Eu?
Eu sou um enigma
O explícito do indecifrável
As chaves perdidas no bolso
O ''quiçá'' que precede a tragédia
Eu sou a tragédia!
Sou a tempestade que encanta pela avidez
E sou também os raios de sol que cessam a voracidade de céus aterradores
Eu sou o pulo do gato
E sou também a madeira bamba, afoita para forçá-lo
Eu sou a consequência de um caos certo e interminável.
Eu sou um enigma
O explícito do indecifrável
As chaves perdidas no bolso
O ''quiçá'' que precede a tragédia
Eu sou a tragédia!
Sou a tempestade que encanta pela avidez
E sou também os raios de sol que cessam a voracidade de céus aterradores
Eu sou o pulo do gato
E sou também a madeira bamba, afoita para forçá-lo
Eu sou a consequência de um caos certo e interminável.
A tragédia de São Lourenço.
Todos diziam que era uma tragédia anunciada.
Ninguém nunca duvidou do desfecho e quando aconteceu disseram que demorou muito
para acontecer. Tem fatos e relatos que tentamos entender o porquê e cada dia
que passa mais ficou curiosos em saber que passamos anos ao lado de algumas
pessoas e nunca as conhecemos mais profundamente. Só mesmo quando uma tragédia
acontece é que sempre dizemos: - Nunca pensei que isto fosse acontecer. Estes
sempre são vizinhos, colegas de trabalho, da igreja e ficamos pasmados com tais
acontecimentos. Alfonso e Mariel para mim sempre foram às mesmas pessoas.
Diferenciar um de outro era impossível. Tinham o semblante igual, cabelos da
mesma cor. Olhos negros e profundos e a tez sempre lisa sem enrugar. Quase não
falavam e quando se ouvia tinha que prestar atenção para entender. Era um bom
dia, uma boa tarde e mais nada.
Moravam em uma casa simples, na Rua
Florencio de Abreu no Bairro de São Lourenço. Cada um trabalhava longe do
outro. Não saiam juntos e nem juntos chegavam. Ninguém nunca soube dizer se
conheceram a mãe ou o pai deles. Parecia que moravam ali a muitos e muitos anos
e ninguém soube dizer se nasceram ali ou não. Quando Dona Joventina sentiu um
cheiro esquisito viu que ele era produzido dentro da residência deles. Entrar?
Nunca. Ninguém tinha esta coragem. A polícia foi chamada e a porta arrombada.
Os policiais saíram rápido. O cheiro e o que viram os espantaram na hora. Um
rabecão foi chamado e alguns policiais da perícia com vestimenta apropriada
entraram e ficaram horas lá dentro. Do lado de fora centenas de moradores
querendo saber o que tinha acontecido e a policia nada dizia. Depois que a
policia técnica fez seu trabalho o rabecão levou os dois, ou melhor, o que
sobrou deles. Mas morreram de que? A casa teve de ser arrombada, pois, tudo
estava trancado. Nisto eles eram meticulosos. Em nenhuma janela havia menos que
três ou quatro trancas.
As explicações
correram de boca em boca na vizinha. Os jornais falados e escritos contaram
horrores: Ambos foram encontrados dom a cabeça decepada, o membro cortado à
faca, as línguas retiradas à força um horror que só para quem tinha estomago
ver. Quem os matou? Por quê? Ninguém nunca viu visitas, namoradas nada. A
história seria arquivada e nunca contada até que um dia Pietro criado coragem
entrou na casa cuja porta estava entreaberta, olhando tudo descobriu um livro,
ou melhor, um diário que surpreendeu muita gente. O Escritor V. A. Soares
resolveu escrever a história que foi contada. Dizia para si mesmo que não
mudaria nada. Depois que publicou o Livro a Tragédia de São Lourenço muitos
duvidaram que ele não mexeu aqui e ali na história. Acredito que muito de vocês
não leram o livro então me permito a contar algumas partes, pois tudo aqui não
dá. É grande demais.
14 de março
- Meu nome é Alfonso, eu e meu irmão nunca conversamos.
Ninguém pergunta para o outro o que fez como fez e o que vai fazer no outro
dia. Por um destino que desconhecemos temos a mesma aparência. Sem perceber
usamos as mesmas roupas, cortamos os cabelos iguais e no mesmo dia. Eu trabalho
no Hotel Flor da Mata e ele no Hotel São Joaquim. Não conhecemos nossos pais,
só lembramos que morávamos no Orfanato Santa Genoveva. Dizem que não éramos felizes,
pois nunca nos viram sorrir. Até hoje não sei o que é isto. Foi na noite de
natal que fugimos dali. Sabíamos da estrada de ferro e ficamos de tocaia
esperando. Nenhum de nós reclamou de fome ou de qualquer outra coisa. Já
escurecendo vimos uma locomotiva subindo a encosta. Passou por nós bem devagar.
Foi fácil entrar em um vagão de carga; Dormimos e acordamos com o trem parado
em uma cidade. Não era pequena. Pois havia muitos prédios. Resolvemos descer.
Cada um pegou uma rua e por mais de uma semana ninguém mais viu o outro.
Já na rua principal
alguém me chamou. Olhei e vi uma senhora que deduzi ser nissei. Ofereceu-me um
trabalho e aceitei. Ela me deixou dormir em sua quitanda e nem pensei porque
ela confiava em mim. Uma semana depois sai à noitinha e encontrei Mariel parado
em frente a uma lanchonete. Entramos e fizemos um lanche. Cada um pagou sua
parte. Ele estava com um jornal e leu a pagina de alugueis de casa. Achamos uma
e o proprietário nos olhou, não falou nada e nos alugou sem cobrar um
adiantamento. Era sempre assim, nunca pedíamos, nunca falávamos e todos sempre
a ajudar. Eu já estava com doze anos. Cinco anos depois fiz um curto técnico de
hotelaria. Consegui um emprego fácil. Daí para comprar um terreno e fazer nossa
casa foi um pulo. Os anos passaram, eu não sabia se era ou não feliz. Tudo que
fazia parecia que éramos um só, com o mesmo pensamento e a mesma maneira e
agir.
Quando fizemos 23
anos resolvemos fazer uma comemoração. Simples, na Padaria do Zózimo. Sentamo-nos
à mesa e pedimos tudo que gostaríamos de comer. Assustamos com uma jovem que
parada em nossa frente nos olhava como se nunca tivesse feito uma refeição em
sua vida. Ambos puxamos uma cadeira para ela. Posso pedir? Ela disse.
Balançamos a cabeça concordando. Ele parecia que nunca havia comido nada.
Repetiu diversas vezes e sem sorrir piscou um olho para mim e Mariel. Pagamos e
fomos embora. Ao chegar a casa vimos que ela nos seguiu. Não falamos nada e ela
entrou. Não disse nada. Não tinha mala mochila nada. Ficou conosco por muito
tempo. Dormia na sala na poltrona simples que tínhamos comprado. Eu dormia em
um quarto e Mariel em outro. Tudo aconteceu normalmente, ela dormia comigo um
dia e no outro com Mariel. Foi com ela que deixei de ser virgem.
15 de março.
Meu nome é Mariel, boa
parte de nossa história Alfonso já contou. Esqueceu-se de falar em Marília. Eu
nunca soube o que é amor. Ele também. Sem perceber amávamos Marilia. Ela era a
esposa de nós dois. Não sei se ela gostava do sexo que fazia conosco uma noite
comigo e outra com Alfonso. Sabia que Alfonso era igual a mim. Só um papai e
mamãe, sem muitas delongas e logo terminávamos. Ela se levantava ia se lavar e
ia dormir. O sexo só à noite. Como eu e Alfonso ela não dizia nada. Não ria,
não chorava e nunca nos contou sua história. Pelo menos falava monossílabos.
Boa noite e bom dia. Sabíamos que ao levantar o café estava pronto, sempre pães
e bolos na mesa. Mesa onde não se ouvia conversa, causos nada. Cada um saia
para seu trabalho na mesma hora e parecia combinado chegar também na mesma
hora. Fizemos questão de dois banheiros. O banho era no mesmo horário. Cada um
cada mês tirava da carteira quinhentos reais e dava para ela. O que deixamos em
cima da mesa era para as despesas da casa.
Um dia quando chegamos
não vimos mais Marilia. Ela havia partido. Ninguém perguntou para o outro o porquê.
Várias semanas eu senti uma falta grande dela e sabia que Alfonso também mesmo
sem falar um com o outro. Não houve reclamações, culpas, nada. Aceitamos como
sempre aceitamos tudo que aconteceu em nossas vidas. Passou-se um ano. Nunca
mais fizemos sexo com ninguém. Eu dizia para mim que só se um dia Marilia
voltasse. Sabia que ele também. Ao completar três anos que Marilia foi embora
eu ele em uma noite jantando em uma lanchonete proximo a nossa casa vimos ela
parada em nossa mesa, de pé, com os mesmos olhos do passado. Com a cabeça
pedimos para sentar. Comeu três vezes. Estava faminta como na primeira vez.
Levantou, agradeceu baixinho e partiu. Não foi como a primeira vez que nos
seguiu até em casa.
Foram mais dois anos
e na mesma lanchonete ela apareceu novamente. Desta vez não veio a nossa mesa.
Estava com outro homem. Sorria escandalosamente. Por várias vezes nos olhava e
cochichava para ele dizendo alguma coisa. Ele dava grandes gargalhadas olhando
para nós. Saímos e ficamos parados na esquina. Meia hora depois eles saíram. O
seguimos o que pareciam se dirigir a sua casa. Quando eles entraram esperamos
duas horas e forçamos uma janela e entramos. Os dois estavam dormindo em um
quarto de casal. Eu segurei a mão dele enquanto Alfonso o enforcava com as
mãos. Ela nos olhava com um terror enorme não acreditamos no que estávamos
fazendo. Quando vimos que ele morreu, saímos da casa e fomos embora. Ela não
nos seguiu. Não nos denunciou na policia. Nunca comentou com ninguém o que
fizemos.
16 de março.
Descobri este diário
que não conhecia quando eles foram trabalhar. Li o que eles escreveram e
resolvi escrever também. Precisava. Alguém devia saber o que aconteceu. Vocês
sabem que eu sou a Marilia. Nasci de uma família humilde que me deixou dentro
de uma caixa de papelão na porta da igreja quando tinha dois meses. Sei que
quando entendi onde estava já tinha oito anos. Morava com um casal de velhos.
Bem velhos. Dona Maria me dava duas surras por dia. Ela dizia – A primeira é
para corrigir você, a segunda é para não esquecer. Eu sabia que não tinha feito
nada. A velha queria se vingar de alguma coisa. Fugi de casa. Encontrei um
homem bom e me deu guarida, dinheiro e sexo. Foi com ele que aprendi o que sei
hoje. Um dia ele morreu e não me deixou nada, era casado e tinha filhos.
Perambulei pelas ruas a cata de dinheiro e comida. Não era uma prostituta, não
tinha jeito para isto. Se alguém quisesse pagar íamos em um beco ou no mato,
seja lá onde for e fazia o que ele queria.
Um dia a patrulha nos
pegou no fraga na porta de uma casa. Eu estava sem calcinha e ajoelhada. Ele
correu e os guardas deram uns tiros que não acertou ninguém. Levaram-me com
eles para uma casa vazia. Bateram-me tanto que desmaiei. Quando acordei estava
jogada em uma cadeia imunda com outras mulheres da vida. Fiquei ali por cinco
meses. Nem sabia minha culpa. Um dia me soltaram e fiquei marcada com muitos
policiais. Sempre me comiam de graça sem pagar e ai de mim se reclamasse.
Quando aquele dia entrei na lanchonete e vi Alfonso e Mariel pedi ajuda. Estava
com fome. Eles me trataram bem. Nunca me maltrataram e nem sei porque fiz
aquilo. Mas a vida não foi boa comigo. Encontrei um rapaz simples, pobre e que
gostou de mim. Larguei os dois e fui morar com ele. Um dia eles entraram em
nossa casa e o mataram. Jurei vingança. Voltei para a casa deles. Nem me
disseram boa tarde e nem boa noite quando chegaram. Para eles eu devia estar
ali sempre para servi-los. Sabia que minha hora chegou.
Consegui na quitanda do
seu Ramon um frasco de um pozinho que ele me garantiu quem cheirasse ou tomasse
água e ou outra coisa com ele misturado iria dormir um sono pesado por muito
tempo. Não iria morrer, mas nem saberia de nada enquanto dormia. Justo o que eu
queria. A noite preparou um suco para eles e coloquei o pozinho. Eles foram
dormir logo e nem banho tomaram. Dormiram como uma pedra. Fui até lá com um
facão, corte a cabeça de cada um, o saco e o membro. Cortei uma perna e um
braço. Sorria quando fazia isto. Vingança é assim? Sei não meu ódio era demais.
Eu poderia ter casado com Henrique, quem sabe hoje teria filhos e poderia ser
feliz. Eles não deixaram. Nunca tive instintos assassinos e nem sei por que
corte eles daquele jeito. Sai dali depois de revistar tudo que tinham. Descobri
uma caixa de papelão escondida entre as roupas deles. Muito dinheiro. Era o que
queria. Sumi neste mundo de Deus. Ninguém nunca mais ouviu falar de mim.
“Não me arrependo de nada que tenha
alcançado as coxas
não nego coisa alguma que passe perto do coração
se fiquei roxa foi porque teve ação”. Martha Medeiros.
não nego coisa alguma que passe perto do coração
se fiquei roxa foi porque teve ação”. Martha Medeiros.
A vida é uma tragédia.
Sua história é uma epopeia.
Suas frases são versos.
Suas ações são uma peça.
Deixe-me ser sua simetria.
Faça-me bela como a nona sinfonia.
Torne-me o motivo da guerra de Tróia.
Lapide e crie a mais bela joia.
Contudo, o fim é cruel.
Não vou negar o que sinto por você,
E beberei cicuta.
Chamar-te-ei Tétis, e será minha ninfa,
E estarei preso nas tormentas.
Ficarei na incerteza de sua traição,
E serei mais um casmurro.
O Destino, autor da minha literatura
É inteligente e irônico,
Ele tornou-me um clássico,
Minha vida em folhetins que são escritos todos os dias.
Sua história é uma epopeia.
Suas frases são versos.
Suas ações são uma peça.
Deixe-me ser sua simetria.
Faça-me bela como a nona sinfonia.
Torne-me o motivo da guerra de Tróia.
Lapide e crie a mais bela joia.
Contudo, o fim é cruel.
Não vou negar o que sinto por você,
E beberei cicuta.
Chamar-te-ei Tétis, e será minha ninfa,
E estarei preso nas tormentas.
Ficarei na incerteza de sua traição,
E serei mais um casmurro.
O Destino, autor da minha literatura
É inteligente e irônico,
Ele tornou-me um clássico,
Minha vida em folhetins que são escritos todos os dias.
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