Que mulher é essa
Que mulher é essa
que não se cansa nunca,
que não reclama nada
que disfarça a dor?
Que mulher é essa
que contribui com tudo,
que distribui afeto,
tira espinhos do amor!
Que mulher é essa
de palavras leves,
coração aberto,
pronta a perdoar?
Que mulher é essa?
Que sai do palco,
ao terminar a peça,
sem chorar!
Essa mulher existe,
sua doçura resiste,
às dores da ingratidão,
Resiste à saudade imensa,
resiste ao trabalho forçado,
resiste aos caminhos do não!
Essa mulher é MÃE,
linda, como todas são.
A história de Mel que
não é mais virgem e virou mulher!
Vale da Lua estava em
polvorosa. Alguém comprou o Sítio do Coronel Gerônimo. Ele jurou que nunca o
venderia. Era um belo Sitio. No final da Avenida Sonhos Dourados. Muitos passavam em frente e ficavam horas
olhando. Não havia muros. O jardim imenso. A casa do estilo renascentista era
imensa. Dizem poucos sabiam ao certo que atrás da casa existia uma enorme
piscina em forma de coração que fazia as delicias dos moradores. Eram para
muitos a casa dos sonhos. Quem comprou? Como o Coronel Gerônimo resolveu
vender? De boca em boca o assunto do dia na cidade. Vale da Lua era pequena,
não mais que vinte e cinco mil habitantes e todos se conheciam. Caras novas que
apareciam na Pensão de Dona Dilva ou no Hotel do Seu Francisco todos já sabiam
que eram caixeiros viajantes.
No dia seguinte chegou
uma Nissan preta, com quatro homens que nem pararam na cidade e foram direito
para o Sitio do Coronel. No segundo dia chegou um ônibus cheio de operários. O
povo todo de porta em porta atrás de uma novidade. Nada. Ninguém sabia de nada.
O Coronel Gerônimo passou a morar em sua mansão da Avenida Sonhos Dourados
próximo a matriz. Ninguém ousou perguntá-lo nem mesmo seus companheiros das
soturnas noites jogando pôquer com o prefeito Santino, o delegado Javier, o
juiz Doutor Prazeres e o Padre Thomaz. Algumas vezes valendo altas somas. Em menos
de um mês uma reforma foi feita no sítio do Coronel. Cinco caminhões baús
enormes despejaram a nova mobília e os especuladores em volta quase nada viam.
As comadres corriam aqui e ali. Nada. Ninguém sabia de nada. Um mês e dez dias
e os carros rarearam. Chegou sim uma Van, com oito homens de terno, desceram
com suas malas. Daquele dia em diante sempre tinha um em cada parte do Sitio.
Mel tinha treze anos
quando tudo aconteceu. Mel não era linda, era sim uma menina magrinha, cabelos
loiros encaracolados e uns olhos azuis que pareciam sair faísca quando se
olhava para ela. Era filha única. Sua mãe a adorava, mas seu pai nem tanto
assim. Parecia que Mel não era sua filha. Um dia ela viu pelo buraco da
fechadura seu pai olhando para vê-la tomar banho. Assustou-se. Por quê? Passou
mais dois meses até que um dia ele entrou em seu quarto quando ela trocava de
roupa. Gritou com ela. Fique como está. Quero saber se ainda é virgem. Um susto
enorme. O que era aquilo? Mel não sabia de nada. Começou a acariciar seu corpo
magro. Seu pai emitia sons que a assustaram. Seus dedos passavam em todo parte
do seu corpo. Quando levou a mão em seu sexo ela gritou. Ele assustou e saiu do
quarto. Não foi a primeira vez. Ele entrava e exigia que ela ficasse só de
calcinha enquanto ele se masturbava. Mel chorava de cabeça baixa.
Mel passou a ter medo
do próprio pai. Esperava ele sair para tomar banho e trocar de roupa. Sabia que
não podia contar para sua mãe. Ela nunca acreditaria. Pela janela Mel namorava
Nonô, um rapazinho que aprendia a fazer pão na Padaria do Seu Ernesto. Ela
gostava dele. Ficava na janela e ele em pé no muro da casa do Seu Antenor bem
em frente. Ele fazia sinais e ela ria. Um dia sentiu uma lambada nas costas.
Doeu muito. Era seu pai. “Vagabunda!” – Ela correu para seu quarto. Ele foi
atrás. – Gritou alto – Tire a roupa, fique só de calcinha em cima da cama – Já!
