Que Amor Fez sem Remédio, o Tempo, os
Fados?
Depois de tantos dias mal gastados,
Depois de tantas noites mal dormidas,
Depois de tantas lágrimas vertidas,
Tantos suspiros vãos vãmente dados,
Como não sois vós já desenganados,
Desejos, que de cousas esquecidas
Quereis remediar mortais feridas,
Que amor fez sem remédio, o tempo, os Fados?
Se não tivéreis já longa exp'riência
Das sem-razões de Amor a quem servistes,
Fraqueza fora em vós a resistência.
Mas, pois por vosso mal seus males vistes,
Que o tempo não curou, nem larga ausência,
Qual bem dele esperais, desejos tristes?
Hacienda Rosa... de Cimarron.
- Deveria ser o
nome que eu coloquei quando meu pai morreu e eu assumi a fazenda. De onde vim?
Não importa. Não é isto que vais escrever. Coloquei Fazenda Santo Eulálio. Mas
ele com aquela alegria, com aquele olhar que me conquistou no primeiro minuto
que nos conhecemos, pediu para mudar. Eu ria dele. Mudar para que meu amor?
Para ficar igual a você. Hacienda Rosa... de Cimarron. Porque não? Pensei. Afinal
ele era o homem da minha vida. O amei no dia que o conheci e até hoje nunca deixei
de amá-lo. Não tive outro e nunca terei. Ele não tem substituto. Foi único. Uma
paixão que durou muito tempo mas ele se foi. Chorar hoje não choro mais. Ele
era um amante perfeito. Vivia sorrindo, cantava e olhe tinha uma linda voz. –
Hacienda e Cimarron disse, foi de um livro que tinha lido.
Disse-me que
Cimarron significava Cavalo selvagem. Eu sou assim? Ria dele. Melhor completou
quem sabe os valentes selvagens que fugiram para a montanha dos pássaros
dourados? Comprou uma cópia do livro Cimarron e me trouxe para ler. Uma
história que me emocionou muito. Quando à placa foi colocada no novo pórtico
que ele mesmo fez com as próprias mãos, olhou de todos os ângulos, deu um belo
sorriso e tirou a foto do século com aquela máquina que dava um apito e uma luz
forte pipocando. Claro, em preto e branco. Em 1921 poucos tinham uma melhor que
aquela. Eu já estava com vinte e um anos. – Não se assuste. Claro que tenho
mais de cento e dez anos. E ela ria. E como ria!
Eu estava com
ela a mais de dois meses. Não sei como me descobriu no meu escritório diminuto
no Bairro da Penha em São Paulo. Eu publiquei no meu jornal que fazia trabalhos
de biografia e como “Biógrafo” já tinha escrito a vida de muita gente. Ela
queria escrever sua história. A principio ir para aquele fim de mundo não me
entusiasmou muito. Mas o que me ofereceu não era de se jogar fora. Aceitei.
Pedi demissão do meu emprego no Jornal A Voz do Brasil e parti. Lembro que
quando cheguei a Vale Feliz todos se assustaram comigo. Claro, cheguei de terno
cinza, uma gravata vermelha com bolinhas azuis e somente uma valise de mão,
pois achei que não ficaria mais que dez dias. Fui de ônibus. Tinha um carrinho
mas não resolvi arriscar. Uma mulher como ela não teria muito a contar. Claro
não foi ela quem me contratou. Foi através da firma Astolpho Advogados da
capital. Eu já sabia quem eram. Famosos e reconhecidos como um dos melhores
escritórios de advocacia do país. Disseram que seria por dois meses. Mais de
cem mil reais para escrever a história dela. Puxa! Valia tanto assim?
Na cidade
fiquei surpreso. Poucos a conheciam de perto. Fiz dela uma fazendeira bronca e
pé de chinelo. Seu nome era conhecido de norte a sul da cidade e redondezas.
Mas só o nome. De perto poucos tiveram esta honra. Diziam que seus avós já a
conheciam antes de morrer. Não ia a cidade desde 1946. Desde que marido
faleceu. Mais de sessenta anos. O farmacêutico Nando me disse que ela tinha ido
lá com ele nesta data para assistir um foguetório da virada do ano. Foi uma
festa na cidade a presença dela. Sempre foi motivo de especulação. Todos não
tiravam os olhos dela e o padre nunca se queixou. Na igreja não faltava nada.
