Bem vindo ao blog do Osvaldo

Seja bem vindo a este blog. Espero que aqui você encontre boas historias para passar o tempo, e claro, que goste.

Honrado com sua presença. Volte sempre!

quarta-feira, 22 de junho de 2016

A cruz do meu destino.


Vida de drogado

Vagueias pelas ruas,
Perdido em teus pensamentos,
Já não sabes onde moras,
Pensas e agora choras,
Tua vida, feita de tormentos.
Já não te lembras como foi,
Deixaste-a entrar na tua vida.
No início era tudo mágico,
E depois da tua alma esquecida
Não vês como é tudo trágico.
Queres deixá-la e não consegues,
Quem te ajudará agora?
Ela não te irá perdoar
Tinhas tanto para viver lá fora…
E tu preso nela, a amargurar.
Pensas no fim que terás,
Procuras avidamente dinheiro,
Doente e desesperado,
No meio de uma noite escura,
Só a vida de drogado,
Não te permite ver tua figura.

luso poemas

A cruz do meu destino.

                           Disseram-me um dia que precisamos ter sorte para a vida nos sorrir sempre. Nunca acreditei nisso. Não acredito em sorte. Acredito em escolhas. Estas sim decidem nosso destino. Afinal sempre disseram que temos o livro arbítrio para decidir o certo e o errado. Às vezes tomamos um caminho incerto achando que era o certo. Tomamos decisões que nunca deveriam ter sido tomadas. Mas e daí? Voltar atrás? Pensar de novo se a escolha foi correta? Absurdo. Uma vez a decisão tomada não tem volta. Ou tem?

                           Tudo começou quando fiz dezesseis anos. Loira, esbelta, corpo de Afrodite, uma perfeita combinação da mulher perfeita. Acreditava que sabia de tudo. Tinha todas as respostas. Até minhas amigas me achavam uma auto didata. Risos. Não era nada. Se tivesse metade do juízo delas não seria o que sou hoje. Mamãe sempre implicando. Papai ausente. Resolvi estudar a noite. Todos os meus amigos assim o faziam. Minha mãe dizia que deveria continuar no colégio onde estava. Lutavam com dificuldade, mas conseguiam sempre pagar a mensalidade.

                            Foi à conta. No Colégio Santa Maria das Mercês, do Estado, conheci Venâncio. Amor à primeira vista. Risos. Amor? Quem dera se fosse hoje. Mas os jovens acreditam em tudo. Entreguei-me a Venâncio. Como dizem por aí “ficávamos” em todos os lugares. A princípio usava preservativo, depois a paixão tomava conta. Esquecia de tudo. Durante um ano foi assim. Mesmo com minha mãe proibindo eu saia com ele. Braços dados, amor daqui, amor dali, paixão, todos sabem como é. Começa assim depois não quero vê-la nunca mais.

                          Não culpo Venâncio. Ele foi à mão do meu destino. Senti que estava grávida. Medo terrível. Precisava falar com minha mãe. Venâncio comprou uns comprimidos que se tomasse abortaria. Medo maior ainda. O Padre Juventino dizia que ia para o fogo do inferno quem fizesse aborto. Não tomei as pílulas. Tomei coragem. Falei com minha mãe. Que mãe eu tenho. – Gracielle, agora não tem volta. Vamos enfrentar juntas. Lembre-se, sua vida vai mudar. Ser mãe não é como ontem. Vamos exigir muito de você.

                         Estava no sexto mês de gravidez quando Venâncio me convidou para fumar um baseado. – É bom! Experimente! Dei uma tragada. Tossi muito. Vamos meu amor, não tenha medo. Isso vai ajudar a você enfrentar daqui para frente sua gravidez. É. Venâncio era um ingênuo. Sempre foi. Começou com um amigo dele. Traficante. Ele não sabia. Fumei um, dois, três e foi só o começo. Achava lindo. Minha mente abria, o céu era mais azul. Os pássaros cantavam como nunca tinha visto.

