Remorso
Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando.
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.
Versos e amores sufoquei calado,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! Mais cem vidas! Com que ardor quisera
Mais viver, mais penar e amar cantando!
Sinto o que desperdicei na juventude;
Choro, neste começo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,
Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!
O simpático e alegre prefeito Marcolino
Santo Ângelo
Já passei por poucas e boas em minha
vida. Muitas situações inusitadas e quando me lembro delas parecem um farol nas
noites de inverno a procurar um navio perdido no imenso oceano. Mas o caso do
prefeito Marcolino Santo Ângelo para dizer a verdade foi uma surpresa. E põe
surpresa nisto. Interessante que quando chegou era um simplório, para dizer a
verdade um “banana”. Depois passou a exigir que o chamássemos de Doutor Prefeito
Marcolino Santo Ângelo. Afinal não nasci
ontem. Que ele me enganou não tenho a menor sombra de dúvida. Neste mundo de
meu Deus eu vi causos e causos, e quantas vezes enganei a mim próprio? Assim
foi Marcolino Santo Ângelo. Enganou milhares de pessoas. Mas quem podia duvidar
dele?
Cheguei à
cidade de Sol Nascente no final de agosto de 1979. Faz tempo. Acho que vinte e
seis anos atrás. Quando Lola morreu São Paulo perdeu a graça para mim. Engenheiro
civil vendi minha empresa, minha casa e até um pequeno sitio em Limeira. Tinha
visto um pôster de Sol Nascente. Adorei a cidade. No litoral norte quase divisa
com o Rio de Janeiro. Fui até lá um fim de semana e voltei dois dias depois, proprietário
de uma casa a beira mar. Uma encosta bem próximo à praia. O mar se descortinava
da minha varanda numa visão celestial.
Encontrei um povo hospitaleiro e
logo fiz muitos amigos. Já não trabalhava mais. Quando cheguei tinha cinquenta
e um anos. Estou com mais de setenta e sete anos hoje. Mas meu coração ainda
bate forte. Levanto cedo, faço caminhadas e dou grandes braçadas mar adentro.
Alguns amigos se assustaram na primeira vez e depois acostumaram. Costumo ficar
à tarde na varanda do Totim, um barbeiro que é um dos meus principais amigos.
Olhe acho que conhecia todo mundo na cidade. Quando as temporadas acabavam ali
era um paraíso.
Marcolino Santo Ângelo chegou numa
tarde de novembro. Acho que foi em 1993 não tenho certeza. O vi pela primeira
vez no boteco do Jamil. Eu jogava uma “sinuquinha” para passar o tempo com
apostas de um real. Na cidade não tínhamos muito que fazer. Era ali ou ir para
a praça ficar com os velhos na biriba ou truco. Sem esquecer claro, minhas
belas tarde na minha varanda e ver o por do sol se esconder no infinito do
oceano. Marcolino Santo Ângelo em pouco tempo fez muitos amigos. Ria, abraçava
todo mundo. Seu sorriso era radiante. No primeiro dia todos ficaram amigo dele.
O danado era bom demais para fazer amigos. Perguntou onde poderia comprar uma
casinha. Comprou do Rosildo sem pagar nada. Assim começou a vida de Marcolino
Santo Ângelo na cidade de Sol nascente.
Chegou sem nada e seu patrimônio
começou a crescer. Ninguém notou ou fingiam não notar. Ele nunca aprontou de
uma maneira afrontosa. Educado, prestativo, ajudava nos sábados quando
precisavam de amigos para carregar baldes de cimento na construção de uma Lage
qualquer ou na igreja. Com ele não tinha hora nem lugar. Sempre pronto a ajudar.
Nunca faltou uma missa. Sempre doava mais que os outros e o Padre Jacinto o
adorava. Acho que ele sempre dizia que era um santo em suas confissões.
