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sexta-feira, 23 de março de 2012

Flor do Campo a Árvore da Vida.




Flores do campo

Vejo as flores dos campos tão lindas
Com mil cores e suaves como a seda
Qualquer espécie de flor é bem-vinda
Tanto as da selva como as da alameda

As flores enfeitam todas as veredas
E quando à tardezinha o dia se finda
Peço a Deus do céu que me conceda
Que eu possa ver muitas flores ainda

Pois o mundo sem flores é tão vazio
Como deserto muito quente, sem rio
E sem haver brisa da praia soprando

Como deve ser triste a terra sem relva
É o mesmo que se caminhar pela selva
E não ouvir nenhum pássaro cantando.

Flor do Campo a Árvore da Vida.

Pamela conhecida como Flor do Campo        

         Todas as minhas tardes eram assim. Não mudavam. Nem sempre podia olhar o por do sol, pois, meu tempo de descanso não existia, ou se existia era uma nuance de momentos. Sabia que o mundo tinha me reservado essa vida. Não haveria mudanças, mas eu me sentia feliz. Afinal estava viva, acreditava em Deus e tinha a maior das alegrias que uma mulher pode ter. Minha filha. Nalva, ou melhor, Borboletinha como a chamavam.

          Meu nome é Pamela, nome que minha mãe achou em um jornal jogado numa esquina do nosso povoado. Achava bonito, mas preferia Flor do Campo. Era assim que ele me chamava. Pedia a todos para me chamar assim. Hoje o dia está lindo, um céu azul poucas nuvens, e já estou vendo o por do sol que vai se esconder atrás das Montanhas dos Pastores. Já fui lá algumas vezes. A última com ele. Foi lindo. Um passeio incrível. Valeu enquanto durou.

        Meus vinte e cinco anos ainda mostram que sou bonita. Cabelos negros curtos, olhos cinzentos, não gosto do meu pescoço, acho ele meio grande. Mas adoro meu nariz, minhas orelhas e meus brincos são grandes. Dizem que chamo atenção com eles, mas para dizer a verdade, ele sempre dizia que eu era a mulher mais bela do mundo e nenhuma espanhola poderia se igualar. Sou professora. A única deste povoado quase na divisa do Espírito Santo com Minas Gerais.

        Eu morava em Nova Venécia. Povoado ao norte de Colatina. Diziam que éramos mineiros e outros diziam que éramos capixabas. Uma briga surda entre os dois estados se faziam acontecer a anos. Quase não lia jornais e as poucas notícias eu escutava na Radio Nacional à noite. Ela falava pouco sobre o assunto. Seu tema maior era a cidade do Rio de Janeiro. Nova Venécia tinha menos de cinco mil habitantes e só uma escola. Escola? Bem, uma construção de pau a pique, que quando chovia não tinha aula.

        Uns homens do governo estiveram lá uma vez e convidaram moças para um curso rápido de quatro semanas. Tinha só o primário. Mas lia muito e acharam que eu iria servir. Nomearam-me professora primária. Mas cinco desistiram logo. O salário não vinha e quando vinha não era o prometido. Os poucos rapazes na cidade eram comprometidos. A maioria procurava cidades maiores.

         Morava só. Minha mãe e meu pai já haviam morrido. A malária os matou. Nunca eu pensei em sair dali até o dia que Venâncio bateu em minha porta. Como era gostoso lembrar. Lembrar-me dele. Do seu rosto, da sua voz do seu sotaque caipira. Meu Deus! Como é difícil esta lembrança doída. Afinal estava com dezesseis anos, e apesar de nova me considerava uma mulher. Desculpem. Era virgem. Até aquele dia. Ainda não era professora. Como disse ele bateu em minha porta. Abri e quando olhei para ele minha mente virou. Era o homem que sonhava!

          Estava magro, barbudo e com olheiras. Mas era ele sem tirar nem por! Mandei entrar sem mesmo perguntar o que ele queria. Sentou no banco em volta da mesa rústica de madeira. Olhou-me, pediu água e se podia dar a ele uma comida quente. Tinha seis meses que não comia nada quente. Só agora notava que estava fardado. Militar mineiro. Claro, esfarrapado, a roupa suja de barro, barba por fazer e tinha um cheirinho de quem não tomava banho há muito tempo.