Disseram-me também que era riquíssima. De onde veio o dinheiro ninguém sabia.
No banco da cidade não tinha nada. Não criava gado e nem tinha nenhuma
plantação. Sabiam que lá na Hacienda havia jagunços prá todo lado. Ninguém
entrava sem permissão. Nicodemos um "Velho" que encontrei na praça me
disse que ela era linda. Uma mulata para ninguém botar defeito Não soube
descrevê-la. – Faz tempo meu amigo, muito tempo.
Especulei o
máximo que pude a respeito dela na cidade. Mas quase não sabiam de nada. Não
entendia como uma mulher que morava ali há tantos anos ninguém a conhecia? Para
dirimir dúvidas fui à delegacia.
Dr. Manuel o delegado, um homem educado pouco me contou. Falou-me que há quinze anos quando chegou foi fazer uma visita. De cortesia. Não passou da porta. Não há viu. Um jagunço de nome Dente Cariado não o deixou entrar. Nunca mais voltou. Procurei um taxi que me levasse até a Hacienda. Ninguém quis me levar. Pio XII soube que queria ir lá. Ofereceu-me sua charrete. Disse-me que o chamavam assim por se parecer com o “papa que morreu” Necas. Nem passava perto. Risos. Viajamos por mais de quatro horas. Estrada poeirenta. Tão logo ao passarmos pelas corredeiras do Bom Pastor ele me disse que já eram terras dela. Agora sentia que tudo mudou. A estrada era forrada de pedras bem postadas. Sem poeira, dos dois lados plantaram Ipês de todas as cores. Achei que quando florissem seriam um espetáculo digno de se ver. Andamos quase duas horas e meia até chegar ao pórtico da entrada.
Dr. Manuel o delegado, um homem educado pouco me contou. Falou-me que há quinze anos quando chegou foi fazer uma visita. De cortesia. Não passou da porta. Não há viu. Um jagunço de nome Dente Cariado não o deixou entrar. Nunca mais voltou. Procurei um taxi que me levasse até a Hacienda. Ninguém quis me levar. Pio XII soube que queria ir lá. Ofereceu-me sua charrete. Disse-me que o chamavam assim por se parecer com o “papa que morreu” Necas. Nem passava perto. Risos. Viajamos por mais de quatro horas. Estrada poeirenta. Tão logo ao passarmos pelas corredeiras do Bom Pastor ele me disse que já eram terras dela. Agora sentia que tudo mudou. A estrada era forrada de pedras bem postadas. Sem poeira, dos dois lados plantaram Ipês de todas as cores. Achei que quando florissem seriam um espetáculo digno de se ver. Andamos quase duas horas e meia até chegar ao pórtico da entrada.
Era lindo o
pórtico. Enorme. Cavaram um fosso para parecer um castelo. Cortaram a mão duas
toras enormes. Escrito a fogo – Hacienda Rosa... De Cimarron. Dezenas de casinhas
pequenas que deveriam ser dos colonos começaram a aparecer. Limpas, com cercas
brancas e a maioria com muitas flores. As crianças eram educadas. Não se viam
nenhuma delas sem camisa, sujas ou descalças. Corriam de um lado ao outro para
me ver. Os colonos tiravam o chapéu com minha passagem. Parecia que estava
entrando em outro mundo. Já estive uma vez nos Urais, atravessei as
cordilheiras e ao norte do Cazaquistão fiquei dois dias na ilha de Nova Zembla.
Lembrei que lá os habitantes abaixavam a cabeça com nossa passagem e as
crianças corriam para beijar as mãos. Mas não trago boas lembranças de lá.
Principalmente quando atravessei ao sul dos Urais o rio Samara. Mas esta é
outra história que não vou contar aqui.
