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quinta-feira, 15 de novembro de 2012

O Vale da Redenção. Onde o ódio e o amor convivem em paz.




A Vingança!
 
Afasta de ti a vingança
O ódio e o rancor
Aquela mata a esperança
Estes, a paz e o amor
 
A vingança é um reflexo
Do instinto predador 
De quem nutre um complexo
De querer ser superior
 
É a *escrófula da alma
É a máxima do desamor
No indivíduo sem calma
Que só alimenta o pior
 
Ruína inerme, sem valor
Chaga, tenebrosa e triste
Golpe sujo, de **ablator
Estertor que ao mal resiste
 
É o ódio em movimento
O rancor em turbilhão
À vingança, é o excremento
Do amor e da razão
 
Vingança é o acre da vida
A incompreensão moral
Na penúria desvalida
Em nosso reino animal
 
Qual seta na escuridão
É o ***rebramir selvagem
Da fúria do coração.
Armando A. C. Garcia. 


O Vale da Redenção.
Onde o ódio e o amor convivem em paz.

                    Vinte cinco anos! Quase uma vida. Já nem sabia mais o que era viver fora das quatro paredes do presidio da morte. Ali ele cresceu espiritualmente e seu corpo adquiriu a maturidade de um homem que sabe o que quer. A penitenciaria quando lá chegou acreditou que ia morar no inferno. O cheiro, as paredes descascadas, os gritos, os vícios degradantes e ele não sabia se poderia aguentar. Estava com vinte e cinco anos quando chegou. Começou a lembrar de seu passado. No inicio lembrava todos os dias. Depois raramente. Levava uma vida simples sem ostentação e trabalhando de sol a sol. Abelardo era seu amigo de infância. Juntos abriram uma empresa para fabricar sacolas de papel. Estava dando certo. Os negócios iam bem. Abelardo cuidava das vendas e Francine da fabrica. No inicio só ele e Abelardo. Depois mais um e mais um até que a fabrica chegou a possuir doze funcionários, e todos gostavam de Francine e Abelardo.

                     No domingo, ao sair para ir à missa dominical dois investigadores o prenderam. Acusaram-no de matar Abelardo. Foi encontrado morto na fabrica esfaqueado em diversas partes do corpo. Vários empregados confirmaram que só ele e Abelardo ficaram no escritório depois do encerramento do expediente no sábado. Um deles disse ter ouvido gritos e uma luta corporal. Conseguiu contratar um bom advogado. Mesmo mostrando que Francine estava sendo acusado injustamente perdeu a causa. Foi condenado a vinte e oito anos e se tivesse bom comportamento poderia sair com vinte e cinco anos. Francine ficou desesperado. Não estava acreditando seria um pesadelo? Seus pais moravam no interior e levaram um choque tremendo quando souberam da decisão do júri. Sua mãe foi internada as pressas.

                       Seu primeiro dia foi como se estivesse vivendo em um mundo desconhecido. A primeira noite na cela foi um horror. Não aguentou e começou a gritar que era inocente. Todos riam dele. Seu companheiro de cela o mandou calar e chorando sentou em seu catre e ali ficou até o dia seguinte sem dormir. Nos dias seguintes ele ficou como um sonambulo levado aqui e ali pelas normas rígidas da prisão. Sua barba cresceu. Não trocava de roupa. Um cheiro insuportável exalava de seu corpo. Obrigaram-no a tomar banho. A trocar de roupa. Como se estivesse demente deu um soco em outro detento que ria sempre do seu choro, do seu olhar de menininho atrás da mamãezinha. Ficou uma semana na solitária. Alí ele conheceu o seu inferno particular. Resolveu mudar.

                      Seu pai o visitou duas vezes. Depois desistiu. Ele não falava. Ficou mudo de repente. Quando soube que o Laureano o contador se apossou da fábrica e provou por documentos que era o novo dono Francine se desesperou novamente. Agora estava entendendo tudo. Mas não disse nada a ninguém. Sua dúvida de quem fora o assassino de Abelardo não existia mais. Que demorasse o tempo que fosse. Quando saísse dali sua vingança estava programada. Não perdia tempo. Malhava o dia inteiro. Seu corpo modificou. Ficou respeitado entre os detentos. Mas ele não brigava com ninguém. Teria que se mostrar ser de boa paz e boa índole. Só assim poderia sair mais cedo daquele inferno. Passou a trabalhar na fabrica de sapatos da penitenciária. Como não tinha vícios economizou tostão por tostão.

