O sentimento do avesso
Por te querer tanto
não mais te quero
Por me fazer pranto
não mais espero
Por te querer encanto
não mais me espanto
Meu sentimento é avesso
verso e reverso
acolhimento e arremeço
os dois lados da mesma moeda
amor e ódio no mesmo endereço
Te quero aqui
te quero distante
te recebo em meu leito
te vejo errante
Aconchegada ao teu peito
te desejo amante
não te quero livre e saltitante
te almejo preso ao meu regaço
te encontro no tempo de um abraço
Vá embora
Fique aqui
Não demora
Saia de mim
não mais te quero
Por me fazer pranto
não mais espero
Por te querer encanto
não mais me espanto
Meu sentimento é avesso
verso e reverso
acolhimento e arremeço
os dois lados da mesma moeda
amor e ódio no mesmo endereço
Te quero aqui
te quero distante
te recebo em meu leito
te vejo errante
Aconchegada ao teu peito
te desejo amante
não te quero livre e saltitante
te almejo preso ao meu regaço
te encontro no tempo de um abraço
Vá embora
Fique aqui
Não demora
Saia de mim
Úrsula de Almeida Vairo
A vingança de Chico Mortalha.
Chico Mortalha, o matador.
É uma história que me foi
contada por um amigo um dia quando chorávamos a vida em um botequim de uma
esquina na Rua do Machado. Eu estava quase dormindo quando ele começou. Não sei
por que bebia, não era um ébrio isto não. Pode ser que minha vida acabou de
pronto quando perdi meus pais em um desastre de avião. Solteiro, dependente dos
dois sofria calado sua perda. Os amigos me consolaram por uns tempos depois me
esqueceram. Mas minha dor continuava. Sem emprego parei de estudar. Agora que
ninguém poderia se interessar por mim bebia aqui e ali. Um ébrio sem motivo
aparente a chorar um passado que já devia estar morto há muito tempo.
Gastei o que meu pai tinha
de reserva e aos poucos vendi tudo que tinha. Mas eu parei de chorar quando
conheci Neco. Um amigo verdadeiro. Foi ele quem me contou a história de Chico
Mortalha e Tininha, a gostosa. Não foi uma história de mil e uma noites, não
poderia ser. Foi uma história contada de arredo em duas ou três noites e talvez
fosse à história que transformou a minha vida, pois resolvi ser escritor.
Escritor? Risos, nem pense nisso. Andei escrevendo tanto e ninguém se
interessou. Coloquei no papel tudo que o Neco contou. Publiquei em um blog.
Poucos leitores e não desisti. O conto do Chico Mortalha se transformou em um
incentivo. Um dia alguém disse que seria ótimo escrever um livro. Assim o fiz,
mas quem publicaria? Mas deixemos esta trilha do conto, pois aqui vamos contar
é a vida de Chico Mortalha.
Nasceu de família simples,
pai professor e mãe dona de casa. Aos três anos descobriram que ele era gago.
Muito. Falava com extrema dificuldade. Seu nome verdadeiro era Simplício da
Anunciação Louzeiro. O apelido veio depois. Muito depois quando ele matou a pedradas
seu primeiro desafeto. Chico à medida que crescia evitava falar. Via o
semblante dos outros a rirem dele e isto ele odiava. Até os onze anos de idade
brigou muito. Chegava sempre em casa com as roupas em farrapos. Aos doze ao
voltar do colégio uma turma começou a gritar e a zombar dele pela sua
incapacidade de falar direito. Lá vai o gago! Xô Gaguinho! Risos e risos. Chico
pegou uma pedra e arremeçou na multidão que troçava dele. A pedra pegou bem na
testa de Leandrinho que morreu na hora.
Durante muito tempo
ficaram longe dele. Claro era menor de idade e o delegado admoestou sua família
para olhar melhor o filho e educá-lo conforme os preceitos cristãos. Mas tudo
na vida tem uma razão de ser e um recém-chegado da capital achou que poderia
troçar de sua gagueira. Mais um morto. Desta vez a faca. Levaram-no preso. Com
medo de linchamento foi transferido para a penitenciária estadual até o
julgamento. O camburão sofreu um acidente na estrada e todos morreram menos
Chico Mortalha. Chico resolveu que não iria preso mais. Só morto. Fugiu para
outro estado. Lá começou a trabalhar como servente de pedreiro. Por pouco tempo
é claro, pois mandou para o inferno um companheiro que morava com ele em um
quartinho e achou que ele era “viado”.
Dai para matador foi um
pulo. Era um matador que ninguém conhecia. Só um sabia como ele era. Seu
padrinho Malecio. Padrinho? Risos, nada disto. Conhecia seu segredo quando
mandou para a cova o amigo de quarto. Ofereceu um serviço, dois, três e agora
tinha perdido a conta. Tornou-se um matador famoso entre os bandidos e até
entre grandes homens da sociedade que não hesitavam em lhe pedir um
trabalhinho. Ganhou muito dinheiro. Guardava tudo em poupança em diversos
bancos. Assim era mais fácil diversificar e não ser identificado. Um dia se
encheu de tudo. Falou para seu padrinho que não mais iria matar. Ia mudar de
vida. Malecio riu. Duvido – disse. Mas Chico Mortalha sumiu no mundo. Foi parar
em uma cidade lá perto de Alta Floresta no Mato Grosso em um pequeno povoado de
menos de cinco mil habitantes chamado Martelo.
