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domingo, 22 de março de 2015

A sombria e esquecida cidade de Cordel Azul.



Mistério

Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

A sombria e  esquecida cidade de Cordel Azul.

               Todos diziam que Cordel Azul foi no passado uma linda cidade, cheia de vida cheia de alegrias, sua praça e seu coreto sempre cheias de gente. As ruas eram limpas, o sol brilhava, e as noites se faziam lindos saraus e nas ruas sempre tinham os seresteiros cantando juras de amor as suas amadas. Os pássaros em bandos cantavam nas arvores e o céu a noite tinha as estrelas mais lindas do universo. Um dia  Jasão de Albuquerque chegou à cidade. Tinha uma perna mais curta que a outra e apesar de fazer tudo para não mancar não adiantou. – O manco chegou à cidade! Disseram a molecada brincando com Jasão. Ele era caladão, não respondia, e seguiu seu caminho até o Bar do Firmino. Sentou e pediu uma pinga – Deixa a garrafa, por favor! Todos olharam espantados para Jasão. Bebeu devagar, copo por copo. Terminou e perguntou ao Firmino onde poderia se hospedar.

               Cordel Azul era uma cidade pequena, três mil almas? Por aí. Todos se conheciam, os ricos eram ricos e os pobres eram pobres. O Juiz Comendador Salomon de Piaçaba era o dono da cidade. Seu bisavô chegou por volta de 1850 e se assenhorou de boa parte das terras. De pai para filho se chegou ao Juiz Salomon. Ele mesmo foi quem fundou a cidade. O governador prometeu que a estrada de ferro passaria por lá e ela nunca deu as caras. Mesmo assim o povo que morava nas estancias e proximidades do Rio Azul se aglomeraram lá, uns fizeram um moinho, outros uma olaria, O pai de Firmino inaugurou seu bar servindo cachaça para todo mundo. O povo era feliz. O padre satisfeito com Sulamita que no dia limpava a capela e noite servia o padre na cama episcopal. Ninguém incomodava ninguém. Viver e deixar viver era o lema da cidade. Se o Comendador Salomon não quisesse ele que se manifestasse.

                  O botequeiro Firmino olhou espantando para Jasão. Vai dormir aqui? Jasão olhou para ele franzindo a testa e nada disse. – Olhe moço, não tem hotel nem pensão aqui. Dona Veneranda costuma alojar os caixeiros viajantes. Siga na rua ao lado e no final vai ver a casa dela. Tem um pé direito alto, janelas tipo renascentista, toda pintada de verde musgo. Jasão tirou uma nota de cinquenta reais e pagou. – Sem troco moço! Fique com a nota e abra uma conta para mim. Jasão partiu sem despedir de ninguém. Até hoje ninguém soube o que ele falou para Dona Veneranda, mas ela o aceitou e a cidade em peso querendo saber do novo inquilino. Eles conheciam Dona Veneranda. Um tumulo. Parecia que ela não gostava da cidade. Passou-se duas semanas e ninguém viu se Jasão ainda estava na cidade. Se ele foi embora devia ter sido à noite. Naquela tarde modorrenta de um setembro qualquer Jasão apareceu. Bateu na porta do Comendador e Pancrácio seu mordomo atendeu.

                  - Pois não? Com uma cara de poucos amigos Jasão custou a responder. – Chame o Comendador! – Pancrácio olhou incrédulo aquele forasteiro. Ninguém tinha a audácia de procurar o Juiz Comendador Salomon. Se alguém aparecia era convidado ou intimado. Se intimado podia rezar e pedir a Deus que o recebesse no céu. – Ele não atende respondeu Pancrácio. Jasão não se fez de rogado, deu meia volta, foi até a loja do Romano e comprou uma caixa de foguetes de um só tiro. Voltou e no segundo disparo de seu foguete o Comendador chegou à porta. Zunia de raiva. Na sua mão uma espingarda de pederneira, uma arma longa cujo mecanismo de disparo era um fecho de pederneira. Mortífera para quem tinha boa pontaria e mortal para quem estivesse na sua frente. Jasão levantou a mão esquerda e falou baixinho: - Sou seu merda, o Jasão  pai da Thabita que o senhor engravidou e deixou-a na miséria!

                      O Comendador Salomon levou um susto enorme. A história toda se passou em sua mente. Conheceu, prometeu e comeu. Depois que embarrigou sumiu. Achou que era um menina qualquer. Não tinha mais que treze anos. Mas gostosa e como ele gosou na menina! Não deu tempo para pensar mais nada. Jason tirou da sua calça um pequeno Colt 22 que um só tiro certeiro bastou para entrar pela testa do Comendador e sair de lado atrás da orelha. O famoso Salomon caiu feito uma barrica d’água se quebrando e se encontrando com os capetas dos infernos! Jason saiu calmamente sem se importar com o reboliço dos empregados e do miserável do seu mordomo Pancrácio. Jason foi para a casa de Dona Veneranda. Não fugiu. Ninguém foi à procura dele. Não havia delegado na cidade, pois o Comendador era o Rei de tudo.

                     Por meses ninguém viu mais o Jason. O Comendador foi enterrado com honras de estilo. O Coronel Sansão mandou uma tropa de cavalaria para prestar as honras de praxe. Vinte e um tiros, hino nacional e debaixo da terra jazia o comendador que comeu e agora vai comer terra até os bichinhos o comerem também. Ninguém perguntou quem matou porque matou. O próprio Coronel nem na cidade foi para despedir do Comendador. Para dizer a verdade a cidade de Cordel Azul passou a sorrir mais do que sorria. Festas aconteciam todo sábado, até um Clube da Roseta foi organizado com bailes dançantes três vez por semana. Simão de Piaçaba chegou à cidade a noitinha. Ninguém o reconheceu. Largou seu pai com quinze anos e sumiu no mundo. Ninguém mais soube dele. A cavalo e imponente como um Lord Inglês não cumprimentou ninguém, foi direto a casa de Dona Veneranda, apeou e chamou Jason. Um tiroteio  aconteceu. O dia amanheceu. O corpo de Jasão na porta ensanguentado e o corpo de Simão não dava sinal de vida.

                     Durante meses a cidade permaneceu calada quieta e pacata. Mas quando a noite chegava o inferno descia na cidade. Eram gritos horrendos tiros, berros e raios caindo por todos os lados. A cidade praticamente acabou. Muitos mudaram para nunca mais voltar. O romance do Padre com a Sulamita continuava. Nasceu uma menina que batizaram de Thabata. Ninguém maldisse o padre. Se ele queria mulher porque não? Sulamita foi morar com ele. O Bispo Teobaldo soube e nem ligou. Se ele quer foder que foda! Ele disse. Thabata cresceu. Linda, uma morena de se tirar o chapéu. Só tinha um problema, Thabata era alcoviteira, sonhava em ser princesa, começou a ter fama de levar para a cama a maioria dos homens de bem. Se Cordel Azul definhava agora muito mais. Não se sabe como, mas Thabata se tornou dona da Fazenda do Comendador Salomon. Até mesmo o mordomo Pancrácio tinha eterna veneração por ela.

                    Salatiel morava em Monte Alegre. Era um jovem que apreciava a boa comida, a boa vida e a riqueza. Ali em sua cidade ele sabia que não ia conseguir nada. As histórias fantásticas de Cordel Azul eram motivos de risadas, de comentários e então começaram a falar em Thabata. – Linda diziam. Gostosa! Dizia outro. A bunda dela faz jus ao maior tesão do Brasil. E sabem da melhor? Um falou! – Cheia da grana. Comprou um carrão de dar inveja. Sua fazenda virou mansão. Salatiel ouvia e sorria baixinho. Minha vez chegou. Vou passar uma temporada em Cordel Azul. Pegou sua mula selou e partiu para seu destino. Salatiel não tinha um puto, duro duro. Sua família vivia com o auxílio do Salário Família. Era hora de enricar. Ele sabia que tinha estampa, loiro, alto e forte. Conversa de gostosão. Andava gingando e as moçoilas de Monte Alegre adoravam. Ele comeu a maioria, mas casar? Pobre comigo não, dizia.

                      Quando entrou em Cordel Azul ele levou um susto. Não esperava uma cidade assim. Triste escura, silenciosa. Parou no Bar do Firmino. Desceu como um galã de faroeste. Pediu uma pinga e informações. No bar só ele e um Velho. – Pode-me dizer onde fica a fazenda do falecido Comendador Salomon? Todos olharam espantados. O Velho sorriu mostrando não ter um dente na boca. Firmino não se fez de rogado. Quem sabe ele retiraria a praga que se abateu em Cordel Azul? Firmino não era poeta, mas escrevia poesias. Tinha saudades do tempo de outrora das cantorias, dos pardais, da alegria no domingo ir à missa, de falar mal do padre e sua amasiada, era bom demais. Andou escrevendo versos e até na privada ele escreveu: -    “Neste lugar sagrado”, Toda vaidade se acaba. O mais covarde se esforça, E o mais valente se caga! Ele gostava de escrever, mas não tinha ninguém para ler. A cidade tinha uma escola e uma professora, mas magra feito à peste e se olhava você parecia querer te matar com um raio.

                    - Melhor não me meter na vida dos outros – Siga em frente e quando a rua terminar vai encontrar a trilha que o levará a fazenda que hoje é da Dona Thabata, que lá mora sozinha e não tem ninguém ao seu lado! – Poderia ter rido, mas não riu. Que o forasteiro se fodesse. Ele não tinha nada com isto. Salatiel agradeceu fazendo um gesto no seu chapéu. Montou na sua égua e partiu. Olhe ninguém soube o que aconteceu lá. O que podem contar que naquela noite uma tempestade caiu sobre Cordel Azul. Dizem que os raios partiram arvores centenárias. Se o forasteiro era o responsável ninguém nunca soube. No dia seguinte um clarão se fez formar no céu. Assustou todo mundo. Uma gargalhada se fez ouvir. Centenas de espíritos correram pelo céu. Alguém descobriu que Salatiel era filho do padre com outra mulher. Se Thabata descobriu ninguém nunca soube. Mas uma coisa me garantiram, Cordel Azul se transformou, a cidade voltou a sorrir, a cantar e nas ruas à noite as serestas aconteciam. O clube da Roseta se transformou em Bordel.

                             Hoje dizem que Cordel Azul tem mais de vinte mil habitantes. Dizem que a neta de Dona Veneranda abriu o maior hotel das redondezas. A putaria tomou conta da cidade de Cordel Azul. E daí? Quem se importava? A cidade ficou famosa. Seus cassinos, suas boates, suas mulheres correram o mundo. Sentado na varanda de sua mansão o Comendador Salomon com Thabata eu seu colo, tirava sarro de Jason e Salatiel que presos por demônios queriam se libertar das correntes que o prendiam. Thabata a menina filha do padre agora mandava em tudo. Pena que ninguém via só as almas do outro mundo onde agora viviam as personagens deste conto. Se assim foi assim será escrito! Entrou por uma porta e saiu em outra!

Mistério
Gosto de ti, ó chuva, nos beirados,
Dizendo coisas que ninguém entende!
Da tua cantilena se desprende
Um sonho de magia e de pecados.

Dos teus pálidos dedos delicados
Uma alada canção palpita e ascende,
Frases que a nossa boca não aprende,
Murmúrios por caminhos desolados.

Pelo meu rosto branco, sempre frio,
Fazes passar o lúgubre arrepio
Das sensações estranhas, dolorosas…

Talvez um dia entenda o teu mistério…
Quando, inerte, na paz do cemitério,
O meu corpo matar a fome às rosas!

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