                         No oitavo mês comecei a dar os primeiros “caldos” com Venâncio. Um medo terrível no início. Depois usava a seringa com perfeição. Foi o princípio de tudo. Ficava relaxada, um mundo continuava azul, o sol lindo, as flores tinham um perfume que parecia o início da primavera em um bosque florido.  Nunca errei a veia certa. Uma vez a bomba entupiu. Estava com uma ressaca grande. Forçava e Venâncio me ajudava. “Bombei” no lugar errado. Passei mal, desmaiei.

                       Após o uso contínuo eu queria algum mais pesado. A droga estava perdendo o efeito. Venâncio perdeu o emprego. Lico Boca Torta queria dinheiro. Nada de graça. Minha decadência já tinha hora certa para começar, risos. Já tinha começado há tempos. Roubava tudo que encontrava em casa e não demorou para que minha mãe e meu pai descobrirem. Não entendiam porque fazia isso. Não sabiam que estava usando drogas. Escondia as marcas em meus braços, escondia tudo. Mas minha mãe um dia me viu prostrada na cama, seminua, gemendo pedido uma picada, só uma eu dizia.

                     Ela chorou muito. Falou com meu pai. Foram super compreensivos. Levaram-me até o padre Juventino. Ele me convidou a fazer parte do grupo dos Acólitos Anônimos. Lá eles também discutiam as drogas. Vi que era uma irmandade de homens e mulheres que compartilhavam suas experiências a fim de resolver seus problemas. Participei em três. Venâncio só foi à primeira. Depois ele desapareceu. Sentia uma falta tremenda dele e mais ainda da embriaguês infernal das drogas.

                      Resolvi sair de casa a procura de Venâncio. Foi a partir daí que começou minha decadência. Agora vivia no submundo e a correr atrás das “paradas”. Encontrei Venâncio drogado na Boca do Lixo. Cracolândia melhor dizendo. Precisava da droga, precisava mais que tudo. Venâncio me aconselhou a prostituir. Mas com aquela barriga não seria fácil. Mesmo assim encontrei homens para fazer um “boquete” por cinco, dez até vinte reais. Meu Deus! Que coisa horrível! Mas logo me acostumei.

                      O dinheiro era pouco. Mudei para o crack. Diziam ser uma droga devastadora. Paciência. Eu não tinha mais escolha. Estava chegando ao fundo do poço. Ao limiar da condição humana. Quando não podia usar o crack falava coisas sem sentido. Davam-me tapas na cara. Riam de mim. Vivia cercado por outros drogados. Centenas deles. Ainda bem que eram mais humanos. Risos. Sim procuravam dividir comigo o pouco que tinham. Venâncio um dia ficou desacordado. A polícia chegou e o levou. Eu ainda podia correr.

                     Comecei a passar mal em uma noite de domingo. As primeiras contrações. Um guarda civil me ajudou. Colocou-me em seu veículo e me levou até o pronto socorro das Clínicas. Deixou-me na porta e sumiu. Perguntaram-me meu nome, minha família, mas eu não sabia responder. O crack tomava conta do meu corpo. Entorpecido. Agora não via mais flores, céu azul, pássaros cantando. Agora era como se fosse meu ar que faltava.

                      Meu neném nasceu duas horas depois. Vivo. Risos. Não merecia isso, mas os médicos disseram que ele podia não sobreviver. Dei o telefone da minha mãe. Ela chorou muito quando me viu naquele estado. Meu pai mesmo o durão que era, tinha os olhos cheios de lágrimas. Cinco dias depois me internaram em uma clinica. Na cidade mesmo. Meu corpo doía o tratamento não me fazia bem. Fugi dali quatro dias depois. Com a própria roupa do hospital fui para a Cracolandia. Fumei logo quatro bolinhas. Desmaiei.

                     Eu sabia que a droga matava. Que os traficantes só pensam em dinheiro. Que a droga oferecia a morte. Mas quem acredita nisso estando drogado? Como reagir? Como acabar com essa alienação terrível? Eu era uma inculta, manobrável, consumível, descartável, distante. A porcaria me fazia bem. Nem pensava mais em meu filho. Nem sabia se era um menino ou uma menina. Sentia-me sozinha na escuridão da noite. Tomava na veia, fumava sem parar. Crack, maconha o que me dessem ou podia comprar. Nem tudo agora me satisfazia.

