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sexta-feira, 24 de outubro de 2014

A calcinha de renda vermelha de Lola.



CALCINHA
De renda sua textura
Moldando pele macia
Traduz sonhos na cama escura
Enquanto eu lhe tiraria
Perfumada pelo desejo
Eu te arranco com um beijo
Arrepiando seus sentimentos
Desvendando seus momentos
Calafrios em pensamentos
Que num toque se entregou
A essência do amor
De quem veio e lhe beijou.
Everson Russo


A calcinha de renda vermelha de Lola.

                      Lola, apenas um nome. Sua mãe nunca lhe disse o porquê. Era um mistério, de onde surgiu? Afinal Lola era uma menina de dezessete anos, morena magra, sem formosura, seios pequeninos, pernas finas, cabelos encarapinhado e o pior, era pobre. Mas conseguia sustentar sua mãe que vivia em uma cadeira de rodas. Trabalhava em casa de família como diarista e nunca pensou em ter um namorado. Ela entendia como era e sabia que nenhum rapaz um dia iria se interessar por ela. Cresceu assim ali naquele bairro pobre, e só Valeria como amiga. Valeria era diferente. Mais espevitada. Saia à noite para as baladas e voltava tarde. Seus pais acostumaram com tudo e virou rotina na vida dela. Convidou várias vezes para ela ir também, mas Lola sabia que não seria bem vinda. Sabia que era feia, corpo magro e quem poderia se interessar por ela?

                     Ramon era seu vizinho. Nascera ali ao lado da casa de Lola. Nunca foram amigos, pois Ramon também era meio esquisito. Não gostava do bairro que nascera e sabia que quando terminasse a faculdade ele iria embora dali. Trabalhava no Banco do Estado, serviço simples e salário pequeno. Quase todo gasto na faculdade São Judas no seu curso de Arquitetura e Urbanismo. Não sabia que teria possibilidade de algum dia ser um arquiteto famoso e isto não o incomodava. Queria trabalhar em um lugar onde fosse respeitado e que pudesse mostrar seu valor profissional. No banco não passava de um office-boy e poucos o respeitavam. Um dia Ramon ficou encucado. Tudo porque ele viu pendurado no varal da casa de Lola uma calcinha de renda vermelha. Seria dela? Teria que ser. Sua mãe nunca iria vestir uma calcinha assim. Ficou pensando nela com a calcinha de renda vermelha. Tentou fazer dela uma mulher sensual, mas não conseguiu. Não dava, Lola era o que é e nunca seria uma mulher atraente usando uma calcinha de renda vermelha.

                    Foi Valeria quem inventou tudo. – Lola, nem sempre o corpo é tudo, o que o envolve também. Vou lhe dar uma calcinha de renda vermelha que tenho. Você não vai usar. Pendure-a no varal. Todos que passarem irão ver sua calcinha. Ficarão intrigados como você seria usando esta calcinha. Vai ser divertido saber que pelo menos terão pensado em você e quem sabe alguém poderá ter tesão? Lola riu. Tesão minha amiga? Nunca. Não com este corpo. – Valeria disse – Olha Lola sem querer ofender, mas para todo chinelo Velho tem um pé que adora ficar ali. Quando Valeria saiu deixando a calcinha de renda vermelha na sua cama, Lola olhou bem para ela. Riu pensando como ficaria vestido com ela. Ficou tentada. Sabia que não iria ser nenhuma beldade, mas a vontade chegou e foi tanta que ela se despiu e olhando no espelho foi colocando devagar a calcinha. Passou pelos seus joelhos e ali ela deixou parada. Viu seus ralos pelos cobrindo sua nudez entre as coxas. Fechou os olhos e pensou que poderia estar sendo observada por um homem em algum lugar.

