Não tenho
medo do frio, não tenho medo de nada.
Não tenho
medo da vida e com ela me sinto forte,
Minha vida é
tristonha, talvez a chuva molhada.
Lembra-me do
meu pavor, o choro da madrugada.
Só a solidão
me apavora, por isto não tenho sorte.
E repito mil
vezes se preciso, eu não tenho medo da morte.
Osvaldo
A
sombra do medo
Eu tinha 16 anos quando matei meu
pai. Não se assustem. Ele merecia. A morte para ele foi até um bálsamo. Eu
devia tê-lo capado como se capa uma porca no chiqueiro quando o matei. Não sei
se éramos uma família feliz. Não sei mesmo. Eu minha irmã mais velha e a minha
mãe estávamos sempre juntas. Quando meu pai vinha da lida na roça, nós
ficávamos apavoradas. Meu pai estuprou minha irmã quando ela fez onze anos.
Minha mãe não pode fazer nada. Ele a amarrou no pé do Juazeiro que tinha em
frente de casa. Eu ele não se preocupou. Tinha apenas seis anos.
Dizem que tudo tem uma
primeira vez, depois a culpa não mais existe. Torna-se uma rotina. Meu pai fez
de minha irmã, uma puta particular. O ódio começou a tomar conta de mim já com
meus sete anos. Minha mãe tentou tudo, mas não conseguiu nada. Só perder todos
os dentes da boca, devido à sova que levava todos os dias. Minha irmã ficou
prenhe e quando nasceu seu menino ela não agüentou e morreu ao dar a luz. Meu
pai pegou o bebê e o jogou nas águas do rio Curimataú. Nem soube se ele estava
vivo. Se estava às piranhas o comeram vivo.
Nosso vizinho mais próximo
ficava a mais de vinte quilômetros. Meu pai plantava mandioca, abobora na
barranca do rio, tínhamos um pouco de feijão que ele cultivava na larga do
capão redondo. Ali também tinha feijão. Soltas em no pasto, oito vacas nos dava
o leite do dia. Ovos não faltavam, as galinhas ciscavam em volta da casa. O rio
era piscoso. Não passávamos fome, mas ele tinha outra fome. Insaciável. Não
dava sossego a Barbara. Era de manhã, de tarde e de noite. Um dia pegou uma
vara grossa de marmelo e bateu em minha mãe até ela morrer implorando perdão. Perdão
não sei de que.
Nessa época tinha feito 10
anos. Meu ódio já existia e eu o olhava como se olhava um monstro. Não sabia
que monstro era. Eu não conhecia nenhum, mas tinha ouvido falar. Não aprendi a
ler e nem escrever. Meu pai enterrou mamãe junto a Barbara, lá bem próximo à
curva das cinco pontes. Não, claro que não havia pontes. Nem sei por que esse
nome. Ninguém estranhou. Ninguém deu falta de mamãe e da minha irmã. Não
recebíamos visita. Todos tinham um enorme medo de papai.
Na primeira noite que ficamos
sozinhos, ele se embebedou de cachaça. Me pegou pelos cabelos, rasgou minhas
roupas e me comeu como se comesse uma franguinha no mato. Gritei de dor. O
maldito nem aí. Quando ele entrou em mim, que dor dos infernos! Filho da Puta
eu penso até hoje. Dez anos. Violentada pelo próprio pai. Virei daí em diante,
a nova puta de papai. Onze anos, doze, treze e engravidei. Meu neném nasceu e
ele o pegou ainda sujo do meu útero. O pobre ainda chorava quando meu pai o
jogou no rio. Implorei para não fazer isso. Mas ele nem ligou. Me deu um chute
no rosto. Parei de chorar. Agora não falava mais nada. Não valia a pena.
Quando fiz dezesseis anos,
resolvi acabar com a vida dele. Chegou da lida, pegou a garrafa de cachaça e
bebeu feito um porco. Eu sabia como era. Todos os dias a mesma coisa. Se
embebedava e vinha me comer. Sem banho, sujo fedendo feito macaco prego do
peito amarelo. Naquele dia fingi que gostava, ele estranhou. Disse-me até umas
palavras carinhosas. Trouxe mais cachaça. Ele bebeu e ria babando no seu corpo
nu. Ficou desfalecido na cama. O arrastei até o pé de Juazeiro e coloquei óleo
e querosene que usávamos para as lamparinas, e risquei o fósforo com prazer.