A vida seguia seu curso. Ah! Esqueci-me
de dizer, em poucos meses Marcolino Santo Ângelo abriu a melhor casa de tecidos
da cidade. Sua loja era muito concorrida. Pediu ao Vicentino o dono da agencia
de automóveis que trouxesse para ele um conversível amarelo. Não importava a
marca. Pagou a vista. Como? Não me perguntem, pois não sei. Todos os sábados fechava
a loja ao meio dia e ia como o Delegado Jailton pescar na lagoa do Marimbondo.
Disseram-me que ele nunca foi pescar em alto mar. Tinha medo de morrer afogado.
Duas vezes por semana, ele o delegado
Jailton, o Juiz Moreno Silva e o Prefeito Malta Santos iam à casa do Valdico, o
dono da Mercearia Santo Antônio jogar truque. Dizem que as apostas eram altas.
Não sei. Interessante que nunca o vi de braços dados com uma mulher. Nos
primeiros anos todos achavam que ele era “viado”. Que nada. Sarita uma loira do
Bairro do Pinguim contou para Rose, que contou para Lavinia que contou para
Otho que contou para Mimi, que contou para a cidade toda que ela “deu” para
ele.
Todos ficaram embasbacados em saber que
ele tinha uma “piroca” enorme, e que fazia todas as mulheres que dormissem com
ele “gosar” a noite toda. Se ele já era bem considerado por todos os homens,
agora era amado pelas mulheres curiosas em conhecer aquela “piroca” infernal. Sua
fama se espalhou. Algumas delas só para provocar inveja contavam entre si que
tinham “dado” para ele e olhe não havia uma que não queria experimentar a
“piroca” do Marcolino Santo Ângelo. Claro, só ficávamos sabendo dos bochichos.
A verdade ninguém sabia. Um dia soube que Sarita tinha “embuchado” e sumira da
cidade. O mesmo aconteceu com Naldinha, uma pena. Uma morena linda, nova, não
tinha vinte anos quando as más línguas contaram que Marcolino Santo Ângelo
arrebentou seu “cabaço”.
O tempo foi passando, Marcolino Santo
Ângelo “enricando” e comendo a mulherada da cidade que misteriosamente
desaparecia para ninguém mais saber por onde andavam. Claro, as más línguas
sempre disseram que Marcolino Santo Ângelo ajudava as famílias das
desaparecidas. Marcolino Santo Ângelo era agora dono do moinho do português, de
duas barracas de lanches na praia, de uma loja de eletrodomésticos, da
sorveteria, do restaurante Brinco de Ouro e a cada dia aumentava suas posses.
A cidade um dia amanheceu em festa.
Marcela, a bela filha do Delegado Jailton ficou noiva de Marcolino Santo
Ângelo. Como? Perguntaram. Ninguém sabia. Nunca viram ele e ela juntos. Se eles
namoravam era escondido, mas esconder para que? O delegado Jailton era muito
amigo de Marcolino Santo Ângelo. Não havia necessidade de esconder. Se houve
amor, se houve paixão e mesmo se houve algum mais era um segredo bem guardado.
Poucas mulheres na cidade agora diziam ter usufruído da “piroca” de Marcolino
Santo Ângelo. Mesmo assim comentavam do sumiço da Mercedes, da Lindalva, da
Guiomar, da Marialva e da Gloria Chumbinho.
O casamento foi uma apoteose. Vieram da
Capital seis senadores, sendo dois da oposição, trinta deputados, o Vice
Governador Florentino Sinclair e um general aposentado que não fiquei sabendo o
nome. A missa e a benção foi celebrada pelo cardeal Mota. A força de Marcolino
Santo Ângelo era enorme. A festa durou três dias. Dizem que mataram oito bois, doze
ovelhas, trinta e cinco porcos, seiscentas galinhas e foram mais de trinta
mulheres para preparar tudo no campo do Catumbi Futebol clube.
