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sábado, 24 de outubro de 2015

O estranho funeral de Jacinto Malaquias


O funeral azul
Parem já os relógios, corte-se o telefone,
dê-se um bom osso ao cão para que ele não rosne,
emudeçam pianos, com rufos abafados
transportem o caixão, venham enlutados.
Descrevam aviões em círculos no céu
a garatuja de um lamento: Ele Morreu.
no alvo colo das pombas ponham crepes de viúvas,
polícias-sinaleiros tinjam de preto as luvas.
Era-me Norte e Sul, Leste e Oeste, o emprego
dos dias da semana, Domingo de sossego,
meio-dia, meia-noite, era-me voz, canção;
julguei o amor pra sempre: mas não tinha razão.
Não quero agora estrelas: vão todos lá para fora;
enevoe-se a lua e vá-se o sol agora;
esvaziem-se os mares e varra-se a floresta.
Nada mais vale a pena agora do que resta.
O estranho funeral de Jacinto Malaquias
                    Era estranho, muito. Jacinto não reconhecia aquele salão. Nunca o tinha visto, afinal sua cidade pequena não possuía salões assim. Lá dentro viu várias pessoas, muitos amigos. Seria uma festa? Festa estranha. Todos sussurrando, não havia musica. Grupinhos aqui e ali. Num canto do salão Pedro Bala e Antonio da Linda davam risadinhas sacanas. Claro, eles eram sempre assim. Nanci da Nadir e Napoleão espoleta também estavam lá. Sempre agarradinhos. Os dois namoravam há quinze anos (risos), nem noivos ficavam. Diziam que assim que era melhor.
                   Jacinto pensou que poderia estar em um sonho. Mas não se lembrava de ter dormido. Claro já tinha tido outros sonhos, mas nunca tão real como esse. Viu no fundo do salão uma figura de um homem que ele não conhecia. Fazia sinais para ele se aproximar. Ao adentrar viu na entrada uma plaqueta escrita – Jacinto Malaquias – 1980-2010. Era ele! Então estava sendo homenageado? Sorriu e entrou. Nunca na vida recebera uma homenagem. Viu seu avô em um canto sentado em uma cadeira de cabeça baixa. Sua avó não estava. Claro morrera cinco anos antes.
                     Quando estava entrando ouviu um sussurro no salão, olhou e viu Maysa chegando. Estava linda! Toda de preto com um véu negro sobre os olhos. Nossa! Como estava linda! Durante seus cinco anos de casados ele nunca tinha visto ela tão linda. Ela passou por ele sem dizer nada. Ele não se preocupou. Era sempre assim. Ela só o procurava quando queria. Nunca parava em casa. Mas ele gostava tanto dela que alem de ganhar seu sustento na sapataria, também fazia a limpeza da casa e as refeições diárias.
                     Ele sabia disso quando casou com ela. Diziam que era frívola fútil e interesseira. Não era surpresa. Afinal era a única que desde os doze anos só andava com um “micro-saia” que os homens adoravam e as mulheres detestavam. Sabia até que ela tinha vários casos com diversos homens da cidade. No entanto nenhuma mulher se interessou por ele nesses seus trinta anos de vida. Disseram-lhe uma vez que o homem verdadeiro quer duas coisas: perigo e jogo. Por isso escolhe a mulher, o jogo mais perigoso. Seria mesmo? Ela o enfeitiçou. Entrou na sua sapataria com um salto alto que quebrou. Sussurrou baixinho se ele podia fazer alguma coisa.
                    O que ele não faria por aquela mulher? Todos na cidade a desejavam. Jacinto sabia. É mais claro que o sol que Deus criou a mulher para domar o homem. E olhe, o homem que não mente para uma mulher tem muito pouca consideração pelos sentimentos dela. Risos. Jacinto era louco por Maysa. Depois da primeira vez ele voltou varias vezes na sapataria. Ele ficava sem ter o que falar. Só olhava para ela. Um feitiço isso sim ela tinha colocado nele. Um dia quando estava fechando ela chegou. Ajudou a fechar a porta e ficaram dentro da sapataria. O que ela fez quase matou Jacinto.
                 Jogou-o com força sobre uma velha poltrona de couro marrom rasgada. Pegou um cinto e bateu nas pernas dele. Ele estava atônito! Quando ia reagir ela começou a se despir. Devagar. Sensual. Jacinto ficou petrificado! Deus meu! Ela tinha um corpo fenomenal. Única loira autentica da cidade. Cabelos curtos, olhos azuis profundos. Ficou nua na sua frente. Jacinto não fez nada. Estava tremendo. Ela rasgou as roupas de Jacinto. Ela o possuiu. Jacinto fechou os olhos. Achou que estava no paraíso. Sempre fora assim. Terminavam e ela sussurrava em seu ouvido - “quero mais!”
                 Casaram-se na igrejinha de São Francisco numa tarde de setembro. Ele nunca esqueceu aquele dia. Seu vestido de noiva era transparente e mostrava a calcinha biquíni preta. Ela não usava sutiã. Terminado o casamento, por sinal bem concorrido ela sumiu. Sumiu mesmo da cidade. Voltou duas semanas depois. Foi para a casa de Jacinto. Entrou olhou para ele e não disse nada. Com o dedo polegar fez sinal para ele segui-la. Ele suspirou fundo. Achou que deveria inquiri-la, mas se calou. Ele era assim e aquela mulher o dominava. Toda a cidade sabia como ela era todos os homens a desejavam e Jacinto foi um privilegiado. Ele sabia que ia dividir. Seria normal.
                Durante cinco anos seu casamento foi entremeado de idas e vindas de Maysa. Interessante que nunca pediu dinheiro a Jacinto. Sempre quando sumia deixava uma boa quantia em cima da penteadeira. Jacinto não usava. Abriu uma poupança em nome dela. Um dia fechou a sapataria e ao chegar em casa ele viu saindo o Vadico do seu Leôncio. Ele conhecia Vadico. “O garanhão”, todos os chamavam de ‘gostosão da cidade’ o tal ‘Ricardão”. Nem se deu o implante de cumprimentar Jacinto. Ele a encontrou deitada, nua, de pernas abertas e molhadas, olhando para ele. Claro, esqueceu tudo e cumpriu sua função de marido.
                Agora ele estava ali, naquela festa estranha, ou melhor, dizer bizarra depois que Jacinto viu seu pai e sua mãe em volta de um esquife dourado. Ora, quem seria? Porque seu pai e sua mãe estavam chorando? Jacinto viu quando Maysa se aproximou deles e levantando o véu viu que algumas lágrimas desciam dos seus lindos olhos azuis da cor do céu de outono. Queria se aproximar, pois o amigo que tinha feito o sinal insistia em sua presença. Ele foi até ele. O cara que não conhecia sorriu e disse – “Bem vindo ao clube dos chifrudos mortos!”
                Ele deu uma gargalhada e sumiu. Jacinto aceitou. Sempre fora pacato e tranqüilo. Nunca brigou nem reclamou. A vida para ele era assim. Quando alguém perguntava a ele que “A vida é dura’, ele sempre respondia “Comparada a que?”E ainda completava a vida para os desconfiados e os temerosos, não é vida, mas uma morte constante. Simplório este Jacinto. Ingênuo? Não sei. Havia pelo menos umas trintas pessoas na sala, mas em volta do esquife que intrigava Jacinto. De quem seria? Aproximou-se – Nossa! Era ele! Mas não podia ser ele estava vivo, ali presente.
               Deu-se conta que ninguém falava com ele. Tentou falar com Maysa. Ele nem olhou para ele. Chamou sua mãe e seu pai. Nada. Alguém cutucou suas costas e ele se virou e outro estranho sorria, com dois pares de chifres na cabeça. Disse – Quando terminar me procure. Sou o chefe do Clube dos Chifrudos mortos. Vou fazer sua admissão no clube. Ria e a valer e saiu como entrou. Viu Maysa ir ao banheiro. Logo em seguida viu Vadico indo para lá. Ele atravessou a porta com facilidade. Maysa estava sentada no colo dele com a saia levantada e ele sentado no vaso. Ela gemia baixinho e Vadico ria. Se ele estava morto, até no enterro Maysa botava chifre nele?
               Saiu Dalí quando viu dois homens de uniforme dizendo – Chegou à hora, quem quiser que despeça agora. Todos fizeram volta no esquife. O sinal da cruz e os homens fecharam a tampa. Jacinto podia ler os pensamentos e ninguém pensava nele. Ao caminhar nas alamedas da necrópole, viu que os homens só olhavam a “bunda” de Maysa. As mulheres beliscando os homens. Maysa sabia disto e mais se rebolava. Jacinto riu. Gostava disto. Sabia como todos sonhavam em levar Maysa para a cama. Claro muitos levaram, mas ele a levou muito mais.
               Chegaram a um canto bem no final do cemitério. Uma roda, a mãe de jacinto chorava e o pai se despediu dele. Disse um Pai Nosso e Jacinto viu que o pai pensava outra coisa. “Vai meu filho, um frouxo, ficará na memória de todos como o maior chifrudo que esta cidade já teve”. Jacinto não chorava aquilo era estranho para ele. Todos que se aproximaram do caixão para se despedir aproveitavam a multidão (pequena) para passar a mão na “bunda” da Maysa. Que mulher pensava jacinto. Até no meu enterro deixava os homens fazendo “continência”.
               Só então Jacinto percebeu que o cemitério estava cheio. Tinha centenas e centenas de homens, sentados nos muros, nas cruzes, nos mausoléu e nas catacumbas. Todos com um par de chifres na cabeça. Todos riam. Gargalhavam. Gritavam para Jacinto, “Bem vindo ao clube”. Jacinto riu. Parece ser uma turma boa, acho que vou gostar daqui. Os amigos e parentes se foram. A noite chegou. Jacinto tentou sair do cemitério, não deixaram. Tentou dormir também não deixaram. Jacinto era de paz. Não quis discutir. Sentou em um galho de um abacateiro e lá passou a noite.
               Jacinto acordou. Não estava no cemitério. Estava em baixo da mangueira do quintal de sua casa. Ficou de pé. Estranho. Muito. Ele sentia que estava vivo, ficou com sede e foi até a pequena bica que passava em seu quintal. Bebeu com gosto. Olhou para a porta da cozinha. Estava aberta. Entrou. Não tinha café. Ele fez. Bebeu e comeu alguns biscoitos. Foi para a sala. Viu Maysa nua deitada na poltrona abraçada a Vadico. A Televisão estava ligada. Um desenho de Popeye.
               Pela primeira vez não gostou do que via. Uma coisa entrou na sua cabeça. Não sabia o que era. Foi cozinha. Pegou uma faca de cortar carne. Voltou e enfiou de uma só vez no pescoço de Maysa. Ela nem gritou. Passou a faca com o sangue no “penis” de Vadico. Cortou seu saco. Ele berrou. Jacinto bateu com um vaso de flores em sua cabeça. Subiu ao seu quarto, arrumou umas roupas e suas poucas economias. Levou também o cartão do banco onde depositava o dinheiro de Maysa. Ela agora não iria precisar mais.
               Saiu sem fazer barulho. Ninguém o viu. A cidade acordou. O padeiro foi entregar o pão. Jacinto não atendeu. O leiteiro entregou o leite. Ninguém atendeu. Dona Cotinha a vizinha achou estranho. Chamou o Delegado. A porta estava aberta. Viu que Maysa estava morta. Ao lado Vadico desacordado. De Jacinto nem sinal. Foi uma festa na cidade. Fofocas de boca em boca. Vadico matou Maysa porque ela cortou seu saco! Que isso, não foi assim. Jacinto cortou o saco de Vadico e matou Maysa.
              Vadico saiu do hospital e foi preso. Julgado foi condenado por quinze anos de um crime que não cometeu. Mas na cidade todos ficaram aliviados. Enfim deram um sumiço no “Ricardão”. Os maridos sorriram. As mulheres iriam sentir falta. Os pais de Jacinto venderam sua sapataria. O delegado desconfiou que eles soubessem onde ele estava. Juraram não saber. Ficou sabendo que Jacinto fez uma Poupança para Maysa. O gerente disse que tudo foi retirado. Não tinha mais um “tostão’.
              Seis anos depois, Miguezinho um vendedor de utensílios de alumínio da capital, em uma roda de sinuca no bar do Peixoto Pinto Morto, jurou que tinha visto Jacinto em Pacaraima. Uma cidade fronteiriça com a Venezuela. Aproximou-se, mas Jacinto disse que seu nome era Alberico das Flores. Miguezinho disse que não discutiu. Jacinto tinha na cintura um parabellum e seu olhar não era de bons amigos. Na pensão disseram que ele era o maior fazendeiro da região. Plantador de soja. Tinha mulher e quatro filhos. Quem diria.
              É vida. Hoje uma amanhã outra. Se Jacinto ganhou claro que Maysa e Vadico perderam. Mas quem tudo quer tudo perde não é assim que se fala? O tempo não cura tudo. Aliás, o tempo não cura nada, o tempo apenas tira o incurável do centro das atenções. Aconteceu na cidade de Jacinto. Ninguém lembrava mais dele, mas os homens nunca esqueceram Maysa e sua “bunda” de ouro. Enfim, tudo que existe existe. Talvez porque outra coisa existe. Nada e tudo coexistem: talvez assim seja o certo...
Enterro de Maysa

Morreu, vai a dormir, vai a sonhar, deixai-a!
(Fale baixinho, agora mesmo se ficou...)
Como padres orando, os choupos foram ala,
Nas margens do ribeiro onde ela se afogou...

Toda de branco vai, n’esse hábito de opala,
Para um convento: Não o que Hamlet lhe indicou,
Mas para um outro horror! Que em por nome Vala,
De onde jamais saiu quem, lá, uma vez entrou!...

O lindo pôr-do-sol, que era doido por ela,
Que a perseguia sempre, em palácio e na rua,
Vede-o, coitado! Mal pode sustar a vela...
Como damas de honra, ninphas seguem-lhe os rastros,
E assomando no céu, sua Madrinha, a Lua,
Por ela vai desfiando as suas contas, Astros!

Antonio Nobre

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