O matuto sonhador.
Um matuto sonhador
Lá das quebradas do
sertão
Queria um emprego
Que o enriquecesse
rapidão.
Escreveu uma carta de
apresentação,
E enviou para a mais
conceituada
Empresa da Região.
Esse matuto,
É mesmo sem noção.
Sem nem ao menos
Um décimo de estudo
Alimentou essa ilusão.
O Pobre Serafim
Logo soube da verdade.
Que não tinha a menor
chance
Para sua infelicidade.
Oh! Serafim
Toma tento homem de
Deus,
E procura um emprego
Compatível ao seu
perfil.
E se esse é seu sonho,
Estude e corra atrás
Conquiste o que deseja
E conquiste um pouco
mais...
Leidiana S. Silva.
Uma cruz a beira do
caminho.
Ela
estava ali, na curva da Aranha, bem perto da nascente do Rio Pomba. Não havia
nada escrito, ninguém sabia por que estava ali, quem a colocará e o motivo de
ter uma cruz como aquela na beira do caminho. Todos que passavam a viam e
sabiam que todos os anos alguém trocava por outra, mais nova, mais durável. Mas
o que significava? Ninguém sabia... Rolando o barbeiro sabia. Sorria quando
ouvia alguém comentar e perguntar ele não dizia nada. Para que dizer? Se
existia uma história uma lenda ou mesmo um fato era melhor esquecer. Ele se
lembrava de tudo, de tudo que aconteceu. Ninguém lhe pediu silêncio, nada, mas
ele talvez por discrição ele preferiu manter silêncio. Afinal ele não passava
de um meninote, metido a sabido e quase morreu por que achou que devia saber de
tudo. Sua barbearia estava vazia. Já não era como antes sempre cheia e todos
comentando a vida monótona da cidade. Cidade? Não mais de que seis mil almas
que dariam tudo para sair dali e nunca mais voltar. Quem sabe uma vida arredia,
entediada e tendo o que falar dos que chegavam e saiam seria a melhor forma de
viver ali.
Ele se lembrava de Juca Soldado. Mas quem não se lembrava? E o que
aconteceu com ele? Sumiu de um dia para o outro e ninguém também soube explicar
seu sumiço. Seu erro Rolando depois de muito tempo pensou que sabia. O homem
não pode apaixonar por alguém que não se apaixona por ele. Vai dar tudo errado.
Afinal Flor Bela não era bela, podia-se dizer que tinha um belo corpo, mas bela
não. Bem tinha os dentes perfeitos, um belo trazeiro arrebitado, seios enormes
e para quem gosta eram um prato cheio. Mas seu rosto parecia que levou uns
tabefes quando menina e ficou amassado. Risos. Amassado? Bem eram bem chatos e
não arredondados como todos são. Filha de João Araci, nunca conheceu sua mãe.
Diziam que largou o João e sumiu neste mundo de Deus. Os dois moravam em uma
tapera de pau a pique lá prás bandas do Morro Doce. Eram terras do Coronel
Tubino de Mattos. Ele não ligava para quem morasse em suas terras. Não cobrava,
não exigia nada pedia em troca. As más línguas diziam que o pai comia a filha e
o Velho Coronel também dava suas bicadas. Verdade ou não os dois só andavam
abraçados e não eram abraços de pai e filha.
Juca Soldado se apaixonou por Flor Bela. Uma paixão sem limites. Só
sonhava em tê-la ao seu lado. Comprou uma casinha pequena na Rua da Garça e ia reformando
ela aos poucos. Tijolo por tijolo, telha por telha. Seria a casa dele de Flor
Bela. Claro iria encher ela de filhos. À tardinha sentava na varandinha e
ficava pensando como poderia ser feliz para sempre ali com Flor Bela. Pintou a
casa de Branco, as janelas azuis e com as rosas, jasmim e begônias que plantou
em volta ficou linda de morrer. Fez questão de plantar um Ipê Amarelo. Iria
demorar em florir, mas ele não tinha pressa. Todas as noites quando saia da
Delegacia ia para sua casa e sonhava sonhos impossíveis. Lá estava ela na porta
esperando seu amor. Ela? Não meu amigo, eram sonhos de Juca Soldado. Salomé Soldado
que com ele tomava conta da cidade sempre dizia: - Juca Soldado esqueça esta
mulher. Ela nunca vai ser sua. Todo mundo sabe que mora e dorme com o pai. Juca
Soldado nada dizia. Dizer o que? Encobrir seu amor por alguém que daria tudo na
vida para ela viver com ele? Daria o mundo se ela pedisse, daria sua vida se
ela quisesse. Um dia bebeu umas quantas e zonzo saiu andando aos troncos e
barrancos pela cidade a caminho da tapera de Flor Bela.
Não era perto, nada disto, mais de três léguas até a subida da Serra do
Morro Doce. Nunca tinha ido lá. Tinha medo do que ela ia dizer. Tinha medo do
que seu pai ia falar. Juca Soldado nunca foi de falar duas vezes. Atirava bem,
já mandou pras prefundas dos infernos muitos bandidos que o desafiou. Nunca
pensou em tirar a vida de ninguém, era de paz e se matava era para não ser
morto. Quando Capitão Nanico do Batalhão da cidade de Horizontina o mandou para
Rio Pomba ele agradeceu. Pensou em viver lá para sempre. Gostava da cidade, mas
se sentia sozinho. Queria arrumar uma mulher para casar e nunca soube por que
não escolheu muitas da cidade que ficavam a sorrir para ele. Ele ficava
envergonhado quando algumas delas o chamavam de gostosão. Será que ele era
mesmo? Virgem não era, pois comeu algumas putas em Horizontina. Mas quer saber?
Depois que gozava queria sumir dali, tinha asco da mulherada safada que tinha
dado para ele.
Ele mesmo tinha duvida se era bom de cama. Isto não o preocupava, pois
sabia que para ser feliz não precisava disto. Ele iria dar a sua cara metade a
outra metade da sua vida. Tinha certeza que se um dia casasse ele faria sua
esposa feliz para sempre. Não andou muito no caminho da serra do morro Doce.
Alguns quilômetros e caiu na poeira da beira do caminho. Dormiu como um porco
naquela sujeira e acordou enojado. Voltou correndo para a cidade antes que
amanhecesse e alguém o visse naquele jeito. Uma semana depois, já com sua
casinha pronta, onde todos que passavam por ali invejavam seu trabalho, ele viu
Flor Bela e seu pai Clotilde Sinfrônio, (nome danado ele pensava) de braços
dados entrando na cidade. Desavergonhados ele pensou. Pai e filha não davam
exemplos. Pensou em prender Clotilde, lhe dar uma surra e jurar de morte se ele
não partisse da cidade. Poderia ter feito isto, mas e Flor Bela? O que ela
pensaria dele? Afinal nunca se declarou para ela.
Ficou na sua. Tremia de raiva quando ela dava risadas abraçada com o pai
no bar do Pacheco. Bebiam e pareciam dois namorados se comendo com os olhos.
Quem passava olhava com asco. Afinal era pai e filha. A cidade em peso
reprovando tamanha desenvergonhice. Interessante, diziam que ela dava para o
pai ha muito tempo, desde que sua mãe morreu de tifo. Morreu sem tratamento,
pois não havia médico naquele lugar. Morreu as margens do Rio Pomba e dizem que
nem enterrada fora, Clotilde e Flor Bela amarraram ela em um lençol e deixaram
que as águas barrentas do rio Pomba a levasse para o mar. Juca Soldado pensou
em acabar com aquela farra. Mas ele era comedido, calmo e mesmo com o coração
batendo e o corpo fervendo ficou na sua na delegacia. João Soldado disse para
ele se não iria tomar uma providencia. Ela calado nada falou. Costinha
charreteiro os levou de volta para a tapera de Morro Doce. Juca Soldado
magoado, nada dizia. Em sua casinha branca ainda sonhava com Flor Bela, mesmo
sabendo que ela nunca seria dele.
Tudo na
vida tem seu começo e tem seu final. Caseiro um menino da Rua Santos chegou
correndo na delegacia. Seu Juca Soldado! Flor Bela está morta! Morreu na curva
da Aranha. Está lá toda cheia de sangue! – Juca Soldado saiu correndo, o povo
da cidade atrás. Um circulo já se formava em volta dela. A danada sorria,
morreu sorrindo. Juca Soldado tirou sua arma e deu dois tiros para o alto.
Gritou em seguida que voltassem para suas casas. Não queria ninguém ali. O povo
obedeceu e aos poucos foram se afastando até que Juca Soldado se viu sozinho
com sua amada. Ele sabia que ou o Coronel Turbino ou seu pai Clotilde eram um
deles assassino. Não precisava correr. Eles não iriam fugir. Eles iriam ter a
paga dos seus atos. Levou Flor Bela nos seus braços até sua casa. A colocou na
cama de casal que tinha comprado. Tirou todo o sangue, limpou e lavou com bucha
leve para não ferir sua pele mais.
Vestiu nela o longo prata que tinha comprado. Era seu sonho vê-la
vestida assim, sorrindo para ele e dizendo que o amava. Sonhos nada mais que
sonhos impossíveis. Sentou na cabeceira da cama e ficou acariciando seus
cabelos, sua face, seus lábios grossos que agora estavam brancos como a morte.
Melhor passar um pó de arroz, um pincelada de batom vermelho para ela voltar à
vida. Risos. Era sonho, ele sabia que ela estava morta, mas queria acreditar
que ainda estava viva. Nos seus sonhos ele contou para ela quanto a amava.
Contou quantas vezes a via na porta da casinha branca a lhe esperar com um
sorriso após o seu dia de trabalho. Contou do que gostava de comer, um franguinho
com quiabo, uma taioba com angu mineiro, um torresmo no feijão preto. Perguntou
para ela do que gostava, mas ela não respondeu. Afinal estava morta. Dormiu no
banco em frente a sua cama de casal olhando para ela. Muitas vezes acordava com
os olhos rasos d’água a correr pela face e molhar o tapete que ele mesmo
comprou do Mascate Juventino.
Dois
dias depois sentiu uma mão em seu ombro. Era João Soldado seu amigo de farda e
do peito. – Hora de fazer o enterro Juca Soldado. Você não pode adiar mais. A
cidade em peso falando e você aqui chorando! Juca Soldado sabia que não dava
mais para adiar. Comprou um caixão branco, cheio de flores marcadas na madeira,
custou caro, mas ele pagou sem reclamar. Quando o caixão desceu para sua ultima
morada Juca Soldado chorou. Chorou demais. De uma hora para outra parou. Não
chorava mais. Viu do outro lado da cerca do cemitério, o Coronel Turbino e
Clotilde. Dois assassinos. Sua face encrespou. Deu vontade de ir até lá e matar
os dois. Um tiro só em cada um. Ele sabia que não ia errar. Mas não era a hora,
tudo tinha sua hora e seu lugar. Eles dois estavam marcados para morrer!
Juca
Soldado não fez um epitáfio. Nem uma cruz colocou na ultima morada de Flor
Bela. Todas as noites, ele ia até lá e colocava uma rosa, ou uma gardênia do
seu jardim. Ajoelhava e dizia: - Se eu te
oferecer uma flor! Receba-a, com carinho... Ela é coberta com
pétalas do eu amor! Cuida dela direitinho!! E lembra-se de mim.
Não se esqueça... Ela é de pele, Revestida de pétalas macias.
Onde guardo todos Os sonhos com você. Juca nunca deixava de
chorar. Um homenzarrão de trinta anos, alto e forte e chorava, seu amor era
mais forte que tudo. Uma vez por ano ia até a curva da Aranha e lá colocava uma
cruz de madeira. Substituía a velha que já estava apodrecendo com o tempo. Não
escreveu nada nela. Toda a cidade deu falta de Clotilde e do Coronel Turbino.
Eles desapareceram. Nada na fazenda e nada na tapera onde morava. Ninguém nunca
mais ouviu falar deles.
O Gavião do mar foi quem que contou para o Gavião da Montanha que ele
viu onde estava Clotilde e o Coronel Turbino. Estavam enterrados bem no alto do
Morro Doce, lá aonde ninguém vai. Num sopé cheio de espinhos, onde o vento
sopra e só deixa poeira no ar. Ficaram assim com o corpo todo amarrado em uma vala
cônica, só a cabeça para fora, vermelhos e roucos de tanto gritar pedindo
socorro. Morreram bicados pelo Abutre das Sete Mortes. Ele se deliciava com a
carne apodrecida e por vários dias se serviu do banquete. Ninguém nunca soube e
ninguém nunca acusou Juca Soldado pelo sumiço deles. Rolando o Barbeiro sorria.
Ele sabia de tudo que aconteceu. Mas valia a pena contar? Para que? O tempo
passou, Juca Soldado morreu de desgosto e tristeza. Ninguém nunca saberia de
seus lábios a morte horrível de dois homens que mereciam ter a morte que tiveram.
Mas Rolando o Barbeiro já sabia que o Santo Homem da curva do destino sabia
muito mais. Ele falava com os mortos, ouvia seus causos, sentia seus abraços e
rezava por todos eles. Cortando seu cabelo naquela tarde quente de setembro ele
sorriu e contou baixinho para Rolando o Barbeiro; - Eles estão felizes, ela
agora tem três ao seu lado. São casais jocosos, amantes do mal, que correm nas
nuvens do céu e nem se lembram mais do pecado que cometeram.
CONSEIO
Era assim que
eu lhe dizia
Menina você me insurta
Repare essa saia curta
Cuidado que o povo espia
Pois quando ocê vai passando
Os ôme ficam rezando
Prá que dê uma ventania…
Menina você me insurta
Repare essa saia curta
Cuidado que o povo espia
Pois quando ocê vai passando
Os ôme ficam rezando
Prá que dê uma ventania…
Assuba mais o
decote
Que assim tá muito descido
E prú favor tomem bote
Uma barra nesse vestido
Menina: ninguém é santo
Repare que em tudo canto
Tá assim de ôme inxirido…
Que assim tá muito descido
E prú favor tomem bote
Uma barra nesse vestido
Menina: ninguém é santo
Repare que em tudo canto
Tá assim de ôme inxirido…
Mas vosmecê
repare só
Ela não tinha receio
Se eu falasse era pió
Porque depois do conseio
Prú capricho ela botava
Um vestido que amostrava
A “metade” du jueio…
Ela não tinha receio
Se eu falasse era pió
Porque depois do conseio
Prú capricho ela botava
Um vestido que amostrava
A “metade” du jueio…
Pois vosmecê
logo imagina
O que isso tudo veio dá…
Coitadinha da menina,
Eu cansei de lhe avisá.
Pois sabe o que acunteceu??…
Ela casou-se cum eu
Tem dez filhos pra criar.
O que isso tudo veio dá…
Coitadinha da menina,
Eu cansei de lhe avisá.
Pois sabe o que acunteceu??…
Ela casou-se cum eu
Tem dez filhos pra criar.
Pompílio Diniz
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