                    Pela primeira vez Lola sentiu sua condição de mulher. Teve desejos. Teve vontade de abraçar alguém, sentir o seu cheiro, teve vontade de ser possuída. Mas não sabia como. Nunca fora. Era virgem e nem tinha ideia de como seria. Abriu os olhos e se viu no espelho nua, tendo a cobrir-lhe as partes íntimas uma calcinha de renda vermelha. Tirou logo e não olhou mais no espelho. Vestiu seu vestido Velho de chita barata e saiu para o trabalho. Ninguém iria trabalhar para sustentá-la e uma vertigem erótica não poderia substituir o pobre dinheirinho que iria ganhar naquele dia. Saiu e viu muitos vizinhos olhando para ela. Sentiu vergonha. Alguém teria visto ela só de calcinha? Impossível. A janela estava fechada. Voltou e só de raiva pegou a calcinha de renda vermelha e a colocou no varal.

                   Valeria quando chegou à tardinha riu quando viu a Calcinha de renda vermelha no varal de Lola. Foi até lá, mas ela ainda não havia chegado do seu trabalho. Mais tarde iria comentar com ela como todos os vizinhos estavam alvoraçados com a calcinha de renda vermelha presa no varal do seu quintal. Valeria não viu mais Lola naquela noite. Saiu como sempre fazia como uma mariposa noturna em busca de sua diversão, dos homens que amava. Nem prestou atenção na calcinha de renda vermelha que estava presa no varal do quintal de Lola. Naquele noite Ramon chegou tarde da faculdade. Quando ia entrar em sua casa reparou que a calcinha vermelha estava lá. - Que coisa pensou. Uma calcinha de renda vermelha a me importunar? Queria esquecer Lola e sua calcinha de renda vermelha. Tomou logo uma ducha fria. Precisava. Sentia que seu corpo tremia. Desejos? Como? Por Lola? Riu só de pensar. Não era Lola, era a calcinha de renda vermelha. Ela sim lhe dava uma sensação enorme de possuir Lola. Não iria olhar em seu rosto, iria esquecer seu corpo magro e sem graça, estava encantando era de ver Lola vestida com a calcinha de renda vermelha.

                       Por vários dias a Calcinha de renda vermelha de Lola não saia da cabeça de Ramon. Até seus estudos estavam prejudicados. Na sala de aula da faculdade ele não se concentrava. Não tinha jeito. Ele tinha de ver Lola com a calcinha de renda vermelha. Enquanto isto não acontecesse ele não teria paz. Era um jovem tranquilo, calmo e sempre respeitador até mesmo em seus pensamentos. Agora não era mais assim. Passou a se masturbar com frequência sempre a pensar em Lola com sua calcinha de renda vermelha. Em seus sonhos eróticos a possuiu em todos os lugares. No cinema, no motel, em sua cama, na cama dela e em bosques de parques da cidade que conhecia. Lola, Lola e sua calcinha vermelha de renda. Tomou uma decisão. Iria conquistá-la. Acontecesse o que acontecesse. Mas iria demorar a conquista. Ele não podia chegar a ela e dizer – Lola, eu estou louco por você. Vista sua calcinha de renda vermelha e deixe-me olhar. – Não isto é coisa de doidos. Mas como conquistá-la? E a vizinhança o que iriam dizer? Afinal ele era um guapo bonito e tinha muitas moças do bairro que faziam tudo para um convite dele. Bastava ele sorrir e piscar os olhos que elas vinham correndo.

                       Aquele dia não foi trabalhar. Ficou na varanda de sua casa esperando Lola sair ou chegar. Meio dia, quatro da tarde, seis e nada. Lola não aparecia. Ele não sabia, mas Lola o observava sorrateiramente atrás da cortina de sua casa. Ela também sonhou com ele. Um sonho lindo, ela sendo possuída pela primeira vez. Ele um cavalheiro entrou devagar para não machucar. Afinal Lola era virgem e sempre dói na primeira vez. Ele foi calmo. Sentiu sua dureza em seu íntimo. Sentiu suas caricias seus beijos e ela pela primeira vez chegou a um clímax que nunca tinha chegado. Acordou suando. Isto era errado. O que Valeria tinha feito? Era feitiço? Era apenas uma calcinha de renda vermelha, mas que transformou Lola e Ramon. Ambos sabiam que queira ou não um seria do outro. Teriam que fazer o que todo homem e mulher fazem. Lola sabia que quando Ramon a convidasse ela aceitaria no ato. Não precisava de preliminares. Ela queria ser possuída. Seja como for ela nunca pensaria mal dele.

