Poética
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.
Quem matou Joventino
Praxedes?
O crime aconteceu em uma manhã
poeirenta de agosto. Ele estava lá, estirado no chão na beira do Córrego Sant’Anna.
Com uma sunga indecente seu corpo melado pelas formigas e bichos da mata que
passeavam preguiçosamente naquelas delicias que eles sempre aproveitavam nos
mortos. Quem o matou fincou quatro forquilhas e o amarrou como se ele fosse um
grande X a ser visto pelo céu. O que ele o assassino queria dizer ninguém podia
afirmar. Várias hipóteses foram levantadas. Poderia ser Madame Nataly? Afinal
ele era seu funcionário e amante. Pelo menos a boca pequena todos diziam. Na
casa grande que ela transformou em uma enorme boate todos sabiam que ele nunca
fora seu filho como ela dizia. Já o tinham visto se esfregando e fazendo amor
com ela em uma bela e frondosa figueira que existia nos fundos da Boate dos
Prazeres. – Filho? Pois sim!
Ninguém sabia quando ele chegou
à cidade. Uns dizem que ele veio com ela quando comprou a casa de Dona Filó e
para surpresa de muitos foi transformada em boate. As famílias que sempre se
arvoraram como católicas praticantes reclamaram com o Padre Nilton, com o
Prefeito Josmar, com o Juiz de Direito Nonato e até com o delegado Molejo.
Todos disseram que ela não estava cometendo nenhum crime e iria trazer para a
cidade melhores arrecadações, pois já se sabia que ela tinha uma enorme Indústria têxtil
na capital. Já corria de boca em boca que ela iria fazer a maior indústria
têxtil do estado em Rio Verde. Quatro anos depois a indústria foi esquecida.
Nada aconteceu e nem se tocou mais no assunto. Madame Nataly continuou com sua
boate, bem frequentada pelas autoridades locais e com a complacência do
Delegado do Prefeito e do Juiz. Todas as noites a maioria deles corria para a
Boate onde se sabia que boas bebidas, um bom carteado e boas senhoritas sempre
estiveram à disposição, claro se pudessem pagar.
Ninguém nem ligava para
Joventino. Uma figura apagada e que quase não aparecia no salão quando a
sociedade de homens ricos lá compareciam. A acusação a Madame Nataly caiu por
terra quando o Delegado, senhor de grandes bigodes e casado com Manuelita uma
portuguesa miúda e calada, disse para quem quisesse ouvir que na noite do crime
ele estava na boate, pois era um homem da lei e não podia aceitar brigas ou
discussões naquele estabelecimento. Ele jurou ao Delegado da capital enviado
pelo governador que durante toda a noite jogou um belo carteado e já de
madrugada foi desafiado por ela para uma mão de pôquer. Portanto ele nunca
poderia ser incriminado. A pergunta continuou a ser feita por todos habitantes
da cidade: - Quem matou Joventino
Praxedes? Diziam que o prefeito Josmar tinha grande ciúme dela com ele e podia
ser um suspeito. Ao ser inquirido riu e mandou chamar Rosinha – Diga a eles que
passei a noite toda com você! E o Juiz? Não teve um pega com o prefeito por
causa dela? E todos não sabiam da sua discussão com Joventino?– Não me acusem,
rosnou – Foi à única noite que passei em casa ao lado do meu filho e de
Jovelina minha esposa.
O Delegado Delgado diziam que
era o melhor investigador do estado. Ficou trinta dias procurando uma pista.
Havia uma rosa no chão machada de sangue ao lado do corpo. Na rosa não
conseguiu nenhuma digital. Rosa é rosa, só tem espinhos e um deles achou o
dedinho fininho do Delegado que gruiu alto. Pensou e pensou. Tinha que acusar
alguém e levá-lo as raias do tribunal. Paquetá um faz tudo na boate poderia ser
um suspeito. Mandou investigar sua vida. Surpresa: - O filho da mãe passou toda
sua vida em um seminário e só não foi padre porque sempre o encontravam
masturbando. Claro que o delegado não achou nadica de nada que pudesse
incriminá-lo. Mesmo todos sabendo que ele era amante e junto com Juventino faziam par nas altas
madrugadas, para transar em dupla com Madame Nataly ele estava limpo. Mas e
dai? E ela? Não podia ser a assassina? Puta merda pensou, Já vi todos os tipos
de crime, mas igual a este não. Vai ser foda achar uma pista. Quem o matou
teria que ser algum cliente de Madame Nataly. Tinha que chafurdar em toda sua
freguesia para achar o culpado.
Foi Nico Estripa quem lhe deu
uma pista. – Olhe delegado, um dia vi o Jovelino Praxedes tentar namorar
Mariazinha. Ela não deu bola para ele. Namorava o Açougueiro Totonho e dizia
que o amava e ele era o homem de sua vida. – O delegado pensou e pensou. Será
que o açougueiro resolveu vingar as investidas de Jovelino na sua noiva? Até
que podia ser, pois ele foi morto com duas facadas certeiras no coração. Ele já
tinha visto centenas de crimes assim. Mandou prender Totonho o açougueiro. Os
praças voltaram de mão vazia. – Cadê o home porra! Doutor o home casou com
Mariazinha no mês passado e mudou para Pedra Azul. Não pode ser ele não! Merda!
Pensou o delegado. Não sabia mais onde procurar. Quem poderia ter matado
Jovelino Praxedes? Ele se perguntava e toda a cidade o perguntava também.
Um mês depois recebeu uma
carta do Governador: - Se não consegue saber quem foi, retorne para a capital.
Que foda-se quem matou Jovelino Praxedes. Encerre o inquérito como crime
insolúvel. Ele não tinha mais nada a fazer ali, juntou suas traças pôs na mala
e na rodoviária o povo o olhava enviesado. Do outro lado da Rua Nicota ria
baixinho. Esperava o delegado partir para ela partir também. O filho da puta do
Jovelino a cantou em uma noite de quermesse e ofereceu vinte paus para comer
seu trazeiro. O filho da mãe nem carro tinha, ela foi na garupa da bicicleta
até a entrada da mata do Jambreiro. Queria logo mandar bala, mas ela disse que
só dava para ele se o amarrasse em forma de cruz. Ele ia gosar como nunca gosou
na vida. O besta se deixou amarrar. Ele lhe meteu a faca pequena que trazia na
bolsa, ele berrou feito um jumento capado.
Achou a chave do quartinho
dele que morava nos fundos da boate. Foi lá e encontrou o que procurava. O
monte de nota de cem e de cinquenta. Mais de vinte mil pratas. Desta vez valeu
mais que Muriel Boa Morte de Espera Feliz. Ela riu quando lembrou. Outro idiota
que só queria comer seu traseiro e mais nada. Ter bunda grande dá nisto pensava
e ria. Um duro de tudo, pois não conseguiu nada dele nos bolsos. Na sua casa
não podia ir. Era amasiado com uma mulher de vida que não saia de lá. Ela ria
baixinho ao lembrar quando ele morreu de pau duro feito aço. Saiu de lá e agora
em Monte Verde queria algum melhor. Sabia que Joventino Praxedes a olhava há
tempos. Era questão de dias ele a levar para o mato. Deu o último olhar no
Delegado Delgado. Um bosta de delegado ela pensou. Bem cada um sabe onde aperta
as botas. Melhor fazer minha mala e partir. Quem sabe consigo outro trouxa que
só pensa no seu pau?
Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Produndissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Produndissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
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