Abriu um pequeno bar, e fez
muitos amigos. Falava pouco. Alguns acharam que era mudo. Tinha medo de sua
gagueira. Gostava de sua nova vida. No fundo do bar construiu uma pequena
vivenda e lá tinha uma sala, uma cozinha, um quarto e tudo que ele precisava
para viver tranquilamente. Comprou muitos livros e passou a ler sem parar. No
bar sempre tinha um embaixo do balcão. Isto o ajudou muito. Através dos livros
conheceu lugares, viajou pela Europa, Ásia, Oceania, e Américas. Notou que sua
gagueira diminuía. Chico Mortalha se transformou. Um simples homem um emérito
matador agora era bem quisto na cidade. Até o delegado se dizia amigo o que ele
matinha um pé atrás. Tudo ia bem, mas sua vida não tinha jeito. A desgraça não
tardou a se aproximar novamente.
Tininha quando subia a Rua
dos Macacos todos paravam. Vai ser gostosa assim no inferno diziam os homens. Tininha
estava agora com dezesseis anos. Olhe Tininha era indescritível. Era a mulher
mais gostosa de Martelo. Quando ia a Alta Floresta era comum batidas de carros,
mulheres querendo dar uma sova nela, maridos sendo beliscados pelas esposas,
noivados desmanchados. Incrível! Mas olhe, tente analisar Tininha. Coxas
grossas lisas queimada de sol. Um metro e sessenta bunda redonda arrebitada.
Não tinha barriga e um belo par de seios que ela fazia questão de deixar à
metade a mostra. Sempre usou uma microssaia. Sempre de cor berrante. Vermelha,
amarela, rosa e sapatos altos. Lábios carnudos um olhar profundo reluzente como
se fossem duas enormes jabuticabas. Um cabelo comprido pintado de vermelho dava
o tom lascivo que ela completava em tudo que tinha em volta de si.
Quando Tininha fez doze
anos sofreu uma tentativa de estupro por parte de seu tio. Ele entrou no seu
quarto e a viu trocando de roupa. Estava sem calcinha e seu púbis apesar da
idade, era espesso, liso e brilhante. Isto colocava qualquer um de “pau duro”
na hora. E foi isto que aconteceu. Ele tentou conversar e ela gritou. Mesmo com
o pinto para fora ela se recusou a pegar e não parava de gritar. Seu pai
chegava a casa e ouvindo os gritos correu para seu quarto vendo a cena dantesca
de um estupro no seu inicio. Seu tio pulou a janela e sumiu da cidade. O pai de
Tininha nervoso não aguentou olhar para a filha seminua com aquele púbis lindo,
aqueles seios desabrochando e saiu rápido dali com o pau subindo por dentro da
calça.
Tininha cresceu. Sabia que era gostosa. Não
escondia. Que os outros olhassem suas coxas, seus seios, seus lábios carnudos e
seus olhos negros enormes e brilhantes. Todos que a olhavam diziam que dariam
tudo para uma noite com ela. Mas ninguém sabia se ouve alguém que comeu a
Tininha. Um dia o filho do seu Antônio do armazém, metido a Doutor, pois
tentara se formar com advogado e não conseguiu, falou aos quatro ventos que
tinha comido a Tininha. Não deu outra. No sábado na praça, à noite no “foot”
Tininha aproximou dele e o chamou de tudo. Viado, fresco, filho da puta, você
comeu sua mãe e nunca encostou a mão em mim. Punheteiro sem vergonha! Realmente
Tininha era virgem. Nunca pensou em dar para ninguém a não ser para seu
príncipe que um dia sabia que ia encontrar.
Continuava na escola.
Terminou o segundo grau e tentava um emprego na farmácia do Seu Thadeu. Mas
quando foi conversar com ele viu que suas calças se avolumaram. Mais um de pau
duro pensou. Desistiu. Pensava em ir embora de Martelo. Nem Alta Floresta
serviria para ela. Melhor ir para longe. Se todos a achavam gostosa e ela sabia
que era porque não aproveitar na capital em algum programa de televisão? Mas
precisava dos dezoito anos. Dezesseis não davam. Agora evitava andar muito
pelas ruas de Martelo. Sabia que se facilitasse seria estuprada em qualquer
canto. Mas como disse antes a vida tem os caminhos traçados. O de Tininha era
só um. No sábado foi à padaria quando ao passar em frente ao bar do Chico
Mortalha três jovens da cidade começaram a esfregar e passar a mão na bunda
dela. Belisca aqui, aperta dali e soltaram sua blusa que sem sutiã os seios
apareceram em todo seu esplendor.
Tudo aconteceu muito
rápido. Tininha correu para dentro do bar. Chico Mortalha não gostou dos
rapazes agindo daquela maneira. Tentou “maneirar” aconselhar, mas um deles o
mandou “tomar no rabo”. Foi à conta, Chico Mortalha o pegou pelo colarinho e o
arremessou fora do bar. O danado caiu como uma banana podre na rua. Os outros
tomaram as dores e avançaram em direção a ele. Chico Mortalha era um matador.
Treinado para matar. Matava a tiros, faca ou punhal e era mestre com as mãos. Ninguém
sabia do perigo que corria. Na carótida de um ele partiu seu pescoço e do outro
pegou no seus ovos apertou e quando os olhos esbugalharam ele meteu os dois
dedos e os olhos saltaram para fora. Uma gritaria sem sessar. Dois mortos. Um
aleijado. Ninguém mais no bar para testemunhar a não ser Tininha, a gostosa.
Tininha chorava e via Chico
Mortalha espantado com tudo. Tentou agradecer, mas sua voz não saia. Pegou na
mão de Chico Mortalha e beijou. Ao beijar sentiu seu cheiro e sabia. Chico
Mortalha era seu príncipe. Era o seu homem esperado. O abraçou e lhe deu um
longo beijo. Gritou para ele antes que a policia chegasse que ele não deixasse
de procurá-la. Ele era seu homem e ela não queria perde-lo. – Estou indo para
Alta Floresta, espero você lá na Rua dos Cabritos 44. Tenho uma amiga lá. Não
falte eu te amo muito!
Chico Mortalha o matador
sabia que tinha de sumir. Afinal os dois mortos eram gente fina da cidade. Só
deu tempo para ele pegar umas roupas, dinheiro que tinha guardado e sumiu no
meio do mato e dali em diante ninguém nunca mais o viu. Um dia apareceu na
cidade um homem engravatado dizendo ter uma procuração sua. Vendeu tudo. E
sumiu de novo da cidade. Tudo deu certo agora na vida de Chico Mortalha. Na rua
dos cabritos encontrou Tininha, a gostosa. A beijou como nunca tinha beijado
uma mulher. No melhor Motel da cidade ele a comeu saboreando cada pedaço. Assim
como ela ele também era virgem. Ficaram se amando por uma semana. Ele não saia
de cima dela. Arrumou em Vargem Alegre, uma cidade próxima ao Rio de Janeiro um
homem que lhe fez documentos novos para ele e ela. Agora ele se chamava Paulo
Roberto Santini e ela a senhora Vanessa Santini. Claro tinham se casado.
Conseguiram um visto para os Estados Unidos e lá se radicaram.
Em Sacramento na Califórnia
ele abriu um minimercado. Tininha era sua companheira em todas as horas.
Continuava gostosa, mas agora se vestia pudicamente. Iam à igreja pentecostal,
aprendeu inglês, e hoje seus quatro filhos são a alegria do lar. Não sei se
eles ainda moram lá. Soube que um pé rapado morador do Martelo os viu na rua
principal e os chamou. Nunca mais voltou para sua terra e sumiu naquele enorme
estado americano. Se Chico Mortalha deu um jeito ninguém sabe. Claro, cinco
anos depois acharam após uma tempestade de areia no deserto de Mojave uma
caveira cheia de buracos de bala.
Neco parou de contar.
Disse que esta era a história. Claro que dei um toque de escritor. E quem não
dá? Foi a minha primeira história que nunca esqueci. Foi meu inicio nas sendas
da escrita e hoje tenho oito livros publicados. Dizem que sou famoso. Não sei. Para
dizer a verdade um dia em visita aos Estados Unidos fui a Sacramento, mas nem
sinal de Chico Mortalha. Uma cidade grande como aquela não seria fácil. Uma
agulha no palheiro. Um tarde quando saia de um cinema em um shopping vi uma
garota morena, com uma micro saia colorida, pernas morenas lindas, uns seios de
tirar todo mundo do sério, uns lábios carnudos, olhos negros brilhantes,
cabelos vermelhos longos e esvoaçantes de braços dados com um cara magrinho,
caolho, boca murcha, andava mancando e até ri dele quando observei ao seu lado
um homem grande, bigodudo, dentes de ouro que todos chamavam de Don Castilho e
cercado de capangas todos armados. Levei o maior susto me mandei e sai correndo
quando ela gritou – Chico Mortalha! Onde você deixou o carro?
Tercetos
Noite ainda, quando ela me pedia
Entre dois beijos que me fosse embora,
Eu, com os olhos em lágrimas, dizia:
“Espera ao menos que desponte a
aurora!
Tua alcova é cheirosa como um ninho...
E olha que escuridão há lá por fora!
Como queres que eu vá triste e sozinho,
Casando a treva e o frio de meu peito
Ao frio e à treva que há pelo caminho?
Ouves? é o vento! é um temporal desfeito!
Não me arrojes à chuva e à tempestade!
Não me exiles do vale do teu leito!
Morrerei de aflição e de saudade...
Espera! até que o dia resplandeça,
Aquece-me com a tua mocidade!
Sobre o teu colo deixa-me a cabeça
Repousar, como há pouco repousava...
Espera um pouco! deixa que amanheça!"
E ela abria-me os braços. E eu ficava.
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