O
FUNERAL
Parem
todos os relógios, desliguem o telefone,
Evitem o latido do cachorro com um osso
suculento,
Silenciem os pianos e com tambores lentos
Tragam o caixão, deixem que o luto chore.
Deixem que os aviões voem em círculos altos
Riscando no céu a mensagem Ele Está Morto,
Ponham gravatas beges no pescoço dos pombos
brancos do chão,
Deixem que os guardas de trânsito usem luvas
pretas de algodão.
Ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste,
Minha semana útil e meu domingo inerte,
Meu meio-dia, minha meia-noite, minha canção,
meu papo,
Achei que o amor fosse para sempre: Eu estava
errado.
As estrelas não são necessárias: retirem cada
uma delas;
Empacotem a lua e façam o sol desmanchar;
Esvaziem o oceano e varram as florestas;
Pois agora nada mais de bom nos resta.
O Agente Funerário e a
mulher do Barão da Mexerica.
Esta
história eu ouvi de um amigo meu, quando nos encontramos em uma viagem de trem
até Vitória no Espírito Santo. Minha empresa me mandou lá para tomar uma providencia
urgente sobre alguns funcionários da filial. Gostava do trem. Fui um dia antes
para chegar na data certa. Não gosto muito de avião. Sentou ao meu lado um
senhor já de idade, mas extremamente simpático. Valdo Feer as suas ordens disse.
Uma conversa boa gostosa e fomos jantar juntos no vagão restaurante. Contou sua
vida, seus amores suas histórias. Uma ficou marcada. O Agente Funerário de Rio
Verde. Guardei tudo para contar a voces esta história que ele me garantiu
verídica. Para dizer a verdade não acreditei. Se fosse verdade mesmo ele
estaria com mais de cem anos. Mas quem sabe ele tem mesmo?
Toda tarde Picolino ia para os quartos dos fundos de sua Funerária mais conhecida
como a “Aquela do sono gostoso e profundo”. Ninguém sabia o que ele ia fazer.
Dormente e Mafalda que trabalhavam para ele nunca entraram naquele quarto.
Sabiam que se perguntassem ou fossem lá seriam demitidos na hora. Emprego
difícil, Picolino pagando bem porque facilitar? Claro eles sabiam da fama de Picolino.
Nenhuma viúva deixava de visitar o quarto nos fundos de Picolino. O que todos
não entendiam era por que. Picolino era feio. Alto. Cara chupada, nariz fino,
olhos sumidos, cabelos negros com guméx para fixar mais para trás e sempre com
um terno preto e chapéu coco preto.
Contaram-me uma vez, não sei se é verdade que Picolino mandou sua esposa
para melhor só porque ela reconheceu um troço grande. Ele estava para mandar um
tal Jamil Peixeira para ser cremado quando viu no seu corpo nu o maior membro
que ele tinha visto na vida. Pediu desculpas ao morto o Jamil e disse a ele –
Não posso mandar o senhor para o crematório com essa coisa enorme. Isto tem de
ser conservado para a posteridade. Ele com um bisturi corta o treco do Jamil,
guardou e o levou para casa. Não resistiu e resolveu mostrar a monstruosidade
para a mulher que ao ver o conteúdo gritou! – Ai meu Deus! O Jamil morreu? Risos.
Não sei se a história é verdadeira.
Bem
quando cheguei na cidade me disseram que ele não era casado. Viúvo talvez. Não
importa, portanto vamos voltar à história. Mesmo com aquele olhar e aquela
maneira de cadáver ambulante, o danado atraia as mulheres. E como atraia. Todos
se perguntavam o que ele tinha assim para que elas caíssem em cima dele como
moscas no mel. Seu estilo cadavérico? Conversa de macho? Mandioca grande?
Ninguém contava. Nenhuma mulher falava. Na cidade os maridos ficavam de orelha
em pé. Ninguém queria morrer e cá prá nós, morrer ninguém quer mesmo. Risos.
Mas lá em Rio Verde pensar que todos estavam te pranteando e Picolino comendo
sua mulher ali na funerária?
Era
comum a Funerária estar sempre cheia. As mulheres vinham e ficavam a passear em
voltas dos caixões, vendo os preços, quem sabe o mais luxuoso e pagar a
prestação. Claro, isto não importava para quem morreu, mas quem fica sempre
quer impressionar. E atrás vem a mortalha, a decoração do lugar no dia da
morte, plantas e flores, a coroa de flores e claro um pedreiro para arrumar o
tumulo da família se houvesse. Ficavam todas alvoroçadas quando Picolino vinha
atender. Picolino tinha na parede vários diplomas de cursos que fez para cuidar
dos mortos. Um deles fazia questão de mostrar pessoalmente. Tratronopraxia
Avançada de Terapia Facial. (quase quebrei o queixo para falar) Picolino fazia
os mortos reviverem de tão bonitos. Alguns até diziam – Parece que está
dormindo!
Telúrio era um homossexual muito conhecido em Rio Verde. O único que
saiu do armário apesar de todos saberem que a cidade era cheia deles, mas
enrustidos. Tinha uma queda por Picolino. Ninguém soube até hoje se tiveram
algum caso ou se ele foi até o quartinho dos fundos da funerária. O que ninguém
sabia é que Telúrio ajudava Picolino a deglutir a mulher do Barão da Mexerica.
A Baronesa Olga Cata Prússia chamava a atenção pelo seu porte. Linda, alta
cabelos negros encaracolados. Usava brincos enormes, uns lábios carnudos
vermelhos e por onde passava deixava um rastro de “Belle et Saine” um perfume
que só ela usava e que vinha de Paris para ela. Coisa de duzentos mil reis.
Ninguém conhecia sua história. Chegou casada com o Barão das Mexericas
numa tarde no trem da Central vindo da capital. O Barão, ou melhor, Doutor
Archimedes Cata Prússia era um homem rico. Milhares e milhares de acres de pés
de cacau. Ele tentou quando foi a capital comprar o titulo de barão pediu para
ser o Barão do Cacau, mas já tinha outro. Disponível só o Barão das
Mexericas. Sem alternativa aceitou.
Dizem que ela era uma das moças mais bonitas do Bordel de Madame Solange, lá na
Ladeira da Montanha. Assim me contaram e o Barão se encantou por ela. Ninguém
tinha certeza. Fuçar no assunto era morrer nas Mãos do Barão das Mexericas. Um
olho na mulher dele, um tiro no olho ou na bunda e bem no buraco como ele
gostava.
Eu não
sei não, mas acredito que o Barão das Mexericas era cornudo. Mas se era mesmo
porque não mandou matar ou ele mesmo podia ter liquidado Picolino? Quem na
cidade não sabia que tinha um belo par de chifres na testa colocada
gostosamente por Picolino? Um segredo que muitos tentavam saber. Mas era
difícil. Muito. A mulherada não contava nada. Na beira do rio das Borboletas,
lá onde ele tem as corredeiras cheias de pedras e onde as lavadeiras trabalham
e se divertem, as fofocas correm longe. Mas sobre Picolino? Nada. Simplesmente
nada. Um silencio sepulcral.
Rio
Verde há quatro meses estava sem Delegado. O prefeito foi avisado da chegada de
Mauzinho Tirocerto o novo Delegado transferido da comarca de Itabaiana. Foi
informado que era um homem mau, não perdoava ladrão e assassino. Ele gostava de
ser o Juiz e o Carrasco. Dizia que bandido bom é aquele que cheira a defunto.
Dr. Mauzinho chegou a grande estilo no trem da tarde da Central do Brasil.
Esperava Banda de Musica. Não tinha. Procurou autoridades. Nenhuma. Porra! Vou
tirar o couro desta merda de cidade! Ele mesmo e sua bela mulher Pepita
Tirocerto foram a pé para o hotel Bento das Flores. O prefeito quando soube,
chamou o Doutor Juiz, o Doutor Promotor e correram para o hotel. O Delegado
Mauzinho Tirocerto os mandou a merda. Não vou receber ninguém.
Assim
começou o trabalho do Delegado Mauzinho Tirocerto em Rio Verde. Contra tudo e
contra todos. Vão se foder comigo pensava. Mandou um recado para o prefeito.
Urgente, quero uma casa boa no centro da cidade. Não tinha. A única era de
Picolino. Estava vazia, mas ele nunca quis alugar para ninguém. O prefeito
explicou ao delegado. Na mesma hora o valente homem foi à funerária. Vou
mostrar a este “bosta” quem sou eu. Entrou sem bater e gritou: Quem é o dono
desta merda?
Bem não
sei como, mas me contaram que Picolino levou o delegado para o quarto dos
fundos e ele nunca mais encheu o saco de Picolino. Mas sua mulher a Pepita
Tirocerto passou a frequentar e mais um dos rioverdenses foi coroado com um
belo par de chifres na testa. Na morte do Doutor Malacacheta dos Santos a
cidade em peso compareceu no velório. Para dizer a verdade sua mulher dona
Zenilda dos Santos não era muito bonita e mesmo assim foi parar no quarto dos
fundos de Picolino. Como eram muito ricos, donos de duas casas de comercio na
cidade e único revender Ford da cidade ela resolveu dar uma grande festa na
morte do marido. Bem isto era comum naquela época.
Contrataram uma Madame da Capital, uma tal de Eufrásia Rigoleto que era
bamba na preparação de tais festas e muito falada em toda a capital. Ela
organizou uma festança e rápida, pois o defunto já tinha dois dias que tinha
morrido. Claro Dormente e Mafalda se locupletaram. O defunto sempre bonito e
cheiroso. E a mulher dele não parava de ir ao quarto dos fundos de Picolino.
Madame Eufrásia vendo aquilo resolveu participar também. Uma saia outra entrava
e Picolino lá. Puxa vida, que animal era esse para dar tantas assim uma atrás
da outra?
O Delegado
Doutor Mauzinho Tirocerto chegou com a mulher dona Pepita Tirocerto. Ela disse
que tinha de ir à toalete, mas o delgado sabia aonde ela ia. No quarto dos
fundos de Picolino. Ele fechou a cara e não disse nada. O que aquele homem
tinha? Deus do céu! Ninguém se revoltava dos chifres que estavam levando? A
mulherada da cidade toda passou pelo quarto dos fundos de Picolino naquele
enterro onde os comes e bebes corriam solto. E olhem, ninguém, ninguém dizia
nada. Quase cinco mil habitantes e ninguém para se revoltar contra Picolino?
Lamartine
de Vilavenco da Anunciação Caravajio, era um simples caixeiro viajante. Nunca
fez aquela área, pois era de um colega seu. Agora que ele se demitiu da
companhia Lamartine ficou encarregado. Chegou a Rio Verde no expresso da
Central do Brasil as cinco da tarde de uma sexta feira, data programada para o
enterro do Doutor Malacacheta dos Santos. A cidade vazia. Um moleque contou o
que estava havendo. Foi ao hotel e estava fechado. Chamou o moleque para tomar
conta de sua mala. Lá foi ele para o cemitério. Nunca tinha visto uma cidade
parar por causa de um enterro. Assustou com tudo. Comida farta, bebida farta e
nunca viu tantas mulheres bonitas.
Ficou de
olho em uma. Moreninha linda, baixinha quase da altura dele. Devia ter o mesmo
que ele um metro e cinquenta e cinco. Sempre gostou de jovens da altura dele.
Adorava fazer o “negócio em pé”. Cada um com suas manias e suas taras. Quando
ia aproximar viu que ela foi pelo corredor da Funerária sem olhar para trás.
Achou que era um chamariz para ele. Não se fez de rogado. Ela entrou em um
quartinho dos fundos. Riu para sí próprio. Está no papo! Abriu a porta já com o
negocio em ponto de bala! Meu Deus! Que diabo era aquilo? A moreninha estava de
quatro com as calcinhas rasgadas gemendo e o Capeta atrás enfiando um membro
enorme nela. Minha nossa senhora, ia sair correndo e o capeta com um olhar não
deixou. Soltou à moreninha e colocou-o de quatro. Maldito demônio dos infernos!
Comigo não seu filho da mãe!
Gritou
alto. Jesus amado socorrei-me! O capeta ou o demônio sei lá gemeu e pegou uma
espada em chamas e ia cortar seu pescoço. Pulou uma janela e sumiu em uma rua
da cidade. Sua mala ficou lá. Uma semana depois chegou com vários milicos da
capital. Não acreditaram nele, mas ele disse que se não fossem com ele
publicava em todos os jornais da capital. Chegaram à estação e ela vazia. A
cidade vazia. Parecia uma cidade fantasma. Foram até a delegacia. O delegado
Mauzinho Tiro certo, o chifrudo mor, recebeu a todos com cara amarrada. Olhou
para Lamartine com os olhos em chama. Filho da Puta! O Delegado era um merda.
Um cornudo que gostava de ser. Foram até a funerária. Pranteavam um morto.
Lamartine riu. Agora vamos pegar o danado com a boca na botija. Levou o tenente
até o quarto dos fundos. Abriram e a surpresa. Picolino e duas mulheres de
joelhos rezando em frente à Santa Erotildes.
O tenente
estava puto. Vamos embora. – Vamos sumir daqui. Não sei onde arrumou esta
historia do demônio. Riram dele. Resolveu ficar até o dia seguinte. Afinal eram
anjos ou demônio? Lamartine foi dormir. Não conseguiu. Uma luz vermelha em seu
quarto. Picolino de capeta rindo. Mostrando o membro enorme. Lamartine saiu
correndo. Correu pela estrada até a cidade de Batislau Amarelo. Pegou o trem.
Na capital contou tudo para seus amigos repórteres. Riram dele, mas um resolveu
ir até a cidade de Rio Verde. Na estação o bilheteiro disse que não havia
aquela cidade servida pelo trem. Lamartine quando ficou sabendo correu mais
ainda. Saiu pela fronteira do Paraguai. Deve estar correndo até hoje. Nos seus
pensamentos a capetaiada estava montando um inferno particular nas cidades.
Pegando todo mundo de quatro! Nunca mais voltou ao Brasil. A ultima noticia
dele é que havia passado pela Mongólia. Lá nos montes Urais. Nunca mais souberam
dele.
Se
você quiser um bom enterro, procure o Picolino. Será um enterro nota dez. Mas
não leve sua namorada e ou sua mulher. Risos. Agora me lembrei. Você é o morto.
Não pode fazer nada. Feliz bom inferno para você chifrudo!
Suspiro - o
derradeiro
Por quais devaneios tu reclamas,
Se tu és um homem coroado,
Entre mil margaridas e rosas,
E gritas: “Deus! Estou acordado!”.
Que angústia invasora é essa?
Quando tu foste abençoado
Pelo padre, anjo dominical,
E gritas: “Deus! Sou um desgraçado!”.
Que paixão derradeira é essa?
Por entre o véu de rendas bordado,
Que na escuridão se manifesta,
Gritando “Deus! Estou acordado!”.
Que choro de lamento é esse?
Teu terno italiano foi passado.
Lindos sapatos te adularam.
Só porque vivo fostes sepultado?
Que engraçado! Até na morte tu és ingrato!
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