                        Ramon não aguentou mais. O dia inteiro esperando Lola chegar ou sair. Resolveu tomar uma decisão. Foi até sua casa. Bateu e a porta se abriu. Ele viu o céu a sua frente. Lola nua vestida com a calcinha de renda vermelha. Ele não sabia o que fazer. Sem membro endureceu. Ele queria abraçá-la, beijá-la, fazer tudo que achava direito. Mas entrou devagar em sua sala. Lola morena estava vermelha. O que Ramon poderia pensar dela? Receber ele assim nua só de calcinha de renda vermelha? Ela não era uma mulher de vida, não era uma moça oferecida. Ela era uma moça direita, virgem e que sabia não ter atrativos, mas aquela calcinha de renda vermelha a transformou. O jovem mais bonito do bairro a queria. Ela sabia disto. E depois? Sabia por ter lido que após o ato muitas vezes vem o arrependimento. E se ele se arrependesse? Seria só uma vez? Valeria a pena? Pelo sim e pelo não pegou ele pelo braço e o levou ao seu quarto. Ele fechou a porta devagar, olhou para ela nua só com a calcinha de renda vermelha.

                         Parece que o mundo explodiu em goso. Um goso gostoso, animalesco, um goso de um homem e de uma mulher. Ramon achou que estava voando no céu. Achou que seu corpo estava experimentando um êxtase nunca antes conquistado. O assalto não foi uma única vez. Ele assaltou seu corpo por varias vezes. Não falavam. A cúpula era uma atrás da outra. Como ele conseguia? Mas ele estava extasiado com aquela mulher e ela extasiada com ele. Nunca pensou que o ato fosse assim. Sempre teve medo sempre correu dos homens, pois nunca pensava em ser possuída. Ramon sentou em sua cama. Colcha branca agora vermelha como sua calcinha de renda vermelha. Não se arrependeu. Para ele Lola era outra moça. Não a achou mais feia, magra sem graça. Ele a queria para sempre. Um amor diferente estava nascendo. Ela também sentia o mesmo.

                           Na rua ela andava agora diferente. Olhava a todos como se fosse uma vencedora. Não era mais uma moça, agora era uma mulher. Ramon também mudou. Era outro homem. Sabia que tinha encontrado a mulher dos seus sonhos. Não esquecia a calcinha vermelha de renda. Formou-se e se tornou um famoso arquiteto. Sempre corre para casa as pressas para encontrar Lola. Seus desejos eróticos se mantinham firmes. Todas as noites ele a possuía. Ela gemia de prazer quando ele lhe tirava a calcinha de renda vermelha devagar. Devagar para não rasgar. Ambos sabiam que era uma calcinha de renda vermelha encantada. Ela foi à razão deles se tornarem amantes e agora casados viviam a vida de um casal em plena felicidade. Feliz para sempre. Nem mesmo Jô, Martinho e Lolita seus filhos tiraram seus prazeres secretos. Eles sabiam que quando o pai chegava se trancava no quarto de sua mãe. Saiam de lá sorrido, de mãos dadas como se tivessem feito o grande amor de suas vidas.

                     A calcinha de renda vermelha, guardada sozinha em uma pequena cômoda feito só para ela sorria. Sabia que todas as noites ela seria usada. Mas não foi encantada por uma feiticeira que sentia falta de um grande amor? E agora ela parecia viva, sabia que estava ali por pouco tempo. Até a hora que Ramon ia chegar e amar Lola. Assim termina a história. A história de uma calcinha de renda vermelha que fez um casal feliz por todo o sempre.
CALCINHA
Ah que calcinha linda
De renda nunca foi não
Os fios todos bem justos
Querendo ser proteção
Uma calcinha bem branca
Bem fina de algodão
Fugindo do cós da calça
Deixando-me com paixão
Chateia-me esta peça
Nos dias de muito tesão
Só serve pra dar trabalho
De tirar molhada ou não
Depois do amor já feito
Volta ela ao lugar
Branca, seca, bonita
Fetiche de me matar

João Freitas

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Perverso entardecer



Sensual
Ainda sinto o teu corpo ao meu corpo colado;
Nos lábios, a volúpia ardente do teu beijo;
No quarto a solidão, desnuda, ainda te vejo,
A olhar-me com olhar nervoso apaixonado...

