Fantasmas.
Os seres
que povoam a minha mente,
Nas noites
de tempestade e de insônia
São almas
errantes que tristemente,
Vagam pela
terra sem alegria.
Nos os
quero em minha cama,
Não os
quero em meu pensamento.
Mas voltam
sempre atrás de uma chama
Em busca
de uma alma em movimento.
Não os
conheço estes seres flamantes,
Talvez
noutros tempos com eles vivi
São do
passado, d’uma vida distante,
Ou talvez
como eles, eu já morri!
Doroni
Hilgenberg
Alberico Boa Morte, o
coveiro apaixonado pela alma do outro mundo!
“Quem atravessa a
rua recua para a calçada para poder ouvir com mais atenção. A moça que recebia
o troco na loja da esquina interrompe o “muito obrigado” para escutar. Rostos
indiscretos aparecem em portas e janelas de casas e apartamentos a fim de
captar bem as palavras. O motivo do silêncio e da curiosidade que para a cidade
de cerca de 20 mil habitantes no Norte gaúcho é a morte. Há 47 anos, a torre da
Igreja Matriz de Tapejara anuncia todos os falecimentos que acontecem no
município, através de um sistema de alto-falantes, desenvolvido em 1964 e
substituído 30 anos depois.
O som da oração de São Francisco seguido
pelo nome do último falecido já se incorporou à rotina de quem vive em Tapejara, município distante 400
quilômetros de Porto Alegre. De acordo com o padre Hélio Corso
Marsiglio, responsável pela igreja que faz os anúncios, a população não
aceitaria que eles deixassem de existir. “Se a gente deixar de fazer, a
comunidade se revolta e o padre vai apanhar”, comenta entre risos. Desde que
começaram a ser anunciadas, mais de mil mortes já ecoaram pelo município.”.
História baseada nesta lenda de Tapejara,
cidade do Rio Grande do Sul.
Dizem por
aí que tudo que tem de acontecer acontece. Dizem também que quem já fez aqui
vai voltar para pagar. Bem para mim não importa. Que fiquem por lá que voltem
desde que não me incomodem tudo bem. Mas isto nada tem a ver com Alberico Boa
Morte. Em Tapejara ele era conhecido de todos. Afinal quem não conhecia o
Recanto da Solidão? O mais lindo cemitério do Rio Grande do Sul? Sempre foi
considerado o mais bonito do estado. O prefeito soube de um concurso que houve
na Polónia e a cidade de Kraków foi à vencedora. Ele mandou um Assistente seu
lá para ver e tirar fotos. Lindo cemitério. Ele dizia sempre que queria ser
enterrado em um deles. Assim começou a modificação. Mudaram tudo. O Recanto da
Solidão tomou forma. O sonho do prefeito se tornou realidade. Agora os mortos
poderiam dormir o sono dos justos, em um local florido, gramado e a noite luzes
coloridas para dar a impressão de arco íris cortando o céu da cidade. O Senhor
Alcaide dizia que morreria feliz. Iria passar para a eternidade no mais lindo
cemitério do mundo!
O que
marcava o Recanto da Solidão eram os mausoléus. Os coronéis, donos das casas
mais chiques, de pequenas fabricas sabiam gastar para fazer seu recanto na
última morada. Alberico Boa Morte nascera ali e sabia que um dia iria morrer
também. Herdou do seu pai a função de coveiro. Nunca aprendeu outra coisa. Na
escola o chamavam de Alberico Cadáver. Ficou até a quarta série. Não fez
amigos. Não tinha em nenhum lugar. Ele sabia, era um estigma que não tinha futuro.
Vivia nas horas vagas andando daqui e dali por cima das sepulturas, molhando as
flores, limpando mausoléus, jazidos, túmulos. Alberico gostava de sua vida.
Quando seu pai morreu ele sabia de tudo e como fazer. Nunca precisou de
ajudantes. Não tinha pressa para enterrar um defunto, ou melhor, um finado,
como lhe ensinaram a tratar o corpo do coitado que seria comido por vermes e
com o tempo nem os ossos se aproveitariam.
Alberico
Boa Morte era Católico. Não era praticante. Ia à missa uma vez sim e outra não.
Já com seus 25 anos, andava curvado, tinha um pequeno cavanhaque, olhos fundos
com sobrancelhas espessas. Aprendeu com seu pai a usar uma bengala e um chapéu
coco, preto, com uma jaqueta também preta. Alberico tinha um sonho. Conhecer
uma moça, namorar e casar com ela para ter filhos e quem sabe um seguidor do
seu ofício. Desde que o pai morrera vivia sozinho em sua casinha no fundo do
Cemitério. Um sonho difícil. Nenhuma moça na cidade olhava para ele. Elas
tinham medo de sua figura e morar em um cemitério mesmo que fosse o mais bonito
do mundo não era o pedido de muitas. Um dia varias jovens fizeram uma aposta.
Ganharia quem namorasse Alberico Boa Morte por uma semana. Nenhuma ganhou um
tostão. Era só passear com ele em cima das sepulturas, das catacumbas negras e
não tinha uma que não fazia xixi nas calças.
O tempo
foi passando e os amigos de Alberico Boa Morte eram os mortos do Recando da
Solidão. Muitos juravam que ele conversa com as almas do outro mundo. Alguns
afirmaram que ele trazia recados dos que se foram para os vivos que ficaram.
