarany – José Angel Buesa)

 A canção do adeus

              Há dias eu estava assim. Não me lembrava do meu passado. Não sabia de onde tinha vindo. Lembrar para que? Estava bebendo sempre, achava que não tinha parado nem um minuto. Eu devia ser rico, pois sempre tinha uns tostões para pagar a bebida. Sempre ficava ali naquela cadeira do canto do bar do Joel. Não olhava para ninguém. Não tinha motivo. Conhecia o Joel, o único, o barman que se tornou meu amigo. Ele era prestativo e educado. Não perguntava o que houve, não dava conselhos e não ficava encarando. Os outros bares que já tinha percorrido não.

                As madrugadas, Joel me colocava em um taxi e dava o endereço. Joel sabia. Não entendia como o porteiro do prédio me levava até meu apartamento. Abria a porta, me colocava na cama, tirava meus sapatos e ia embora. Devo ter sido boa pessoa. Todos eram gentis comigo. Acordava ainda de madrugada. Suando. Nem me lembrava do que sonhei, mas tinha sido um pesadelo. Tinha sido sempre assim. Levantava e olhava a mesinha. Lá estava meu uísque. Não podia faltar. Nem sabia quem o comprava.

                Já começava o dia bebendo. Sentia uma fraqueza no corpo, um vazio, como se fosse explodir para dentro. Devia haver um motivo. Tinha de haver. Mas minha mente se recusava a voltar ao passado. Eu tinha passado? Claro que sim. Todos têm. Parece a piada que dizia assim – “Ontem eu bebi para esquecer. Bebi tanto que esqueci. Hoje estou bebendo para lembrar”. Disso eu me lembro. Risos. Lembro até das outras piadinhas:

- Uma mulher me levou a beber... E eu nem agradeci!
- Aos que bebem para esquecer, favor pagar adiantado!
- Quem bebe morre, quem não bebe morre também, então vamos beber!

                  Eu lembrava, mas não ria. Não achava mais graça. Não achava graça de nada. Preferia estar morto. Acho que era um zumbi, a andar por aí como um morto vivo. Sem nada para fazer a não ser beber. Vesti uma roupa limpa. Uma camisa branca de mangas compridas, uma calça cinza esporte, um paletó também cinza esporte e achei um Mocassim marrom que poderia calçar sem meia.  Custei a achar a porta da sala. Nem fechei. Sabia que alguém a fecharia. Na porta do prédio todos me chamavam de doutor. Doutor? Doutor de que? Não respondia. Não sabia o que dizer.

                   Olhei para o céu, o sol estava se pondo. Tão tarde assim? Achei que tinha dormido pouco. Dormi o dia todo. Meu estomago pedia um bife. Um bife ou um drink? Acho melhor um drink primeiro. Já conhecia todos os bares e restaurantes ali perto. Não gostava de nenhum deles. Sempre me aconselhando. Dizendo o que tinha de fazer. Preferia o bar do Joel. Lá em me escondia em meu próprio corpo e nem sabia quem estava lá. Peguei um taxi. Só disse bar do Joel. Ele sabia onde era.

                    Parei na porta. Desci, uma jovem linda me cumprimentou. Boa tarde Doutor Marcio Basseto. Ela sabia meu nome? Chamei-a, ela sorriu e se aproximou. Você me conhece? Quem não conhece o senhor Doutor Marcio Basseto? O maior cientista vivo do país. Riu e se foi. Meu nome é Marcio? Boa bisca não devo ter sido para não me lembrar de nada. E ainda vivo? Estou morto e só ela não sabia. Risos. Entrei no bar do Joel. Foi para minha cadeira e minha mesa. Joel colocou uma garrafa na mesa. Um legítimo Buchanans 18 anos. Não era barato. Mas era o meu preferido.