                    Se eu morresse ali, eu não me importaria. Não tinha mais vida, família, não tinha motivos para sair dali. Ou será que tinha? Fiquei amiga e amante de Lico Boca Torta. Ele no meio dos drogados fazia sexo comigo de todas as maneiras. Eles riam. Outros queriam participar. Uma festa e eu ali, uma maldita prostituta drogada só querendo mais e mais drogas. Minhas roupas apodreceram. Nua os guardas me levaram a delegacia. Lá risadas, escárnio. Uma baixaria sem tamanho.

                   Chamaram minha mãe. Saí correndo nua pela rua. Não conseguiram me pegar. Uma senhora se apiedou. Comprou ali mesmo um jeans com uma blusa. Não precisa de calcinha nem sutiã. Voltei para o meu lar. A Cracolândia. Um mês, dois, três. Queria dormir. Nunca mais acordar. Agora queria morrer. Nada do que fizesse tinha sentido. Nenhuma delas fazia mais efeito no meu corpo. Gritava. Sorria, cantava uma demente a vagar pelas esquinas da vida. Uma drogada isso sim.

                    Conheci Raquel. Uma assistente social. Ficamos amigas. Ela não insistia como as outras para sair dali. Ajudava-me. Trazia comida que eu comia e vomitava em seguida. Meu corpo era pele e osso. Pesava cinqüenta e nove quilos. Agora nem trinta. Trouxe roupas. Deu-me um banho na rua mesmo. Com esponjas. Raquel, meu anjo! Caída do céu! Um dia chorei, chorei muito. Deitei em seu colo. Ela me afagou. Nunca perguntou pela minha família. Nunca me forçou a nada. Era minha amiga assim, do nada. Ou será que era meu Anjo da Guarda?

                    Quando ficava mais de seis horas sem droga, meu corpo tremia uma febre alta, a garganta seca, uma lassidão tomava conta do meu ser. Não sei, mas gostava dos venenos mais lentos, drogas poderosas e quando me entupia delas meus pensamentos e minhas idéias ficavam poderosas, insanas um sentimento de liberdade. Risos. Liberdade? A noite era a minha escuridão da vida. Não era noite, era o meu dia. Zumbís a andar pelas esquinas da morte.

                    Um dia quando Raquel chegou. Chorei. Chorava em prantos. Muitos dos miseráveis que eram meus amigos acorreram a me acudir. Acharam que era a Raquel. Ela não dizia nada, só me afagava. Ela é meu anjo, minha alma, minha salvação. Resolvi pedir a ela que me ajudasse. Queria sair daquele inferno. Não tinha escolhas, que ela fizesse o que bem entender. Era seu trabalho. Beijou-me no rosto. Fechei os olhos e sonhei com minha mãe. E minha filha? Será que estava viva?

                    Ela conseguiu uma internação em uma clinica para dependentes químicos, no campo, próximo a uma cidade que não conhecia. Dirigida pelo pastor Jamilton. Ele e sua esposa eram duas almas bondosas. Ali vi que outras moças como eu tinham muitas historias. Eu as ouvia. Parecia que não havia diferença entre eu e elas. Quando cheguei ali achei que não tinha mais dignidade, valor pela vida. O vicio maldito não me abandonava. Daria tudo por uma picada. Uma só. Gritava, implorava, O Pastor Jamilton e dona Clementina ficavam ao meu lado. Dando-me forças.

                  Com uma semana diminuiu um pouco aquela vontade louca de me drogar. Mas estava longe de alcançar o ideal e voltar para minha casa. Só no segundo mês avisaram minha mãe. Tinha encorpado um pouco. Agora com trinta e nove quilos. Diferente de quando eu cheguei com vinte e três. Ela me abraçou. Meu pai também. Ficamos os três abraçados por um longo tempo. Toda semana eles vinham. Raquel também vinha uma vez por semana. Dizia que não podia ficar comigo muito tempo. Muitas outras pessoas precisavam de sua ajuda.

                 Já se passaram cinco meses. Estou com quarenta e oito quilos. Dizem que meu sorriso voltou. Dizem também que me tornei amiga de todos ali. E uma tarde chegou um automóvel. Surpresa! Bela surpresa! Venâncio tinha sido convencido por Raquel a ir para aquela clinica. Nunca aceitou, mas quando soube que estava ali, resolveu experimentar. Eu ficava ao lado dele constantemente. Autorizada pelo Pastor Jamilton.

