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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Dom Pancho e sua galinha dos ovos de ouro



CANÇÃO DE OUTONO

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.

Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando àqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.

Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...


DOM PANCHO E SUA GALINHA DOS OVOS DE OURO

                       Isto mesmo. Dom Pancho. Era seu nome verdadeiro. Não, não se enganem a história não se passa no México e nem na Espanha. Ela é quase toda em Martelo do Birimbau. Um lugarejo perdido no interior do Piauí. Bem próximo a Jenipapo, onde se desenvolveu a célebre batalha do mesmo nome, às margens do rio Jenipapo. Risos. Não riam. É verdade. Os historiadores sabem, ela foi decisiva para a Independência do Brasil. Consistiu na luta de piauienses, maranhenses e cearenses contra as tropas do Major João José da Cunha Fidié, Comandante das tropas portuguesas. Não vamos aqui entrar na história. Deve ser bem conhecida de todos os brasileiros (risos). (História real. Aconteceu).

                      Dom Pancho nasceu em julho de 1950. Sua mãe, Eduardina Pereira, e seu pai, Mello Leitão Pereira, levaram-no para batizar em Martelo do Birimbau um mês depois. O tabelião, Sr. Marcondes das Onças, não quis aceitar o nome. Não pode, dizia. É nome estrangeiro. Veio das estrangerias. Proibido no Brasil. Os pais ficaram inconsoláveis. Tentaram explicar que era um nome de um grande espanhol chamado de Dom Caixote das Manchas. Ela tinha visto um livro. Por que não? Marcondes disse que era Dom Quixote de La Mancha e não Dom Caixote. Tudo a mesma “merda”, ela disse.

                      Mesmo assim, nada. Marcondes das Onças irredutível. Dona Eduardina chorava o dia inteiro. Mello Leitão não aguentou. Pegou sua garrucha velha e disse. – Vamos. Se não registrar, mato aquele “filudaputa”. E ele vai tabeliar nas “prefundas dos infernos”. Marcondes não titubeou. Registrou o menino.

                      O pobre não podia ir à cidade. A meninada corria atrás gritando: Dom Puxa-puxa. Vai puxar até o saco rebentar! Dom Pancho chorava. Resolveu reagir. Preparou um belo cacete de pau Brasil, limpou, lixou e estava no papo.

                     A meninada levou cacetada por todo lado. Mudaram seu nome de Dom Puxa-puxa para “Dom Cacete”. Melhor. Mesmo assim não gostava. O tempo passou. Não frequentou a escola. Seu pai sumiu para São Paulo quando tinha cinco anos. – Vou juntar dinheiro e buscar vocês. Nunca voltou. Sua mãe não chorou. À “merda”, com ele dizia. Que se “foda”. Dizia que ele se “amigou” com uma “puta mineira”. Que ele fosse “prá casa do caraio”. Era assim, sua mãe. Desbocada. Paciência. Dom Pancho não era assim. Palavrão? Nunca. Religioso? Não sabia.

                    Um dia levantou e não viu sua mãe na cozinha. Procurou no terreiro e nada. À tarde, desistiu de procurar. Estava com 17 anos. Só podia ter caído no rio do “Mardito”. Rio Amarelo. Sua mãe o chamava assim porque seu pai desceu de canoa e nunca mais voltou. Mardito! Dizia. Cinco dias depois a acharam inchada, perto do rio em São João do Livramento. Alguns a reconheceram. O enterro foi simples. Ali mesmo atrás das bananeiras da casa de Dom Pancho. Dom Pancho não chorou. Ninguém se preocupou. Era um rapagão forte, com um e setenta e cinco de altura, pardo, cabelos lisos, peitoral que mostrava exercícios frequentes. Nada disso. Apenas roça, pesca e cuidar das galinhas e cinco porcos. Duas prenhas.

                   Pouca gente sabia, mas Dom Pancho tinha um amor secreto. Cinco galinhas que ele criava com carinho. Tinha mais trinta, mas não era da turma de Dom Pancho. Bem, para dizer a verdade eram seis. Ele dizia cinco porque a Siri ele não contava. Nome interessante, mas bem apropriado. Siri só andava de costas. Risos. Verdade mesmo! Nunca andou normalmente. A galinhada no terreiro ciscando e Siri ciscando de costas! Dom Pancho achou interessante quando ela nasceu. Pensou que era cega, mas não era.

                  Quando ela botou seu primeiro ovo, viu que era azul. Azul escuro. Estranhou. Foi até a cozinha e bateu o ovo na mesa. Vamos ver essa “omileta” da Siri como era. Nada, não tinha gema. Parecia que uma pequena pedrinha balançava e ele viu que era uma pepita redonda. Um pouco maior que um feijão. Ouro? Será? Melhor guardar. Se desse bandeira, iam roubar Siri. Dom Pancho juntou muitas pepitas. Siri só botava oito ovos por ano. Dom Pancho cresceu. Vinte anos, trinta, trinta e cinco. Não casou. Não conhecia ninguém. Ia a Martelo do Berimbau três ou quatro vezes por ano. Só para comprar sal, “pementa” do reino, “pementa” malagueta e algumas roupas, umas rapaduras que gostava muito e mais nada.

                  Ele tinha o que precisava. Plantava arroz, feijão, mandioca, uma horta com quiabo, tomate, couve e muitas outras verduras. O rio do Mardito dava muitos peixes. Matava um porco a cada seis meses. Tinha cinco latas de vinte litros. Guardava lá tocinho frito na gordura, pedaços de carne e era um craque em fazer linguiças e chouriço. Adorava. Fazia chouriço doce e salgado. Delícia. Até minha boca encheu d’água. Assim vivia sozinho sem ninguém. Vizinhos de vez em quando vinham e compravam alguma coisa dele. Um verdadeiro ermitão. Sua companhia era Siri e a galinhada, o galo Mico Seco seus porcos e as estrelas. Não precisava de mais.

                - Duda perdeu seu padrasto com quinze anos. Eduarda Leitão Pereira. Seu nome completo. Seu padrasto se chamava Mello Leitão Pereira. Isso mesmo. O pai de Dom Pancho. Em São Paulo, amigou com sua mãe quando ela tinha um mês de vida. Sua mãe morreu de doença nos rins. Seu padastro a criou como uma filha. Nunca contou sua vida, mas um dia ela viu uma carta de Eduardina Pereira, sua mulher verdadeira, na cômoda de quatro gavetas. Leu. Nossa! Quanto palavrão. Ela o chamava de viado, filodaputa de uma égua, castrado, parido no meio dos infernos.

                  Deixou a carta no lugar e nunca mais pegou. Mello Leitão morreu ao cair de um andaime do prédio onde trabalhava. A firma disse que não podiam entregar para ela a indenização. Era menor de idade. Iriam abrir uma caderneta para ela. Quando fizesse vinte e um anos, poderia retirar. Sabia que era conversa. Não iam depositar “porra” nenhuma. Que enfiassem no “rabo”. Duda também falava palavrão e muito. Pensou que se ficasse ali iam levá-la para um orfanato. Juntou um dinheiro que encontrou nas gavetas, nada mais que uns duzentos reais, fez as malas e partiu.

                  Quinze anos, bem bonita, coxas firmes, seios grandes, cabelos longos e negros caindo nos ombros, olhos negros enormes. Um sorriso de deixar qualquer um baqueado. Sabia que muitos a desejavam. Mas sempre disse a si mesma que só ia “dar” para quem casasse com ela. Teve alguns namorados. Beijos, amassos e mais nada. Todos querendo que ela pegasse no “pinto” deles. Nunca. Mandava tomar no “rabo” e ia embora. Risos. Não se assustem. Duda era assim mesmo. Para dizer a verdade muitos achavam que ela tinha mais de 20 para sua idade.