                   Chegava ao anoitecer e quando Joel ia fechar eu saia. Sempre o mesmo taxi. O mesmo porteiro, o mesmo apartamento, a mesma cama e os pesadelos. Uma noite no bar do Joel, alguém sentou em minha frente. Doutor Marcio Basseto, permite-me. Permite-me? Já sentou “cacete” falei. Nem olhei, não precisava, varias vezes alguém aparecia para conversar e eu não queria. Conversar o que? Não sabia nada, não me lembrava de nada. Não conhecia ninguém. – Estou aqui a pedido de dona Eugênia Basseto. Olhei para ele. Na casa de seus 55 anos. Cabelos negros grandes com mechas brancas. Um bigode já ficando também branco. Todo o tipo de um advogado.

                   Doutor Marcio eu estou aqui em nome da Dona Eugenia Basseto. Levantei. Olhei para ele e sai do bar. Não estava a fim de conversar. Não estava a fim de lembrar. Não estava a fim de nada. Cacete! Ele devia saber. Não foi a primeira vez que me procurou. Se eu bebia era para esquecer e não ficar conversando com advogados idiotas. Não queria lembrar-se do meu passado. Pequei o primeiro taxi. Parou, entrei, para onde Doutor Marcio? Era sempre assim, eu era um “merda”. Não poderia me esconder nunca. Me leve ao inferno, por favor! Quem sabe o diabo me dá sossego?

                  Ele sabia. Levava-me ao bar do Joel de novo. Dava umas duas voltas e voltava ao ponto de partida. Minha garrafa de Buchanans estava lá. Joel sabia que eu ia voltar. Um dia desmaiei na mesa. Joel correu e chamou uma ambulância. Só acordei com o corpo em pandarecos num apartamento de um hospital. Em volta duas enfermeiras e um médico. Gritei – Meu uísque onde está? Ninguém respondeu. Tentei levantar não deu. Fios e buracos no corpo para todo lado. Chorei. Chorava querendo meu drink. Eles não diziam nada. Desmaiei. Acho que me sedaram.

                    Acordei calmo. Olhei o teto, não era do hospital. Um azul profundo. Não era teto ou era? Eu via o céu. Mas estava em uma cama. Meu corpo não doía. Não tinha fios ligados ao meu corpo. Olhei de lado e não vi ninguém. Muitas árvores. Muitas flores, bem perto uma bica de água doce corria e cantava sons intermitentes como se fosse uma obra de Bach. Johann Sebastian Bach. O meu preferido. Não sabia qual sonata, mas uns sabiás pousaram em uma árvore próxima. Canários rajados, amarelos e azuis faziam acrobacias no ar.

                   Onde estava? Uma nuvem branca se aproximava. Era ela. Tinha certeza. Maria Inês se aproximava com aquele seu sorriso que nunca esqueci. Ou já tinha esquecido? Junto a ela de mãos dadas, Darlene de um lado e Mauricio de outro. Todos sorriso se aproximando. Bach estava chegando ao auge com sua melodia. Minha cabeça começou a doer. Gritei alto. Não! Não deixe que ela se vá de novo!

                    Acordei suando. Gemendo. Médicos e enfermeiras do meu lado. Chega! Pelo amor de Deus! Não me cedem mais. Não estou agüentando! Eles não diziam nada. Apenas sorriam. Um sorriso enigmático. Porque não tiram minha vida? Matem-me ou me deixem ir para o meu lar. A mesa do bar do Joel. Lá pelo menos ele me entende. Ninguem dizia nada. Mamãe estava ali. Assim ela dizia. Claro lembrava que Já tinha dito que desaparecesse da minha vida. Nunca me ajudou. Sempre me odiou por ter casado com Maria Inês. Agora ficava sempre ao meu lado como uma ave de mau agouro.

                    Na minha mente, tocava harmoniosamente as Sonatas para flauta de Bach. Mas meu estomago pedia meu uísque. Malditos. Tragam meu uísque! Mas ninguém me atendia. Médicos e enfermeiras ali, feito idiotas sorrindo e me sedando. Dormi de novo. Uma sensação de alegria de novo. Lá estava Maria Inês correndo para mim, ao seu lado Darlene e Mauricio. A música aumentava o som. Pedia a Bach para não tocar tão alto as sonatas para flautas. Minha mente começava a gritar, o suor chegava. Tudo desaparecia. Meu Deus! Acho que estou louco. Uma bebida pelo amor de Deus! Pelo amor de Deus!