Partiste!... Mas no peito ainda sinto a ânsia e o latejo
Daquele último abraço inquieto e demorado...
Na quentura do espaço a transpirar pecado,
Ainda baila a figura estranha do desejo...

Não posso mais viver sem ter-te nos meus braços;
- Quando longe tu estás minha alma se alvoroça
Julgando ouvir no quarto o ruído dos teus passos...

Na lembrança revejo os momentos felizes,
E chego a acreditara que a minha carne moça
Nua carne moça até criou raízes!...
J.G. de Araujo Jorge

Perverso entardecer
(Baseado em uma história real)

      A brisa da tarde varria as folhas mortas da castanheira em frente à minha moradia. Era uma linda castanheira. Principalmente quando ficava verdejante, e na primavera as castanhas maduras amareladas, faziam com que a criançada subisse na arvore para saborear a fruta doce que ela oferecia. Já não sei mais e nem lembro como foi a minha infância e como era a castanheira no passado. O tempo passou, e durante muitos anos morei em tantos lugares que deles só guardo a lembrança de Ana Laura. Se ela era cheia de graça, formosa, hoje tudo acabou. Eu a vejo como se fosse uma espécie de nômade a buscar um lugar ao sol e que nunca encontrei.
      
Ana Laura. O meu único e grande amor, por quem dediquei uma vida e ainda tenho dúvidas se foi realmente uma vida. Sempre fugindo. Sempre buscando refúgio e nunca encontramos um lugar onde pudéssemos viver a nossa vida... Não se sei se todo homem é poeta quando está apaixonado. Um homem sensato dizem, pode apaixonar-se como um doido, só não pode ser um tolo. Eu fui tudo isso, um louco de paixão, e um tolo como homem. Quanto a poeta não. Nunca fui. Minhas palavras neste sentido saem com dificuldade. 

       Busco lá no passado, como tudo começou. Meus vinte e três anos. Sonhos. Ambições. Somente um mísero ginasial que não me dava oportunidades na vida profissional. Empregos escassos e as oportunidades não apareciam. Eu tinha lido que a oportunidade bate em nossa porta somente uma vez. Não podemos deixá-la ir embora. Se ela se for nunca mais vai voltar. Portanto devemos agarrá-la logo. Mas se eu ficasse em casa esperando, sabia que nunca ela viria. Eu tinha que correr atrás.
      Consegui através de um amigo, uma oportunidade de ganhar bem. Ganhar bem? Não sei. Era vendas. Nunca fui um bom vendedor. Mas fazer o que? Emprego na minha cidade não tinha. Então me embarquei nesta aventura. Vendia livros. Enciclopédias famosas. Éramos três. Eu Lazio e Paulo. Cidades do interior. Lá estava eu na minha primeira experiência. Após o café no hotel saiamos cedo. De porta em porta. Uma conversa já treinada antes para convencer.

      Primeira casa bati a porta abriu. Fiquei pasmo! Espantoso! Ali estava a moça mais linda que já tinha visto. Meus pés viraram chumbo. Minha cabeça ia a mil por hora, meu coração acelerou. Se fosse um cardíaco, ali teria sido o meu fim. Foi assim que conheci Ana Laura pela primeira vez. Nenhum dos dois dizia nada. Eu estático na porta, ela dentro de casa, mas na porta. Um olhava para o outro. Minutos, até que ela balbuciou algum como se fosse, “pois não”?

       Entrei. Não sabia como iniciar a conversa para vender meus livros. Ela sorria. O sorriso mais lindo que já tinha visto. Seu olhar, seus olhos, era como se fosse um novo dia para mim. Poderia estar na natureza esquecida, ou na própria essência da vida, ou no frescor da aragem da brisa neste dia que Ana Laura apareceu na minha vida. Ou eu apareci na vida dela. Queria dizer mais, não vender, queria dizer que agora eu viajava no meu mundo de sonhos, pois agora todo o dia seria para mim ano novo, colorido, pois encontrei o meu grande amor.

       Ficamos ali conversando, um olhando fundo nos olhos do outro. Conversa banais, mas sabendo que a paixão estava florescendo. Sentia nela um perfume silvestre, como as folhas novas que brotam na primavera. Ana Laura tinha dezessete anos. Pele clara, um sorriso encantador, olhos negros bondosos, cabelos encaracolados castanhos, magra, lindos seios, uma mulher perfeita. Onze horas, uma duas horas. O tempo foi passando, o amor aumentando.

     Naquele dia possui Ana Laura. Não foi uma posse, foi mais um sentimento profundo, um amor transformado em pétalas de rosa, usufruindo nosso enlace, dois corpos que se fundiam. Incrível. Sem arrebatamento. Amor sublime, calmo, adorando cada parte, sentindo o doce sabor do clímax, na hora certa, no ponto certo. Ana Laura fechava os olhos, gemia baixinho, aceitava tudo como se fosse a ultima vez que iria fazer o que estava fazendo. Às seis da tarde me escorreguei do leito e um beijo calmo, saboroso, selou meu até logo. Ela e eu sabíamos que não iríamos parar ali.
      Fui para o hotel. Sonhando. Não via ninguém. Os olhos de todos a espreita, vigiando, sabendo o que aconteceu. Um banho sorrindo, cantando, e a mesa do jantar, olhei meus companheiros. Não disse nada, não contei nada. Eles sim disseram como foi o dia. Venderam alguns livros. Meu pensamento estava longe. Jantei, fui para a varanda e fiquei olhando a noite escura. Muitas estrelas no céu. Não tinha sono, não queria dormir, não queria esquecer a paixão avassaladora que estava sentindo. Eu amava Ana Laura. Agora nunca mais iria deixá-la. Aconteça o que acontecer.

     O dia amanheceu. Logo estava a sua porta. Ela me recebeu chorando. Não me deixou entrar. Dizia que eu devia partir. Imediatamente. Se ficasse eu seria morto. Não me explicou. Não disse o por que. Não havia tempo a perder disse. Não me queria morto e sim vivo. Agora não podia ficar. Tinha de partir dizia. Não estava entendendo e ela fechou a porta. Fiquei ali pasmo, sem saber que atitude tomar. Ouvi um barulho, meu ombro sentiu uma pontada. Tinha levado um tiro. Voltei-me, quatro homens me apontando armas. Mais tiros. Sai em desabalada carreira e eles atrás.

      No final da rua virei à esquerda e entrei em um matagal. Consegui me esconder. Eles passaram por mim varias vezes. Ficava imóvel. Foram-se. Fiquei só. E agora? O que eu devia fazer? Voltar ao hotel fora de cogitação. Peguei uma trilha e fui em frente. A bala tinha entrado no antebraço e saído. Não havia sangue. A dor era pequena. Meu lenço de bolso serviu para fazer um dreno. Avistei uma casinha, lá me informaram que a próxima cidade não estava longe. Havia a possibilidade de pegar o noturno que me levaria à capital.

     Passado duas semanas, voltei à cidade de Ana Laura. Cheguei à noitinha. Não disse nada a ninguém. Não iria ficar sem ela. Era a mulher da minha vida. Iria propor fugir naquela noite mesmo comigo. Ela iria decidir. Se não iria ficar ali junto a ela e morrer. Minha vida não tinha mais sentido sem ela. Tentando me desviar das pessoas e não ser visto, cheguei e bati a porta. Se o atirador estivesse lá que seja. Não me importava mais. Ela abriu a porta e entrei. Falei o que tinha de falar. Nos abraços, beijamos e ela fez as malas. Pequena, pouca coisa. Saímos sorrateiramente.
      Eu tinha poucas economias. Ela tinha algum. Pegamos o trem noturno para a capital. A levei a casa dos meus pais. Cinco dias depois partimos para o interior de Minas. Ela já havia me contado tudo. Era casada com o capitão Levegildo. Intitulavam-se “Polícia de captura’”. Era um valente militar que passava dias e dias a procura de bandidos em diversas cidades. Ela não gostava dele. Sabia que não teríamos paz em lugar nenhum. Ele iria nos procurar em todos os lugares. Tinha amigos poderosos.