Ele berrava de dor, tentou
levantar, mas estava muito bêbado e eu tinha um pau enorme e grosso nas mãos.
Dei nele uma cacetada e ele desmaiou queimando como se queima a roça
abandonada. Ele ainda gemia e eu sorria. Ele queimando se preparando para ir para
inferno. Por minha mãe, por Barbara dizia. Pelos bebês que você jogou para as
piranhas. Quando o fogo apagou ele ainda não tinha morrido. Peguei a faca de
cozinha e cortei o pau dele. Ainda deu um grito estridente. Agora sim, estava
morto. O joguei no rio para as piranhas. Não merecia um enterro decente.
A vida mudou para mim. Estava
agora sozinha. Não tinha idéia do que devia fazer. Meu nome é Branca, minha mãe
dizia que significava luminosa, brilhante e eu era uma moça receptiva e
otimista. Não sei. Não era nada disto. Eu nunca tive vida própria. Fui até a
roça de papai e vi que podia colher muita coisa. Não sabia plantar, mas eu iria
aprender. Aprender? Afinal será que ia ficar ali sozinha de novo? Cheguei à
conclusão que devia partir. Para onde não sabia. Mesmo assim fiquei mais oito
meses sem saber aonde ir.
Modesto apareceu pela manhã,
assim, como se não quisesse nada. Disse que estava de passagem. Perguntou pelo
meu pai e minha mãe. Disse mentindo que tinham ido a Lázaro Feliz fazer
compras. Lázaro ficava a vinte e dois quilômetros e a pé, quando meu pai ia até
lá, demorava dois dias para voltar. Ele apeou do cavalo mesmo sem eu o
convidar. Me pediu um gole d’água. Eu já sabia no que ia dar. Afinal ainda era
bonita. De pele clara, cabelos castanhos, seios desenvolvidos, um belo corpo para
os meus dezessete anos.
Ele entrou em casa sem me pedir
e me chamou dizendo que ia me comer. Outra vez? Pensei. Modesto era forte,
muito. Eu não tinha como lutar com ele. Fingi aceitar. Fui até a cama da
cozinha, ele tirou a roupa, ficou nu com um membro enorme balançando. Sorri
para ele, e comecei a tirar a roupa, disse que antes tinha de lavar o que ele
queria. Ele riu. Fui até o gaveteiro, tirei uma enorme faca de capar e limpar
porco. Tirei a roupa e com a faca escondida nas costa me aproximei dele
sorrindo. Ele ria, agora sim deve ter pensado na foda que ia dar. Vou comer
essa linda menina!
Modesto Foi comer a mulher do
capeta. Lá nas profundas do inferno! Enfiei a faca nele sem dó. Cortei seu
pescoço como cortava as galinhas quando eram preparadas para o almoço. Ele deu
um grito só e o sangue espirrou para todo o lado. O arrastei até o rio. Coitado
do rio Curimataú. Não fazia nada só nos ajudava e tinha que aguentar aquelas “porqueiras’
que eu jogava em suas águas”.
Eu já sabia onde papai
guardava suas reservas financeiras. Tinha mais de oito mil reais. Um dinheirão.
O filho da mãe não gastava e vendia sempre uma vaquinha, um boizinho e nunca
nos deu nenhum conforto. Parti em uma manhã de junho. Cheguei à noitinha em Lázaro
feliz. Soube que um ônibus partiria às onze da noite para Salvador. Uma viagem
gostosa, nunca tinha andado de ônibus. Dez horas de viagem e amanhecemos na
capital da Bahia.
