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sábado, 29 de março de 2014

O matador Reze para Deus Mangano que do Diabo eu me encarrego.


Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...

O matador
Reze para Deus Mangano que do Diabo eu me encarrego.

        Ele parou no alto da serra e viu lá embaixo a cabana que procurava. Foram dois dias a cavalo e pensou como seria o sujeito que fora pago para matar. Só lhe deram um nome, nada mais que um nome, Jailton de Souza. Nunca pensou quem seria o Jailton. Para ele não importava era só um nome que logo estaria escrito em um jazigo qualquer. Desceu devagar não queria forçar o animal. Teria tempo suficiente para ir embora dali depois de cumprido sua missão. Na sua caixa postal uma ordem de pagamento e um nome. Isto bastava e ele sabia o que fazer. Era um matador, sempre foi e nunca se arrependeu de ter sido. Na porta da cabana apareceu uma moça. Longe ainda ele não identificou suas feições. Ele sabia que isto poderia acontecer. Matar alguém e ter testemunha não era bom. Ele teria que matar a moça também. Sem arrependimentos. Ele não poderia ter luxo de arrepender-se de seus pecados.

       Ela não saiu da porta. Esperava ele chegar, sabia que dificilmente receberia visitas. Não reconheceu o cavaleiro e seu chapéu negro não deixava ver seus olhos. Bem ao seu lado estava sua espingarda calibre 32. Carregada é claro. Desde que ficara sozinha ela era sua companhia frequente. Viu quando ele abriu a tronqueira do piquete e encaminhou-se em sua direção. Esperou com calma. Ele só veria a espingarda quando chegasse a menos de três metros. Ele parou a dez metros e não disse nada. Ela viu que era um profissional. Sabia a distância exata para se defender e matar. Ela riu baixinho. Ele não sabia, mas ela tinha todo o treinamento que seu pai lhe dera. Ele sabia que um dia iriam aparecer matadores a sua procura. – Boa tarde Dona – Ele disse. Ela só maneou a cabeça. Ele perguntou se era a casa do Seu Jailton. – Quem quer saber ela perguntou – Tenho um recado para ele – De quem? – Chega moça, estamos falando demais, onde ele está?

     Ele só viu quando ela apontava para ele a espingarda. Nunca esperou por aquilo. Era uma moça frágil e não devia ter mais de vinte anos. Ele um matador experiente foi pego desprevenido. Maldita! Gritou. – foram dois tiros certeiros em cada coxa e ele escorregou do cavalo de tanta dor. Não deu tempo para sacar seu revolver ou mesmo tirar da capa seu winchester 44. Quando ele levantou a cabeça recebeu uma coronhada na nuca. Desmaiou. Ela pensou que devia matá-lo. Seria bem melhor, mas precisava saber quem o mandou. Seu pai era procurado não pela policia, mas por dois antigos desafetos. Numa rodada de Truco ele ganhou sozinho. Não aceitaram e ele teve de se defender. Atirou nos dois, mas acertou nos dois filhos pequenos. Não queria isto nunca pensou em matar uma criança. Fugiu a pé e com muito custo chegou ao Fim do Mundo, um pequeno arraial no norte de Pernambuco. Comprou um ranchinho e um pedaço de terra.

       Lena sua empregada foi emprenhada por ele. Não casou, mas deu a ela tudo que precisava. Quando nasceu Ritinha ele se encantou. Lena queria ir embora e ele deixou. Deu a ela uma boa quantia em dinheiro. Foi seu erro. Onde ela passou contou sobre ele. Uma tarde ela na pensão Bem me Quer de Flores Rosadas bebeu muito. Contou para todo mundo no refeitório sobre Jailton. Que era um assassino e estuprador. O jagunço Polinelo ouviu tudo e correu para contar ao Moacir e Tadeu. Eles tinham espalhados que dariam um bom dinheiro a quem soubesse o paradeiro de Jailton. Polinelo se ofereceu para matar Jailton. Recebeu uma boa quantia e partiu para o arraial do Fim do Mundo. Nem chegou ao rancho de Jailton. Este o matou na saída da cidade e o jogou no Vale da Serpente. Ali ninguém passava e ninguém nunca saberia quem era. Ritinha cresceu viçosa e alegre. Amava o pai e pouco aparecia em Fim do Mundo.

      Quando Ritinha fez dezessete anos seu pai começou a definhar. Não sabia o que tinha, mas emagreceu a olhos vistos. Seus cabelos caíram e ele não podia andar. Ela sabia que um dia iria aparecer um matador. Seu pai lhe contara tudo. Ainda bem que passaram horas e horas, meses e meses treinando com a espingarda 44 e ela recebeu também lições de tiro a distância. Mangano não foi o primeiro. Antes apareceu um tal de Molinari. Chegou com a conversa fiada se podia pousar por uma noite. Ritinha não dormiu. Escondeu-se atrás do biombo do quarto do pai e esperou. Dito e feito, madrugada e Molinaro chegou pé ante pé com um enorme punhal. Não soube na hora o que aconteceu. Só foi saber quando o capeta lhe contou que ele recebeu um balaço entre os olhos. Ritinha o enterrou na barraca do rio. Agora este tal de Mangano. No quartinho dos fundos o amarrou na cama apesar de saber que ele nunca mais iria andar. Poderia ter tirado as duas balas, mas achou melhor não.