Se não vou te moer de pancada! – Ela começou a chorar, mas obedeceu. Ele não se
aproximou dela. Ficou olhando. Tirou seu sexo enorme, e latente e de novo se
masturbou na frente da filha.
Mel tentou falar com
sua mãe. Ela gritou mais alto. Mentirosa! Seu pai é um santo! O que fazer?
Procurou o Padre Thomaz. No confessionário contou tudo. O padre a mandou rezar
padres nossos e ave Marias e depois procurá-lo na sacristia. A igreja estava
vazia. Ela entrou. O padre mandou que ela sentasse em seu colo. Ela acreditou
que ia ser consolada e o padre iria conversar com seu pai. Não era assim. Nunca
foi. Ela sentiu o membro do Padre entumecendo. Sentiu as mãos do padre
acariciando seu corpo. Ele pegou em sua mãozinha e colocou em volta do seu
membro. Um susto, nunca pensou que isto pudesse acontecer. Saiu correndo. Agora
passou a ficar com medo de estar em casa sozinha. Não tinha amigas para onde
ir. Esperou Nonô sair do serviço na padaria. Ele se assustou. Contou para ele
tudo. – Resolveram fugir da cidade. Ir para onde? Ela disse que preferia morar
no inferno. Qualquer lugar serve. Ela não entendia o que queriam com ela. No
dia seguinte ela fugiu de casa e partiu com Nonô.
Andaram por muitas
léguas pela estrada. Ninguém dava carona. Parou um caminhão. Uma carreta, enorme.
O Motorista moreno, forte um grande bigode parou e deu carona. Não deu um
sorriso. Só olhou de soslaio para Mel. O que vinha a seguir seria a morte para
qualquer um. Foi à primeira vez de Mel. Maldito. A possuiu com força na cabine.
Doeu de mais. Ela gritou pediu pelo amor de Deus que parasse. Nonô não podia
socorrer. Levou um soco e foi jogado fora da cabine. Ela nem sabia se ele
estava morto. Mel desmaiou. O maldito depois de horas abusando dela a jogou na
estrada e se foi. Mel ensanguentada se arrastava no asfalto. Muitos passaram e
assustados não pararam para socorrer. Uma Mercedes preta parou. Desceu um homem
pequeno. De terno. Seu rosto tinha uma enorme cicatriz. Pegou Mel no colo e a
levou para seu carro.
Passaram não menos que
seis anos. Mel agora estava com dezenove. Se sorrisse podia se dizer que era
linda. Mas Mel nunca mais sorriu desde que foi estuprada covardemente pelo
caminhoneiro. Até hoje ela se sentia suja. Nenhum banho a limpava. Morava em
uma mansão nos arredores de Paris. Seu novo protetor tentou de tudo para vê-la
sorrir. Mel gostava dele. Foi o pai que ela não teve. Apesar da cicatriz ele
não era feio. Rico, riquíssimo. Tentou colocar Mel em uma escola famosa para
moças na Basileia. Mel não quis. Mel não queria nada. Achava que devia ter
morrido. Roodney tentou de tudo. Fez de Mel uma filha que não teve. Sentiu uma
enorme revolta quando a encontrou caída na estrada.
Nunca contou para Mel,
mas ele mesmo fez questão de castigar o caminhoneiro. Naquela tarde parou em um
posto de gasolina para abastecer e ver se Mel queria alguma coisa. Ela agora
não chorava mais e nem mostrava sentir suas dores. Antes pararam em uma clinica
em uma pequena cidade a beira da estrada. Fizeram tudo para ela ficar
internada. Não quis. Jurou que ia fugir. Roodney tinha compromisso em Belgrado.
Não podia ficar. No posto de gasolina viu um caminhoneiro grande, enorme dando
gargalhadas em uma mesa com os outros amigos. Ouviu dele o que tinha feito a
uma menina na estrada. Contava como se fosse tudo natural. Roodney o matou com
dois golpes mortais de caratê. Ele era um mestre. Não precisou de ajuda. Ele
não estava sozinho. Seu motorista e o segurança estavam com ele a mais de dez
anos e sabiam manejar qualquer arma.
Ficaram um dia em São
Paulo. Roodney disse que ia partir para a Europa. Não gostaria de deixa-la ali
sozinha sem proteção. Ela o encarou e disse – Me leve com você. Nasceu daí uma
grande amizade. Roodney a considerava a filha que não teve. Deu tudo que podia
dar. Mas nunca conseguiu um sorriso. Nestes seis anos Mel aprendeu muito.