           Disse ia fazer um almoço para ele. O mandei ao meu quintal e lá se lavasse. Existia uma bica de águas cristalinas de uma nascente ao lado do abacateiro. Tinha quase um metro de altura. Ele me olhou assim meio cismado e foi. Levei para ele umas roupas de meu pai. Eram grandes. Deviam servir. O almoço foi frugal. Arroz, carne de porco frita, ovos e farinha de mandioca. Comeu com vontade.

Venâncio conhecido como o Matador

              Seis anos encarcerado aqui. Não era ruim. Diziam que só militares e pessoas com curso superior estavam aqui. Eu tinha amizade com todos, só ficávamos na cela depois das dez e as sete já estava aberta. Se não fosse por isso e o tédio, até que dava para morrer ali. Diziam que iria ficar vinte anos. Soube que estudavam um perdão não só para mim, mas a todos que estiveram na “guerra” do Contestado. Guerra. Quando me lembro disto dá vontade de rir.

            Porque entrei nessa fria até hoje não sei. Tinha pensado em assentar praça e voltar para minha cidade. Não tinha pretensão de ser mais nada na vida. Uma “vidinha” de soldado, quem sabe cabo e isso seria minha redenção em São Jacinto. Sabia que não tinha muita escolha e lá fui eu e claro aceito logo. Um físico de lutador acho que era inteligente e em um ano já era um “milico” da policia militar.

           Nada deu certo nos meus planos. Uma manhã, nos formaram, entregaram-me uma mochila e deram meia hora para preparar para a viagem. Viagem? Claro. Fomos para uma cidadezinha perdida nos confins de Minas Gerais.  Agua Doce. Bem perto de Nova Venécia. Passamos por lá e andamos mais umas duas léguas. O sargento desceu todos e nos mandaram fazer uma trincheira. Um sol de rachar. Dois dias furando buraco. Éramos uns quarenta homens. Só no quinto dia fiquei sabendo que estávamos em guerra. Sim era a guerra do Contestado. Minas Gerais contra o Espírito Santo.

           Soube mais tarde que por uma simples cobrança de impostos, cada um dizia que ali era seu. Depois me contaram que Minas sem mar queria um pedaço da terra dos capixabas e ter seu navio. Uma merda. Cada dia um sol de rachar. Um calor de matar moscas que voavam a procura do nosso suor fedorento. Fiz amizade com Romualdo. Minha idade, vinte e cinco anos. Contávamos prosas, causos, cantávamos. Ficamos amigos. Achei que seria uma amizade para sempre. Eu gostava dele.

           Durante o dia não ouvíamos nada. Nem um tiro. Guerra de merda mesmo. Comíamos mal. Comida fria trazida da cidade em panelões fedorentos. Café aguado. Um pão mais duro que a terra que pisava.  À noite os capixabas gritavam – Mineiros! Filhos de uma puta! Vão tomar no cu! E a gente ria e retornava – Capixaba! Filho de uma égua parida! Vou comer o cu da sua mãe! E eram uma profusão de palavrões de um lado e de outro. Depois grandes gargalhadas. Que guerra era essa?

           Uma noite Romualdo se encrencou em ir colocar água nos cantis no córrego em frente. Era proibido.  Ele servia como divisa de um lado e outro. Teimosamente escondido lá foi ele. Ouvi um estampido. Não! Saí correndo até ele. O sargento gritando para voltar! Uma saraiva de tiros. Não me incomodei. Lá estava ele deitado de bruços no riacho. Os cantis iam com a correnteza. Sua nuca havia sumido. Um tiro de fuzil estoura tudo. Uma raiva enorme.  Tremia. Não pensei outra coisa a não ser em vingança. Coloquei a baioneta e corrigi em direção aos filhos da puta dos capixabas.

           O sargento, o tenente e o capitão gritavam para eu voltar. Não voltei. Tiros. Nenhum me acertou. Pulei na trincheira deles. Atirava e usava a baioneta. Matei mais de dez. Os outros fugiram. Fiquei ali respirando e não sabendo o que fazer. Voltei. Prenderam-me. Mas afinal não tinha acabado com a guerra? Nem uma palavra. Antes da chegada do caminhão fugi. Andei não sei quantos quilômetros. Vi um lugarejo. Uma casa afastada. Bati. Pedi comida. A fraqueza era tanta que nem vi quem era. Um anjo acho eu. Linda. Me deu roupas limpas. Me deu comida. Me deu amor. Me deu carinho e hoje eu sei que me deu a mais linda Borboletinha do contestado. Nalva. Minha amada Borboletinha. 
    