                 Antes de ir, pegou a carta da mulher do seu pai. Olhou o endereço. Martelo do Birimbau. Sabia como chegar a Jenipapo. De lá, perguntaria. Isso mesmo. Ia fazer uma surpresa. Iria dizer que era filha de Mello Leitão Pereira. Para isso tinha a certidão de quando a registrou. Demorou cinco dias até chegar a Martelo do Birimbau. Perguntou tanto que achou um canoeiro chamado de Chico Louco. Na beira do rio Mardito ele sentado em sua canoa velha, cantava:

Segunda-feira de tarde, tava caindo garoa,
Cheguei na beira do rio, peguei a velha canoa.
E a canoa foi rodando...
Aí, eu fui sentado na proa.
Lá no porto das araras, que o rio Mardito desagoa
Vou entrando na vazante água pesada recoa...
No lugar que não dá nada a gente descorçoa.
Deixo o meu anzol de espera onde o peixe grande amoa.
Eu volto alegre pro rancho...
Ai, ai quando faço pesca boa. (*)

                    Não o deixou terminar. Ela era direta, sem rodeios. Seu Chico, me leve até a casa de dona Eduardina Pereira? Quanto vai me cobrar? Ele olhou aquela menina “gostosa” e disse. Só se for para Dom Pancho. Filho dela. Ela morreu “fogada” no rio faz uns 20 anos. Duda pensou, pensou e disse “vamo” lá seu Chico. Pago vinte. Ele topou. Ela entrou com a mala e partiram. Eram umas duas da tarde. Estava escurecendo quando chegaram. Seu Chico mostrou a casinha e voltou rio abaixo.

                     Duda viu Dom Pancho sentado num banquinho de madeira fumando um cigarrinho de “paia”. Cumprimentou e ele não respondeu. – Sou filha do Sr. Mello Leitão de Oliveira. Dom Pancho só olhou. Entrou e fez sinal para ela entrar. Fritou uns ovos, umas linguiças e tinha arroz do almoço. A mesa estava cheia de coisas. Não dava para usar. Jantou no banquinho do lado de fora. Estava com fome. Ele mostrou uma esteira em um canto da cozinha. Fez sinal para ela dormir ali. Ele dormia no quarto da mãe. Só dois cômodos.

                    Dom Pancho ficou cismado. Mas a “muié” era boa prá “caraio”. Muié não. Uma menina. Mas gostosa, muito. Dom Pancho ainda era virgem. Tentou várias vezes “comer uma porca”, não deu. Sujou-se todo de “merda”. Desistiu. Será que era sua irmã mesmo? Melhor “assuntar” devagar. Tinha tempo. Ela veio para ficar. Sabia pelo seu tipo. Precisava de companhia. Se fosse irmã, tudo bem. Era bem-vinda. Chega de viver sozinho naquela terra de ninguém.

                  Os dias foram passando. Dom Pancho começou a gostar de Duda. Era trabalhadeira. Ajudava em tudo. Não ficava parada. Cuidava da cozinha e ainda ajudava na roça. Duda riu de “braçada” quando viu a galinha Siri. De costas! Deus, o que era aquilo? Dom Pancho riu com ela. Sempre foi assim. Dom Pancho começou a falar o que nunca falou. Pudera desde que sua mãe morrera ficara sozinho ali por 20 anos. Falar com quem? Só com Siri e suas galinhas.

                  Seis meses depois, Duda e Dom Pancho fizeram amor. Ela não sabia. Ele também não. Mas foi gostoso. Assim os dois disseram. Dom Pancho foi à cidade para oficializar o casamento. O Sr. Marcondes das Onças ainda era o tabelião. Bem velhinho. Mas vocês não são irmãos? Não, disse Dom Pancho. Ele ia retrucar, mas lembrou do pai de Dom Pancho. Melhor não facilitar. Fez o casamento. Resolveram ir até Jenipapo. Dom Pancho levou suas economias e lá ficaram dois dias. Foram ao cinema e se assustou com o filme. Um faroeste! Quantos tiros. Já ia correr quando Duda disse que era só na tela.

                 No hotel pediram certidão de casamento. Duda olhou o porteiro e mandou ele se “foder”. Aqui tá minha identidade. Ele não tem. Vai tirar. Mas você é menor de idade disse. Menor o “cacete”. O porteiro se calou. A menina ou era puta ou era um biscate. Deu as chaves. Pagaram adiantado. Foram comer em um restaurante. Duda ensinou a Dom Pancho como usar a faca e o garfo. Ele achou uma frescura. Partiu o bife com os dedos. Duda ria de Dom Pancho. Adorava ele. Se existia amor, ela o amava.

                Quando voltaram para o sítio, ela viu um ovo azul que Siri tinha botado. Dom Pancho contou. Ela foi ver. Cento e tantas pedrinhas. Agora mais uma. Uma fortuna. Dom Pancho, vamos mudar isso. Você vai comigo até São Paulo. Vamos vender umas e você vai ver. Chega de viver na miséria. Dom Pancho concordou. Mas onde vamos deixar as galinhas e os porcos? E a Siri? Siri vai conosco. Falo com Chico Louco, o canoeiro. Dou a ele uns cinquenta para ele vir aqui todos os dias tratar. Parece-me ser uma boa pessoa.

               Dom Pancho se assustou com a cidade. Sempre com a Siri debaixo do braço. Muita gente rindo dele. Casas de uma altura tremenda. Quantos moram aí? Perguntava. Duda ria e respondia. Entrou no metrô. Com a galinha não pode, disse o guarda. Olharam e o trem entrou num buraquinho e sumiu. Puta merda! “Tamo fudido”. Neste buraco não vou, disse. Duda não parava de rir. Dá peixe nesse rio fedido? Era o Tietê. Não. Mas tem capivara. Cacete! Como elas vivem? Dom Pancho perguntou por que todo mundo conversava com um “trequinho” preto na mão. Celular, Dom Pancho. Vou comprar um para nós. Dom Pancho riu. Falar com quem? Só se fosse com o capeta!

                 Venderam 35 pedras. Apuraram cinco milhões de reais. Uma nota. Voltaram. Duda mandou construir uma casa nova na colina. Dois andares. Quase uma mansão. Estilo vitoriano. Uma vista linda para o rio Mardito. Comprou um carro. Mandou abrir uma estrada até a rodovia. Vinte quilômetros. Mobiliou. Contratou mão-de-obra. Comprou um trator. Plantaram soja. “Enricaram”. Duda adora Dom Pancho. Dom Pancho adora Duda. Siri era tratada como uma rainha. Um galinheiro bonito, uma casinha no puleiro e muito milho. Sempre cozido para não fazer mal.

                  Quando fez 21 anos, Duda voltou a São Paulo. Levou com ela três jagunços matador. Zé do Bode, Chico Boa Morte e Mané Castrador. Chegou ao prédio da construtora e foi direito na sala do Presidente. A secretária fez tudo para não deixar – Lembra de mim? Ficou de depositar em uma caderneta a indenização do meu pai. Dr. Julio sorriu azedo. Chamou o Diretor Financeiro. Não tinha poupança. Calcularam e deram a ela um cheque de dez mil reais. Duda riu. Nem pensar. Na época eram uns quarenta mil. Se passaram oito anos. No mínimo uns trezentos e cinquenta mil. Me dá trezentos e “tamo” conversado. – Não, disse o Dr. Julio. Duda chamou Mané Castrador. Castra esse filho de uma égua. Zé do bode enfia seu punhal no rabo dele. Chico Boa Morte, limpa a pança desse “porra” barrigudo e corte o “pau” dele com seu punhal. Saiu de lá com a quantia esperada.                                        

                  Comprou um título de comendador para Dom Pancho. Comendador Dom Pancho. Ele queria de Coronel. Ela comprou também. Agora era o Coronel Comendador Dom Pancho. Ele comprou um chapelão preto tipo mexicano. Charutos. Camisas de seda. Um “trequinho preto falante” nas mãos. Ficava na varanda feito uma Maria Fumaça. Ria. Boa vida agora. Dinheiro, casa boa, uma “periquita” gostosa à disposição. Nunca usou outra. Adorava sua mulher. Ela era um pau de toda obra. Ele virou um folgadão, mas nunca um aproveitador. Quem te viu e quem te vê. Fizeram um porto. Pequeno. Um bom barco a motor.