Alberico gostava de sentar em noite de lua cheia no Mausoléu da Família Cunha,
cujo ancestral famoso foi o Coronel Flores da Cunha da Guarda Nacional. Ele
sabia que Marilia, que não casou e morreu de tuberculose adorava conversar com
ele. Ela não vinha todos os dias e quando ficava sozinho sempre tinha fantasmas
amigos para prosear e tomar um gostoso chimarrão que ele sabia preparar.
Comprou uma linda bomba de prata folheada a ouro, um aparador, uma atérmica
sempre com água quente, e claro um copo de água morna. A Erva-Mate era
escolhida a dedo. Tinha noites de mais de vinte fantasmas ficarem ali com ele
cantando Boi Barroso, Chimarrita, e adoravam Negrinho do Pastoreio. Juvenal
trazia sempre seu violão lá do céu e com sua voz de anjo cantava baixinho –
“Negrinho do Pastoreio, acendo esta vela prá ti. E peço que me devolvas a
querência que perdi. Negrinho do Pastoreio...”.
Foi numa
noite triste, que não apareceu ninguém que Alberico Boa Morte conheceu
Chimarrita. Uma jovem dos seus vinte e cinco anos, morena, olhos azuis, linda.
Que beleza meu Deus! Disse para si Alberico. Ele lembrava que ela tinha sido
sepultada há pouco tempo. Dizem que seu noivo a matara a facadas, pois tinha
muito ciúmes. Alberico Boa Morte se apaixonou por Chimarrita. A cidade de Tapejara
não entendeu aquela sexta feira treze, onde um clarão se fez no Cemitério
Recando da Solidão e junto com músicas e gritos de alegria se fizeram ouvir por
toda a noite. Ninguém teve coragem de ir lá. De longe uma turba olhava aquela
festa dos mortos. O delegado mandou dois soldados de a Brigada Militar ir lá
ver e informar a todos. Nem pensar disseram. O prefeito cutucou o juiz que
cutucou o delegado, que cutucou o sargento que cutucou o padre e nada.
Não se
sabe como, a torre da Igreja Matriz de Tapejara começou a anunciar em alto e
bom som, que Alberico Boa Morte e Chimarrita Flores da Cunha haviam se casado
com as graças do Senhor. O padre correu até o serviço de alto falantes da
igreja e nada viu. A cidadezinha de 20.000 habitantes ficou estarrecida. Uma
serie de acontecimentos tomou conta do Cemitério Recanto da Solidão. A noite
sempre se ouvia o som de violão, e juravam de pé junto que a sanfona era tocada
por Chico Sanfoneiro morto a centenas de anos. Um dia, a cidade inteira veio à
rua para ver. Alberico Boa Morte levava de mãos dadas, um garotinho lindo, dos
seus seis anos, e quem conheceu Chimarrita jurava que era seu filho.
Parecidíssimo. Não houve como a diretora da escola Flores da Cunha não
matricular o menino. Quatro anos depois eis Alberico Boa Morte de mãos dadas
com uma linda menina. Mais uma para a Escola Flores da Cunha.
Até hoje os
habitantes de Tapejara ouvem canções, sabem das festas no Cemitério Recanto da
Solidão e já haviam se acostumado. Estudantes de direito que vinham passar as
férias com seus pais e que se arriscavam a entrar naquele campo santo, juravam
que as festas tinham vinhos de boa qualidade e o melhor chimarrão do mundo. Contavam
que Alberico Boa Morte e Chimarrita Flores da Cunha formavam o casal mais
perfeito que tinham conhecido. Muitos destes estudantes fizeram grandes amigos
entre os mortos do Recanto da Solidão. Eu soube de fonte fidedigna que um dia o
Padre, o Bispo e mais cem soldados da força pública invadiram o cemitério, pois
pensavam em exorcizar aquela farra noturna, pois agora a cidade de Tapejara era
um paraíso de turistas que vinham de todo lugar.
Encontraram
o Campo Santo vazio, sem ninguém, mas surpreendentemente viram na varanda da
casa de Alberico Boa Morte ele e Chimarrita Flores da Cunha, com mais umas
quinze almas gaúchas do outro mundo, ao som de uma gaita, de um violão
celebravam sua raízes gaudérias e a beleza deste chão cantando e dançando a
pleno pulmões. Eles mesmos os mortos sabiam que o mal se espanta cantando e
dançando, pois só assim se espanta as tristezas. Sem esquecer que o chimarrão e
o vinho gaúcho corria a solta entre todos. O Padre e o Bispo saíram correndo e
nunca mais voltaram. Os cem valorosos soldados da força publica entraram na
dança e beberam vinho até o amanhecer.
Chimarrita vou
cantar
Qu'inda hoje não cantei (bis)
Deus lhe dê muita boa noite
Qu'inda hoje não lhe dei (bis)
Chimarrita morreu ontem,
ontem mesmo se enterrou (bis)
Quem falar da chimarrita
Leva o fim que ela levou (bis)
Chimarrita que eu canto
Veio de cima-da-serra (bis)
A pular de galho em galho
até chegar na minha terra (bis)
Fantasmas
Vieram de longe estes fantasmas
Pagos pelo diabo
Para me torturar…
Fico presa
De pés e mãos mergulhada na dor
Há uma sombra branco-Etérea
Etérea, transparente
Postada em desafio
Entre mim e ti, ó meu Amor!
Deixa-a passar
Confio tanto na alva madrugada
Que vou sorrindo aos fantasmas que chegam
Pagos pelo diabo
Para me torturar…
Maria Helena Amaro
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