                      Um ano se passou. Dois, três, cinco e agora Francine era uma pessoa pacífica. Os guardas e até o Diretor tinham certa admiração por ele. Era um tipo de líder da paz. Sabia separar confusões entre os presos e mesmo não sendo um religioso, todos tinham por ele um grande respeito. Dez anos, quinze e quando fez vinte e três anos recebeu o alvará de soltura. Bom comportamento. O Diretor aprovou com louvor. No dia da sua saída fizeram uma festa para ele. Alguns homens feitos, assassinos, perigosos ladrões choraram de emoção com sua partida. Na porta que dava para a rua, Francine assustou. Uma nova vida. O que esperava ele encontrar nesta vida que para ele era desconhecida? Seu pai não estava ali. Nunca mais dera noticia. E sua mãe? Conseguira sobreviver do coma que teve durante o julgamento? Não sabia, olhou para trás viu o enorme prédio onde viveu dezoito anos da sua juventude. Pegou o ônibus para o centro da cidade.

                      Ele tinha uma casa no Bairro Santa Amélia onde morava antes de ir preso. Chegou lá e a encontrou arrumada e bem cuidada. Dona Sarita a vizinha estranhou em ver aquele homem enorme, que parecia mais um boxeador. Quando ele disse quem era ela não acreditou. Depois o abraçou e chorou em seu ombro. Entregou para ele a chave da casa. Ela tomou conta o tempo que ficou preso. Disse inclusive que pagou todos os impostos. Ele disse a ela que tudo que gastou seria devolvido. Tostão por tostão. Foi até sua casa, entrou, sentou em uma cadeira de palhinha, ficou ali horas e horas pensando. A tarde chegou. Saiu para um lanche e a curiosidade o levou até a fábrica. Não existia mais. Agora era um enorme prédio. Laureano tinha vendido e foi morar no interior. Em uma cidade chamada Vale da Redenção.

                     Francine sabia o que ia fazer. Não tinha pressa. A pressa é inimiga da perfeição. Lembrou que antes de ir preso tinha cento e vinte mil reais em uma poupança. Foi até o banco. Estava lá. Agora muito mais. Um milhão e duzentos mil. Retirou quarenta mil. Deixou o saldo lá. Comprou algumas roupas um bom par de tênis. Comprou também uma pequena mochila e um bornal. Deu a Dona Sarita cinco mil. Ela não queria aceitar. Trouxe a escritura da casa. Passou em nome dela. Ela chorou muito. O abraçou e ele partiu. Ela sabia que não o viria nunca mais. Francine não tinha pressa. Ele tinha todo o tempo do mundo. Perdeu dezoito anos em uma prisão. Seus planos era uma só. Vingar de seu desafeto. Daquele que matara seu amigo. Que o fizera chorar atrás de um presidio, e ainda lhe roubara tudo que tinha na vida.

                     Partiu rumo ao Vale da Redenção. Ficava no sul de Minas Gerais, quase divisa com o Espírito Santo. Poderia ter comprado um carro. Não quis. Iria a pé. Precisava disto. Respirar ar puro. Ouvir os ruídos da noite. Sentir o sol, a chuva, quem sabe ver os pássaros a lhe acompanharem os passos. Iria percorrer mil e duzentos quilômetros. Tudo bem. Correr para que? Ele precisava viver na natureza. Sentir-se vivo de novo. Sabia que ia matar Laureano. Imaginava vê-lo sofrer. Pagar por tudo que sofreu. Sabia que iria voltar de novo para aquele inferno, mas não se preocupava. Uma tarde de uma quinta botou o pé na estrada. Pouco dinheiro no bolso. No quinto dia tentaram assaltá-lo. Eram dois. Francine os botou para correr. Não seria fácil vencê-lo em uma luta. Um mês se passou viajando na estrada, dormindo ao ar livre, chuva torrencial, sol de rachar e lá ia Francine com um sorriso nos lábios.

                     Que saudades da lua cheia, brilhante que durante os quatro primeiros meses de jornada nunca deixou de aparecer para ele. Uma estrela que todos chamavam de Estrela Dalva o acompanhou nas madrugadas frias e nos nevoeiros que apareciam nos vales por onde passava. Não tinha fome. Parava sempre em um posto de gasolina para fazer as refeições. Muitas vezes pagou em casas a beira da estrada um prato feito. Tomava banho nas cascatas, nos lagos e rios por onde passou. Ele mesmo lavava sua roupa e a esticava em uma árvore qualquer para secar. Se existisse felicidade Francine era feliz. Para dizer a verdade, muitas vezes esqueceu sua vingança. O ódio no coração estava desaparecendo. Ele agora adorava o cantar das cotovias, das águias que o perseguia no céu, do grito lascivo da onça parda que lhe acompanhava os passos, mas nunca o atacou.