                    Naquele dia quanto acordei não havia médicos. Ninguém no quarto. Levantei cambaleando. Muitos fios. Arranquei todos. Estava amarrado com uma bata azul clara. A bunda de fora. Por baixo nada. Olhei a janela, três andares. Dava para tentar descer. Tinha saliências entre um andar e outro. Consegui chegar ao primeiro depois caí no vácuo. Não perdi os sentidos, mas a perna esquerda doía muito. Mesmo assim saí mancando. Peguei um taxi, nem precisei falar. Levou-me ao meu edifício. Zezé o porteiro abriu a porta e me conduziu ao apartamento.

                    Lá estava ela, linda, como a amava aquela garrafa. Corri até ela. Coloquei o liquido no copo. Não sei por que nunca bebi no gargalo. Talvez fosse um costume do passado. Não sabia. Sentei em uma cadeira. Fechei os olhos. Enchi o copo novamente. Estava melhorando. Sabia o que fazer. Um banho! Isso! Tinha mais de duas semanas que não tomava um. Escolhi uma camisa azul clara. Mangas compridas. Uma calça azul de mescla. Um paletó marrom esporte. O Mocassim de sempre.

                  Pela primeira vez resolvi ir ao bar do Joel a pé. Estava um ar gostoso. Já tinha bebido quatro drinks. Notei que todos que me olhavam me cumprimentavam. Devia ser muito conhecido ou tinha muitas dívidas. Meu estomago doía de fome. Nunca pensava em comer só beber. Vi na esquina um carrinho de cachorro quente. Quanto tempo não comia um? Acho que muitos e muitos anos. Ainda não sabia o motivo, mas agora ia tirar o atraso. Sentei no meio fio, comecei a comer um. Pela primeira vez senti o gosto.

                 Alguém sentou ao meu lado. Um mendigo. Sujo. Imundo. Um cheiro ruim. Não importei. Pedi ao moço do cachorro quente que fizesse um para ele. Ficamos ali os dois sem falar nada. Comemos quatro cachorros quentes. Levantei, tirei do bolso duas notas de cem, dei para o mendigo. Paguei com uma de cinqüenta ao moço do cachorro quente. Fique com o troco eu disse. Se tinha tanto dinheiro no bolso tinha que ser rico.

                Já estava escurecendo quando cheguei ao bar do Joel. Alguém na minha mesa. Não gostei. Joel me disse que a moça queria falar comigo. Não iria embora enquanto eu não atendesse. Merda! Merda! Fui até lá. – Diga logo, essa mesa é minha e não gosto de convidados. Ela levantou a cabeça, sorriu. Um sorriso de Mona Lisa. Estava gostando daquele sorriso. Não podia. Tinha um passado que não lembrava e que me proibia.

                Sentei. Ela me olhou dentro dos olhos. Tenho uma proposta disse. Obrigado, eu mesmo compro minha bebida. E não gosto de prostitutas. Nada disso completou – Minha empresa tem um bom salário a lhe oferecer se resolver voltar a trabalhar e largar a bebida. Olhei para ela profundamente. Proposta? A única proposta que quero fazer é com Deus se ele me aceitar quando partir desta para melhor. Ela completou - Vou lhe deixar um cartão. Qualquer coisa me telefone.

                Levantou-se e saiu rebolando. Pela primeira vez assim achava, senti um pequeno calor no corpo. Logo Joel trouxe meu uísque. Beberiquei devagar o primeiro drink. Não estava entendendo. Só fazia isso quando passava dos dez. Por mais de uma hora não sorvi ele todo. Estava pensando. Mas juro que não sabia em que. Minha mente se fechava quando tentava lembrar. Agora lembrava mais amiúde do meu pesadelo. No inicio o sonho mais lindo que um homem podia ter depois o seu pior pesadelo.