Ao
aproximarmos da Hacienda dois pistoleiros vieram me receber. Quem os visse não
iriam dizer ser pistoleiros. Todos vestidos a caráter de terno e gravata e o
indefectível quarenta e cinco na cintura. Já sabiam da minha chegada. A
Hacienda era linda. Enorme. Parecia uma daquelas onde viviam os donos de
Capitanias Hereditárias com todo luxo e conforto como se estivessem em algum
palácio europeu. Era tão grande que calculei ter mais de vinte quartos e muitas
salas. Na escada de acesso a varanda da casa um homem enorme, cabelos longos
prateados, botas de cano longo, um vasto bigode e sem barba, mas com uma
quarenta e cinco pendurada no quadril veio me receber. Também a caráter. Os
ternos pareciam iguais. Bem vindo Senhor. Vamos entrar. Eu sou o Dente Cariado.
Dona Rosa logo que puder vai encontrar com o Senhor. Deixe-me acompanhá-lo até
os seus aposentos. Dente Cariado? Só se ele tivesse dentadura, pois seus dentes
eram brancos e alvos.
Passei por duas
salas, e vi com espanto duas enormes escadarias que brilhavam ali naquele lusco
fusco da manhã. O chão de mármore era ou pelo menos parecia cravejado de pedras
preciosas. Os moveis deu para ver eram no estilo Luiz XV. Como tinha algum
conhecimento de móveis antigos só uma estante que ali estava tinha certeza que
precisaria trabalhar por mais de vinte anos para comprar uma. E os quadros que
vi na parede? Sem parecer esnobe mas lá estava um Van Gogh, Retrato de Dr.
Gachet. Vi também um Cézanne que não lembro o nome, O Bau au moulin de la
galete de Reonir. Mar au Chat de Picasso e para completar o Le massacre des
innocents de Rubens. Incrível os poucos que vi valeriam milhões e milhões de
dólares.
Meu quarto
caberia tranquilamente cinco casas iguais a que eu morava. Enorme. Uma cama no
estilo renascentista italiana, enorme gigante mesmo e muito macia com decoração
e paredes forradas de tecido. Nossa nunca vi tanto luxo. Como uma mulher teria
condições financeiras para manter uma Hacienda como aquela? Para que? Não
recebia visitas e pelo que soube eu fui um dos poucos que adentrou ali nos
últimos quarenta anos.
Fiquei dois dias perambulando pela fazenda. Ela não apareceu. Tinha
livre acesso a tudo. Adorei a Capela ao lado da Casa Sede. Parecia ter sido
forrada a ouro e cheia de pedras preciosas. As refeições fazia sozinho. Sempre
acompanhado de longe por Dona Nair e um jovenzinho vestido a caráter que servia
como os melhores garçons do mundo. Deliciosas as sopas que ela fazia. Dona Nair
cozinhava divinamente. Quase não via Dente Cariado, mas sabia que ele me
observa o tempo todo. Já estava me cansando daquilo. Fui ali para trabalhar e
até agora nada.
Na manhã do sexto
dia bateram na porta do meu quarto. Abri. Dente Cariado solenemente me disse
que Madame Rosa iria me receber as onze em ponto no Salão de Cristal. Ufa!
Parece que iria começar minhas tarefas para qual fui contratado. Tomei um
banho, coloquei meu melhor terno e pus uma gravatinha borboleta com desenhos de
flor de lis. Desci as escadarias e logo Dente Cariado me pediu para segui-lo.
Atravessamos duas salas e adentrei em outra enorme. Uma verdadeira biblioteca.
Teria ali no mínimo trinta mil livros. Que mulher é essa? Como poderia
encontrar tanto luxo e tanta riqueza em uma fazenda do sertão de Goiás? Dente
Cariado me pediu para sentar em uma poltrona no canto da parede, de frente a
outra bem menor, ambas de madeira de lei pura, forrado com cetim escarlate. Uma
musica suave adentrava ao Salão de Cristal. Tentei saber qual seria mas era tão
linda que não a identifiquei de imediato.
Estava ali
inebriado com tudo. Dente Cariado interrompeu minha “mise-en-scène” para anunciar
solenemente a Senhora Rosa de Cimarron. Cimarron? Tinha adotado este sobrenome?
Levantei-me, olhei para ela, meu Deus! Nunca tinha visto uma mulher assim.
Deveria ter mais de um metro e setenta e cinco. Linda e olhe me disse ter mais
de cento e dez anos. Não podia acreditar. Seu rosto não tinha rugas, seu cabelo
avermelhado estava embranquecendo o que deva um aspecto maravilhoso a todo o
seu corpo. Seus lábios grossos e seus olhos negros me colocavam em frente a uma
estátua de alguma deusa grega que nunca tinha visto, mas que sem sombra de
duvida eu se pudesse a levaria ao Olimpo para ficar junto às demais. Vestia
simplesmente. Uma camiseta branca com gola, um lenço azul celeste amarrado ao
pescoço e um jeans azul desbotado. Não daria para ela mais que uns cinquenta ou
sessenta anos.
Cumprimentou-me
simplesmente com um sorriso encantador. Quando apertei suas mãos vi uma mão
macia sem rugas. Entrou logo no assunto do motivo de me ter contratado. Queria
fazer sua biografia. Disse-me que um Diretor de cinema uma vez se encantou com
ela. Ele queria por que queria conhecer minha Hacienda. Estávamos em um barco a
vapor descendo o Rio Mississipi. Chegou a me pedir em casamento. Ficamos juntos
por alguns meses. Em Nova York o deixei. Queria mandar em mim. Não me conhecia.
Antes de partir insistiu que escrevesse sobre minha vida. Ia fazer um filme.
Achei a ideia interessante. Mando minha biografia. Mas o filme só depois de
minha morte. E olhe completou. Acreditando em você, farei um deposito em seu
nome de quarenta milhões de dólares que só pode ser retirado após minha morte e
com fins específicos para o filme. Não disse mais nada. Não tinha o que dizer.
Ela estava me pagando cem mil reais para escrever. E fui ali para isto. Assim
começou meus dias com Madame Rosa. Dias que até hoje não esqueço e acredito que
nunca mais vou esquecer.
Resumindo. Era
filha de uma índia com um Capitão português da Bandeira de Borba Gato. Ela foi aprisionada
e feita escrava dele. Uma época que ninguém discutia estes atos. Sua mãe morreu
quando ela tinha dois anos. Seu pai resolveu deixar a bandeira. Arranchou em
Jaciara no sul de Goiás e ali tomou algumas terras para sí. Ela cresceu. Ficou
moça. Ainda sem conhecer rapazes e nenhuma cidade próxima. Seu pai a prendia
muito. Sua vida mudou depois que ele morreu. Então me contou um segredo que me
fez jurar de não contar para ninguém. Deveria constar em sua biografia. Só
iriam saber depois de sua morte. Ela deu um lindo sorriso e me disse – Se
alguém souber meu amigo, você estará morto no outro dia. E riu novamente. Eu
não duvidava.
- Meu pai
tinha morrido e eu já estava com dezenove anos. Moça ainda sem saber o que
fazer. Nossa casa era humilde. Tinha dois quartos uma sala e uma cozinha, mas
era uma tapera. Uma noite um trovão anunciou uma enorme tempestade. Sempre tive
medo e corri para meu quarto. Um raio entrou pela janela e abriu um enorme
buraco no chão. Eu gritava e pedia a Deus para me ajudar. Assim como começou a
chuva parou. Olhei o buraco. Enorme. Uma escada apareceu. Isto mesmo. E agora?
Chamar quem? Morava sozinha. Não tinha vizinhos próximos. Meu pai me ensinou a
plantar, caçar e pescar. Vivíamos assim. Tomei coragem. Com um lampião enorme que
tínhamos desci as escadas. Acredito ter descido por meia hora ou mais. Nem sei
onde tive aquela coragem. A escada terminou em um enorme salão. Estava
iluminado. Luz elétrica? Já tinha ouvido falar mas não conhecia.
Notei uma
serie de máquinas esquisitas. Sem querer toquei em uma. Uma mulher apareceu na
minha frente. Era um fantasma só podia ser. Só depois de muito tempo fiquei
sabendo que era uma holografia. Aos poucos ela foi me explicando tudo. Mandou-me
colocar uns fios na cabeça. Aprendia rápido. Em pouco tempo aqueles
computadores não tinham segredo. Não vou dizer para você tudo que fiquei
sabendo deles. Ou seja de onde vieram e para onde foram. Mostrou-me um pequeno
túnel. Disse que estava cravejado de diamantes. Sabia o que era um. Meu pai
passou uma vida correndo atrás deles. Em alguns meses retirei uns dez. Não
precisava de mais. Só aqueles valeriam milhões e milhões de reais. Assim
começou tudo. Sem ninguém me ver fui a cavalo até Jaciara. Peguei um ônibus até
Goiânia. De lá um avião para São Paulo. Claro que conhecia tudo e sabia de tudo
através dos fios que coloquei em minha cabeça e em pouco tempo dominava sem
problemas os conhecimentos de muitos e muitos anos que outros precisavam para
saber o que eu sabia.
Vendi os
diamantes. Em Goiânia conheci Dente Cariado. Fiz dele meu confidente e meu
administrador. Ajudou-me em tudo para fazer desta fazenda uma que não tinha
igual em todo o país. Mandei vir da França todos os móveis. Tudo que tem aqui
veio de avião direto. Você ainda não viu mas tenho um pequeno aeroporto atrás
das Colinas do Caçador. Ele está preparado para receber aviões até de médio
porte. Aprendi através dos fios na cabeça como viver mais. O que comer, como
tratar meu corpo. Estou agora com cento e doze anos. Pelo que eu saiba ainda
posso viver mais uns vinte. Vamos ver. Foi então que ela me levou até uma sala
pequena com uma porta de aço. Pediu-me para ficar afastado. Olhava a porta e ela
se abriu como um passe de mágica. Se fosse pelos olhos ninguém nunca abriria
aquela porta. A escadaria levava ao salão dos sonhos. Fiquei embasbacado. Um
salão enorme. Cheio de parafernálias e fios. Um computador central não muito
grande ocupava boa parte do salão. Vi que ele se matinha sempre ligado. Ela
agora não teclava mais. Conversava com ele e ele obedecia a suas ordens.
Por favor, não
riam de mim. Sei que dirão que em termos de ficção eu ultrapassei as raias da
sanidade. E o túnel dos diamantes? Incrível! Centenas ou milhares deles.
Brilhavam tanto que não precisava de nenhum tipo de energia. Tudo aquilo para
mim era fantástico. Poderia ficar aqui horas discorrendo de tudo que estava
vendo, mas não quero fugir do tema principal. Durante dois meses só falamos no
salão dos sonhos onde poderia ser sem sombra de duvida uma cidade dos sonhos.
Quem sabe ali seria uma replica de Xangri-lá. Pelo menos a Senhora Rosa de
Cimarron tinha descoberto a fonte da juventude. Todos os dias ela mandava me
chamar e passeando pela Hacienda conversando percorríamos grandes distancias do
enorme jardim que havia atrás da casa sede. Olhe jardim imenso. Ela riu de meu
espanto e disse que mandou fazer uma réplica dos jardins de Versalhes na
França. Mandei um arquiteto lá só para isto. Treinei posseiros fora da Hacienda
só para o jardim. Era lindo mesmo.
- Riosvaldo,
amanhã vamos viajar. – Onde? Perguntei – Vamos percorrer meio mundo. Quero que
conheça algumas propriedades que tenho por aí. – Bem eu estava ali para isto.
Já tinha preenchido bem umas trinta paginas em uma pequena maquina de escrever
que ela me deu. Sairemos cedo. É melhor que saiba antes. Não tenho carro e nem
aviões em lugar nenhum. Não quero, se os tivesse sempre teria pessoas que
poderiam de uma forma ou outra bisbilhotar como vivo e o que faço. Para isto
sempre alugo os veículos que preciso. Não eram nove da manhã e um Jatinho
pousou no aeroporto da Hacienda. Parecia que os pilotos já a conheciam. – Ela
deu suas ordens – Vamos para Aguascalientes, no México. Algumas horas de
viagem. Um luxo meu Deus! Uma aeromoça nos servia o que quiséssemos. Não
descemos em Aguascalientes. Mais adiante na Estancia Alfonso. – É minha. Comprei depois que Alfonso morreu.