Pamela conhecida como Flor do Campo

            Foram os mais belos dias da minha vida. A paixão entre nos foi avassaladora. Andávamos de mãos dadas. Abraçados. Quando acordava achava que era um sonho. Mas lá estava ele. Com seu ronco gostoso. O beijava e nos amávamos.  Achava que o mundo para mim era de felicidade. Até o dia que Nalva nasceu. Em uma semana o pior aconteceu. Um caminhão da policia militar parou na praça do coreto. Vários soldados de casa em casa. Um tenente perguntou por ele. Se apresentou. Levaram-no preso. Me disse que voltaria. Prometeu voltar.

          Um ano, dois, quatro seis anos se passaram. Borboletinha cresceu. Era a única que me fazia feliz. Não a felicidade que esperava ter. Nos primeiros anos me mandou cartas. Depois diminuíram. Meu coração partido chorava todas as noites por ele. O crepúsculo para mim era um suplicio. A lua cheia me amedrontava. Voltei à escola. Mas já não era a mesma Pamela do passado. Queria fugir. Ir embora com a Borboletinha.  Me mandava cartas a principio semanal. Depois mensal e por fim uma aqui outra ali. Até o dia que nunca mais recebi noticias suas.

          A vida para mim não tinha mais sentido. Vivia em função da minha filha. Procurava não conversar com ninguém no povoado. Sabia que ninguém iria compreender a minha dor. Sabia sim que todos me condenavam pelo que fiz. Parei de chorar. Não adiantava. Sorria quando Borboletinha sorria. Íamos a todos os lugares onde eu e ele fomos. Até na Montanha dos Pastores. Lá no alto chorei. Borboletinha não entendia. Mamãe – dizia – Não chores! Eu estou aqui!

         Uma manhã de abril bateram em minha porta. Corri. Ele? Não era. Um homem simpático, alegre, com o carro na porta me perguntou se tinha mecânico no povoado. Expliquei que só o Tonico entendia alguma coisa. Agradeceu e se foi. Fui à janela vendo-o ir devagar com seu carrinho. A tarde voltou. Agradeceu. Disse que estava indo para Colatina. Era médico. Iria tomar conta hospital da cidade. Convidei para um café. Do café ficou para a janta e da janta... Nem sei por que fiz aquilo. Seria falta de homem?

        Me pediu em casamento. Rafael Saldanha fez o pedido de uma maneira tão simpática que não recusei. Ele e Borboletinha tinham uma química que até hoje não entendia. Amigos ou pai e filha para sempre?

Venâncio conhecido como o Matador

        Fiquei preso por nove anos. Um dia vi que vários amigos meus ali no presidio foram soltos. O governador assinou um indulto. Nele não fui incluído. Por quê? Perguntei ao Sargento da guarda. Ele não soube responder. Procurei o capitão e ele nem quis falar comigo. Se afastava quando o peguei pelo braço. Queria uma resposta. Me deu um safanão e um tapa no rosto. Retribui com um murro direto no seu nariz. Sangue espirrou. Tirou seu revolver me apontou e atirou. O tiro pegou de raspão no ombro. Tomei dele a arma. Descarreguei na sua cabeça. Porque fiz aquilo? Por quê? Não sei.

       Sai correndo pelo portão e ouvi muitos tiros. Os prisioneiros não ficavam atrás das grades durante o dia. Tínhamos essa regalia. Afinal éramos militares. Consegui chegar à rua. Parei um automóvel que passava. Entrei ameacei e o obriguei a me levar fora da cidade. Próximo a Ponte Queimada desci. Não sem antes pegar sua carteira.  Corri beirando o rio por muitos quilômetros. Avistei um pequeno bote apoitado na margem. Entrei e desci o rio. Muitos quilômetros. Passei um dia e uma noite remando.

          Uma fraqueza enorme. Três dias sem comer. Meu corpo tremia. Sabia que se não colocasse alguma coisa no estomago eu iria morrer logo. Lá pelas oito da noite do segundo dia notei na margem esquerda uma pequena cidade. Desci do barco e caminhei pelas ruas e não vi ninguém. Um ou outro veiculo passava e eu me escondia. Fiquei numa esquina até de madrugada. Já estava amanhecendo. A fome enorme. As ruas desertas ainda. Avistei uma casinha branca, com rosas vermelhas. Lembrei-me de Flor do Campo. Ela gostava. Em nossa casa tinha muitas.