Roodney viajava muito. Mel ia junto a não ser em alguns lugares que ele achava
perigoso. Ela já sabia que ele era um grande traficante de armas pesadas.
Chegou a armar diversos países sul africanos e americanos. Todas as policias do
mundo gostariam de colocar a mão nele, mas não tinham provas. Mel gostava de
ficar na Mansão de Paris. Ele tinha também um chalé na Suíça. Ela ia pouco. Não
gostava de frio. Um dia sentiu saudades de sua cidade. Chorou porque sentia
saudades também de sua mãe. De seu pai não. Comentou com Roodney. Ele sorriu.
Deixe comigo, vou comprar a melhor casa de Vale da Lua.
Não foi difícil. Tinha um
amigo que conhecia o Coronel Jerônimo. Ele estava devendo muito a este amigo.
Quando viu a quantia que ofereciam vendeu logo. Comprometeu-se a não dizer para
quem vendeu. Roodney depositou para ela uma grande quantia no banco. Um cartão
de crédito sem limites. Colocou lá seis seguranças escolhidos a dedo entre seus
homens. Lastimer ficou responsável por ela. Era seu braço direito. A
acompanhava sempre aonde ela ia. A cidade em peso um dia a viu descer da
Mercedes azul sem capota. Ninguém a reconheceu. Um frenesi geral. Fez algumas
compras na loja do Turco e no Mercadinho do Zuzinha. Todo mundo nas janelas. -
Quem era? Parece linda! Uma princesa? – Mel não conversou com ninguém. Entrou
na igreja. O padre Thomaz veio correndo subserviente. Mel olhou para ele –
Lembra-se de mim? – Não senhorita! Ele disse. Eu vou te amaldiçoar o resto da
minha vida, seu sacana filho da puta! Ela
disse. Você não perde por esperar.
O Padre Thomaz passou uma
tarde pensativo, preocupado e com medo. Quem era ela? Dormiu e acordou afoito.
Mel! Era Mel! Meu Deus! Ela não tinha se esquecido do que eu quis fazer com ela.
– Comentou com Matilde que fazia limpeza. Em menos de uma hora a cidade inteira
sabia quem era a madona da mansão. Os pais de Mel ficaram sabendo. Correram até
a mansão. No portão foram barrados. Mel só deixou sua mãe entrar. Falou pouco.
Não contou nada de sua vida. Mel chorou aquele dia. Ela não tinha mais ódio de
seu pai e sua mãe, mas achou que ainda não estava preparada para contar sua
história. Um dia pela janela avistou um jovem moreno fazendo a entrega de pães.
Meu Deus! Era Nonô! Estava vivo. Foi correndo ao portão. Ele quando a viu ficou
com medo. Ela o abraçou. Ele tremeu ao ver os guarda-costas olhando sério para
ele.
Mel ficou amigo de Nonô.
Nada mais que isto. Não era mais o homem de sua vida. Mandou chamar seus pais.
Comprou uma nova casa para eles. Seu pai sempre a olhava de cabeça baixa. O
Padre Thomaz nunca mais apareceu. Pediu transferência para o Bispo. O medo
grande de ser espancado pelos guarda- costas. Mel não deu satisfação para
ninguém. Uma tarde Roodney chegou à cidade. Junto com ele mais de cem homens.
Disse para Mel que ela devia ir embora. Aqueles homens eram mercenários. Iriam
se entrincheirar no sitio fazer barricadas, pois uma guerra iria começar. Tudo
que impedisse a entrada seria válido – Mas por quê? Disse Mel. – Querida filha,
estou cansado de fugir. Vendi para um general fajuto no país pequeno da África
diversas armas. Quando eram entregues o exercito do imperador atacou e matou
quase todo mundo. Ele acha que fui eu quem deletou. Já tentou me matar em
vários países. Agora chega. Não vou fugir mais.
Mel se recusou a sair. Ela
não acreditava que alguém de outro pais fosse atacar Roodney ali. Afinal ainda
havia leis no Brasil. Um exército em atividade. – Vou ficar – Se não fosse você
eu teria morrido! Você me devolveu a vida! Quatros meses aquela movimentação de
guerra no sitio. O delegado via tudo assustado e comunicou as autoridades na
capital. Um general foi enviado para ver o que seria. Ficou estarrecido. Tentou
conversar com Roodney e nada. Mandou avisar que traria um unidade do exército.
Ou ele conversava por bem ou por mal. Não deu tempo. Zito Mobutu entrou na
cidade com mais de trezentos homens. Vale da Lua virou uma praça de guerra. A
população corria para o mato, para os morros e quem tinha carro sumia pelas
estradas vicinais, estaduais e federais.
Cinco dias depois o Exército
federal chegou. Mais de cinco mil homens. O General Afonso deu um ultimato para
encerrar a luta. Ninguém ouviu o Exército. Uma ordem do presidente e aviões da
força aérea bombardearam o sitio e arredores. Em volta centenas de repórteres
de jornais, revistas rádios e TVs. Até a CNN estava lá. O Exército invadiu. Uma
matança. Dois dias. Cadáveres e cadáveres. A paz voltou. Mais de duzentos mortos.
Ninguém se entregou. Uma carnificina. O sitio destruído. Não encontram Roodney
e Mel. Sumiram. Ninguém sabia onde teriam ido. Tornou-se o homem mais procurado
do mundo. A Interpol tentou em todos os países onde podia agir. Dois anos
depois a imprensa já tinha esquecido o acontecido em Vale da Lua. Acharam que
Roodney tinha morrido na luta pois vários mortos ficaram irreconhecíveis por
causa do bombardeiro.
Era uma fazendinha no sul
do Pará. Umas oitocentas cabeças de gado, uma boa aguada, o Rio Corrente
atravessando a fazenda e Seu Honório e sua filha Larissa viviam uma nova vida.
Nonô estava na mansão quando o tiroteio chegou ao auge. Mostrou um caminho onde
fugir. Roodney Mel e cinco dos seus homens seguiram Nonô. Compraram o caminhão
do Senhor Joelmir, dono de uma serralheria. Nonô foi com eles. Não havia
militares na estrada. Compraram a fazenda. Roodney e Mel ou melhor Seu Honório
e Larissa viveram ali para sempre. Mel não se casou. Nunca mais foi de ninguém.
A sequela do estupro marcou para sempre. Nonô ficou trabalhando na fazenda. Roodney
ou melhor Seu Honório dava uma ou outra escapulida até Nova Fonte. Lá se
abastecia de algum dinheiro no banco. Sempre fazia transferência de bancos suíços.
Não muito. Não queria dar a vista.
Mandou fazer um aeroporto
na fazenda. Não possuía nenhuma aeronave. Alugava. Um simples telefonema e em
menos de duas ou três horas ela estava à disposição. Viajavam muito pela Europa.
Deixou crescer a barba. Fez uma operação no nariz e Mel usava lente escura. Não
ficavam nos melhores hotéis para não dar na vista, mas não deixaram de viajar
por todos os lugares que desejavam. Viveram por muitos e muitos anos, dizem que
morreram já na velhice de “morte morrida”.
Os pais de Mel morreram sem ter a presença dela. O padre Thomaz foi
encontrado enforcado um dia no quintal igreja. Ninguém nunca soube o porquê. E
assim terminada a história. A história de Mel que não é mais virgem e virou
mulher!
Soneto da mulher
inútil
De tanta graça e de leveza tanta
Que quando sobre mim, como a teu jeito
Eu tão de leve sinto-te no peito
Que o meu próprio suspiro te levanta.
Tu, contra quem me esbato liquefeito
Rocha branca! Brancura que me espanta
Brancos seios azuis, nívea garganta
Branco pássaro fiel com que me deito.
Mulher inútil, quando nas noturnas
Celebrações, náufrago em teus delírios
Tenho-te toda, branca, envolta em brumas.
São teus seios tão tristes como urnas
São teus braços tão finos como lírios
É teu corpo tão leve como plumas.
De tanta graça e de leveza tanta
Que quando sobre mim, como a teu jeito
Eu tão de leve sinto-te no peito
Que o meu próprio suspiro te levanta.
Tu, contra quem me esbato liquefeito
Rocha branca! Brancura que me espanta
Brancos seios azuis, nívea garganta
Branco pássaro fiel com que me deito.
Mulher inútil, quando nas noturnas
Celebrações, náufrago em teus delírios
Tenho-te toda, branca, envolta em brumas.
São teus seios tão tristes como urnas
São teus braços tão finos como lírios
É teu corpo tão leve como plumas.
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