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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Vinte e cinco segundos para morrer!


Um beijo

Foste o beijo melhor da minha vida,
ou talvez o pior... Glória e tormento,
contigo à luz subi do firmamento,
contigo fui pela infernal descida!

Morreste, e o meu desejo não te olvida:
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento,
e do teu gosto amargo me alimento,
e rolo-te na boca malferida.

Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo,
batismo e extrema-unção, naquele instante
por que, feliz, eu não morri contigo?

Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto,
beijo divino! E anseio delirante,
na perpétua saudade de um minuto...

Vinte e cinco segundos para morrer!

Tempo atual
Quinta feira – 15 horas

                 - Você tem vinte e cinco segundos para rezar seu filho da puta. Vou matar você como se mata um cão! Não espere piedade. Você me tirou Letícia nada mais me resta. Vai se encontrar com o diabo nos meios dos infernos! – Eu estava branco, lívido, pálido e tremia. Que situação! Nunca pensei em morrer assim. Tentei falar e não conseguia, só balbuciava. O que fiz? Não podia acreditar no que estava acontecendo. Todos estavam espantados. Assim como eu estavam no lugar errado na hora errada!

                Impossível descrever meu pavor. Tudo parecia um grande engano, mas era real. Meu nome é Roberto Silviano. Sou um simples professor de história. Não sei o que é violência e nem tampouco estive com ela algum dia. Como fui parar ali era uma situação inusitada. Melhor é começar contando tudo. Incrível como a vida nos reserva surpresas assim. Dizem que na vida temos muitas surpresas. Boas, ruins e inesperadas. Temos de estar preparados para reagir a cada uma delas. Até me disseram que não devemos ter medo de viver e ser feliz. Mas eu não estava vendo assim.

Quarta feira – 22 horas – um dia antes

                  Tinha rodado por toda a cidade não só nos melhores colégios, mas também aqueles mais humildes. Cinco meses desempregado. Achei que era um bom professor. Sempre a mesma desculpa. Volte no fim do ano, quem sabe teremos alguma desistência de professores e poderemos admitir você? Educadamente é claro. Minha família era muito unida. Casei com Karina há dez anos atrás. Deus nos abençoou com Antero e Maria Eugenia. Um casal de filhos lindos e que agora se aproximando dos oito e nove anos faziam de nossa família o lado extremo da felicidade.

                   Dizem que a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida, olhando-se para frente. Nunca tive problemas com minha atividade profissional. Provi minha família de um lar humilde sim, mas cheio de alegrias e felicidade. Era professor de um grande colégio que para surpresa de muitos fechou as portas e me vi na rua. Como não estava conseguindo nenhuma oportunidade, li que uma universidade no interior, por sinal muito bem quista na sua área, estava oferecendo vagas para professores que tivessem formação acadêmica ou pedagógica.

                   Karina concordou e até fez planos se fosse admitido. Ela achava que uma cidade menor teria uma vida mais simples, mas bem mais calma e pacata. Peguei o ônibus das 22 horas, e deveria chegar à cidade por volta de 07 da manhã. Uma viagem calma deu até para tirar bons cochilos. Notei com alegria que a cidade tinha aquele aspecto de interior, e era bem provida de arvores com um belo rio cortando de ponta a ponta vários bairros.

Quinta feira – 07 horas – o dia fatídico

                  A rodoviária era pequena e logo que desci peguei minha maleta e procurei alguém para me informar sobre a universidade. Uma moça próxima a uma banca de jornal me fazia sinais para aproximar. Era uma linda morena de olhos castanhos, grandes, um lindo cabelo negro amarrado em rabo do cavalo e ela sorria para mim. Deus do céu! Ela era linda demais. Fui ao seu encontro, primeiro pela sua beleza segundo porque achei que ela queria algum de mim e não era eu, pois não era bonito, e até tinha o corpo meio encurvado para os meus 42 anos.

                 Pediu desculpa e se apresentou como Cecília. Queria saber se poderia acompanhá-la até o Banco da cidade, pois iria retirar uma grande quantia em dinheiro e tinha medo e de ir lá só. Poderia ter aconselhado a pedir ajuda a um policial, mas não o fiz. Tinha duvidas sobre sua historia se era verídica. Eu estava absorto com sua imagem, pois apesar de amar profundamente Karina, não podia deixar de aproveitar alguns minutos ao lado dela. Não pensem mal de mim. Nunca iria trair Karina. Mas como era cedo, fomos até um restaurante/bar que estava aberto e tomamos um café acompanhado de pães e biscoitos.

Quinta feira – 09 horas – o dia fatídico

                  Se fosse um bom observador, o que não sou, poderia ter visto do outro lado da rua um pequeno Fiat com três pessoas dentro, a observar nosso colóquio amigo no restaurante. Conversamos amenidades, e eu não sei por que, estava fascinado com aquela mulher. Não deixava de olhar dentro dos seus olhos grandes, seus lábios grossos e vermelhos. Senti-me culpado por Karina. Eu ali com uma bela mulher, agora desejando ela ardentemente e ela a labutar e dar assistência aos filhos que lá ficaram.

                 Cecília falava naturalmente. Quando ria, sua boca estremecia para a direita e seus lindos dentes apareciam fazendo um trejeito irresistível. Não sei se falou a verdade ou se contou pequenas nuances de sua vida de maneira ficcional só para me enganar. Eu não tinha experiência com mulheres. Nunca tive. Cecília em poucas horas estava me conquistando fazendo de mim um escravo de tudo que ela desejasse. Agora ali, eu não olhava para trás. Este estava sendo o dia mais feliz de minha vida. Vivia ele como se fosse o único, e especial, com uma pessoa especial.

Quinta feira – 10 horas – o dia fatídico

                   Saímos do restaurante e nos dirigimos ao banco. Sua historia do dinheiro me deixou intrigado, mas sua beleza me enfeitiçou. Entramos e ela procurou o gerente. Não sei o que conversaram, mas o gerente saiu com ela branco como uma folha de papel. Ela me olhou e sorriu. Aproximou de mim e disse – Muito obrigado, não preciso mais de você e me deu um beijo mordido. Um beijo que nunca tive na vida. Foi realmente incrível. Fiquei estático com aquele beijo. Logo vi que a trama que me envolveram não estava de maneira nenhuma preparado para ela.

                    Os três bandidos que estavam no Fiat entraram armados até os dentes. Mandaram todos deitar e um cliente que demorou levou uma coronhada no ombro caindo como uma pedra no chão. Eu não deitei e o que parecia ser o chefão, um barbudo, se aproximou e me disse baixinho.  – Pela sua ajuda vais levar uma parte, agora não se faça de bobo e deite como todo mundo. Eu tremia. Não deitei e ele me olhou de novo e me deu uma rasteira. Mesmo assim não cai. Dei nele um tremendo soco no rosto. Nossa! Nunca fiz isso! Um dos bandidos atirou em mim e Cecília entrou na frente recebendo a bala que a mim era destinada.

Quinta feira – 11 horas – o dia fatídico

                     Virou uma balburdia o banco. Gente gritando, outros tentando correr para a porta e eu boquiaberto com tudo. Não sabia como reagir. Ouvimos lá fora a sirene do carro da policia. O banco estava cercado. O barbudo que parecia ser o chefe e dava ordens a todos inclusive a mim se aproximou de Cecília. O tiro tinha entrado no ombro e sangrava muito, mas ela ainda estava viva. Poderia ter sobrevivido, mas o barbudo não quis que ninguém a socorresse. Porque não sei. Ela estava de olhos abertos, deitada em uma poltrona e fez um sinal com os olhos para me aproximar.

                      Fernando Pessoa dizia que o próprio viver é morrer. Não temos um dia a mais na nossa vida que não tenhamos nisso, um dia a menos nela. Foi uma carnificina. Os três ouviram os policiais para se renderem. Fizeram tudo ao contrário. Disseram alto que a cada cinco minutos matariam um se a policia não saísse de frente do banco. Policia do interior, não preparada para esse tipo de ação. Não saíram. Deram um tiro na cabeça do gerente. Cinco minutos depois outro no pescoço de uma moça jovem.

Quinta feira – 13 horas – o dia fatídico  

                        Cecília queria falar e não conseguia. Sua boca enchia de sangue. Fui até ela mesmo com o barbudo gritando para ficar onde estava. Ela baixinho pedia perdão, não queria isso, não era assim que tinham planejado. O plano falhou. Eu teria outro papel. Não sei que papel seria, pois ela morreu em meus braços. O barbudo me deu uma tremenda coronhada com o fuzil que portava. Cai esparramado no chão próximo a um vigilante desmaiado e não desmaiei. Deu para pegar seu 38. Nem sei o que pensei. Não sabia atirar. Nunca dei um tiro na vida.

                        Meu primeiro tiro pegou no peito do magrinho que não falava e ele caiu duro no chão. Corri atrás do balcão. Uma saraiva de balas pelos dois que lutavam ainda para escapar. Olhei e vi que só tinha duas balas. Mirei no cara do jaleco preto, ele também quase não falou, mas matou três pessoas no banco a sangue frio. Ele veio na minha direção rindo, debochando e acertei um tiro em sua boca. Ele caiu estrebuchando feito um porco capado.

Quinta feira – 14 horas – o dia fatídico   

                      Ouve um silencio macabro no banco. A policia não se mexia. Não queriam entrar. Receberam ordens da capital. Um major de uma cidade próxima chegaria logo para negociar. Eu fiquei calado e quieto. Só uma bala na arma. O barbudo começou a cantar baixinho e depois cantava alto. Louco, ele é louco pensei. Um homem de idade levantou e saiu correndo em direção à porta. O barbudo o derrubou com um tiro.

                     Fiquei ali sem saber o que fazer. O barbudo não se aproximou. Não sabia quantas balas tinha e eu achava que ele se amedrontou com meus tiros certeiros. Não sei por que fiz aquilo. Um simples professor. Nunca tinha usado da violência. Nunca dei um tiro em minha vida. Agora não tremia mais. Fiquei preocupado, pois achava que estava gostando de tudo. Deus meu! Isto não pode acontecer. Uma saraiva de balas entrou pela janela. Fui atingindo no braço e minha arma caiu. Os policiais resolveram atirar não sei por quê.

  Quinta feira – 15 horas

                 - Você tem vinte e cinco segundos para rezar seu filho da puta. Vou matar você como se mata um cão! Não espere piedade. Você me tirou Letícia e matou meus amigos. Nada mais me resta. Vai se encontrar com o diabo nos meios dos infernos! – Ele me pegou desprevenido. Olhava para a porta e ele veio por trás. Não reagi, não dava mais. Só vi a policia de choque invadindo o salão do banco. Ele atirou em mim e o tiro pegou no outro braço. Caiu para trás com vários tiros dados pelos policiais. Acho que morreu na hora.

                   Levaram-me para o hospital da cidade. Não tinham condições de me tratar. Duas balas em cada braço. Fui para outra próxima. Fiquei lá por 15 dias. Minha esposa me acompanhou. Quando soube veio correndo. Os jornais me tratavam como o herói que salvou muitos reféns. Não salvei ninguém. Nem sei até hoje porque fiz aquilo. Mas me fizeram um herói que nunca existiu. Não adiantava explicar.

Segunda feira – 07 horas – dois meses depois do acontecido.        

                    Meu primeiro dia de faculdade. Fui aceito como professor e todos me olhavam admirados. Não gostava disto. Mas sabia que era um fato e este fato iria desaparecer com o tempo. Karina estava contente com a nova casa. Simples mas uma morada cheia de amor. Meus filhos adoraram a cidade. Fui homenageado por diversos clubes da cidade. O Rotary e o Lyons Clube. O prefeito me deu uma medalha que disse ser a mais alta condecoração já dada a alguém. Não me sentia bem com todas aquelas homenagens. Mas a vida é assim mesmo.

                   Diziam que na vida, nada se resolve, tudo continua. Permanecemos na incerteza e chegamos ao fim sem sabermos com o que podemos contar. Nunca mais esqueci Cecília. As pessoas entram em nossa vida por acaso, mas não é por acaso que elas permanecem. Karina nunca soube da minha paixão momentânea por ela. Nunca contei. Se nossas vidas só pode ser compreendida olhando-se para trás, que assim seja. Mas acredito que só pode ser vivida olhando-se para frente.

                   Sei que os anos irão passar como o vento passa e se vai. Diferente do vento não esqueci. Tudo que aconteceu permanece vivo na minha mente. Amo Karina e não esqueço Cecília. Quem sabe as voltas do mundo me farão ver o outro lado que ainda não tinha visto. A violência nunca existiu em mim até o dia que ela apareceu. O deus da guerra e da violência aparece sempre em atitude de repouso. Não sei quanto tempo ficarei nesta inércia do passado e do presente. Mas se a vida quis assim, quem será eu para mudá-la?

CANÇÃO DE OUTONO

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.

Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando àqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.

Certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

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