               Um ano, dois, três e eu e Venâncio nos casamos. Ele trabalha em uma loja de calçados. O proprietário evangélico, aceitava a pedido do Pastor Jamilton ajudar as pessoas drogadas. Sabia que a maioria não ficava lá. Recebiam o primeiro pagamento e voltavam de novo para a Cracolandia.  Isto não aconteceu com Venâncio. Quatro anos depois ele era gerente da loja. Mamãe sempre trazia Neusinha para ficar comigo. Minha filha!

               Agora moramos os três juntos. Uma família feliz. Longe das drogas. Espero que seja para sempre. Não digo que nos recuperamos. Longe disso. Mas eu e Venâncio somos um só. Amamos-nos muito. E Neusinha então? Era nossa luz, nossa estrela a indicar o novo caminho. Os novos tempos que já nos deram a alegria de volta e irão sempre trazer a brisa gostosa da manhã, a respirar pela janela da minha casinha e não mais na rua suja do passado.
                Ainda lembro-me dos meus amigos que lá ficaram. Rezo por eles todos os dias. Sei que não é fácil abandonar o vicio. Muitos já terão morrido. Outros irão morrer logo. Sei que Deus na sua suprema bondade irá amparar a todos. Eles sempre terão o direito de voltar aqui de novo. Uma nova vida. Um novo recomeço. Pois assim é a vida. Nascer, viver, morrer. Nascer de novo, pois esta é a lei!

A vida de um drogado

Mais um dia...
Será que vai ser o último?
Acordo com um bófia, a pontapear-me,
Lá vou eu, ver se uns trocos consigo arranjar...
Se não me derem, vou ter mesmo de roubar...
A hora da dose ta a chegar,
Ainda tenho de arranjar dinheiro, para a ir comprar...

Hoje ta tudo de pernas pro ar
Nem uns míseros tostões consegui arranjar,
Não me sinto com forças, para esperar
Vou ter mesmo, de roubar...

Tenho o interior do meu corpo em desespero,
Aqueles bichos de baixo da pele põem-me louco,
Estou todo arranhado, esta cena dói, e não é pouco

Mais uma vez roubei
Foi muito fácil, aqui nunca pensei
A bolsa da "velha", tava recheada
Já vai dar para uma dose, bem abonada

Já ta ali o gajo, á mesma hora de sempre,
É agora menino riquinho, á conta da gente,
Enfim, andam a ganhar dinheiro desta forma indecente...

Já tenho tudo o que preciso, a colher, a prata e o limão...
E esta grande dose, toda na minha mão...

Ah! Que sensação, depois de injetar parece que sou o dono do mundo...
E sem ela, não passo de um drogado vagabundo...

Vem um homem na minha direção,
O quer ele, de mim? Que não passo de um ladrão,

Era o filho da Cota, que gamei,
Deu me tantas, que nem me levantei...
Agora estou aqui, dolorido por dentro e por fora,
E fico aqui á espera que chegue a minha hora...
Cathia Chumbo




domingo, 12 de junho de 2016

AS SETE VIDAS DE MEIRE ANNE


AS SETE VIDAS DE MEIRE ANNE

Estou na caridade da evolução do meu ser. Quero ser menina, encontro-me mulher... Quero ser mulher, vejo-me menina...

Apenas um beijo...

- Não se esquive, não diga não, imploro
Vai ser apenas um beijo, um segundo
Aceite, não é tão difícil te adoro
Você sabe, vai ser um beijo sincero
Do jeito que diz não e eu quero...

Por favor, feche os olhos e sinta,
Eu sei que também queres,
Deixe acontecer, não minta
Você tão longe, apenas ilusão
Você não está aqui, não diga não.

Vou beijar você, devagar
Apenas uma caricia uma brisa leve
Eu sei que nunca vai me amar
Claro, seria como a carícia do vento
História sem adeus, sem senso

Deixe acontecer esta fantasia
Que imaginei em beijar você um dia.
Não se esquive, por favor, não diga não
Para você nada, para mim tudo
Presa no peito, grande paixão.