Me espantei com a cidade,
linda, casas e prédios. Procurei uma pensão e me instalei. Meu dinheiro guardei
a sete chaves. Debaixo da cama abri um buraco, enterrei numa lata de doce
vazia. Fiquei só com duzentos reais. Dormi até tarde. Para dizer a verdade não
lembrava mais de nada do que me tinha acontecido. Aqueles dois que matei
mereciam. Se tivesse de prestar contas, seria a Deus o meu protetor. O diabo
que fosse para os infernos. Risos esqueci que ele morava lá.
Seis meses de Salvador, já
conhecia a cidade e muitos homens me procuravam, mas eu não me interessei por
ninguém. Arrumei um emprego de Gari. Foi ótimo. Fiz muita amizades. Uma noite
Marcelinha me convidou para uma festa de aniversário próximo a casa dela. Fui
apesar de que não gostava muito de festas. Um homem loiro, até bonito não tirava
os olhos de mim. Marcelinha me disse que era Frances. Falava mal o português.
Estava de férias e ia voltar para a França daí a uma semana.
Aceitei seu convite para sair.
Gerard era educado. Muito. Nunca vi ninguém assim. Dizia estar apaixonado por
mim. Eu não sabia o que sentia. Uma tarde antes de ele partir me levou a um
motel. Foi calmo, amoroso, acho que até gostei do que fizemos. As dores que
sentia de meu pai desapareceu. Quando saímos do motel disse que queria casar
comigo. Eu iria com ele para a França.
Não devia ter aceitado, mas
minha amiga tanto insistiu, dizia que eu seria uma Lady ou uma Mademoiselle. Eu
nem sabia o que era isso. Mas lá fui eu com Gerard. Que viagem. Uma maravilha.
Adorei a viagem de avião. Primeira classe, as moças sempre perguntando o que eu
queria. Em París ele me levou a diversos lugares lindos. O Museu do Louvre, o
Chateau de Versailles, A Torre Eiffel, o Arco do triunfo, a Basílica de Sacre
Coeur. Mas o que mais me encantou foi o Jardim de Luxembourg, um dos mais
bonitos de Paris. As flores, as cores delas estavam lindas. Tudo florido. Muita
gente sentada nas cadeiras observando. Fiquei ali estática, sem nada dizer.
Uma moça ignorante,
analfabeta, vivendo aquilo sem saber o que era, foi como um conto de fadas as
avessas. Ficamos em Paris uma semana e partimos para Colmar. Seria onde iríamos
morar. É uma pitoresca cidadezinha francesa, situada na alsácia bem pertinho da
divisa com a Alemanha. Não merecia aquilo. Deus me deu o que eu não podia ter.
Gerard me tratava como uma princesa. Sabia que eu era analfabeta e me prometeu
ensinar a ler. Claro, seria em Frances.
Mas nem tudo que é doce dura
para sempre. No segundo mês de casada Gerard foi até Stuttgart na Alemanha a
serviço. Gerard era advogado e sempre tinha coisas a resolver fora de Colmar.
Ah! Destino. Ele me persegue. Não quer que eu seja feliz. De novo um vizinho
gordo, feio e claro, bêbado bateu a porta da minha casa. Abri e ele entrou sem
pedir. Eu já o conhecia e educadamente o cumprimentava. Acho que ele não
entendeu.
Tirou o pinto para fora e
disse para eu pegar. Fazia gesto, eu horrorizada tentei sair pela porta
correndo. Ele não deixou. Apesar de gordo era forte. Só sabia dizer - Puta
brasileira. Puta brasileira. Me arrastou até o quarto, era no andar de cima. Um
lance de escada, ele escorregou e caiu com a cabeça no piso. Morreu na hora.
Sai gritando chamando os vizinhos. A polícia chegou. Me levaram presa.
Eu estava em minha casa, me
defendi e fui presa. Mas acho que merecia, matei meu pai e o homem que tentou
me estuprar pela segunda vez. Agora não. Não encostei no “leitão bêbado Frances”
Ele caiu de bebida no bucho. Gerard tentou entender. Mas não sei se entendeu.
Acho que ele acreditava que eu queria alguma coisa com o vizinho, pois só assim
ele entraria na casa. Ele até que foi condescende. Pagou um advogado, pois ele
não queria me defender.
Fui condenada a 18 anos de
cadeia. