Sensual
Ainda sinto o teu corpo
ao meu corpo colado;
Nos lábios, a volúpia
ardente do teu beijo;
No quarto a solidão,
desnuda, ainda te vejo,
A olhar-me com olhar
nervoso apaixonado...
Partiste!... Mas no
peito ainda sinto a ânsia e o latejo
Daquele último abraço
inquieto e demorado...
Na quentura do espaço a
transpirar pecado,
Ainda baila a figura
estranha do desejo...
Não posso mais viver sem
ter-te nos meus braços;
- Quando longe tu estás
minha alma se alvoroça
Julgando ouvir no quarto
o ruído dos teus passos...
Na lembrança revejo os
momentos felizes,
E chego a acreditara que
a minha carne moça
Nua carne moça até criou
raízes!...
J.G. de Araujo Jorge
Perverso entardecer
(Baseado em uma história
real)
A brisa da tarde
varria as folhas mortas da castanheira em frente à minha moradia. Era uma linda
castanheira. Principalmente quando ficava verdejante, e na primavera as
castanhas maduras amareladas, faziam com que a criançada subisse na arvore para
saborear a fruta doce que ela oferecia. Já não sei mais e nem lembro como foi a
minha infância e como era a castanheira no passado. O tempo passou, e durante
muitos anos morei em tantos lugares que deles só guardo a lembrança de Ana
Laura. Se ela era cheia de graça, formosa, hoje tudo acabou. Eu a vejo como se
fosse uma espécie de nômade a buscar um lugar ao sol e que nunca encontrei.
Ana Laura.
O meu único e grande amor, por quem dediquei uma vida e ainda tenho dúvidas se foi
realmente uma vida. Sempre fugindo. Sempre buscando refúgio e nunca encontramos
um lugar onde pudéssemos viver a nossa vida... Não se sei se todo homem é poeta
quando está apaixonado. Um homem sensato dizem, pode apaixonar-se como um
doido, só não pode ser um tolo. Eu fui tudo isso, um louco de paixão, e um tolo
como homem. Quanto a poeta não. Nunca fui. Minhas palavras neste sentido saem
com dificuldade.
Busco
lá no passado, como tudo começou. Meus vinte e três anos. Sonhos. Ambições.
Somente um mísero ginasial que não me dava oportunidades na vida profissional. Empregos
escassos e as oportunidades não apareciam. Eu tinha lido que a oportunidade
bate em nossa porta somente uma vez. Não podemos deixá-la ir embora. Se ela se for
nunca mais vai voltar. Portanto devemos agarrá-la logo. Mas se eu ficasse em
casa esperando, sabia que nunca ela viria. Eu tinha que correr atrás.
Consegui através de um amigo, uma
oportunidade de ganhar bem. Ganhar bem? Não sei. Era vendas. Nunca fui um bom
vendedor. Mas fazer o que? Emprego na minha cidade não tinha. Então me
embarquei nesta aventura. Vendia livros. Enciclopédias famosas. Éramos três. Eu
Lazio e Paulo. Cidades do interior. Lá estava eu na minha primeira experiência.
Após o café no hotel saiamos cedo. De porta em porta. Uma conversa já treinada
antes para convencer.
Primeira casa bati a porta abriu. Fiquei
pasmo! Espantoso! Ali estava a moça mais linda que já tinha visto. Meus pés
viraram chumbo. Minha cabeça ia a mil por hora, meu coração acelerou. Se fosse
um cardíaco, ali teria sido o meu fim. Foi assim que conheci Ana Laura pela
primeira vez. Nenhum dos dois dizia nada. Eu estático na porta, ela dentro de
casa, mas na porta. Um olhava para o outro. Minutos, até que ela balbuciou
algum como se fosse, “pois não”?
Entrei. Não sabia como iniciar a
conversa para vender meus livros. Ela sorria. O sorriso mais lindo que já tinha
visto. Seu olhar, seus olhos, era como se fosse um novo dia para mim. Poderia
estar na natureza esquecida, ou na própria essência da vida, ou no frescor da
aragem da brisa neste dia que Ana Laura apareceu na minha vida. Ou eu apareci
na vida dela. Queria dizer mais, não vender, queria dizer que agora eu viajava
no meu mundo de sonhos, pois agora todo o dia seria para mim ano novo, colorido,
pois encontrei o meu grande amor.