Adeus... Depois de beijar você
Agora tão longe, um sonho abstrato
Vou ficar aqui olhando seu retrato
Amando você, sabendo que a fiz
E dizer ao mundo, agora sou feliz...

             
                         Brasília – 12 agosto 2007 - Precisava correr. Voar se pudesse. Teve que ficar no colégio mais tempo do que pensava. Arrumara um emprego, não podia faltar. Difícil coordenar as duas coisas, mas precisava deste emprego.  Não encontrou ônibus no ponto. Esperou mais um tempo, chegaria atrasada. Explicações, gerente de cara amarrada.
                         Entrou no ônibus. Sentou perto do cobrador. Um grande engarrafamento. É hoje pensava. Entrou um jovem mulato. Gritou com todos, sentiu uma mordida nas costas, perdeu os sentidos.
                         Acordou no hospital. Em volta amigos parentes e sua mãe. Tentou sorrir, mas sentiu uma dor aguda nas costas. Sua mãe explicou que ficara em coma dois meses. Graças a Deus que agora iria se recuperar. Não se lembrava de nada. E o colégio? E o emprego?

                        Baia de Cabrália – 22 abril 1500 - Flor do Campo estava deitada na areia branca do Grande Rio, que demarcava as terra do seu povo, a tribo dos Tupiniquins. Tinha 16 grandes chuvas e já era considerava por muitos jovens da tribo. Seu pai, o cacique Avanti Negro, ainda não tinha decido quem a levaria.

                        Flor do Campo era pura, casta e via que Pojucã sempre a olhava e sorria. Era um grande guerreiro. Trouxe várias cabeças de Tapajós na ultima batalha. Estava absorta olhando para o céu, seus cabelos negros longos e lisos espalhados na areia branca quando viu lá muito longe do grande rio, umas canoas enormes. Bem maiores que a da tribo. Achava que até boa parte dos seus irmãos índios caberiam ali.
                       Centenas de botes aportaram na praia. Flor do Campo foi correndo avisar da novidade a sua tribo. Eles eram pacatos e dificilmente atacavam a não ser quando atacados pelos Tapajós, seus piores inimigos. Toda a tribo estava ali, vendo aqueles homens barbudos, parecendo macacos, com peles em cima do corpo diferente d tribo, onde todos andavam nus.
                        Um deles se aproximou dela, a pegou pela mão e a levou selva adentro. Não pediu, estuprou-a com crueldade. Ela estava nua, anda nua. Ele a colocou de quatro e enfiou seu membro sujo com força dentro dela. Ela não entendeu. Não precisava ser assim. As índias da aldeia eram bondosas e não negariam um pedido do macaco peludo. Ele a deixou e sumiu de volta ao seu barco.
                        Durante muito tempo eles permaneceram ali. Fizeram tabas e ocas de barro, uma cruz de madeira e um deles, mais delicado com uma pele preta fina falou e falou. Flor do Campo ficara grávida. Teve uma hemorragia. Morreu numa manhã de junho. Nem seu pai quis ajudar na cremação do seu corpo. Achava que ele tinha sido maculado pelo macaco peludo e por isto morrera.

                        Brasília – 28 agosto 2007 – Meire Anne se sentia bem melhor. Conheceu seu médico salvador. Como era lindo. Olhou para ele e se apaixonou na hora. Ele educado, prestativo, examinou-a, tocou-a e ela estremeceu. Suas mãos eram como seda da pérsia. Sorriu para ela e se foi. Ficou só no quarto. Como sua vida mudara. De um momento para outro, não tinha idéia do seu futuro.
                        Ficou mais 15 dias no hospital. Seu médico vinha sempre, ela sorria, mas sabia que ele era um profissional e ela também ingênua não dava mostra de estar perdidamente apaixonada por ele. Seria um amor impossível. Não sabia se era casado, sua idade. Nada. Saiu em uma tarde de sol, sem se despedir dele. Foi para casa. Voltou a sua vida de antes. Colégio, casa, amigas mais nada. Agora era tentar outro emprego, aquele se foi.