A boca pequena dizem que foram passar a
lua de mel no Caribe. Ninguém sabia o que era esse tal de Caribe. Diziam que
era o lugar mais lindo do mundo. Mais que Sol Nascente? Todos duvidavam. E como
todos invejavam a sorte de Marcolino Santo Ângelo desejaram a ele uma feliz Lua
de Mel. Já pensou diziam? “Comer” marcela? Uma tetéia de gostosa. Deve ter sido
uma bela “foda”. Marcela sempre foi o xodó da rapaziada. Era mesmo uma
gostosinha de quebrar o queixo dos “punheteiros” da cidade. Se ela gostou ou não
da famosa “piroca” de Marcolino Santo Ângelo ninguém soube. Mas diziam que dois
anos depois do seu casamento e disso eu não tenho certeza, ela passou a se
encontrar com o Totonho da Mercearia Gabiroba, seu antigo namorado. Totonho
sumiu no dia que Marcolino Santo Ângelo foi eleito prefeito de Sol Nascente. De
oito mil e duzentos eleitores, Marcolino Santo Ângelo teve sete mil e
quinhentos votos. Nunca em minha vida soube de tal proeza.
Voltando ao Totonho, ele era ponta de lança
do time do Catumbi e tinha até uma proposta do Santos para jogar lá. Por amor a
Marcela não aceitou. Devia ter aceitado. Sumiu sem dar notícias. Diziam que
aceitou uma proposta do “estrangeiro”. Não sei. Depois que ele se foi Marcela
quase nunca era vista nas ruas da cidade. Eleito, Marcolino Santo Ângelo passou
a exigir de todos o titulo de Doutor Prefeito Marcolino Santo Ângelo. E ai de
quem não o chamasse assim. Ele na hora sorria depois o pobre levava uma surra
das boas em algumas esquinas escuras de Sol Nascente.
Sei que ele asfaltou algumas ruas,
melhorou algumas escolas, acabou com a sujeira das praias, e sempre com seu
terno branco e chapéu de panamá, com seu bigodinho “sem vergonha” e um sorriso
de grande político, viajava toda semana para a capital. Ia três vezes por ano para
a Europa ou Estados Unidos. Sua casa virou uma mansão. Tinha oito guardas.
Cinco empregadas e diziam que contratara um mordomo inglês e um “chief de
Cuisine” francês. A boca pequena todos davam como certo sua eleição para
deputado. Que fosse estadual ou federal, não importava, ele estaria eleito sem
sombra de dúvida. Alguns até diziam que em poucos anos ele seria o Presidente
do Brasil! Olhe para ser sincero eu não duvidava.
Tudo corria bem para o prefeito
Marcolino Santo Ângelo. Na rua era saudado e adorado. Agora as moças quase não
falavam da sua famosa “Piroca” e quando o olhavam era de esguelha. Tinha medo
de desaparecer como as outras. Risos. Como se ele tivesse alguma culpa. Com
quatro anos de casado soube-se que Marcela estava muito doente e faleceu no
final outubro. Mas caramba, não houve enterro na cidade. Se ela morreu onde
enterraram? Uma pergunta que correu de boca em boca na cidade. Interessante que
seu pai também foi transferido para Tocantins bem longe dali. Um comentário
dizia que seu pai a levou a um famoso hospital na capital e ela foi enterrada
por lá mesmo.
A boa vida de Marcolino Santo Ângelo
durou até março passado. A cidade em polvorosa viu o que nunca tinha visto na
vida. De uma hora para outra se materializou nas ruas de Sol Nascente carros e
mais carros da policia federal. Dois na saída da cidade, dois na prefeitura e
quatro na mansão de Marcolino Santo Ângelo. Cinco camburões da policia militar
davam o reforço necessário se houvesse alguma represália. Nunca iria haver ali
em Sol Nascente. Todos acorreram assustados. Que diabo estava havendo?
Malaquias e Pedro Honório juraram que viram Marcolino Santo Ângelo sair
algemado e jogado num camburão. Não era possível! Eu não podia acreditar. Dois
carros continuaram em frente à casa de Marcolino Santo Ângelo e sempre de olho
em quem passava. Quem estava dentro não podia sair e os de fora não podia entrar.
