Bem vindo ao blog do Osvaldo

Seja bem vindo a este blog. Espero que aqui você encontre boas historias para passar o tempo, e claro, que goste.

Honrado com sua presença. Volte sempre!

domingo, 9 de dezembro de 2012

Alberico Boa Morte, o coveiro apaixonado pela alma do outro mundo!



Fantasmas.
Os seres que povoam a minha mente,
Nas noites de tempestade e de insônia
São almas errantes que tristemente,
Vagam pela terra sem alegria.

Nos os quero em minha cama,
Não os quero em meu pensamento.
Mas voltam sempre atrás de uma chama
Em busca de uma alma em movimento.

Não os conheço estes seres flamantes,
Talvez noutros tempos com eles vivi
São do passado, d’uma vida distante,
Ou talvez como eles, eu já morri!
Doroni Hilgenberg

Alberico Boa Morte, o coveiro apaixonado pela alma do outro mundo!
                            “Quem atravessa a rua recua para a calçada para poder ouvir com mais atenção. A moça que recebia o troco na loja da esquina interrompe o “muito obrigado” para escutar. Rostos indiscretos aparecem em portas e janelas de casas e apartamentos a fim de captar bem as palavras. O motivo do silêncio e da curiosidade que para a cidade de cerca de 20 mil habitantes no Norte gaúcho é a morte. Há 47 anos, a torre da Igreja Matriz de Tapejara anuncia todos os falecimentos que acontecem no município, através de um sistema de alto-falantes, desenvolvido em 1964 e substituído 30 anos depois.

O som da oração de São Francisco seguido pelo nome do último falecido já se incorporou à rotina de quem vive em Tapejara, município distante 400 quilômetros de Porto Alegre. De acordo com o padre Hélio Corso Marsiglio, responsável pela igreja que faz os anúncios, a população não aceitaria que eles deixassem de existir. “Se a gente deixar de fazer, a comunidade se revolta e o padre vai apanhar”, comenta entre risos. Desde que começaram a ser anunciadas, mais de mil mortes já ecoaram pelo município.”.

História baseada nesta lenda de Tapejara, cidade do Rio Grande do Sul.

                 Dizem por aí que tudo que tem de acontecer acontece. Dizem também que quem já fez aqui vai voltar para pagar. Bem para mim não importa. Que fiquem por lá que voltem desde que não me incomodem tudo bem. Mas isto nada tem a ver com Alberico Boa Morte. Em Tapejara ele era conhecido de todos. Afinal quem não conhecia o Recanto da Solidão? O mais lindo cemitério do Rio Grande do Sul? Sempre foi considerado o mais bonito do estado. O prefeito soube de um concurso que houve na Polónia e a cidade de Kraków foi à vencedora. Ele mandou um Assistente seu lá para ver e tirar fotos. Lindo cemitério. Ele dizia sempre que queria ser enterrado em um deles. Assim começou a modificação. Mudaram tudo. O Recanto da Solidão tomou forma. O sonho do prefeito se tornou realidade. Agora os mortos poderiam dormir o sono dos justos, em um local florido, gramado e a noite luzes coloridas para dar a impressão de arco íris cortando o céu da cidade. O Senhor Alcaide dizia que morreria feliz. Iria passar para a eternidade no mais lindo cemitério do mundo!

                O que marcava o Recanto da Solidão eram os mausoléus. Os coronéis, donos das casas mais chiques, de pequenas fabricas sabiam gastar para fazer seu recanto na última morada. Alberico Boa Morte nascera ali e sabia que um dia iria morrer também. Herdou do seu pai a função de coveiro. Nunca aprendeu outra coisa. Na escola o chamavam de Alberico Cadáver. Ficou até a quarta série. Não fez amigos. Não tinha em nenhum lugar. Ele sabia, era um estigma que não tinha futuro. Vivia nas horas vagas andando daqui e dali por cima das sepulturas, molhando as flores, limpando mausoléus, jazidos, túmulos. Alberico gostava de sua vida. Quando seu pai morreu ele sabia de tudo e como fazer. Nunca precisou de ajudantes. Não tinha pressa para enterrar um defunto, ou melhor, um finado, como lhe ensinaram a tratar o corpo do coitado que seria comido por vermes e com o tempo nem os ossos se aproveitariam.

                 Alberico Boa Morte era Católico. Não era praticante. Ia à missa uma vez sim e outra não. Já com seus 25 anos, andava curvado, tinha um pequeno cavanhaque, olhos fundos com sobrancelhas espessas. Aprendeu com seu pai a usar uma bengala e um chapéu coco, preto, com uma jaqueta também preta. Alberico tinha um sonho. Conhecer uma moça, namorar e casar com ela para ter filhos e quem sabe um seguidor do seu ofício. Desde que o pai morrera vivia sozinho em sua casinha no fundo do Cemitério. Um sonho difícil. Nenhuma moça na cidade olhava para ele. Elas tinham medo de sua figura e morar em um cemitério mesmo que fosse o mais bonito do mundo não era o pedido de muitas. Um dia varias jovens fizeram uma aposta. Ganharia quem namorasse Alberico Boa Morte por uma semana. Nenhuma ganhou um tostão. Era só passear com ele em cima das sepulturas, das catacumbas negras e não tinha uma que não fazia xixi nas calças.

                  O tempo foi passando e os amigos de Alberico Boa Morte eram os mortos do Recando da Solidão. Muitos juravam que ele conversa com as almas do outro mundo. Alguns afirmaram que ele trazia recados dos que se foram para os vivos que ficaram. Alberico gostava de sentar em noite de lua cheia no Mausoléu da Família Cunha, cujo ancestral famoso foi o Coronel Flores da Cunha da Guarda Nacional. Ele sabia que Marilia, que não casou e morreu de tuberculose adorava conversar com ele. Ela não vinha todos os dias e quando ficava sozinho sempre tinha fantasmas amigos para prosear e tomar um gostoso chimarrão que ele sabia preparar. Comprou uma linda bomba de prata folheada a ouro, um aparador, uma atérmica sempre com água quente, e claro um copo de água morna. A Erva-Mate era escolhida a dedo. Tinha noites de mais de vinte fantasmas ficarem ali com ele cantando Boi Barroso, Chimarrita, e adoravam Negrinho do Pastoreio. Juvenal trazia sempre seu violão lá do céu e com sua voz de anjo cantava baixinho – “Negrinho do Pastoreio, acendo esta vela prá ti. E peço que me devolvas a querência que perdi. Negrinho do Pastoreio...”.

                  Foi numa noite triste, que não apareceu ninguém que Alberico Boa Morte conheceu Chimarrita. Uma jovem dos seus vinte e cinco anos, morena, olhos azuis, linda. Que beleza meu Deus! Disse para si Alberico. Ele lembrava que ela tinha sido sepultada há pouco tempo. Dizem que seu noivo a matara a facadas, pois tinha muito ciúmes. Alberico Boa Morte se apaixonou por Chimarrita. A cidade de Tapejara não entendeu aquela sexta feira treze, onde um clarão se fez no Cemitério Recando da Solidão e junto com músicas e gritos de alegria se fizeram ouvir por toda a noite. Ninguém teve coragem de ir lá. De longe uma turba olhava aquela festa dos mortos. O delegado mandou dois soldados de a Brigada Militar ir lá ver e informar a todos. Nem pensar disseram. O prefeito cutucou o juiz que cutucou o delegado, que cutucou o sargento que cutucou o padre e nada.

                 Não se sabe como, a torre da Igreja Matriz de Tapejara começou a anunciar em alto e bom som, que Alberico Boa Morte e Chimarrita Flores da Cunha haviam se casado com as graças do Senhor. O padre correu até o serviço de alto falantes da igreja e nada viu. A cidadezinha de 20.000 habitantes ficou estarrecida. Uma serie de acontecimentos tomou conta do Cemitério Recanto da Solidão. A noite sempre se ouvia o som de violão, e juravam de pé junto que a sanfona era tocada por Chico Sanfoneiro morto a centenas de anos. Um dia, a cidade inteira veio à rua para ver. Alberico Boa Morte levava de mãos dadas, um garotinho lindo, dos seus seis anos, e quem conheceu Chimarrita jurava que era seu filho. Parecidíssimo. Não houve como a diretora da escola Flores da Cunha não matricular o menino. Quatro anos depois eis Alberico Boa Morte de mãos dadas com uma linda menina. Mais uma para a Escola Flores da Cunha.

             Até hoje os habitantes de Tapejara ouvem canções, sabem das festas no Cemitério Recanto da Solidão e já haviam se acostumado. Estudantes de direito que vinham passar as férias com seus pais e que se arriscavam a entrar naquele campo santo, juravam que as festas tinham vinhos de boa qualidade e o melhor chimarrão do mundo. Contavam que Alberico Boa Morte e Chimarrita Flores da Cunha formavam o casal mais perfeito que tinham conhecido. Muitos destes estudantes fizeram grandes amigos entre os mortos do Recanto da Solidão. Eu soube de fonte fidedigna que um dia o Padre, o Bispo e mais cem soldados da força pública invadiram o cemitério, pois pensavam em exorcizar aquela farra noturna, pois agora a cidade de Tapejara era um paraíso de turistas que vinham de todo lugar.

                     Encontraram o Campo Santo vazio, sem ninguém, mas surpreendentemente viram na varanda da casa de Alberico Boa Morte ele e Chimarrita Flores da Cunha, com mais umas quinze almas gaúchas do outro mundo, ao som de uma gaita, de um violão celebravam sua raízes gaudérias e a beleza deste chão cantando e dançando a pleno pulmões. Eles mesmos os mortos sabiam que o mal se espanta cantando e dançando, pois só assim se espanta as tristezas. Sem esquecer que o chimarrão e o vinho gaúcho corria a solta entre todos. O Padre e o Bispo saíram correndo e nunca mais voltaram. Os cem valorosos soldados da força publica entraram na dança e beberam vinho até o amanhecer.                  

Chimarrita vou cantar
Qu'inda hoje não cantei (bis) 
Deus lhe dê muita boa noite
Qu'inda hoje não lhe dei (bis) 

Chimarrita morreu ontem,
ontem mesmo se enterrou (bis) 
Quem falar da chimarrita
Leva o fim que ela levou (bis) 

Chimarrita que eu canto
Veio de cima-da-serra (bis) 
A pular de galho em galho
até chegar na minha terra (bis)



Fantasmas

Vieram de longe estes fantasmas
Pagos pelo diabo
Para me torturar…

Fico presa
De pés e mãos mergulhada na dor
Há uma sombra branco-Etérea
Etérea, transparente
Postada em desafio
Entre mim e ti, ó meu Amor!


Deixa-a passar
Confio tanto na alva madrugada
Que vou sorrindo aos fantasmas que chegam

Pagos pelo diabo
Para me torturar…

Maria Helena Amaro

Nenhum comentário:

Postar um comentário