     Mangano gemeu de dor por um mês até que a dor passou. Não sentia mais suas pernas só acima da virilha. Ela lhe trazia comida, água e uma vez por semana lhe dava um banho na bacia enorme que colocava no quarto. Na primeira vez ela assustou com o tamanho do seu membro e depois nem olhou mais. Ela desejava um homem, mas o matador nunca iria entrar dentro dela. Ele sabia que não ia durar muito tempo e nem entendeu porque ela não o matou de vez. Ela insistia para ele contar tudo, contar o que? Sua vida de matador? Sem perceber começou a acreditar nela e vendo que estava paralitico das pernas lhe contou onde tinha seu dinheiro e a caixa postal onde recebia encomendas para acabar com a vida de alguém. Ritinha sem saber começou a gostar dele. Mesmo que tirasse as duas balas agora suas pernas estropiaram. Ele nunca mais iria andar.

      Resolveu ir até o povoado de Boa Ventura. Era lá que Mangano tinha uma conta em um banco e uma caixa postal. Seriam cinco dias de viagem. Falou com Mangano que ele ficaria preso na casa. Se ele disse a verdade ela voltaria. Se ela não voltasse que ele pedisse a Deus ou ao Diabo, pois sem comida iria morrer. Mangano não disse nada. Cinco dias depois ela voltou. Mangano sentiu uma dor no coração. Rezou para ela sumir de vez e ele morrer de fome ou de inanição. Para ele não importava. A vida que levava não tinha mais serventia. Ele não sabe como, mas estava cada dia mais apaixonado por Ritinha. Um amor impossível, pois ele era um paralitico e ela uma moça vistosa e linda. Tudo piorou mais quando ela uma noite tirou a roupa dela e dele e subiu em cima dele. Ficou por horas ali sem se mexer. Mangano estremeceu. Explodiu em um goso frenético coisa que nunca acontecera. Ela? Sorria, parecia gostar, mas não disse nada.

     Em outra viagem a Boa Ventura ela encontrou um recado e um depósito em dinheiro. O recado tinha um nome e ele era morador da capital. Porque não? Rosinha não disse nada. Deixou comida e água para Mangano e partiu. Não foi difícil fazer uma campana e mandar o filho da puta para o inferno.  Ninguém sabia que agora era ela quem matava. Mangano não era de nada e nunca mais iria matar ninguém.  Os anos se passaram. Rosinha perdeu a conta de quantos tinha matado. Mangano jazia em cima da cama a espera dela lhe levar alimentos, agua, banho e uma vez ou outra seu corpo escultural. Um dia Ritinha não voltou. Mangano viu seus viveres acabarem aos poucos. Economizou o mais que pode, mas sabia que ia morrer. Oito dias sem comer e sem beber. A porta da casa foi aberta e entraram dois homens. Mangano não sabia quem eram. Quando eles o viram deram risadas e o chamaram de frouxo, pateta, idiota e sem falar mais nada meteram duas balas em sua testa. Mangano partiu desta para melhor.

     Rosinha cumpriu quinze anos de prisão. Presa quando tentava matar um deputado. Solta voltou para Fim do Mundo. Sabia que Mangano já tinha ido desta para melhor ou pior. Ela aprendera com Mustaine que sempre disse: - Mate um homem, e você será considerado um assassino, mate vários, e você será considerado um conquistador, mate todos, e você será Deus... Na curva da estrada viu a fumaça no chaminé de sua cabana. Quinze anos que partira. Iria mudar de vida, mas não queria morar em outro lugar. Chegou como se não quisesse nada. Os dois estavam abraçados na varanda. Rosinha entendeu por que. Desceu do cavalo e sem dizer nada mirou sua espingarda em cada um. Morreram na hora. Enterrados na beira do rio. Rosinha morreu muitos anos depois, sozinha, sem ninguém, e sabia que nunca mais encontraria seu pai e Mangano. Queira ou não ele fora alguém em sua vida. Só ele. Ninguém nunca ficou sabendo sua história. Sua choupana continuou ali na beira do rio sozinha, sem ter companhia sem ninguém. A vida é assim. Alguns tem histórias para contar, outros nem tanto. Que Rosinha e Mangano consigam se encontrar no céu, ou no inferno quem sabe, não foi ela quem disse para ele: - Reze para Deus Mangano que do Diabo eu me encarrego?

Quem tentar possuir uma flor verá sua beleza murchando. Mas quem apenas olhar uma flor num campo, permanecerá para sempre com ela. Você nunca será minha e por isso terei você para sempre.

O Matador.
Luiz Humberto.

O seu olhar era profundo e frio. Não sentia medo e nem arrependimento do que estava prestes a fazer. Sob sua camisa suada e puída batia um coração indiferente. Sua salivação era controlada de acordo com suas batidas cardíacas. O rumor interno que se fazia ouvir externamente era-lhe – Coragem. Coragem que lhe acompanhara desde que se conhecia como matador. A inquieta e involuntária movimentação de seus dedos fazia com seu cérebro arquitetasse a forma como ia executar seus inimigos que se deixavam transparecer apavorados diante de seu olhar impiedoso e assassino.
Tudo estava certo como sempre estivera quando outrora se encontrava na mesma situação. Havia apenas um detalhe que somente há poucos segundos viera-lhe a cabeça: Esquecera-se de munir sua arma e nada agora poderia ser mudado. Tudo o que poderia lhe acontecer de bom naquele momento acabou acontecendo de forma inesperada:

- Corta! Joe, vamos retocar sua maquiagem!

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