         Bati de leve. Ninguém. Bati de novo ninguém. Insisti e a porta abriu devagar. Um homem barbudo, com um olho parecendo ferido (escorria um liquido escuro) dente cariado me perguntou o que queria. Fome meu amigo. Fome. Não aguento mais. – Suma daqui! Disse. Não me mexi. Vi atrás dele nada mais nada menos que Flor do Campo. Olhos vermelhos, ainda chorava baixinho. Ela me reconheceu. Não disse nada. Falou para o brutamonte que tinha uma sobra da janta de ontem.

          Sem esperar resposta entrei. O sujeito tentou me barrar, mas ela insistiu. Vi que ele tinha uma arma sob a camisa. Eu precisa comer. E logo. Não tinha forças. Vi que ali tinha alguma coisa. Ela estava sendo subjugada. Mas eu não podia reagir. Sentei-me à mesa da cozinha. Logo ela trouxe um pedaço de pão. Comi com gosto. Nem mastigava a comida. Engolia. Meu organismo precisa absorver tudo. Só assim teria forças para pegar o tal de jeito. Não vi Borboletinha. Nem pensava porque Flor do Campo estava ali.

        As forças estavam voltando. O Brutamonte me deu um tapa no pescoço.  – Já comeu que chega! Agora se manda sem bosta! Levantei o garfo na mão esquerda para ele não ver. Enfiei entre seus olhos podres. Ele berrou de dor e não tinha como reagir. Tirei sua arma. Um Colt 45. Dei uma tremenda coronhada na sua cabeça. Tirei seus cadarços. Amarrei suas mãos e seus pés. Flor do Campo me abraçou chorando. Soluçando me contou o que aconteceu.

       Ela tinha casado com o dir. Rafael Saldanha. Moravam naquela cidade há anos. O bandido encontrou a porta aberta. Entrou em luta corporal com Rafael e o matou. Ele esta no quarto lá em cima. Ainda bem que Borboletinha dormiu na casa de uma amiguinha. Ela o abraçou e chorava. Montaram um plano. Ele tinha uma identidade do homem que roubou o carro. Parecia muito com ele. Diriam para o delegado que ele era um primo distante do Dr. Rafael e veio fazer uma visita. Foi atacado. Legítima defesa.

Pamela conhecida como Flor do Campo

       Pamela nunca esqueceu aquele dia. Nunca pensou que isso pudesse acontecer. Achou que seria feliz para sempre com Rafael. Venâncio apareceu. Uma fatalidade. Resolveram fazer uma vida só deles. Ele contou para ela tudo do que aconteceu no presídio. Se ficassem ali poderia ser preso. Ela colocou a casa venda. Ele já tinha partido para Nova Almeida no Espírito Santo. Ela chegou um mês depois. Compraram uma casinha. Na frente Venâncio montou uma vendinha de secos e molhados.

Venâncio conhecido como o Matador

       Venâncio tinha encontrado a felicidade. A mulher que amava e a filha que era seu sonho. Era agora um cidadão honesto naquela cidade e levava uma vida pacata e simples. Sua vendinha não era grande, mas tinham o necessário para viver. Ninguém o procurou. Seu nome não apareceu nos jornais. Achou que o deixaram em paz.

Na Árvore da Vida, Venâncio, Flor do Campo e Borboletinha viveram felizes para sempre!       
Crepúsculo de Outono

O crepúsculo cai, manso como uma benção.
Dir-se-á que o rio chora a prisão de seu leito...
As grandes mãos da sombra evangélicas pensam
As feridas que a vida abriu em cada peito.

O outono amarelece e despoja os lariços.
Um corvo passa e grasna, e deixa esparso no ar
O terror augural de encantos e feitiços.
As flores morrem. Toda a relva entra a murchar.

 Os pinheiros, porém viçam, e serão breve
Todo o verde que a vista espairecendo vejas,
Mais negros sobre a alvura unânime da neve,
Altos e espirituais como flechas de igrejas.

 Um sino plange. A sua voz ritma o murmúrio
Do rio, e isso parece à voz da solidão.
E essa voz enche o vale... O horizonte purpúreo...
Consoladora como um divino perdão.

O sol fundiu a neve. A folhagem vermelha
Reponta. Apenas há, nos barrancos retortos,
Flocos, que a luz do poente extática semelha
A um rebanho infeliz de cordeirinhos mortos.

A sombra casa os sons numa grave harmonia.
E tamanha esperança e uma tão grande paz
Avultam do clarão que cinge a serrania,
Como se houvesse aurora e o mar cantando atrás.

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