Ficamos ali conversando, um olhando
fundo nos olhos do outro. Conversa banais, mas sabendo que a paixão estava
florescendo. Sentia nela um perfume silvestre, como as folhas novas que brotam
na primavera. Ana Laura tinha dezessete anos. Pele clara, um sorriso encantador,
olhos negros bondosos, cabelos encaracolados castanhos, magra, lindos seios,
uma mulher perfeita. Onze horas, uma duas horas. O tempo foi passando, o amor
aumentando.
Naquele dia possui Ana Laura. Não foi uma
posse, foi mais um sentimento profundo, um amor transformado em pétalas de
rosa, usufruindo nosso enlace, dois corpos que se fundiam. Incrível. Sem
arrebatamento. Amor sublime, calmo, adorando cada parte, sentindo o doce sabor
do clímax, na hora certa, no ponto certo. Ana Laura fechava os olhos, gemia
baixinho, aceitava tudo como se fosse a ultima vez que iria fazer o que estava
fazendo. Às seis da tarde me escorreguei do leito e um beijo calmo, saboroso,
selou meu até logo. Ela e eu sabíamos que não iríamos parar ali.
Fui para o hotel. Sonhando. Não via
ninguém. Os olhos de todos a espreita, vigiando, sabendo o que aconteceu. Um
banho sorrindo, cantando, e a mesa do jantar, olhei meus companheiros. Não
disse nada, não contei nada. Eles sim disseram como foi o dia. Venderam alguns
livros. Meu pensamento estava longe. Jantei, fui para a varanda e fiquei
olhando a noite escura. Muitas estrelas no céu. Não tinha sono, não queria
dormir, não queria esquecer a paixão avassaladora que estava sentindo. Eu amava
Ana Laura. Agora nunca mais iria deixá-la. Aconteça o que acontecer.
O dia amanheceu. Logo estava a sua porta.
Ela me recebeu chorando. Não me deixou entrar. Dizia que eu devia partir. Imediatamente.
Se ficasse eu seria morto. Não me explicou. Não disse o por que. Não havia
tempo a perder disse. Não me queria morto e sim vivo. Agora não podia ficar.
Tinha de partir dizia. Não estava entendendo e ela fechou a porta. Fiquei ali
pasmo, sem saber que atitude tomar. Ouvi um barulho, meu ombro sentiu uma
pontada. Tinha levado um tiro. Voltei-me, quatro homens me apontando armas.
Mais tiros. Sai em desabalada carreira e eles atrás.
No final da rua virei à esquerda e entrei
em um matagal. Consegui me esconder. Eles passaram por mim varias vezes. Ficava
imóvel. Foram-se. Fiquei só. E agora? O que eu devia fazer? Voltar ao hotel
fora de cogitação. Peguei uma trilha e fui em frente. A bala tinha entrado no
antebraço e saído. Não havia sangue. A dor era pequena. Meu lenço de bolso
serviu para fazer um dreno. Avistei uma casinha, lá me informaram que a próxima
cidade não estava longe. Havia a possibilidade de pegar o noturno que me
levaria à capital.
Passado duas semanas, voltei à cidade de
Ana Laura. Cheguei à noitinha. Não disse nada a ninguém. Não iria ficar sem
ela. Era a mulher da minha vida. Iria propor fugir naquela noite mesmo comigo.
Ela iria decidir. Se não iria ficar ali junto a ela e morrer. Minha vida não
tinha mais sentido sem ela. Tentando me desviar das pessoas e não ser visto,
cheguei e bati a porta. Se o atirador estivesse lá que seja. Não me importava
mais. Ela abriu a porta e entrei. Falei o que tinha de falar. Nos abraços,
beijamos e ela fez as malas. Pequena, pouca coisa. Saímos sorrateiramente.
Eu tinha poucas economias. Ela tinha
algum. Pegamos o trem noturno para a capital. A levei a casa dos meus pais.
Cinco dias depois partimos para o interior de Minas. Ela já havia me contado
tudo. Era casada com o capitão Levegildo. Intitulavam-se “Polícia de captura’”.
Era um valente militar que passava dias e dias a procura de bandidos em
diversas cidades. Ela não gostava dele. Sabia que não teríamos paz em lugar
nenhum. Ele iria nos procurar em todos os lugares. Tinha amigos poderosos.
Durante seis meses ficamos escondidos
perto de Guajará Mirim. Uma casinha pequena de pau-a-pique. Trabalhava em uma
fazenda de café. Aceitaram-me como auxiliar de escrita. Salário pequeno. Dava
para as despesas. Vivi com Ana Laura os mais belos dias de minha vida. Contava
as horas e minutos que voltaria para casa. Ela me recebia como um príncipe.
Casa humilde. Caixotes servindo de cadeira. Fogão a lenha. Luz de lamparina,
uma esteira como cama de casal.
Uma manhã vi diversos cavalos na venda do
Zé das Quantas. Sabia quem eram. Corri em casa, juntei alguns trapos e sai com
Ana Laura correndo em sentido contrário à estrada de chegada. Andamos a pé
quase a noite toda. Cedinho chegamos a Tarumim, e lá pegamos um ônibus para
Visconde de Avelar. Ficamos uns dias na pensão da dona Matilde. No quinto dia
vi que não iria conseguir nenhum emprego naquela cidade. Andava de volta a
pensão quando um tiro ecoou. Olhei e lá estava o filho da puta do capitão a rir
e atirar em mim.
Escondi-me nuns espinheiros próximo ao rio
Peroba. Já noite alta fui como um fantasma até a pensão. Ana Laura estava lá,
sentada na sala, e ao seu lado o capitão Levegildo. Entrei por uma janela e ele
não me viu. Por trás peguei uma cadeira e soquei com força em sua cabeça. Caiu
desmaiado ou morto não sei. Eu e Ana Laura juntamos nossos trapos e partimos de
novo a pé como sempre. Não havia ônibus àquela hora.
Resolvemos sair do Estado de Minas. Fomos
em direção à Bahia. Em Feira de Santana trabalhei uma semana na construção de
um Grupo Escolar. Logo que recebi botamos o pé na estrada. Desta vez fomos
direto a Salvador. Pretendíamos ver um navio qualquer para nos levar para
longe. Difícil muito difícil. O dinheiro era escasso. Minha única alegria era
estar ao lado de Ana Laura. Ela estava enfrentando tudo com uma força que me
fazia orgulhar da mulher que eu amava loucamente.
Uma tarde chuvosa ela me comunicou que
estava grávida. Bendito seja Deus! Eu ria, mas rir porque? Será que aquele
menino ou menina teria futuro? Não sei só o tempo sabe a resposta. De novo um
tiro, de novo senti a picada desta vez nas navegas. Maldito capitão. Maldito.
Não nos dava trégua. Onde fossemos ele estava atrás. Como ele estava à paisana
foi preso por dois militares que estavam próximos. Deu tempo para fugir. Mas a
bala ficou alojada em um lado das minhas nádegas. Sangrava bastante e Ana Laura
fez compressas durante as paradas de ônibus. Desta vez nos dirigimos a São
Paulo. A maior cidade do pais. Seria difícil sermos encontrados.
Durante mais de dez anos, vivemos uma
vida cheia de alegria e felicidade. Nestor nasceu em fins de outubro, hoje com
nove anos e meio. Um lindo garoto. Estuda, é um ótimo filho. Ana Laura mantém
seu belo sorriso. Ainda é a mulher mais linda do mundo! Estava aproximando o
natal. Eu trabalhava como mestre de obras em uma grande empreiteira. Ganhava
bem. Tínhamos um casa boa em um bairro da zona norte.
Recebi um telefonema de Ana Laura e ela
estava desesperada. Nosso filho tinha sido raptado. O capitão Levegildo nos
tinha descoberto. Maldito. Maldito mesmo! Nunca teríamos sossego. Pegou meu
filho e disse a Ana que só o soltaria se eu fosse buscá-lo pessoalmente. Não
tinha medo, mas não andava armado. Fui até onde ele estava. Nem bem me viu e me
deu um tiro certeiro. Entrou na barriga, caí desmaiado. Ele veio rindo e
atirando, mas cinco tiros. Um na perna, outro na coxa direita, outro no pescoço,
os demais não me atingiram.
Ele soltou meu filho e levou com ele a
força Ana Laura. Deixou meu filho com um vizinho. Fui dado como morto. Fiquei
entre a vida e a morte por seis meses. Recuperei mas andava coaxando. Juntei a
pequena economia que tinha e comprei uma Magnum 357 semi-automática. Deixei meu
filho aos cuidados de uma comadre, que morava próximo a nossa casa. Sabia onde
encontraria o capitão Levegildo. Cheguei a Don Marcos pela manhã, em um pequeno
Fiat que tinha comprado. Fui direto a casa dele. Não estava lá. Ana Laura quando
me viu correu e me abraçou chorando.
Ela me disse que ele estava na delegacia.
Pedi a ela para juntar tudo e entrasse no carro na parte de trás. Fui direto a
delegacia. Desci e o vi em pé na porta conversando com outro policial. Dei oito
tiros nele. Fugi correndo no Fiat. Seu amigo ainda atirou e atingiu Ana Laura
na cabeça. Fiquei maluco. Acelerei mais e na primeira cidade deixei Ana Laura
no hospital, mas não podia ficar. Agora seria caçado por toda a policia do
estado.
Passaram-se dois anos. Mandei uma carta
no meu antigo endereço e lá estava Ana Laura que tinha sobrevivido. Liguei para
ela e disse que fosse me encontrar em Porto Alegre. Que felicidade em estarmos junto
novamente. Nestor agora tinha quinze anos. Um belo jovem. Conseguimos em um
caminhão de transporte de grãos, ir até a divisa com o Paraguai. Em Villarica
uma pequena cidade no interior do Paraguai alugamos uma casinha. A felicidade
tinha voltado as nossas vidas.
Mais três anos e um dia, lá estava de novo
o filho da puta do Capitão Levegildo. O desgraçado não tinha morrido. Desta vez
não errou. Matou com um só tiro Ana Laura. Meu filho também foi atingido e
morreu. Fiquei transtornado, fui em casa correndo e consegui alcançá-lo na
fronteira. Um tiroteio feio. Mas desta vez ele estava morto. Para não haver
duvidas dei quinze tiros em sua cabeça. Virou uma peneira. Eu também estava
morto, tinha perdido tudo. Tudo que mais amava na vida. Maldito, se amava Ana
Laura porque a matou?
Passaram-se mais de quarenta anos. Voltei
para a casa dos meus pais em belo Horizonte. Eles haviam morrido. Nunca mais
fui importunado. Ainda faço uns biscates
com minha idade. Estou beirando os setenta e oito, mas me considero forte e
mesmo sentindo o peito vazio, uma saudade imensa. Ainda ando sem precisar de
ajuda. Acho que não tenho mais coração. Não sinto nada por ninguém. Dizem que a
vida é conforme nosso merecimento. Não sei.
Meu amor hoje está escondido no fundo do
meu ser. Minhas saudades é amar um passado que ainda não passou. Não posso
recusar o presente mesmo ele me machucando. É como se a saudade fosse o inferno
dos que a perderam e a dor dos que ficaram. Parece que o gosto da morte me
acompanha e ela não vem. A cada dia peço a Deus que me leve, pois tenho certeza
que Ana Laura me espera lá no céu, onde as flores são mais lindas, onde as
cores são mais vivas, onde o sorriso faz parte do amanhecer e do por do sol.
Sei que meu dia irá chegar e eu e Ana Laura iremos viver felizes para sempre...
Desculpem. Esqueci de dizer meu nome.
Podem me chamar de Rodrigo, aquele que foi sem nunca ter sido...
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
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