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quarta-feira, 15 de abril de 2015

O Vale encantando dos sonhos perdidos.


O vale encantado dos sonhos perdidos

Foi em minha casa, passeando na net em que eu te conheci.
Foi encanto, foi magia, por trás de uma simples telinha.
Que muitos sonhos eu vivi.
Eu não sei como é seu rosto,
A não ser o seu retrato e seu lindo nome.
Em meus poemas te digo quantas vezes.
Pronuncio seu nome.
Suas mensagens eram lindas encheram-me de alegria.
 Até chegar o dia, de ouvir sua voz linda e macia.
Estranho, gostar de alguém assim
Tão longe e tão perto nunca Juntos enfim

               
             
                 Andava a esmo, sem rumo. Tropeçando. Não sabia aonde ir e de onde tinha vindo. Seus olhos fechando, o sono chegando, mas ele sabia que não podia parar. Encurralaram-no próximo da barranca da virgem do rio das Velhas com o São Francisco. Escondera-se por dias em uma velha igrejinha abandonada. Não era um bom esconderijo. Só viu quando uma dezena de macacos (policiais volantes) o cercaram. Saiu atirando com seus dois 38 cano longo. Deixou seu fuzil para trás. Seu cavalo também. Agora sabia que o tinha perdido para sempre. Pena, gostava dele.
                
                 Rosa Maria cantava. Sempre as tardes quando o por do sol ficava vermelho ela gostava de cantar. Havia um banco de madeira na porta de sua casa e ali ela olhava o céu cheio de estrelas ou a lua cheia da primavera. Diziam que tinha uma linda voz e cantava como uma cotovia. Nunca tinha visto ou ouvido uma. Diziam-se, acreditava. Acreditava em tudo. Nascera ali, naquela barranca do São Francisco. A cidade mais próxima que conhecia era o povoado de Cruz das Almas. Não mais que 500 almas perdidas naquele mundo de Deus. Nos seus dezessete anos acreditava em tudo. Não tinha namorado, não tinha sonhos não sabia o que era amor e nem sabia o que era apaixonar. Era fervorosa filha de Jesus e quando pudesse ia servir a Deus para sempre. Tinha sonhos de ser freira.
                
                Seu corpo não ajudava. Tinha de parar. Levara dois tiros. Um pouco abaixo da omoplata e outro acima da coxa esquerda bem perto da virilha. Era uma dor terrível. Já não sangrava mais. Tinha certeza que havia mandado para os infernos pelo menos uns dois macacos. Há meses estavam atrás dele. Ele não se arrependia de nada. Era um jagunço. Um dos últimos do sertão. Agora não tinha amigos, todos se afastaram ou foram mortos. Arrastava-se com um galho de um pequizeiro e não entendia porque ainda não tinha morrido. Dizem que raça ruim não morre. Só pode ser.

               Rosa Maria levava para casa como fazia todas as tardes, uma lata de vinte litros de água potável equilibrada na cabeça. O córrego de águas limpas ficava perto. As chuvas tornaram o São Francisco com águas barrentas. Vivia só com sua mãe. Ela era cega. Desde que nascera fora assim. Quem não soubesse não desconfiaria. Andava por ali, em volta da casa e até ia pescar, pois ali viveu toda a sua vida. Sabia que ali sua mãe seria enterrada. Próximo a sua casa existia uma cruz. Sua mãe dizia que ela enterrara seu pai, que morreu gritando de dor, por causa da mordida de uma cascavel.

                Encontrou um bosque de espinheiros. Adentrou e escolheu um local ermo e ali dormiu. Não sabia se ia acordar ali ou prestando contas de suas maldades a Deus. Poderia ter confessado com o padre Jesuino, mas ele mesmo perdoando não ia entender porque ele havia matado tanta gente. Diziam que ele era o pior de todos os jagunços que viveram naquelas terras perdidas no sertão de Minas Gerais com a Bahia. Não sonhou. Ele não sonhava. Pouco se lembrava de Constancia que um dia fora sua mulher e morrera quando os macacos o encurralaram em sua casinha próxima a Macaxeira. Deram trinta tiros nela. Sem dó e sem piedade.

                 Rosa Maria havia se lavado. Trocou de roupa. Tinha poucas. Dois vestidos de chita que usava quando ia rezar na capela do Padre Laurindo que uma ou duas vezes por ano ia ali para fazer batizados e casamentos. Duas saias de popelina e duas blusas que “seu” Waldomiro, um "Velho" pescador vizinho trouxera quando foi em Pirapora. Ela sonhava em ir a Pirapora. Seu Waldomiro contava maravilhas de lá. Ela deixava se levar com seu conto. Sabia que nunca iria lá. Era difícil. Deixar sua mãe só não podia. Acendeu a lamparina. Estava escurecendo. Queria ter um radinho de pilha igual do “seu” Waldomiro, mas não podia comprar e como ter pilhas reservas? Como seria bom ouvir umas musicas!

                Acordou várias vezes à noite. Suava. Um frio miserável o deixava tremendo. Um pesadelo o martelava e o acusava. Estava na porta do céu e o santo dizia que ali não podia entrar. Foi para o inferno e o demônio também o recusou. O acusavam de ter matado crianças, jovens, mulheres, homens e animais. Diziam que matava tudo que encontrava pela frente, principalmente seres vivos. Quando o sol começou a nascer se levantou tropeçando. Não tinha água. Uma sede terrível. Porque ele não morria? Raça ruim – repetiu. Coisa ruim não morre. Seguiu em frente. Não sabia até quando agüentaria mais um dia. Suava, seu corpo fedia. O sangue dos buracos das duas balas havia coagulado.

                 Rosa Maria acordou como sempre com o cantar do Carió, seu galo preferido. Tinham dois. Agradeceu a Deus pela noite e pediu a Jesus que protegesse sua mãe naquele dia e nos que virão. Não pediu para si. Não se lembrava disto. Lavou o rosto e usou uma escova de dente velha sem pasta, mas que ajudava a manter seus dentes sadios. Colocou alguns gravetos no fogão de barro e fez o mesmo café, aproveitando a borra do dia anterior. Não podia gastar. Levou para sua mãe. Estava sentada na cama. Era só o café pela manhã. Sabia que as goiabeiras estavam carregadas. Foi até lá com uma bacia. Ela e sua mãe comeram com gosto.

                 Avistou ao longe uma fumaça branca, rala. Achou que seria a morada de alguém. Ficou em dúvida se poderia ser os macacos ou se estavam à espera dele. Capengando foi até uma colina e lá avistou uma choupana de barro coberta de sapé. Não viu ninguém, chegou mais próximo e caiu numa vala onde corria um pequeno riacho. Ficou ali por muito tempo. Precisava daquela água mais que tudo. Desmaiou. Achou que agora sua vez havia chegado. Precisava morrer. Tinha que morrer. Ele estava morto e não sabia.

                 Rosa Maria o viu cambaleando pelos campos e cair na vala do riacho seco como o chamavam. Foi até lá e o viu desmaiado. Achou que estava morto, mas seu nariz fungava e seus olhos abriam e fechavam. Arrastou-o com dificuldade até sua casa. Contou para sua mãe. Ela disse que não. Ali não. Tinha experiência e podia ser um jagunço procurado. Não podiam se comprometer. Pediu para ela ir até a casa do seu Waldomiro e chamar à volante. Ela não obedeceu. Pela primeira vez não obedeceu. Sabia da gruta escondida na curva do rio e o levou para Lá. Não sabia o que fazer. Não tinha remédios. Nada.

                Ele abriu os olhos. Estava no céu. Um anjo estava com ele. Perguntou se Deus havia perdoado seus pecados. Viu o anjo rindo preocupado. Não era um anjo, agora podia ver melhor. Era uma linda jovem. Estava febril, gemia de dor das balas no corpo. Pediu para ela fazer uma fogueira. Esquentar água. Iria tirar as balas dele. Ela assustou. Nunca disse. Vai sim, se não fizer volto para atormentar você e sua família. Todas as noites. Não darei paz a ninguém. Mato você, seus parentes e deixo para os urubus. Tirou sua faca presa nas costas. Deu para ela colocar a ponta no fogo.

                Rosa Maria estava apavorada. Fez o que ele mandou. Ele gritou quando a faca entrou em seu ombro. Rosa Maria tinha as mãos de seda. Se tivesse sido médica seria uma grande cirurgiã. Tirou a bala do ombro, da virilha não. Estava funda demais. Ele disse para deixar. Tinha mais cinco balas no corpo. Mandou-a pegar seu lenço, embebedar em álcool ou óleo. Ali não tinha. Rosa Maria foi a sua casa e trouxe óleo e um pouco de sal que ele havia pedido. Ferveu água, misturou o óleo com sal e colocou nas duas feridas das balas. Que experiência meu Deus!

                Pela primeira vez ele dormiu. Por mais de quinze horas seguidas. Acordou com fome e sede. Uma fome enorme. Não viu ninguém na gruta. Levantou com dificuldade. Sentiu que as feridas iriam se cicatrizar. Não era a primeira vez. Seu corpo tinha dezenas de cicatrizes. Marcas de bala. Com dificuldade chegou até a entrada da gruta. Escondeu-se. Viu lá embaixo vários cavalos. Sabia que era a volante. Macacos do inferno! Pensou. Encontrou um pouco de água numa bilha de barro. Bebeu com sofreguidão. Olhou de novo. Lá estavam eles. Olhando para todo o lado. Procurando. Se aquele anjo ou sua mãe desse com a língua dos dentes, ele sabia que não tinha salvação. Mas tinha jurado que não ia morrer sozinho.

                Rosa Maria estava apavorada. O Capitão da volante desconfiou. Deu-lhe um tapa com força no rosto. Conte a verdade putinha! – Ela negava. Nada dizia, sua mãe estava desmaiada, tinham dado uma coronha nela. Achava que tinha morrido. Ele bateu de novo e de novo. Ela serrou os dentes. Dois se espatifaram. Mandou dois soldados da volante a violentarem. Eles não tiveram coragem. Ambos tinham filhas naquela idade. Um terceiro não se fez de rogado. Ela gritou de dor quando ele a penetrou. Depois veio outro, desta vez por trás. Ela sentiu a pontada. Um estupro e uma dor terrível. Ela nada disse. Desistiram de tudo e do espancamento. Achava que ali ninguém sabia de nada.

                  Ele viu quando os macacos se foram. Esperou um longo tempo e desceu. Encontrou-a chorando, gemendo de dor. Toda ensangüentada. Jurou matar o capitão da volante. Quando ele jurava que Deus tivesse piedade da alma do escolhido. Tratou-a como pode. Ela soluçava. Sua mãe estava morta. Ele ajudou-a a enterrar junto de seu pai na curva do rio. Ela não chorava mais. Também não ria. Seu semblante era de ódio. Naquela noite fizeram amor ali na cabana. Ele foi gentil com ela. Ela pela primeira vez, pois era virgem antes da maldade da volante, sentiu o prazer de ser possuída com carinho. Não dormiram abraçados. Ele sempre a espreita, na janela, olhando o horizonte.

                  Ele disse que ia partir. Chegou a hora, pois já se sentia recuperado. Ainda estava com a faca e os dois trinta e oito. Poucas balas, mas daria para dar uma lição naquela volante Filho da Puta. Ela disse que iria com ele. Ele recusou. Ela insistiu. Não tinha parentes, sua mãe morreu. Ficar ali para que? Queria ir para ajudar a matar o capitão da volante. Olhou para ele com seus olhos negros e com tanta determinação que ele não soube dizer não. Disse que tinha esse direito. Ele se lembrou de Constancia. Era determinada como ela.  Foram para as colinas em direção a Capitão Honório. Lá iriam roubar alguns cavalos, dinheiro, viveres e seguir a trilha dos volantes filhos de uma égua.

                 Rosa Maria cresceu. Ficou adulta em meses. Nunca mais sorriu. Dezesseis anos e virou mulher. Uma mulher dura e temida por todos cujo único sonho era encontrar e capar aquele capitão filho da puta. Viveu com seu jagunço por mais cinco anos. Seguiram as pegadas da volante por anos. Encontraram o capitão bebendo pinga em um boteco perto de Cracatua. Ele nem entendeu direito o que acontecia. Arrastaram-no pela estrada até o morro do Cavalo Doido. Ele a olhou e pensou em tê-la reconhecido. Estava amarrado em duas árvores em V e nu. Ela riu pela primeira vez em anos. Um riso de ódio e sem esperar o matou sem dó e sem piedade. Ela mesmo decepou sua cabeça não antes de enfiar um cabo de madeira grosso e cheio de espinhos no anus daquele nojento filho da puta. Ele berrou e gritou feito um porco capado. Fincou sua cabeça fedida num bambu na fazenda do Chico Bento.        

               Correram o sertão e não perdoavam ninguém. Um medo terrível nas fazendas e nos povoados com a chegada deles. Varias volantes se formaram e correram o sertão em busca dos jagunços do inferno. Pareciam estar mancomunados com o demônio, pois desapareciam como pó levado pelo vento.  Uma lenda se formou. Diziam que os Anjos do inferno tinham descido a terra e fizeram uma nova Rosa Maria. Ela e seu jagunço se amaram em lugares nunca antes imaginados. Amaram-se como dois amantes loucos nos espinheiros da Bahia e até nas escaldantes terras de buritis em Minas Gerais. Não tiveram filhos. Não poderiam. Não tinham futuro. Só o presente. O passado se foi. Agora era ele e ela. Nada mais importava.

                 Ele morreu sorrindo com uma saraiva de balas da volante e com seus dois trinta e oito jorrando balas para todo o lado. Matou não sei quantos. Ele já sabia que este era seu fim. Nunca teve medo. Uma palavra que não existia para ele. Sabia que Rosa Maria tinha escapado. Ele a deixara para trás quando sentiu a volante em seu encalço. Sabia que ela esperava um filho seu. Não deixaria que ela o tirasse como fez com os outros. Agora era hora de enfrentar o demônio. Ele estava preparado. Tinha que descansar sua cabeça em algum lugar. Poderia ser no céu ou no inferno. Não importava. Tanto faz. Não tinha escolha. Seu mundo fora aquele. Não conhecera outro.

                 Rosa Maria chegou tarde demais. A volante já havia levado seu corpo para Buritis. Ela sabia que ele estava morto. Ele nunca se entregaria. Jurava que neste dia levaria alguns macacos com ele. Seguiu outro rumo. Desceu o São Francisco numa Gaiola. Tinha algum dinheiro. Pegou um ônibus para São Paulo. Criou Rafinha Lá. Um lindo garoto. Quem a conhecia não se aproximava. Vizinhos e amigos tinham medo. Seus olhos mostravam ódio. Nunca mais sorriu para ninguém. Homem nenhum se aproximou dela. Ela não deixava. Só tinha olhos para Rafinha.

                  Rosa Maria morreu com 91 anos de idade. Nunca contou sua vida para ninguém. Era uma mulher só. Nem Rafinha sabia. Todos ficaram assustados quando do seu funeral. Ela sorria. Um lindo sorriso de companheirismo e de amor. Rafinha se tornou um homem. Fez curso no SENAI. Torneiro. Ganhava bem. Nada faltava para sua mãe. Deu a ela um enterro de primeira no melhor cemitério da cidade. Diziam que todas as noites umas luzes vermelhas eram vistas em seu túmulo. Seu homem não a deixava sozinha. Amavam-se sempre ali embaixo de um abacateiro. Ele partia ao amanhecer. Dizia que o diabo não dava folga e ria. Ela tentava rir, mas não conseguia. Esperava todas as noites sua visita.

                  Contaram mais tarde, que na sepultura de Rosa Maria nasceu um lindo pé de Buritis. Sempre florido, seja na primavera ou no outono. Quando o sol se punha um clarão vermelho aparecia. Todos tinham medo. Ninguém se aproximava. Seja feliz Rosa Maria. Seja onde estiver, seja feliz com seu jagunço que amou para sempre...

Morrer, dormir, não mais: termina a vida
E com ela terminam nossas dores,
Um punhado de terra, algumas flores
E às vezes uma lágrima fingida.
Sim, minha morte não será sentida,
Não deixo amigos e nem tive amores!
Ou se os tive, mostraram-se traidores,
Algozes vis de uma alma consumida.
Tudo é pobre no mundo; que me importa
Que ele amanhã se esb’roe e que desabe
Se a natureza para mim está morta!
É tempo já que o meu exílio acabe;
Vem, pois, ó morte, ao nada me transporta!
Morrer, dormir, talvez sonhar, quem sabe?

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