– E quem foi Alfonso? – O homem que amei e que jurei nunca mais amar outro.
Então este
era o grande amor de Rosa de Cimarron. A estancia era linda. Vieram recebê-la
com honras. Não eram muitos. Um mordomo de Nome Delito, uma cozinheira e duas arrumadeiras.
Nem entramos e ela me levou até o pé de uma montanha. Que coisa maravilhosa.
Toda florida de Ipês de todas as cores. – Foi aqui que o vi pela primeira vez.
Ele estava filmando. Fiquei estarrecida. Não era o homem mais lindo que conheci,
mas seu olhar! Meu corpo tremeu. Perdi a voz. Apresentou-se e olhe uma voz de
barítono. Não vou entrar em detalhes, mas em dois dias nos casamos em
Aguascalientes. Casamento simples. Durou enquanto durou. Ele foi um homem que
me disse coisas lindas e nunca tinha ouvido dos lábios de outro homem. – Sabes
Rosa, queria ser uma lágrima para nascer em seus olhos. Rolar entre suas faces
e teus lábios beijar. – Difícil você resistir. – Um dia ele me disse: - Fale
comigo sempre que você estiver triste. Mesmo que eu não consiga lhe trazer a
felicidade eu lhe darei o meu amor!
Aqui nesta
encosta do Morro Das Flores ele me beijou. Meu primeiro beijo. Não resisti. Possuiu-me
ali no chão, entre as pétalas dos ipês roxo, amarelo e não sei mais quantas
cores. Andei com Rosa de Cimarron por todo o vale. Vi lágrimas em seus olhos.
Não chorou, mas um pequeno soluço deixou escapar. Não ficamos muitos dias em sua
instância. Novo destino: Suíça, mais precisamente na Basileia. Um helicóptero
nos levou até os Alpes e conheci mais uma de suas propriedades. Um chalé
enorme. Também com quatro funcionários. Todos a reverenciavam. Sentamos na
varanda com uma enorme lareira acesa. Contou como ali viveu por cinco anos com
Alfonso. Alí aprendeu a esquiar. Mais uma viagem, desta vez em Orleans, uma
pequena cidade francesa as margens do Rio Loire. Um castelo! Isto mesmo! Um
enorme castelo era dela. Não sei por que comprou tamanha propriedade. Lá tinha
mais de dez funcionários. Estava intacto. Também me disse que morou ali seis anos
com Alfonso. Acho que ela queria lembrar-se do passado e me levou para conhecer
suas propriedades no mundo.
Ela mesma me
disse que possuía propriedades em Portugal, Espanha, Itália, e em São Petersburgo
na Rússia. A que ela mais gostava de ficar era nos Estados Unidos. Voamos para
lá. Sempre foi o amor de Alfonso. Um grande rancho no Texas. Mais precisamente
próximo a El Paso. Suas terras banhavam mais de seis quilômetros do Rio Grande.
Enorme. Alí ela criava gado nelore. Dizia ter mais de vinte mil cabeças. Não
precisava disto. Não pretendia em nenhuma de suas propriedades ter retorno
financeiro. Mas foi Alfonso quem quis. Ele adorava ver o mar de chifres pelos
campos. Todos os anos eles passavam pelo menos quatro meses ali no Rancho
Cimarron. Ele assim também o chamou. Fiquei pensando que amor era este. Um amor
de entrega total. Ela comprava tudo e podia ter quantos homens quisesse, mas se
apaixonou por um homem que só podia dar ela muito amor e mais nada.
Ficamos fora
quatro meses. Nunca a vi telefonar para ninguém. Parecia que ela sabia quem
contratava. Não faziam perguntas. Quando vem e quando vai. Em Nova Yorque ela
tinha um enorme apartamento de cobertura de frente para o Central Park. Ficamos
lá um mês. Na viagem de volta ficou calada até chegar a Hacienda Rosa... De
Cimarron. Durante dois meses não me procurou. Dente Cariado quando perguntei me
disse – Quando ela quiser te chama. E mais não disse. Pensei em ir até Vale
Feliz para dar uns telefonemas. Já estava fora de São Paulo há mais de seis
meses. Para uns amigos disse que ficaria por dois meses. Não me deixaram sair.
Entendi que era um prisioneiro com direitos de ir e vir, mas dentro da
Hacienda. Em um domingo Dente Cariado me chamou. – Madame Rosa de Cimarron vai
falar com o Senhor. Por volta de seis horas da tarde. Na capela da Hacienda. Por
favor, não atrase. Faltando cinco minutos para as seis já estava lá. Pretendia
dizer que precisava ir embora. Tudo que precisava saber dela já tinha escrito.
Mais de quatrocentas folhas.
Entrei e
sentei. As seis em ponto ela entrou. Vestida de preto com um véu sobre seu
rosto. Sentou bem à frente. Apareceu um padre que nunca tinha visto. Celebrou
uma missa. Após ela sentou ao meu lado. – Sei que você quer ir embora. Disse. Não
pode e não vai. Sabe muito de mim. Vais morar aqui até minha morte. Quando
morrer lhe darei uma sacola de diamantes uma fortuna que você nunca viu em sua
vida. Terás aqui tudo que quiser. É só pedir e em quarenta horas será colocado
em seu quarto. Inclusive um telefone, mas lembre-se ele será monitorado pela
minha máquina. Não pode dizer onde estás. Uma Televisão também será instalada.
Peço que não tente fugir. Meus homens tem ordem de atirar para matar. – E
agora? O que faria? Não tinha saída. Sabia que a fortuna em diamantes era
incalculável e ela mesma me disse que viveria no máximo uns dez ou quinze anos.
Ela mandou
para seus advogados o esboço do livro que fiz de sua autobiografia. Tinha
ordens expressas de publicar somente quando morresse. Já tinha feito seus
planos. Dente Cariado tomaria conta de tudo com o auxilio dos advogados. Toda
sua fortuna seria direcionada para instituições de caridade. Fiquei calado.
Durante um ano fiquei calado sem nada dizer. Sempre que ela viajava para suas
propriedades no exterior me levava consigo. Era a única diversão que me era
dada. Eu e ela nunca tivemos nada. Claro, ela não fez qualquer menção em ter
algum comigo. São coisas que nunca entendi. Até seu amor doentio por Alfonso,
pois via em seus olhos que não o esquecia.
Estou
"Velho" e cansado. Muito. Fiz cento e cinco anos no mês passado. Ela
continuava como se fosse à mesma quando a conheci. Ela me ajudou com sua fonte
da juventude. Agora quase não consigo andar. Dente Cariado me ajuda.
Milagrosamente ele continua o mesmo. Não mudou nada. Então este será meu
destino. Morrerei antes dela. Sei tudo de sua vida, sei tudo de seu amor por
Alfonso. Não entendi e nem entendo o que ela queria ou quer agora. Não mudou
suas atitudes, sua maneira de ser. Costuma ficar meses sem falar comigo. Porque
não me deixou ir embora? Afinal sua vida se contasse para alguém ninguém iria
acreditar. Se este é meu destino que assim o seja. O mundo um dia vai conhecer
sua história. Sei que será um belo filme. Será conhecida no mundo inteiro e
todos saberão quem foi Rosa... de Cimarron. Sua história está escrita. Quando
isto vai acontecer não sei. Até me pergunto se ela não tem parte com o Demônio.
Acho que não. Estou perdendo a noção de tudo. A vida vai se esvaindo de mim. Acho
que é o meu fim. Vejo-me no céu olhando Rosa... de Cimarron. Eu conheci sua
história, eu vivi ali, junto a Rosa. Aquela que amava Alfonso, aquela que
morava na Hacienda Rosa... De Cimarron!
"Leia o texto abaixo e depois leia
de baixo para cima”
Não te amo mais.
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis.
Tenho certeza que
Nada foi em vão.
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada.
Não poderia dizer jamais que
Alimento um grande amor.
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
EU TE AMO!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais...
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