O novo delegado Doutor Tibúrcio Menor, se
fingiu de morto. O Juiz, o Presidente da Câmara dos vereadores, do Lions, do
Rotári e até o Promotor grande amigo dele a ponto de dormir em sua casa deu chá
de sumiço. Dos amigos ricos de Marcolino Santo Ângelo ninguém soube informar
onde estavam. Nada como os federais em uma operação X-9 para afugentar todo
mundo. Ninguém agora queria ser amigo dele. Marcolino Santo Ângelo nunca mais
voltou para a cidade. Os jornais do dia seguinte em manchetes garrafais traziam
nas primeiras páginas a noticia de sua prisão. Não por ele ser importante no
estado ou no país, mas sim pelo que tinha feito. Isto mesmo.
Marcolino Santo Ângelo era um dos
maiores “Serial Killer” que tivemos noticia no Brasil. Pelas contas da Policia
Federal ele matara em São Cândido onde nasceu e viveu até seus vinte e quatro
anos, nada mais nada menos que nove mulheres, quatro homens e doze meninos e
meninas. E agora descobriram em sua mansão em Sol Nascente, um cemitério que
ele construiu sozinho no porão. Todo chumbado com massa de cimento pesado,
(tiveram que dinamitar algumas). Era uma verdadeira fortaleza. No primeiro
momento descobriram dezesseis vitimas, esquartejadas e regadas a sal com cal
virgem. Diziam ser bom para derreter tudo. Encontram o corpo de Marcela, de seu
pai o Delegado Jailton, Totonho o ex-namorado e todas as mulheres que tinham
sumido durante os anos que morou em Sol Nascente.
Incrível como ele conseguiu esta façanha.
Enganou uma cidade inteira. O “cara” era “foda” mesmo. Até eu fui enganado, mas
sempre com a dúvida na cabeça. O que pretendia este sujeito? Eu sempre me
perguntava. Seu julgamento foi uma festa. Repórteres do mundo inteiro. Pegou
500 anos de cadeia, mas sabemos que só vai cumprir trinta e depois de 12 anos,
lá estará ele de novo na rua. Bem doze anos é muito para mim. Somando com meus
setenta e seis teria oitenta e oito anos quando ele sair. Estaria vivo ainda?
Ou quem sabe ele sairia regenerado?
Catorze anos depois, estava
internado em um hospital público, praticamente sem o movimento das pernas e com
grandes problemas de falta de ar, quando ao meu lado foi internado um rapaz,
dos seus trinta anos, com pedras nos rins e precisava ser operado. Contou-me
que era de Monte Dourado. Ficamos amigos e dentre as muitas histórias que me
contou uma surpresa. Na ultima eleição em sua cidade um candidato da situação
obteve mais de noventa por cento dos votos. – Todos gostam dele dizia um boa
praça, mal chegou à cidade fez milhares de amigos – disse. Perguntei qual era o
nome – Marcolino Santo Ângelo. Você conhece? Perguntei a ele: - Você sabe se
sumiu alguma mulher lá depois que ele chegou? – Olhe para ser franco soube de
quatro. Mas por que pergunta isto? – Perguntei de novo - Comentaram o tamanho
de sua “piroca”? Ele riu e concordou com a cabeça.
Falar mais o que? Marcolino Santo
Ângelo de volta a lida. A mulherada vai adorar a “piroca” dele até ir dormir o
sono eterno de uma facada no pescoço e no coração. (como ele fez com todos que
matou antes). Que o danado morra um dia como um cão (pobre dos cães) e vá pagar
seus pecados nas “profundas dos infernos!”. Esse é nosso país. Direitos iguais.
E como dizem por aí, quem já foi rei nunca perde a majestade!
Um beijo
Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior... Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!
Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?
Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! E anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto...·.
Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior... Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!
Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?
Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! E anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto...·.
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