                   Siri viveu por muitos anos. Morreu no dia que Dom Pancho morreu. Aos noventa anos. Duda ainda viveu mais. Até os noventa e cinco. Tiveram onze filhos. Todos letrados. Dom Pedrito o mais velho, dirigia a fazenda quando morreram. Etelvina, Macaima, Dom Pixote, Dom Lá Mancha, Dom México, Dom Espanha, Matilde, Dom Sancho Pança, Lorenita e Dom MacBeth ficaram por ali até crescerem. Uns foram para os Estados Unidos. Outros para a Espanha.

                  Quando Siri morreu, de seu último ovo nasceu um pintinho. Deram o nome de “Espirro”, vivia espirrando. Seu primeiro ovo também tinha dentro uma pepita de ouro! E como dizem os contadores de história, viveram felizes para sempre! Quem? O “cacete” que viveram!!! Risos e risos!!!

(* Letra de Zé Carreiro / Vieira, cantada por Tião Carreiro.)


A flor de Maracujá

Apois antonce
Eu lhes conto
A história que ouvi contá
A razão purque nasce roxa
A frô do maracujá
Maracujá já foi branco
Eu posso inté lhe jurá
Eu posso inté lhe jurá
Mais branco que a caridade
Mais branco do que o luá
Quando as frô brotava nele
Lá pros confim do sertão
Maracujá parecia,
Um ninho de argodão

Mais, um dia...
Há muito tempo,
Num mês que inté não me lembro
Se foi maio... se foi junho
Se foi janeiro ou dezembro
Nosso Senhor Jesus Cristo
Foi condenado a morrê
Numa cruz, crucificado
Longe daqui, como quê

E havia junto da cruz
Aos pés de nosso Senhor
Um pé de maracujá
Carregadinho de frô

Pregaram Cristo a martelo
E ao ver tamanha crueza
A natureza inteirinha
Pôs-se a chorá de tristeza
Chorava o vento nos campo
Chorava as fôia e as ribeira
Sabiá tomem soluçava
Nos gáio da laranjeira
E o sangue de Jesus Cristo
Sangue pizado de dô
No pé do maracujá
Tingia todas as frô
Catulo da Paixão Cearense

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O estranho funeral de Jacinto Malaquias