     Durante seis meses ficamos escondidos perto de Guajará Mirim. Uma casinha pequena de pau-a-pique. Trabalhava em uma fazenda de café. Aceitaram-me como auxiliar de escrita. Salário pequeno. Dava para as despesas. Vivi com Ana Laura os mais belos dias de minha vida. Contava as horas e minutos que voltaria para casa. Ela me recebia como um príncipe. Casa humilde. Caixotes servindo de cadeira. Fogão a lenha. Luz de lamparina, uma esteira como cama de casal.

    Uma manhã vi diversos cavalos na venda do Zé das Quantas. Sabia quem eram. Corri em casa, juntei alguns trapos e sai com Ana Laura correndo em sentido contrário à estrada de chegada. Andamos a pé quase a noite toda. Cedinho chegamos a Tarumim, e lá pegamos um ônibus para Visconde de Avelar. Ficamos uns dias na pensão da dona Matilde. No quinto dia vi que não iria conseguir nenhum emprego naquela cidade. Andava de volta a pensão quando um tiro ecoou. Olhei e lá estava o filho da puta do capitão a rir e atirar em mim.

     Escondi-me nuns espinheiros próximo ao rio Peroba. Já noite alta fui como um fantasma até a pensão. Ana Laura estava lá, sentada na sala, e ao seu lado o capitão Levegildo. Entrei por uma janela e ele não me viu. Por trás peguei uma cadeira e soquei com força em sua cabeça. Caiu desmaiado ou morto não sei. Eu e Ana Laura juntamos nossos trapos e partimos de novo a pé como sempre. Não havia ônibus àquela hora.

    Resolvemos sair do Estado de Minas. Fomos em direção à Bahia. Em Feira de Santana trabalhei uma semana na construção de um Grupo Escolar. Logo que recebi botamos o pé na estrada. Desta vez fomos direto a Salvador. Pretendíamos ver um navio qualquer para nos levar para longe. Difícil muito difícil. O dinheiro era escasso. Minha única alegria era estar ao lado de Ana Laura. Ela estava enfrentando tudo com uma força que me fazia orgulhar da mulher que eu amava loucamente.

      Uma tarde chuvosa ela me comunicou que estava grávida. Bendito seja Deus! Eu ria, mas rir porque? Será que aquele menino ou menina teria futuro? Não sei só o tempo sabe a resposta. De novo um tiro, de novo senti a picada desta vez nas navegas. Maldito capitão. Maldito. Não nos dava trégua. Onde fossemos ele estava atrás. Como ele estava à paisana foi preso por dois militares que estavam próximos. Deu tempo para fugir. Mas a bala ficou alojada em um lado das minhas nádegas. Sangrava bastante e Ana Laura fez compressas durante as paradas de ônibus. Desta vez nos dirigimos a São Paulo. A maior cidade do pais. Seria difícil sermos encontrados.

       Durante mais de dez anos, vivemos uma vida cheia de alegria e felicidade. Nestor nasceu em fins de outubro, hoje com nove anos e meio. Um lindo garoto. Estuda, é um ótimo filho. Ana Laura mantém seu belo sorriso. Ainda é a mulher mais linda do mundo! Estava aproximando o natal. Eu trabalhava como mestre de obras em uma grande empreiteira. Ganhava bem. Tínhamos um casa boa em um bairro da zona norte.
       Recebi um telefonema de Ana Laura e ela estava desesperada. Nosso filho tinha sido raptado. O capitão Levegildo nos tinha descoberto. Maldito. Maldito mesmo! Nunca teríamos sossego. Pegou meu filho e disse a Ana que só o soltaria se eu fosse buscá-lo pessoalmente. Não tinha medo, mas não andava armado. Fui até onde ele estava. Nem bem me viu e me deu um tiro certeiro. Entrou na barriga, caí desmaiado. Ele veio rindo e atirando, mas cinco tiros. Um na perna, outro na coxa direita, outro no pescoço, os demais não me atingiram.