                        Olinda – 15 de janeiro de 1774 – Cristal estava em um córrego próximo a sua casa, lavando algumas peças de roupa. Era sua rotina. Não via ninguém e ficava mais a vontade, amarrando seu vestido comprido até a cintura. Não o viu. Quando sentiu sua presença, olhou e se assustou. Era um jovem dos seus 23 anos, a cavalo com mais dois amigos. Ele sorria para ela, ela ficou tonta e não sabia o que dizer. Tinha quinze anos, e mal sabia o que era o amor.
                        Martinho era moreno, cabelos negros, grandes, amarrados em forma de “rabo de cavalo” com um blusão de couro negro, uma espada cintilante a cintura. Desceu do cavalo e se apresentou fazendo uma reverencia com seu chapéu. Ela ficou muda, estática. Nunca tinha visto isto. Os rapazes que conhecia não eram assim. Acompanhou-a até sua casa. Seu pai não estava. Não tinha mãe. Nunca soube dela. Seu pai a criara.
                        Martinho ficou sentado em um banco de madeira a porta da casa. Não disse nada. Esperava o pai de cristal. Quando chegou se apresentou, disse que estava de passagem e tinha gostado de sua filha. Ofereceu um dote de cinco libras de ouro em pó, um escravo e um cavalo se aceitassem que ela casasse com ele. Casaram naquele dia mesmo. Frei Raimundo celebrou. Ele partiu com ela a noite. A levava na garupa do seu cavalo.
                        Não fizeram amor nos três primeiros dias. Dormiam sob as estrelas e ele achava que não ficava bem. Chegaram ao Engenho de sua propriedade ao cair da tarde de sexta feira. Levou-a para o quarto. Foi educado. Fez amor com ela com carinho. Fez caricias, entrou bem devagar, ela estava com as pernas abertas, de olhos fechados. Não sentiu dor, só um prazer profundo. Ela o amou perdidamente. Durante 15 anos, tiveram uma vida feliz. Cinco filhos. Ela cuidava da casa e a noite sempre faziam amor.
                        No início de 1790, Pedro Gingado um temível bandido invadiu o engenho. Matou todos inclusive Martinho. Poupou-a. Ela preferiu ter morrido também. Arrastou-a até um tronco e a possuir com brutalidade. Penetrou-a com força no anus. Ela gritou, socou-a com força. Tapou sua boca e ela perdendo a respiração morreu.

                        Brasília – 18 outubro 2007 – Meire Anne voltava para casa cansada. Tentou uma vaga de telefonista. Ficaram de dar uma resposta. Estava desanimada. Várias tentativas de emprego e nada. No ponto de ônibus esperava. Sua vida voltara ao normal. Aquela rotina de sempre. Um carro parou e desceu um homem. Ela o reconheceu. Era seu médico. Dr. Henrique. Estremeceu. Ele sorriu e perguntou se sentia ainda alguma coisa. Ela ficou muda. Ele perguntou de novo. Ela respondeu. Ofereceu para levá-la em casa. Quando acordou estava no carro dele.
                         Desceu e abriu a porta para ela. Um perfeito cavalheiro. Foi até a porta cumprimentou sua mãe e seu irmão. Entrou para um café a convite. Ficou ali toda a tarde conversando com ela. Convidou-a para jantar a noite. Ela aceitou. Saíram muitas vezes. Ele sempre a respeitou. Nunca tentou nada. Ela tinha medo. Era casta, pura e nunca ficou com um homem.
                         Ficaram noivos cinco meses depois. Foi um casamento simples. A família de Henrique quase não compareceu. Não aceitavam aquela união. Diziam ser ela simplória, sem condições de pertencer à família. Compraram uma casinha no subúrbio. Meire Anne não cabia em si de alegria e contentamento. Sua alegria era à noite quando ele chega e a amava com carinho. Ele a ensinou coisas impossíveis. Fizeram amor de maneira nunca antes imaginada.  Com um ano de casada esperava seu primeiro filho. Henrique a enchia de carinho.