O funeral azul
Parem já os relógios, corte-se o telefone,
dê-se um bom osso ao cão para que ele não rosne,
emudeçam pianos, com rufos abafados
transportem o caixão, venham enlutados.
Descrevam aviões em círculos no céu
a garatuja de um lamento: Ele Morreu.
no alvo colo das pombas ponham crepes de viúvas,
polícias-sinaleiros tinjam de preto as luvas.
Era-me Norte e Sul, Leste e Oeste, o emprego
dos dias da semana, Domingo de sossego,
meio-dia, meia-noite, era-me voz, canção;
julguei o amor pra sempre: mas não tinha razão.
Não quero agora estrelas: vão todos lá para fora;
enevoe-se a lua e vá-se o sol agora;
esvaziem-se os mares e varra-se a floresta.
Nada mais vale a pena agora do que resta.
O estranho funeral de Jacinto Malaquias
                    Era estranho, muito. Jacinto não reconhecia aquele salão. Nunca o tinha visto, afinal sua cidade pequena não possuía salões assim. Lá dentro viu várias pessoas, muitos amigos. Seria uma festa? Festa estranha. Todos sussurrando, não havia musica. Grupinhos aqui e ali. Num canto do salão Pedro Bala e Antonio da Linda davam risadinhas sacanas. Claro, eles eram sempre assim. Nanci da Nadir e Napoleão espoleta também estavam lá. Sempre agarradinhos. Os dois namoravam há quinze anos (risos), nem noivos ficavam. Diziam que assim que era melhor.
                   Jacinto pensou que poderia estar em um sonho. Mas não se lembrava de ter dormido. Claro já tinha tido outros sonhos, mas nunca tão real como esse. Viu no fundo do salão uma figura de um homem que ele não conhecia. Fazia sinais para ele se aproximar. Ao adentrar viu na entrada uma plaqueta escrita – Jacinto Malaquias – 1980-2010. Era ele! Então estava sendo homenageado? Sorriu e entrou. Nunca na vida recebera uma homenagem. Viu seu avô em um canto sentado em uma cadeira de cabeça baixa. Sua avó não estava. Claro morrera cinco anos antes.
                     Quando estava entrando ouviu um sussurro no salão, olhou e viu Maysa chegando. Estava linda! Toda de preto com um véu negro sobre os olhos. Nossa! Como estava linda! Durante seus cinco anos de casados ele nunca tinha visto ela tão linda. Ela passou por ele sem dizer nada. Ele não se preocupou. Era sempre assim. Ela só o procurava quando queria. Nunca parava em casa. Mas ele gostava tanto dela que alem de ganhar seu sustento na sapataria, também fazia a limpeza da casa e as refeições diárias.
                     Ele sabia disso quando casou com ela. Diziam que era frívola fútil e interesseira. Não era surpresa. Afinal era a única que desde os doze anos só andava com um “micro-saia” que os homens adoravam e as mulheres detestavam. Sabia até que ela tinha vários casos com diversos homens da cidade. No entanto nenhuma mulher se interessou por ele nesses seus trinta anos de vida. Disseram-lhe uma vez que o homem verdadeiro quer duas coisas: perigo e jogo. Por isso escolhe a mulher, o jogo mais perigoso. Seria mesmo? Ela o enfeitiçou. Entrou na sua sapataria com um salto alto que quebrou. Sussurrou baixinho se ele podia fazer alguma coisa.
                    O que ele não faria por aquela mulher? Todos na cidade a desejavam. Jacinto sabia. É mais claro que o sol que Deus criou a mulher para domar o homem. E olhe, o homem que não mente para uma mulher tem muito pouca consideração pelos sentimentos dela. Risos. Jacinto era louco por Maysa. Depois da primeira vez ele voltou varias vezes na sapataria. Ele ficava sem ter o que falar. Só olhava para ela. Um feitiço isso sim ela tinha colocado nele. Um dia quando estava fechando ela chegou. Ajudou a fechar a porta e ficaram dentro da sapataria. O que ela fez quase matou Jacinto.
                 Jogou-o com força sobre uma velha poltrona de couro marrom rasgada. Pegou um cinto e bateu nas pernas dele. Ele estava atônito! Quando ia reagir ela começou a se despir. Devagar. Sensual. Jacinto ficou petrificado! Deus meu! Ela tinha um corpo fenomenal. Única loira autentica da cidade. Cabelos curtos, olhos azuis profundos. Ficou nua na sua frente. Jacinto não fez nada. Estava tremendo. Ela rasgou as roupas de Jacinto. Ela o possuiu. Jacinto fechou os olhos. Achou que estava no paraíso. Sempre fora assim. Terminavam e ela sussurrava em seu ouvido - “quero mais!”
                 Casaram-se na igrejinha de São Francisco numa tarde de setembro. Ele nunca esqueceu aquele dia. Seu vestido de noiva era transparente e mostrava a calcinha biquíni preta. Ela não usava sutiã. Terminado o casamento, por sinal bem concorrido ela sumiu. Sumiu mesmo da cidade. Voltou duas semanas depois. Foi para a casa de Jacinto. Entrou olhou para ele e não disse nada. Com o dedo polegar fez sinal para ele segui-la. Ele suspirou fundo. Achou que deveria inquiri-la, mas se calou. Ele era assim e aquela mulher o dominava. Toda a cidade sabia como ela era todos os homens a desejavam e Jacinto foi um privilegiado. Ele sabia que ia dividir. Seria normal.
                Durante cinco anos seu casamento foi entremeado de idas e vindas de Maysa. Interessante que nunca pediu dinheiro a Jacinto. Sempre quando sumia deixava uma boa quantia em cima da penteadeira. Jacinto não usava. Abriu uma poupança em nome dela. Um dia fechou a sapataria e ao chegar em casa ele viu saindo o Vadico do seu Leôncio. Ele conhecia Vadico. “O garanhão”, todos os chamavam de ‘gostosão da cidade’ o tal ‘Ricardão”. Nem se deu o implante de cumprimentar Jacinto. Ele a encontrou deitada, nua, de pernas abertas e molhadas, olhando para ele. Claro, esqueceu tudo e cumpriu sua função de marido.
                Agora ele estava ali, naquela festa estranha, ou melhor, dizer bizarra depois que Jacinto viu seu pai e sua mãe em volta de um esquife dourado. Ora, quem seria? Porque seu pai e sua mãe estavam chorando? Jacinto viu quando Maysa se aproximou deles e levantando o véu viu que algumas lágrimas desciam dos seus lindos olhos azuis da cor do céu de outono. Queria se aproximar, pois o amigo que tinha feito o sinal insistia em sua presença. Ele foi até ele. O cara que não conhecia sorriu e disse – “Bem vindo ao clube dos chifrudos mortos!”
                Ele deu uma gargalhada e sumiu. Jacinto aceitou. Sempre fora pacato e tranqüilo. Nunca brigou nem reclamou. A vida para ele era assim. Quando alguém perguntava a ele que “A vida é dura’, ele sempre respondia “Comparada a que?”E ainda completava a vida para os desconfiados e os temerosos, não é vida, mas uma morte constante. Simplório este Jacinto. Ingênuo? Não sei. Havia pelo menos umas trintas pessoas na sala, mas em volta do esquife que intrigava Jacinto. De quem seria? Aproximou-se – Nossa! Era ele! Mas não podia ser ele estava vivo, ali presente.
               Deu-se conta que ninguém falava com ele. Tentou falar com Maysa. Ele nem olhou para ele. Chamou sua mãe e seu pai. Nada. Alguém cutucou suas costas e ele se virou e outro estranho sorria, com dois pares de chifres na cabeça. Disse – Quando terminar me procure. Sou o chefe do Clube dos Chifrudos mortos. Vou fazer sua admissão no clube. Ria e a valer e saiu como entrou. Viu Maysa ir ao banheiro. Logo em seguida viu Vadico indo para lá. Ele atravessou a porta com facilidade. Maysa estava sentada no colo dele com a saia levantada e ele sentado no vaso. Ela gemia baixinho e Vadico ria. Se ele estava morto, até no enterro Maysa botava chifre nele?
               Saiu Dalí quando viu dois homens de uniforme dizendo – Chegou à hora, quem quiser que despeça agora. Todos fizeram volta no esquife. O sinal da cruz e os homens fecharam a tampa. Jacinto podia ler os pensamentos e ninguém pensava nele. Ao caminhar nas alamedas da necrópole, viu que os homens só olhavam a “bunda” de Maysa. As mulheres beliscando os homens. Maysa sabia disto e mais se rebolava. Jacinto riu. Gostava disto. Sabia como todos sonhavam em levar Maysa para a cama. Claro muitos levaram, mas ele a levou muito mais.
               Chegaram a um canto bem no final do cemitério. Uma roda, a mãe de jacinto chorava e o pai se despediu dele. Disse um Pai Nosso e Jacinto viu que o pai pensava outra coisa. “Vai meu filho, um frouxo, ficará na memória de todos como o maior chifrudo que esta cidade já teve”. Jacinto não chorava aquilo era estranho para ele. Todos que se aproximaram do caixão para se despedir aproveitavam a multidão (pequena) para passar a mão na “bunda” da Maysa. Que mulher pensava jacinto. Até no meu enterro deixava os homens fazendo “continência”.
               Só então Jacinto percebeu que o cemitério estava cheio. Tinha centenas e centenas de homens, sentados nos muros, nas cruzes, nos mausoléu e nas catacumbas. Todos com um par de chifres na cabeça. Todos riam. Gargalhavam. Gritavam para Jacinto, “Bem vindo ao clube”. Jacinto riu. Parece ser uma turma boa, acho que vou gostar daqui. Os amigos e parentes se foram. A noite chegou. Jacinto tentou sair do cemitério, não deixaram. Tentou dormir também não deixaram. Jacinto era de paz. Não quis discutir. Sentou em um galho de um abacateiro e lá passou a noite.
               Jacinto acordou. Não estava no cemitério. Estava em baixo da mangueira do quintal de sua casa. Ficou de pé. Estranho. Muito. Ele sentia que estava vivo, ficou com sede e foi até a pequena bica que passava em seu quintal. Bebeu com gosto. Olhou para a porta da cozinha. Estava aberta. Entrou. Não tinha café. Ele fez. Bebeu e comeu alguns biscoitos. Foi para a sala. Viu Maysa nua deitada na poltrona abraçada a Vadico. A Televisão estava ligada. Um desenho de Popeye.
               Pela primeira vez não gostou do que via. Uma coisa entrou na sua cabeça. Não sabia o que era. Foi cozinha. Pegou uma faca de cortar carne. Voltou e enfiou de uma só vez no pescoço de Maysa. Ela nem gritou. Passou a faca com o sangue no “penis” de Vadico. Cortou seu saco. Ele berrou. Jacinto bateu com um vaso de flores em sua cabeça. Subiu ao seu quarto, arrumou umas roupas e suas poucas economias. Levou também o cartão do banco onde depositava o dinheiro de Maysa. Ela agora não iria precisar mais.
               Saiu sem fazer barulho. Ninguém o viu. A cidade acordou. O padeiro foi entregar o pão. Jacinto não atendeu. O leiteiro entregou o leite. Ninguém atendeu. Dona Cotinha a vizinha achou estranho. Chamou o Delegado. A porta estava aberta. Viu que Maysa estava morta. Ao lado Vadico desacordado. De Jacinto nem sinal. Foi uma festa na cidade. Fofocas de boca em boca. Vadico matou Maysa porque ela cortou seu saco! Que isso, não foi assim. Jacinto cortou o saco de Vadico e matou Maysa.
              Vadico saiu do hospital e foi preso. Julgado foi condenado por quinze anos de um crime que não cometeu. Mas na cidade todos ficaram aliviados. Enfim deram um sumiço no “Ricardão”. Os maridos sorriram. As mulheres iriam sentir falta. Os pais de Jacinto venderam sua sapataria. O delegado desconfiou que eles soubessem onde ele estava. Juraram não saber. Ficou sabendo que Jacinto fez uma Poupança para Maysa. O gerente disse que tudo foi retirado. Não tinha mais um “tostão’.
              Seis anos depois, Miguezinho um vendedor de utensílios de alumínio da capital, em uma roda de sinuca no bar do Peixoto Pinto Morto, jurou que tinha visto Jacinto em Pacaraima. Uma cidade fronteiriça com a Venezuela. Aproximou-se, mas Jacinto disse que seu nome era Alberico das Flores. Miguezinho disse que não discutiu. Jacinto tinha na cintura um parabellum e seu olhar não era de bons amigos. Na pensão disseram que ele era o maior fazendeiro da região. Plantador de soja. Tinha mulher e quatro filhos. Quem diria.
              É vida. Hoje uma amanhã outra. Se Jacinto ganhou claro que Maysa e Vadico perderam. Mas quem tudo quer tudo perde não é assim que se fala? O tempo não cura tudo. Aliás, o tempo não cura nada, o tempo apenas tira o incurável do centro das atenções. Aconteceu na cidade de Jacinto. Ninguém lembrava mais dele, mas os homens nunca esqueceram Maysa e sua “bunda” de ouro. Enfim, tudo que existe existe. Talvez porque outra coisa existe. Nada e tudo coexistem: talvez assim seja o certo...
Enterro de Maysa

Morreu, vai a dormir, vai a sonhar, deixai-a!
(Fale baixinho, agora mesmo se ficou...)
Como padres orando, os choupos foram ala,
Nas margens do ribeiro onde ela se afogou...