               Pedi ao Joel colocar Bach. As Sonatas para Flautas. Não sei por que a chamava da Canção do Adeus. Tinha de haver um motivo. Não sabia. Não lembrava. Que merda meu Deus! Desculpe Deus! Foi sem querer. Fechei os olhos. Lá estava ela, linda, sorrindo, flutuando em nuvens brancas levadas pelo vento. Juntos Darlene e Mauricio. Mas que diabos eram isso? Quem eram eles? Abria os olhos. Joel atrás do balcão, alguns outros bebendo nas mesas subseqüentes. Um reclamou da Sonata de Bach. Joel o mandou para o inferno. Ri baixinho.

               Hora de fechar Doutor. Joel agora me chamava de Doutor.  Levou-me até o taxi. Este me deixou na porta do meu prédio. Não vi o Zezé. Era outro porteiro. Onde está o Zezé? - Foi embora. Pediu demissão. Voltou para sua terra no norte. Dizia que lá se vive aqui se vegeta. Pela primeira vez ninguém me levou ao meu apartamento. Subi as escadas com dificuldade. Não quis ir de elevador. Achava que desta vez bebi menos. Precisava me exercitar. No segundo andar senti uma forte dor no peito.

                  Acordei de novo no tal hospital. Lá estavam duas enfermeiras e o médico. Em pé, feito três panacas. Olhando-me e sorrindo. Não diziam nada. Ao lado minha mãe. Dona Eugenia Basseto. Mãe? Que mãe? Quando conseguia me lembrar nunca pensava em amor, só em ódio. – Ela dizia você vai morrer assim, Marcio Basseto. Eu sei que é o que você quer. Mas não se foge assim dos problemas. Senti uma dor aguda de novo no coração. Médicos acorreram. Massagens cardíacas. Nada. Meu coração parou de bater.

Prólogo                                       

                 Há três anos atrás, os maiores jornais do país em letras garrafais de primeira página, traziam escritos – DOUTOR MARCIO BASSETO, O PRIMEIRO BRASILEIRO A GANHAR O PREMIO NOBEL. Comparavam-no a Pierre Curie e Maria Curie pelo estudo da radioatividade. A maior descoberta na época. O Doutor Marcio, sem ajuda governamental e muitas vezes gastando do próprio bolso comprovou que a explosão de um tipo específico de estrela no fim de sua vida (supernova) e a análise da luz emitida nessas situações, demonstra que o universo cresce de forma acelerada e não cada vez mais devagar como se supunha.

                 A nação estava em polvorosa, pois nunca esperavam que um brasileiro pudesse ganhar um prêmio desta magnitude. Dois anos depois, os jornais traziam em letras garrafais na primeira página – O DOUTOR MARCIO BASSETO, É BALEADO NO JARDIM DAS ROSAS, E VIROU HEROI DO POVO. Seis terroristas tentaram matar os filhos do Presidente da Republica, que acompanhado de amigos e seguranças, estavam indo a pé para uma partida de futebol de salão.

                 O Doutor Marcio Basseto, sua esposa dona Maria Inês e seus dois filhos de seis e sete anos, Darlene e Mauricio, brincavam no jardim das Rosas quando os terroristas começaram a atirar. Doutor Marcio num ato heróico pegou um dos terroristas, tomou sua arma e matou três deles, outros dois ficaram feridos e o sexto fugiu, sendo capturado logo a seguir pela policia. Infelizmente os tiros dos bandidos mataram na hora a esposa e os filhos do Doutor Marcio. Ele levado ao hospital sobreviveu de uma bala alojada no cérebro que o fez perder a memória para sempre.

                 O Doutor Marcio Basseto e sua mãe dona Eugenia Basseto, pertenciam à aristocracia nacional. Ela sempre requisitada para festas beneficentes. Parece que não se dava bem com o filho. Doutor Marcio, filho único se distanciou de tudo e de todos quando resolveu se casar com Maria Inês uma jovem simples e humilde que morava em uma favela da capital.

                Os jornais do dia trouxeram a ultima noticia do dia, desta vez em uma pagina escondida onde se lia – Doutor Marcio Basseto. 1960 – 2008. O famoso físico Doutor Marcio Basseto, morreu ontem à tarde, no hospital Conrado Pacífico, vitima de parada cardíaca.  A família enlutada convida para o féretro que será realizado hoje, às quatro da tarde, no cemitério Jardim da Saudade.

       

Amor é um fogo que arde sem se ver, 
é ferida que dói, e não se sente; 
é um contentamento descontente, 
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer; 
é um andar solitário entre a gente; 
é nunca contentar se de contente; 
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade; 
é servir a quem vence o vencedor; 
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor 
nos corações humanos amizade, 
se tão contrário a si é o mesmo Amor? 

Luis de Camões                    

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Um golpe de Mestre.



Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Um golpe de Mestre.

                O Comendador Teobaldo Lascarim estava com os olhos vidrados, uma dor terrível em todo o corpo nu e amarrado em uma mesa com as pernas abertas. Gerônimo não o perdoou. Logo ele quem O Comendador empregou com seu principal capataz na Fazenda Luar do Sertão e sempre o prestigiou. Agora queria matá-lo e no fundo até que tinha razão, mas “pombas” ele não ofereceu a triplicar seu salário? A comprar um carrinho para ele? A dar a melhor casa da fazenda para ele? O Comendador não podia se mexer. Sentia no seu traseiro gordo o enorme pedaço de pau que o Filho da Puta do Jerônimo tinha enfiado. Já não sangrava mais e Jerônimo sempre que aparecia tinha o prazer inato de tirar e enfiar de novo – Se continuar assim eu vou morrer! Ele disse. -  Que morra desgraçado. Isto não é nada com o que ainda vou lhe fazer! O Comendador Teobaldo Lascarim sabia que não haveria perdão.

                O Comendador sabia que ele não teria salvação. Se o Delegado Paludo desconfiasse tudo bem, ele nunca poderia achá-lo ali naquela choupana proximo ao Rio Verde. Mas seria um milagre e ele nunca acreditou em milagres. Gerônimo vinha à noite e pela madrugada. Sabido o cara. Trabalhando ninguém desconfiaria dele. Porque entrou naquela fria? Maldito tesão dos infernos. Sempre ele para desgraçar sua vida. Não fora a primeira vez e se não fosse suas posição na comunidade, já teria levado alguns anos de cadeia. Lembrava-se de tudo. Como todos os dias ia até a cidade para ver como andava seu Cartório do 1º Ofício. Quase não ficava lá. Viu Nininha correndo para pegar o ônibus da escola. Não conseguiu. Ele parou e ofereceu uma carona. Ela sorridente entrou no seu Buick reformado. Ele adorava aquele carro. Tinha mais dois zero quilômetros na garagem de sua fazenda, mas o Buick era seu preferido.

                 Nininha parecia ter onze ou doze anos. Magrinha uma teteia, pois seus seios exuberantes já demonstravam sua força. O Comendador olhava de esguelha sem tirar os olhos da estrada. Ele gostava de meninas. Em fins de semana sempre tinha uma ou duas a disposição na fazenda. Pagava bem aos pais para não ter problemas depois e sabia que o Delegado Paludo também tinha as mesmas taras. Quer saber? Todos os homens proeminentes em Natividade eram pródigos em procurar uma menininha para passar o tempo. Sempre tinha pais que vendiam e sabiam que pagavam bem. Ele com sua mão direita colocou nas pernas de Nininha. Ela sorriu para ele. Sentiu seu corpo ferver. Estava bom demais aquilo. Sem mandar ela acariciou sua protuberância com sua mãozinha pequena. Ele entrou em uma estrada de terra e não deu outra. Possuiu a menina ali mesmo. Ela não reclamava só pedia para ser atrás, pois era virgem. Não gritou e nem gemeu.

                   Mas que “merda” no dia seguinte Jerônimo o pegou de jeito ao sair na porteira da fazenda. O Comendador não esperava aquilo. Jerônimo era seu empregado e sempre foi pacato e obediente. Com brutalidade o empurrou para o lado do passageiro e com um facão o mandou ficar calado. Engatou uma primeira e uma segunda no Buick e saiu a toda pela estradinha. Quando percebeu estavam na Beira do Rio Verde, numa choupana que há tempos ninguém usava. Jerônimo não dizia nada. O amarrou na pequena mesa e cortou suas roupas com o facão o deixado nu. O pior aconteceu. Sentiu quando Jerônimo enfiou aquele galho cortado em seu traseiro. Como doeu e ele nem sabia por que Jerônimo fazia isto. O deixou lá amarrado à mesa com as pernas abertas e se foi. O Comendador gritou feito um peão danado. E quem ouvia? Ninguém ele sabia. Ficou rouco de tanto gritar. À noitinha Jerônimo apareceu. Deu-lhe água e um pouco de arroz com feijão. O Comendador sempre perguntando o porquê ele fazia isto com ele.

                   Só no segundo dia ele disse. - Se quer sair daqui sem morrer bode Velho escreva um bilhete para o Gerente do Cartório dizendo que fez uma pequena viagem e só daqui a alguns dias irá voltar. Já estava ali há dias ele mesmo nem sabia quantos. Sentia que não ia durar muito. Sempre Jerônimo lhe dando comida e água e enfiando o galho naquele lugar. A noite ele ficou sabendo o porquê. Nem sabia que Jerônimo era o pai de Nininha.  Ele nunca foi a sua casa e nunca viu a menina com ele. Jerônimo não falou mais nada. Só disse que ele iria morrer da forma mais horrenda do mundo. Com um pau enfiado em seu trazeiro, amarrado a uma mesa e ele iria parar de levar comida e agua. Que você morra seu Filho da Puta ele disse. No dia seguinte sua ração de água e comida foi cortada. O Comendador chorava a cântaros. Pedia perdão dizia que daria tudo para ele soltá-lo. No dia seguinte Jerônimo pôs as cartas na mesa: – Com um Lepitot o mandou transferir todo seu dinheiro na conta de alguém chamado Aristides Peixoto.

                  O Comendador Teobaldo Lascarim passou uma noite do cão. Ele não acreditava em uma palavra do que dizia Jerônimo em soltá-lo. Mas sempre a duvida está presente e se fosse verdade? Melhor dar o dinheiro a ele e rezar para que ele o soltasse. Transferiu dezoito milhões da poupança e quatro milhões de sua conta pessoal. Pelo menos seus investimentos não poderiam ser transferidos e ele poderia fazer dinheiro com eles quando quisesse. Achou que tinha morrido quando ouviu vozes. Era o Delegado Paludo e mais três praças. Soltaram-no e o levaram para o Hospital Santa Maria. Ficou lá dez dias. Recuperou logo suas forças e só a parte do trazeiro é que ardia demais. O delegado lhe disse que encontraram seu Buick perto de Santana do Livramento há mais de setecentos quilômetros de sua cidade. Prometeu a Deus que nunca mais iria olhar para uma menina. Para ele chegava àquela que quase o matou. Promessas, promessas... E quem acredita nelas?

                   Nininha de óculos escuros, escondida em um biquíni para adultos, se refastelava em uma cadeira da praia particular do Hotel Sirenusi em Mar Del Plata. Estava só e Aristides, ou melhor, Jerônimo tinha viajado até o sul do Brasil a procura de um emprego em alguma fazenda de um ricaço. Nininha na realidade tinha dezessete anos e rosto de anjo de doze. Todos achavam que ela era uma menininha e ela fingia bem. Sabia corar, sabia rebolar, sabia gemer se preciso quando uma vara a penetrava. Ganhou muito dinheiro com isto e pretendia ganhar mais. O Comendador foi uma de suas vítimas. Tudo planejado de antemão. Aristides era um excelente peão boiadeiro e não tinha dificuldades de se empregar em qualquer fazenda. Conheceu Aristides em Araçatuba há cinco anos. Ele bêbado tentou agarrá-la. Ela o levou até sua casa na periferia e ali ele desmaiou. No dia seguinte ela fez sua vontade. Ele achando que era uma menina virgem.

                    Tudo foi o começo. O medo de ela contar para alguém, principalmente o delegado o fez escravo dela. A danada filmou tudo que ele fez com ela. Como era sabida. Quando ele soube que ela tinha dezessete anos ficou possesso. Tentou estrangulá-la, mas ela com um punhal no seu pescoço o fizeram desistir. Ficaram sócios nos golpes que ela armava. Um dia pensou em sumir com o dinheiro, pois todos depositavam em seu nome em uma conta que tinha em Montevidéu. Ela o engendrou de tal jeito que ele não teve escapatória. Tinha uma declaração dele que a tinha estuprado enquanto dormia e tinha o filme. A danada não se sabe como tinha uma identidade onde dizia ter onze anos. Ela com outra identidade falsa tinha contas em vários bancos. Dava para Aristides dez por cento do que conseguiam e pagava todas suas despesas. Ela sabia que mais cedo ou mais tarde tinha de dar um sumiço nele e isto não seria difícil.

                     Em uma tarde de novembro, na cidade de Jersey no Rio Grande do Sul, durante uma exposição de gado Holandês Aristides conseguiu um emprego na fazenda do Coronel Salud que adorou seu modo de tratar os animais. Nininha chegou à noite e viu o Coronel Salud. Não demorou dois dias e planejou tudo. Aristides era seu pau mandado e ficava admirado em ver aquela menina, com cara de novinha e corpo sem graça a não ser os seios atrair os homens como ela atraia. Ele não reclamava, pois sua conta no banco tinha engordado bastante desde que a conheceu. E assim, de golpe em golpe Aristides um dia foi traído pelo destino. Ou será que foi por ela? Quando o Coronel Salud sofria com um galho no trazeiro, nu e amarrado em uma mesa foi surpreendido pelo Delegado Praxedes. O delegado não era boa bisca e chegou atirando. Aristides com os olhos arregalados nem tempo teve de saber o que ouve e como o delegado ficou sabendo. Agora Aristides prestava contas na porta do inferno onde o diabo rindo o esperava.

                  De Nininha ninguém soube mais. Um dia o Comendador Teobaldo Lascarim viu em um jornal da capital a foto do Príncipe de Astúrias George Lascanes que se casava com uma jovem mexicana. Presente Presidentes Reis e Rainhas. A foto não deixava dúvidas. Era Nininha. Ele riu e correu a mostrar ao delegado Paludo. - Comendador, deste buraco não sai coelho. Acusar esta menina dos crimes que cometeu aqui é mexer com o diabo. O cara é príncipe e vai ser rei. Deixa prá lá. Um dia ela encontra seu destino e vai se danar também. O Comendador riu baixinho. Foi duro o pau que ele carregou no traseiro por uma semana. Mas a menina era uma delicia. Ele nunca esqueceu a “trepada” que deu com ela. Mas não dizem que existem males que vem para o bem? Hoje ele está casado com Dindinha, uma menina de catorze anos de cair o queixo. Afinal ele gostava disto e se sofreu merece agora melhor sorte. Nem imaginava que Dindinha era amante de Ponsigolo. Um peão que ele empregara seis meses antes.

                  É... Não tem jeito. Que assim seja, pois não dizem que enquanto houver cavalo São Jorge não anda a pé? Risos.

“Se algum dos senhores quiser mandar uma mensagem ao diabo, digam-me imediatamente, pois estou prestes a encontrá-lo.”

Via Láctea
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”.

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”.

Olavo Bilac