                   Em um sábado de sol, pela manhã avistou a placa da cidade. Bem vindo ao Vale da Redenção. Sentou ali próximo a uma árvore frondosa e pensou em tudo que aconteceu com ele durante toda sua vida. Levantou e se pôs a marchar de uma maneira firme, agora não iria parar. As primeiras casas apareceram. Depois uma rua calçada de paralepípedos e finalmente chegou a uma praça no centro da cidade. Linda a praça. Muitos ali iam descansar debaixo das figueiras centenárias. Viu as crianças brincando de esconde, esconde algumas meninas bem vestidas a olharem os meninos que saiam da escola. Velhos jogavam dama e casais passeavam com seus filhos de colo. Perguntou a um idoso se conhecia alguém de nome Laureano. – O prefeito? – Prefeito? Ele assustou. Sabe onde mora? Aquela casa lá na esquina onde tem uma grande mangueira. É a melhor da cidade. Mas olhe, ele sofreu um derrame. O vice-prefeito assumiu.

                     Ele foi até lá. Bateu na porta. Uma moça atendeu. Que moça linda! Cabelos negros compridos, olhos castanhos que se destacavam, um pequeno sorriso nos lábios como a dizer que ele era bem vindo. Seu corpo estonteante. Vestia simplesmente. – Pois não? Gostaria de falar com o Senhor Laureano. Ela franziu a testa. Quem é o Senhor? Um amigo que o conheceu na capital.  Educadamente mandou Francine entrar. – Olhe moço, meu pai está paralítico. Não fala, mas entende bem os que lhe dirigem a palavra. Se o Senhor for um amigo ele ficará muito feliz! Francine não sabia o que dizer ou fazer. Fora ali para matá-lo. Queria pegar no seu pescoço e torcer para isto treinou muito na prisão. Não importava que o matassem depois. Mas agora não sabia o que fazer. Aquela jovem olhando, sorrindo, acreditando que ele poderia ser uma salvação para seu pai entrevado em uma cama era demais para ele. E o pior, uma menininha linda e sorridente lhe disse oi! – Minha filha ela disse.

                    Não disse nada, se dirigiu até a porta. Nem disse adeus. Saiu dali caminhando sem destino. Sua cabeça, sua mente não sabia raciocinar. Precisava de mais algumas noites a dormir sob as estrelas para chegar a uma conclusão. Sua vingança estava por um fio. Sua vida de caminheiro voltou a lhe atormentar a mente para não parar. Vinte e três anos de cadeia e agora estava livre. A vida que tinha escolhido era tudo que desejava. Pegou a estrada e viu ao longe o prenuncio de uma chuva. Um arco íris colorido ficou seus pés entre duas montanhas. Um pássaro preto cantou por perto e ele achou que era o pássaro que o acompanhou em toda sua jornada. Não ouviu vozes nem sinais. Ele sabia que não era um escolhido.  Ninguém lhe disse nada, mas sua vingança não existia mais. Agora ia fazer o que estava fazendo. Andar, andar, nunca parar em lugar nenhum. Ver o sol a chuva, a lua novamente, ver a estrela Dalva a brilhar para ele no céu.

                  Muitos caminhoneiros comentavam entre sí do andarilho que não parava. Era visto muitas vezes no Norte, muitas vezes no Sul. No Centro Oeste contavam que ele era santo, no Este diziam que ele fizera milagres. Acho que criaram uma lenda. No Vale da Redenção não ouve ódio. O amor mostrou sua força em todo seu esplendor. Francine morreu muitos e muitos anos depois. Dizem que morreu sorrindo. Dizem que a lua não saiu do lugar por muitos dias. Dizem que uma cotovia velou seu sono e o acompanhou em sua subida aos céus. Lendas, como são belas as lendas. No Vale da Redenção ela surgiu. E ficou conhecida por todos os caminheiros daquelas estradas sem fim! 

Meu Destino
 
Vim cumprir o meu destino
Transpor pavores sem igual
Ser humilde peregrino
Passar privação abissal
 
E, no infinito desacerto
Viajou minha hesitação
Tu, nunca estavas por perto
Só, longe do meu coração!
 
Vivi d’ávidas esperanças
Sempre suspenso no ar
Estava em ti a confiança
Tu, estavas em outro lugar
 
Assim, ao ver-me traído
Do deslumbrante projeto
Vi meu sonho destruído
E, senti-me um abjeto!
 
Se o destino é nosso fado
Ele nos dispõe, onde estamos
Nem sempre do nosso agrado
Ele nos coloca, e ficamos
 
O que passa, não volta mais
Pelo destino é previsto
São razões elementares
Como o calvário a Cristo!
 Armando A. C. Garcia 


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