      Ele soltou meu filho e levou com ele a força Ana Laura. Deixou meu filho com um vizinho. Fui dado como morto. Fiquei entre a vida e a morte por seis meses. Recuperei mas andava coaxando. Juntei a pequena economia que tinha e comprei uma Magnum 357 semi-automática. Deixei meu filho aos cuidados de uma comadre, que morava próximo a nossa casa. Sabia onde encontraria o capitão Levegildo. Cheguei a Don Marcos pela manhã, em um pequeno Fiat que tinha comprado. Fui direto a casa dele. Não estava lá. Ana Laura quando me viu correu e me abraçou chorando.

     Ela me disse que ele estava na delegacia. Pedi a ela para juntar tudo e entrasse no carro na parte de trás. Fui direto a delegacia. Desci e o vi em pé na porta conversando com outro policial. Dei oito tiros nele. Fugi correndo no Fiat. Seu amigo ainda atirou e atingiu Ana Laura na cabeça. Fiquei maluco. Acelerei mais e na primeira cidade deixei Ana Laura no hospital, mas não podia ficar. Agora seria caçado por toda a policia do estado.
      Passaram-se dois anos. Mandei uma carta no meu antigo endereço e lá estava Ana Laura que tinha sobrevivido. Liguei para ela e disse que fosse me encontrar em Porto Alegre. Que felicidade em estarmos junto novamente. Nestor agora tinha quinze anos. Um belo jovem. Conseguimos em um caminhão de transporte de grãos, ir até a divisa com o Paraguai. Em Villarica uma pequena cidade no interior do Paraguai alugamos uma casinha. A felicidade tinha voltado as nossas vidas.

     Mais três anos e um dia, lá estava de novo o filho da puta do Capitão Levegildo. O desgraçado não tinha morrido. Desta vez não errou. Matou com um só tiro Ana Laura. Meu filho também foi atingido e morreu. Fiquei transtornado, fui em casa correndo e consegui alcançá-lo na fronteira. Um tiroteio feio. Mas desta vez ele estava morto. Para não haver duvidas dei quinze tiros em sua cabeça. Virou uma peneira. Eu também estava morto, tinha perdido tudo. Tudo que mais amava na vida. Maldito, se amava Ana Laura porque a matou?

     Passaram-se mais de quarenta anos. Voltei para a casa dos meus pais em belo Horizonte. Eles haviam morrido. Nunca mais fui importunado.  Ainda faço uns biscates com minha idade. Estou beirando os setenta e oito, mas me considero forte e mesmo sentindo o peito vazio, uma saudade imensa. Ainda ando sem precisar de ajuda. Acho que não tenho mais coração. Não sinto nada por ninguém. Dizem que a vida é conforme nosso merecimento. Não sei.

    Meu amor hoje está escondido no fundo do meu ser. Minhas saudades é amar um passado que ainda não passou. Não posso recusar o presente mesmo ele me machucando. É como se a saudade fosse o inferno dos que a perderam e a dor dos que ficaram. Parece que o gosto da morte me acompanha e ela não vem. A cada dia peço a Deus que me leve, pois tenho certeza que Ana Laura me espera lá no céu, onde as flores são mais lindas, onde as cores são mais vivas, onde o sorriso faz parte do amanhecer e do por do sol. Sei que meu dia irá chegar e eu e Ana Laura iremos viver felizes para sempre...

     Desculpem. Esqueci de dizer meu nome. Podem me chamar de Rodrigo, aquele que foi sem nunca ter sido...

QUADRILHA

João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.