Toda de branco vai, n’esse hábito de opala,
Para um convento: Não o que Hamlet lhe indicou,
Mas para um outro horror! Que em por nome Vala,
De onde jamais saiu quem, lá, uma vez entrou!...

O lindo pôr-do-sol, que era doido por ela,
Que a perseguia sempre, em palácio e na rua,
Vede-o, coitado! Mal pode sustar a vela...
Como damas de honra, ninphas seguem-lhe os rastros,
E assomando no céu, sua Madrinha, a Lua,
Por ela vai desfiando as suas contas, Astros!
Antonio Nobre

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O doce sabor de um sorriso




 Ouvir estrelas... 

 “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e entender estrelas"

O doce sabor de um sorriso

            Nasci em uma manhã de sol radiante, num pequeno hospital próximo ao bairro que minha mãe morava. Era um bairro humilde, onde os vizinhos tinham respeito entre si, eram grandes amigos e ninguém deixava de ajudar quando preciso. Quando nasci todos sorriram. Mesmo chorando eu tinha um lindo sorriso no rosto. Amargo sorriso. Acompanhou-me a vida toda.

            Tinha desprezo pelos espelhos. Não gostava de me ver. Aquele sorriso não se modificava mesmo que quisesse. Podia chorar gritar entortar o rosto e lá estava ele nos meus lábios. Cresci odiando meu sorriso. Na escola todos viviam sorrindo para mim, os professores me olhavam e sorriam. Deus meu! Porque era assim? Uma aberração da natureza?

              Os rapazes se aproximavam de mim com extrema facilidade. Claro, eles achavam que eu estava sorrindo para eles e era uma presa fácil. Corpo cheio, seios volumosos, nem gorda e nem magra e meus cabelos para dizer a verdade eram negros brilhantes e todos me olhavam embevecidos. Aqueles que escolhia ficavam comigo pouco tempo. Cansavam do meu sorriso. Achavam que eu estava fingindo.

              O namorado que mais durou foi com o Mario Augusto. Oito meses. Até o dia em que ele me levou a um imundo motel e me possuiu brutalmente. Ele também era virgem e fez o que os outros o ensinaram. Ridículo. Nem a roupa tirou. Tinha vergonha. Fez um sexo idiota que eu mesma sendo virgem quase ri da sua estupidez em me possuir.

             Até hoje não sei se choro por dentro ou se sorrio.  Mario Augusto se vangloriou com seus amigos que eu “dei” para ele sorrindo. Um sorriso idiota de puta “sacana”. Que ódio. Vontade de matar o Mario Augusto. Mas a vida nos ensina muitas coisas. Dizem que a vida é uma grande universidade, mas acho que ela pouco ensina a quem não sabe ser bom aluno e eu acredito não ser uma.

             Antes de completar dezoito anos, consegui um emprego. Fiquei nele dois dias. Meu chefe achou que eu estava sorrindo para ele e veio com aquela conversa enviesada. Porque não podia ficar séria? Tirar aquele sorriso “besta” no rosto? Isto não podia continuar assim. Chamei minha mãe e ela conversou com meu pai. Meu pai não se preocupava, achava que eu era feliz. Nunca entendeu por que eu sorri a vida toda ao lado dele.

              Um médico me examinou e sorriu. – Linda sua filha! Linda, e que sorriso! Meu Deus ninguém para entender? Resolveram me levar a um psicólogo. Deitei na poltrona e ele me olhando e sorrindo. Não tirava aquele sorriso idiota do rosto. Nunca mais voltei lá. O tempo foi passando, todo mundo me olhando e sorrindo. Acostumei. Sabia que não havia como evitar.

              Conhecí Joca quando estava uma livraria próxima a minha casa. Tentava achar um livro que procurava há muito tempo. O Outono do Patriarca. De Gabriel Garcia Marques. Foi quando o vi retirando um livro da prateleira. Devia ter visto o livro que procurava e se assim o fosse teria tomado conhecimento de quem era ele, mas como diz um velho ditado, só o tempo sabe a resposta. Um belo jovem. Alto, cabelos pretos bem penteados, magro, e também tinha um belo sorriso.

               Foi amor a primeira vista. Apaixonamos-nos e nos casamos em dois meses. Meus pais foram contra. Mas quem segura à juventude? Os seus sonhos? Os seus desejos? Disseram-me uma vez que a infância é a idade das interrogações, a juventude a das afirmações e a velhice a das negações. Será verdade? Não sei. A vida real do ser humano consiste em ser feliz. Isto porque está sempre na esperança de sê-lo muito em breve.

              Fui morar com ele em sua fazenda no interior de Goiás. Não era a casa dos meus sonhos, mas vivi com ele uma linda historia de amor.  Amamos-nos em todos os lugares da fazenda. Joca era paciente, um amante a moda antiga. Sabia como fazer e eu me tornava super excitada com ele nestes momentos. Uma vez nas margens do pequeno rio Corumbá, um pescador nos viu nus, nos amando como dois amantes sedentos. Ele parou o barco e ficou ali até terminamos. Nunca fui uma “voyeur”. Naquele dia senti um prazer enorme em saber que estava sendo observada.

 

              Vivi mesmo um conto de fadas com Joca. Mas alguns meses depois, notei que ele estava meio estranho quando recebia a visita de Morel da Silva. Morel era um senhor de idade, de uns sessenta anos, uma barba branca, cabelos compridos, amarrados em rabo de cavalo. Ele me cumprimentava com educação. Nunca me olhava diretamente. Não sei por quê. Joca pedia para eu ir dormir e saia com Morel. Aonde iam? O que faziam? Nunca perguntei. Amava Joca e confiava nele. Só voltava de madrugada. Aquilo sempre me intrigou.

 

              Notei que Joca estava mudando de atitude. Não era mais o meu príncipe. Tratava-me muito bem, mas me negava muitas coisas que pedia. A ida a Alto Paraíso se tornou uma raridade. Era a cidade mais próxima da fazenda. Quando precisávamos de víveres, manda o Onofre, um jovem de dezesseis anos, que levava o dia inteiro a cavalo para ir e voltar.

 

               Joca nunca teve um carro. Achava que não precisava. Tínhamos uma charrete, e no principio eu me divertia quando íamos a Alto Paraíso. Mas tudo estava mudando. Uma tarde chamei o Onofre e devagar fui “assuntando” o que ele sabia sobre as saídas de Joca e Morel. Onofre ficou branco, balbuciou alguma coisa que não entendi e saiu correndo. Minha descoberta aconteceu da pior maneira possível.

 

                 Joca me trouxe um vestido branco e pediu para vestir. Disse que ia junto a ele e Morel participar de uma “reza”. Será que era isso? Não era. Quando lá cheguei amarrou meus braços e me sentou em uma cadeira. Logo a sala se encheu. Pelo menos vinte pessoas. Todos homens. Começaram a cantar algum estranho, e cada um deles vinha até a mim e passava as mãos sujas de sangue no meu rosto. Sangue de algum animal cuja bacia estava em cima da mesa.

 

                  Vi que estava em uma espécie de um altar. E no alto o símbolo de Baphomet. Eles eram da seita os Adoradores do diabo. Meu Deus! Morel era um espécie de sacerdote. Dizia sempre – “Shemramforash!” e gritava. Grito alucinantes. Todos gritavam também. Era apavorante. Quando Morel parou, todos pularam gritando “Satan!” Alguém tinha um tambor e começou a bater nele com toda força.

 

                 Meu corpo tremia. Estava apavorada. E Joca? Onde estava? Como podia deixar que eles fizessem isto comigo? Não havia roupas especiais, só Morel usava uma pele de ovelha na cabeça. Gritei por Joca. Ele apareceu e me disse para ficar calma, não ia acontecer nada. Meu medo era terrível. Joca aproximou-se de mim e de uma vez só tirou minhas roupas me deixando nua e me penetrou com força. Gritei, gemi, pedi para parar, mas Joca parecia estar alucinado.

 

                 Uma fila se formou, todos gritando pulando e tiraram seus membros para fora. Joca terminou e desvencilhando das cordas que prendiam a minha mão, me levantei correndo e pulei uma janela aberta. Morel correu atrás de mim. O rio estava perto e saltei de uma ribanceira ainda com parte das mãos amarradas. Se tivesse de morrer que fosse afogada, não naquele ritual macabro. O rio estava cheio. Consegui boiar de costas. Nadava bem. Graças a Deus. A noite escura eles andando pelas margens. Continuei no meio do rio. Não ouvi mais vozes.

 

                 Com dificuldade me aproximei da margem. Vi uma canoa. Alguém pescava. Gritei. Socorreu-me e desmaiei. Acordei em uma cabana improvisada em uma mata espessa. Vi meu salvador. Não era bonito. Tinha uma feia cicatriz na face. Não falava. Vi que tinha me desamarrado e estava deitada em uma cama de folhas improvisada. Disse-me que no dia seguinte partiríamos. Deixaria-me em Alto Paraíso. Pedi pelo amor de Deus que não. Levasse-me em outra cidade.

 

                 A vida tem altos e baixos. Dizem que ela é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso nos dizem para cantar, chorar, dançar e rir. Viver intensamente antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos. Não era a heroína e nem queria ser. Queria voltar a minha vida de antes. Eu era feliz a não sabia. Voltar a minha cidade tinha duvidas. Acho que Joca e Morel iriam atrás de mim. Meu salvador me disse que não tivesse medo. A vida é maravilhosa dissera. Claro se não tiver medo dela.

 

                 Tonho não era bonito, mas tinha uma elegância que não parecia ser um pescador das barrancas do rio Corumbá. Levou-me para sua casa, sua mãe uma simpatia. Não tinha pai e só mais dois irmãos eram seus companheiros. Contei a eles o que aconteceu. Ficaram todos calados. Já sabiam do ritual macabro. Disseram que eu tive sorte. Fiquei na casa de tonho por três meses e resolvi voltar para a casa de minha mãe.

 

                   Dois meses depois Tonho apareceu por lá. Disse que queria que eu fosse sua mulher. Chorei de emoção. Ele era meu salvador não o amava com paixão, mas achei que podia acontecer. Fomos morar próximo a Parati. Tonho tinha um tio pescador. Fomos bem recebidos. Vivemos felizes, uma felicidade incrível. Hoje nem imagino o que fui. Chegue a cursar o primeiro ano de letras e parei. Agora era a mulher de um pescador.

 

                   Tonho sai todas as manhãs no barco com seu tio. Dia sim dia não voltam com muitos ou poucos peixes. Não levo uma vida de ricos. Nada disto. Mas sou muito feliz ao lado de Tonho. Esqueci de dizer, hoje consigo chorar, rir, pensar, cantar e meus lábios me acompanham. Não sei por quê. Talvez pelo susto de ter passado pelo ritual dos Adoradores do Diabo. Estou grávida. Espero ansiosa este filho.

 

                    Faz cinco anos que estou aqui. Adoro minha casinha de folha de taipa em frente ao mar. As tardes fico na areia sentada em um banquinho a espera de Tonho. Sempre vejo o por do sol. É um espetáculo que cura qualquer ferida. Dizem que ninguém se preocupa em ter uma vida virtuosa e sim o tempo que poderá viver. Claro todos querem viver bem, ninguém tem o poder de viver muito. Mas eu quero ter muitos filhos, e morar aqui com Tonho agora minha única paixão alem dos meus filhos.

 

                     Como na vida não há dois momentos de prazer parecidos, tal como não há duas folhas na mesma árvore exatamente iguais, quero fazer de minha vida o que nunca tive. Dois grandes poetas disseram que há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinhos, e outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas! Eu tenho certeza, tenho tudo que almejei. Nada falta para transformar minha vida. Hoje eu vivo com prazer, pois tenho amor no coração e um sorriso nos lábios.

 

Risos. Desculpem, não disse meu nome. Acho que não importa, importa em saber que hoje meu sorriso é verdadeiro. E acredito que sou feliz. Alcancei a felicidade sem saber!

 

                                           

SONETO DO AMOR TOTAL

Amo-te tanto, meu amor... Não cante,
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante,
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade,
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude,
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente,
Hei de morrer de amar mais do que pude

Vinicius de Moraes

domingo, 15 de janeiro de 2012

A Lenda dos beijos perdidos


  

Em cada dia, um ato
Em cada ato, um pensamento
Em cada pensamento, uma saudade
Em cada saudade... Você

Em cada vida, um livro
Em cada livro, uma história
Em cada história, uma lembrança
Em cada lembrança... Você

Em cada momento, um instante
Em cada instante, um saber
A cada saber, uma certeza
A certeza de amar Você!

Lisa Marie

A lenda dos beijos perdidos.

               Estava atrás do balcão quando ela entrou. Nem me olhou e nem cumprimentou. Dirigiu-se a mesinha do canto da parede e se sentou. Ficou de olhos baixos. Não dava para ver seu rosto. Ficou de costas para mim e de frente para a porta da rua. Meu bar era pequeno. Detestava o bar. Herança de meu pai. Só cachaceiros e arruaceiros. Devia ter vendido e sumido desta cidade maldita.

               Ouvi sua voz, meiga, macia, deliciosa. Um rouxinol cantando ao nascer do sol. Mas não era o que esperava – Traga-me qualquer lanche quente que tiver e uma dose de Martine. Depois um suco de laranja. Não me olhou, continuou com a cabeça baixa. Pronto, fui a sua mesa. Ela me olhou pela primeira vez. Incrível! Linda! Impossível descrever tamanha beleza. Sorriu, quase caí de costa. Morena jambo, olhos verdes, grandes, cabelos presos em coque, seu rosto liso como a pele de um bebê, uma boca de lábios grossos, vermelhos, deliciosos.

               Mastigava com educação. Via-se que era uma mulher de classe. Agora olhando a rua. Quase ninguém. Cedo ainda, cidade pequena. Um buraco perdido no fim do mundo. Fiquei ali olhando para ela e pensando. Chamou-me, pagou. Perguntou onde era a toalete. Mostrei. Uma privada imunda. Limpava só à noite. Ouvi a descarga, olhava a rua e ela veio de mansinho. Deu-me um beijo. Não um beijo comum. Um beijo que nunca na vida experimentei.

                Colou seus lábios ao meu. Senti seus dentes mordendo de leve minha língua. Forçou sua língua na minha, passeou em minha boca. Voltava para a língua, forçava. Eu comecei a tremer. Encostou-se a mim seu corpo escultural. Forçou. Gemia baixinho. O desejo a posse seria natural ali. Não tinha coragem. Não estava pronto para o assalto. Ela gemeu alto. Deixou-me. Saiu sem dizer adeus.

               Continuei ali por muito tempo. A respiração ofegante. O membro duro. Suava. Uma experiência que nunca tive. Afinal só conhecia algumas putas da cidade. Poucas. Não podia dar esse luxo. O dinheiro era pouco. As moças eram casadoiras. Minha mãe se foi há muito tempo. Fugiu com outro homem. Meu pai nunca disse nada até morrer vomitando sangue. Tuberculoso. Triste destino.