                                  
                         Rio de Janeiro - 28 janeiro – 1881 - A Condensa Ana de L’avoure e o Conde Aristides Costa Pinto, estavam em uma recepção a convite do Governador Mem de Sá. Era uma homenagem ao Imperador Don Pedro II. Uma grande festa. Serviçais serviam faisões, camarão, frangos, canapés importados da Europa, centenas de milhares de confeitos, cerveja, vinhos e bebidas sem fins. Aguardavam a chegada do Imperador. Ana de L’avoure olhava apaixonadamente para o Barão de Otéllo. Mantinham um romance escondido. Sempre se encontravam próximo a seu palácio e ali se entregavam aos prazeres da carne. Ela achava que ele era melhor que seu marido na cama. Ficavam horas e horas fazendo amor. Ele era casado e dificilmente poderia dar a Ana uma vida tranqüila. Ele não era nenhum santo.
                        Uma tarde, em um botequim no centro da cidade, bêbado, ele se vangloriava de suas conquistas. O Conde Aristides soube. O desafiou para um duelo. Não era bom espadachim. Morreu naquela manhã de domingo. O governador Mem de Sá mandou prender o Barão. Julgado foi condenado à forca. Ana ficou só com seus dois filhos. Cinco anos depois foi internada em um sanatório para loucos. Ficou lá mais dois anos. Morreu de falência múltipla dos órgãos.
               
                         Brasília – 14 novembro – 2008 – Foi um dia festivo para a família Meire Anne e Henrique. Nasceu um casal de gêmeos. Se já eram felizes agora muito mais. Mudaram para uma casa maior. Henrique fora promovido no Hospital e seu consultório era bem freqüentado. As folgas de Henrique eram poucas. Quando as tinha, saiam a passear com orgulho mostrando a todos seus gêmeos. Nivia e Javier.
                          Meire Anne começou a corresponder com um jovem na internet. Ele não se apresentava. Não tinha foto só dizia ser um admirador. Ela não saberia quem.  Recebia também cartas anônimas dizendo que seu marido a traia. Não acreditou. Preferiu manter silencio. O estranho não deixava de procurar insistentemente na internet. Aprendeu seu e-mail, e ali dizia lindos poemas, poesias maravilhosas. Nunca foi agressivo nem pronunciava palavras chulas.
                         Isto a divertia e Henrique nunca foi informado. O estranho tentava marcar encontros e ela se negava. Seu corpo estava sendo vencido. Ela pensava seriamente em encontrar com o estranho. Mas quem era? Como seria? Não era fácil tomar uma decisão. Acreditava e não acreditava na fidelidade de Henrique.
                         Marcou um encontro com ele. Procurou um horário que seus filhos estariam aos cuidados da babá e que deveria ir ao dentista. Ficou escondida atrás de uma coluna no shopping. No local combinado, na sala de alimentação o viu. Lindo. Forte, moreno sarado. Devia ser algum professor de ginástica. Não teve coragem de se aproximar, mas começou a sentir desejos, a fantasiar e sabia que mais cedo ou mais tarde se entregaria a ele.

                         São Paulo – 10 março – 1924 – O major Leôncio Silva retornava da Europa a bordo do navio Splendid. A guerra havia terminado. Ele era major aviador da FAB e servira na guerra usando aviões americanos, baseados em Bordeaux no sul da frança. Sempre fora um bom vivant e acreditava que todos o considerariam um herói e teria uma boa quantia à disposição quando confirmassem sua chegada.
                         Isto não aconteceu. Morava com seus pais e ali aproveitou as condições de uma família humilde que trabalhava menos ele. Vivia nos bordeis, bebendo e fumando, com lindas mulheres e não se cansava em auto elogiar sua fama de conquistador. Conheceu Janete quando retornava para sua casa. Era mais de três da manhã. Achou que seria uma conquista fácil e deu sua cantada. Não achou respaldo. Insistiu. Seguiu-a até sua residência.
                        Janete morava com a mãe e seu filho Hugo de cinco anos. O pai dele desapareceu e nunca mais ouviu falar dele. Trabalhava em uma lanchonete até de madrugada. Estava cansada, e aquele conquistador barato ficava na sua cola.
Isto aconteceu nos dias seguintes. Janete não sabia o que fazer. Até que ele era simpático, boa aparência, boas roupas, mas estava sempre bêbado. Não dava para conversar.
                        No quinto dia ele forçou um beijo em uma rua escura. Seu hálito era forte de cigarro e de cachaça. Ela se desvencilhou. Ela forçou mais, mesmo bêbado era forte. Ninguém para ajudá-la. Ele forçou sua boca para não gritar. Tentava tirar sua roupa, ali naquela esquina, rua suja, três da manhã. Jogou-a no chão. Obrigou-a a pegar no seu membro. Sentiu aquela carne quente na sua mão. Sentiu a mão dele por baixo de sua calcinha. Ela tateando encontrou uma farpa de madeira. Enfiou de uma só vez em seu pescoço. Ele apertou sua boca e ela perdeu o ar. Morreu em menos de um minuto. Ele sangrando saiu pela rua cantando e dando gargalhadas, andou uma quarteirão e caiu morto.