                Nasci ali. Agora com vinte e cinco anos. Só o segundo grau. Ir pra onde? Bonito não era. Dinheiro não tinha. Algumas jovens se interessavam por mim, eu não interessava por elas. Chico Negro Monte me ofereceu uma ninharia pelo bar. Fiquei de pensar. Afinal o que faria depois? Em meus pensamentos não vi dois homens de terno e gravata se adentrarem. Sentaram na mesma mesa da moça dos lábios de mel.

                 Pediram-me duas cachaças. Quando me aproximei um me agarrou pelos cabelos. O outro me forçou contra o tampo da mesa. Socou-me forte nela. Senti uma dor tremenda. Falaram baixinho no meu ouvido. Conte tudo ou vai encontrar seu pai no inferno. Não sabia o que contar. A morena que entrou aqui hoje disseram. O que dizer? Expliquei o que sabia. Um me deu um tremendo soco, o outro me encheu de pontapés. Arrastei-me até o balcão cheio de sangue. Eles nem me olharam mais. Acharam-se os tais. Peguei a faca de cozinha. Enfiei na garganta de um. O outro sacou um revolver. Deu-me um tiro. Pegou no braço esquerdo de raspão. Com o direito cravei a faca no seu coração.

                 A cidade em peso agora em frente ao meu boteco. O delegado Idelfonso fazia perguntas. Achou-se o máximo com o crime. Nunca isto aconteceu ali. Expliquei tudo e ele sempre insistindo na mesma tecla. Assistia muito o detetive Columbo na a TV. Na semana seguinte me chamou de novo a delegacia. Disse que eu devia sumir. Eles eram bandidos da capital. Uma espécie de máfia. Viriam outros com certeza. E desta vez era para me liquidar.

                Vendi o bar para o Chico Negro Monte por dois mil reais. Valia muito mais. A casa era minha, mas tranquei tudo e parti em um sábado a noite. Fui para Campinas. Lá iria decidir o que fazer. Já conhecia a cidade. Nem bem desci do ônibus e vi dois homens em um opala preto me seguindo. Dei a volta no quarteirão e retornei a rodoviária. Comprei passagem para Belo Horizonte. Minha vida agora estava se tornando um inferno.

                 Cheguei a Belo Horizonte e prestando muita atenção fui até a Estação Ferroviária. Tinha tudo planejado. Comprei passagens de trem para Vitória. Vinte e quatro horas de viagem. Achava estar livre deles.  Uma linda viagem. Primeira classe. Dormia quando senti alguém ao meu lado. Impossível! Era ela. Aquele sorriso maroto, sensual. Não falava nada e nem eu. A mulher que me condenou para sempre estava ali ao meu lado. Ela aproximou os lábios de mim de novo, me beijou o mesmo beijo, sensual, forte, cheio de tesão, língua com língua. Eu tremendo, ela gemendo. Ela me dominava. Eu não sabia o que fazer. Sem ação. Mulher incrível!

                 Muita gente no vagão. Muitos nos olhando, ela nem se importava. E nem eu para falar a verdade. Se ela quisesse faríamos amor ali mesmo na presença de todos. Ouvimos a voz do chefe do trem. Ela se levantou. Tirou da bolsa uma pequena beretta e mandou o chefe do trem sumir. – Se na próxima estação falar com alguém sobre nós, te mato e mais uns cinco aqui no vagão. Deus meu! Com quem eu tinha me metido? Ela me pegou pela mão e me levou até o último vagão. Vazio, cinco pessoas. Ela mandou todos embora.

                   No que eu estava entrando? Numa fria? Não tive tempo de pensar. Possuiu-me como uma gazela faminta. Sim ela me possuiu. Comandava tudo. Nem tiramos a roupa. Ela levantou a saia e entrou em mim com força. Perdí a respiração. Explodí em um gozo tremendo! Ela não me deu folga. Continuava e não parava. Enfim não agüentei mais e dormi. Acordei com a policia me puxando. Ela tinha sumido. Descemos em Aimorés. Fiquei preso por trinta dias. Soltaram-me numa quarta feira pela manhã. Devolveram-me meus pertences e meu dinheiro.

                   Resolvi ficar ali naquela cidade. Arrumei uma pensão barata. Não demorou dois dias. Pegaram-me no meu quarto a noite. Uma tremenda surra. Eram cinco desta vez. Arrastaram-me até um buick negro. Viajamos por horas. Eu estava todo machucado. Chegamos a Vitória. Direto ao aeroporto. Um jatinho nos esperava. Dentro o chefão. Eles o chamavam de “Casco Duro”. Conversa mole, falando feito um homossexual. Não fazia perguntas, só ria com os lábios entortados. Não me olhava. Dizia que eu tinha escolhido o meu destino. Levaram-me para um banco nos fundos da aeronave. Chegamos ao Rio de Janeiro pela manhã.

                   Em um carro preto que nem vi a marca, fomos para a Barra da Tijuca. Uma bela mansão a beira mar. Entramos. Levaram-me a um casinha com dois guardas. Deixaram-me lá por cinco dias a pão e água. Que “Diabos” era tudo aquilo? Em que me metí? Quando abriam à porta eu me enroscava em um canto com medo de apanhar. E sempre apanhava. Mas naquele dia entrou um dos vigias com ela atrás e sua famosa beretta. Que mulher! Uma coronhada, duas, três e o vigia caiu desmaiado. Fez um sinal com a cabeça para segui-la. Não falou mais nada.

                   Não havia ninguém de vigia, saímos pela porta dos fundos. Ela tinha um pequeno corsa wagon, cinza. Saiu em desabalada carreira. Nada falou. Deixamos o Rio de Janeiro rumo a Petrópolis. Parou em uma pequena saída e uma vista linda mesmo a noite. Agarrou-me de novo. Deus meu! Que mulher é essa? Mesmo todo ferido, ainda com sangue no rosto ela chupava minha língua com força. Fizemos amor à noite toda. Dormimos. Acordei com ela fora do carro olhando a vista que era realmente espetacular.

                  Saí, tentei uma conversa. Nada. Ela me olhou e apontou para o carro. Viajamos por quatro horas. Passamos por Juiz de Fora e muitos quilômetros depois entramos rumo a Ponte Nova. Almoçamos nesta cidade. Ficamos pouco tempo. Logo embarcamos. Não me disse aonde íamos. Nunca dizia nada. Parou logo na saída da cidade. De novo me possuiu com violência. Não tinha como recusar. Estava louco de paixão por ela. Ficamos horas fazendo sexo. Nunca vi nada em minha vida.

                   Estava escurecendo quando chegamos a um sitio perto de Barra Longa pequena cidade de 12.000 habitantes. Uma casa pequena, mas aconchegante. Foram dois meses de amor. Dois meses que ela não me dirigiu a palavra nenhuma vez. O sitio tinha uma senhora que vinha diariamente fazer a limpeza e as refeições. Um dia levantei e ela tinha sumido. O carro não estava na garagem. Dona Matilde chegou para a limpeza. Perguntei.

                 Francesca era o nome dela. Italiana. Mal falava português. Seu pai a vendeu ainda moça para “Casco Duro”. Moravam em uma pequena cidade na região da Sicilia. Na cidade de Palermo. Em uma semana fugiu. Foi pega. Apanhou muito. Matou cinco deles. Fugiu de novo. Casco Duro nunca mais a encontrou. Comprou este sitio ano passado. Sabia da conta bancária de Casco Duro e a senha. Roubou mais de vinte milhões de reais. Passou tudo para a conta dela em um banco europeu. Sabia como fazer.

                   No sitio ela praticava todo tipo de exercícios. Gastava com balas a mais não poder. Acertava com sua beretta um lata de cerveja a mais de trinta metros. Estava apaixonado por uma Rambo de saias! Meu Deus! Um jovem do interior, sem eira nem beira, agora vivendo esta aventura sem fim? Mas olhe, a paixão era enorme. Não tinha como sair dali. Ela demorava dois três meses para voltar. Depois desaparecia de novo. Como o vento levado para qualquer lugar.

                  Quando ficava só, sentava a beira de uma lagoa e ficava a pescar, mas com a mente voando para o passado e pelo presente. Futuro? Creio que nada. Sou um homem dominado pelo medo. Nunca tomei decisões e quando as tomei escolhi as armas erradas. Nunca tive o que quero e o que aprendi em meus sonhos. Acredite não sou cego de orgulho, mas o que sonhei me escorregou pelos dedos. Não me considero um jovem velhaco. Não. Até sou meio religioso. Ia à missa todos os domingos em minha cidade.

                   Dizem que o amor de mãe por seu filho é diferente de qualquer coisa no mundo. Ele não obedece à lei ou piedade. Ele ousa todas as coisas e extermina sem remorso tudo o que ficar em seu caminho. Seria isto verdade? Não. Para mim não. Minha mãe me deixou com oito anos. Nunca mais me procurou. Eu não sabia o que era amar uma mãe. Foram vinte anos sem ela. Mas agora minha vida tinha mudado. Uma paixão avassaladora. Uma pistoleira de saias. Meu coração explodindo a cada dia que ela chegava.

                   Ficávamos dias e dias juntos. Ela não dizia nada. Eu não podia acreditar que depois de tantos anos não falasse nossa língua. Porque então? Não sei. Nunca soube. Varias vezes ao dia ela me possuía. Não ria. Por favor. Era assim mesmo. Ela dirigia tudo. Subjugou-me. Transformou-me em seu escravo. Aprendi a aceitar e seu silencio agora era por mim compartilhado. Ninguém ousa dizer adeus aos seus hábitos. Muitos se detiveram no limiar da morte ao pensar no amanhã sem saber o que esta fazendo hoje.

                    Assim como chegava desaparecia. O que estaria fazendo? Onde andaria? Um mistério. Um mistério que nunca resolvi. Nunca. Um dia ela não voltou mais. Dois meses, três, seis um ano. Meu coração insistia em me machucar. Uma dor imensa.  Sabia que estava morta. Não haveria outro motivo para seu sumiço. Se assim fosse sabia que seria daqui para frente um homem sem alma. Um ser ignóbil e perverso. Não haveria mais motivo para viver.

                    Um ano e seis meses. Resolvi ir embora. Uma dúvida cruel. Ir para onde? Voltar a minha cidade? Será que “Casco Duro” tinha me esquecido? Não sei. Não me importei se ele me encontrasse e acabasse com minha vida. Resolvi ir ao Rio de Janeiro. Iria enfrentar o bandido cruel. Quem sabe ela estaria lá? Sabia onde morava. Fiz uma campana de cinco dias. Surpresa, meu grande amor estava lá. Ele a mantinha a sete chaves. Agora vi que não estava tão bela. Estava tristonha. Olhos fundos Devia ter apanhado muito.

                    Esperei a noite. Peguei duas enormes pedras. Pulei o muro. O primeiro vigia caiu como abobora partida. O segundo nem teve tempo para respirar. Tirei suas armas. Entre pela casa atirando. Ria. Um riso de idiota suicida. Ela estava no quarto. Não acreditou. Saiu comigo pela frente. “Casco Duro” nos esperava. Dei vários tiros nele. Levei outros tantos, mas não cai. Francesca atirava com precisão. Conseguimos chegar a um volvo velho. Mas bom de corrida. Por sorte só um tiro entrou próximo ao joelho e saiu do outro lado.

                  Chegamos a Ponte Nova à tardinha. Um lanche e fomos para nosso esconderijo. Vivemos um romance que ninguém e nunca haverá alguém que poderá ter. Um romance de amor que não sei como descrever. Os anos passaram. Francesca não saiu mais do sitio. Dona Matilde se encarregava de tudo. Francesca a pagava bem. Deu até um carrinho para ela. Quando fiz cinqüenta anos, a maldita tuberculose me alcançou. Assim como meu Avô e meu pai. Sabia que ia morrer. Não queria que Francesca tivesse o mesmo destino que o meu.

                   Comecei a me afastar dela. Não adiantou. Ela me possuía quando queria e eu não sabia recusar. Não tinha como. Francesca era minha paixão. Agora muito mais, meu único e grande amor. Ela também ficou doente. Cuspíamos sangue, mas nunca deixamos de nos beijar. Quando estávamos melhor ela me beijava, como se fosse aquele dia, no meu bar, um beijo ardente, forte, incrivelmente cheio de paixão.

                   Ela morreu uma semana antes de mim. Foi uma morte sorrindo. Seus olhos tinham pequenas lágrimas e não chorava. Eu também não. Fiquei ali olhando para ela toda a noite. A enterrei no quintal do sitio, a beira da lagoa que apelidei de Solidão. Ficava horas e horas sentado em seu leito de morte. Conversava com ela. Sabia que ela estava ali me esperando.

                  Morri uma semana depois. Não senti e nem vi como meu corpo se separou do meu espírito. Uma luz forte apareceu e nela Francesca. Linda, com o mesmo vestido que tinha enterrado seu corpo. Só vi quando ela me abraçou e me beijou. A mesma Francesca. O mesmo beijo, o mesmo gosto, a língua quente na minha. Forçando seu corpo ao meu. Onde estávamos? Será certo o que fazíamos? Não sei. Nunca me preocupei com isso. Eu e Francesca nos amamos em todos os lugares da terra. Em lugares lindos onde as flores são mais belas, onde os pássaros gorjeiam músicas maravilhosas. Onde os sonhos são realidade.

                   Confesso que não sabia o tempo. O tempo agora para nós não existia. O amanhã era hoje e o ontem era agora. Não nos preocupávamos com nada. Só mesmo nosso grande amor. Francesca mesmo ali, na eternidade nunca falou. Nunca me disse nada, nunca me contou sua vida. Eu aprendi a respeitar. Nunca perguntei. Bastava sua presença e com ela eu me completava. Ah, universo. Eu sei que muitas vezes sou levado por uma série de pensamentos. Bons e ruins. Mas não importava e sim o amor que eu e ela estávamos vivendo.

                 Talvez eu não conhecesse a força da perfeição. Eu não conhecia o melhor de mim. Agora eu me entrego me comprometo comigo mesmo, vou manter minha mente aberta, e a luz que irradia em mim será para sempre ao lado de Francesca! Os espíritos que nos viam na eternidade sorriam e nos cumprimentavam prazerosamente. Soubemos depois, muitos anos depois que ficamos conhecidos por muitos. Tornamo-nos uma lenda. A lenda dos beijos perdidos! Os amantes e seus beijos apaixonados na terra e no céu!

Meu nome? Eu sou Ninguém. Na terra procurado por crimes de amor. Extremamente perigoso. PROCURADO VIVO OU MORTO! Risos. Estou morto e ninguém sabe...                                    

Olhos Assim

 

Seus olhos lindos
São como espelhos
Me vejo refletida neles.
Eles me olham
Me partem ao meio
Como uma espada
Transpassasse meu corpo
Seus olhos...
Seus olhos dizem tanta coisa
Dizem da sua saudade
Dizem da minha saudade
Dizem tudo que você quer dizer
E não pode dizer
Seu olhar é minha vida
Minha vida é seu olhar.
Através dele consigo sentir
Tudo que vivi
Tudo que sinto saudade.
Mas, agora tenho a absoluta certeza
Nada acontece por acaso
Seu olhar é meu!
Meu olhar é seu!
Lisa Marie