                        Brasília – 14 abril – 2010 – Meire Anne tinha um novo amante. Henrique seu esposo nada sabia. Ela ficara grávida de Fabio Alorte. Ele era filho de um comerciante português riquíssimo. Era casado e possuía três filhos. Tentava de toda sorte fazê-la largar de Henrique e morar em uma casa que ele poderia comprar. Ela não aceitava.
                        Henrique, mesmo sendo médico, morreu em 30 novembro de tuberculose. Meire Anne aceitou a oferta de Fabio. Dividia a vida dele com outra, só que ela era a segunda.

                        Buenos Aires – 19 de março – 1950 – Maria Antonia Rosada e Jonas Waldevian não tinham onde morar. Não tinham o que comer. A Argentina passava por uma fase difícil para os pobres. O Presidente Perón prometia e sua esposa dona Eva Perón era adorada por todos. Todas as noites eles iam à praça central onde era servido uma sopa. Dia sim dia não era a única refeição que conseguiam mais fácil. Jonas era mestre de obras, mas ninguém queria dar emprego a ele. Ficara preso por quatro meses por haver furtado um supermercado e seu currículo não era bom.
                        Um dia jogaram na loteria e ganharam uma boa quantia. Saíram da miséria, compraram uma casinha e Jonas montou uma loja de tecidos. Tiveram dois filhos homens. Jonas tinha cabeça para os negócios. Em pouco tempo possuía uma grande rede de lojas. Passou a não dar mais atenção a ela e tinha várias amantes.
                        Viveram assim por vinte anos. Ela conheceu outro homem. Separou-se de Jonas. Casou com o outro. Teve uma vida feliz por muitos e muitos anos. Morreu sorrindo. Pela primeira vez.

                        Brasília – 07 julho – 2010 – Meire Anne estava desgostosa. Aqueles primeiros dias com Fabio acabou. Já não sentia mais prazer com ele. Deixou-o e foi morar com seus filhos na antiga casa, pois não havia sido vendida. Leo crescera. Tinha 22 anos. Adorava sua mãe e Meire Anne também. Era uma família feliz. Leo formara em química e seu irmão ainda estava na faculdade.  Leo se interessou por política. Foi eleito vereador, deputado e finalmente senador da república. Levou sua mãe e seu irmão para um apartamento no centro de Brasília.
                        Convidado a ministro de estado, mudou de novo. Sua mãe orgulhava do seu filho. A imprensa dizia ser um dos poucos honestos e que trabalhava mesmo para o povo.
                        Seu partido resolveu lançá-lo como candidato a presidente da republica. Aceitou. Viajava por todo o pais mostrando quem era e o que pretendia fazer. Foi eleito com boa margem de voto. Voltava do Rio de Janeiro com sua mãe e seu irmão em um pequeno avião da FAB para o discurso de posse que faria no Naoum Plaza Hotel, onde se hospedara durante a campanha. 
 . O avião sofreu uma pane. Caiu na Baia de Guanabara. Morreram todos.                         
                        
                        Hoje – sem data – 2011 – As outras vidas de Meire Anne acontecerão de novo. Faz parte. Nascer, viver, morrer. Não sei o futuro. O passado foi possível contar. Meire Anne não teve muita sorte na vida.  Acreditar na felicidade levou Meire Anne por um longo tempo na caminhada para seu crescimento interior. Acredito que ainda não conseguiu.
                         Muita paz para você Meire Anne. Que os anjos a protejam na sua próxima vida.          
                            

Há pessoas que nos falam e nem as escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre.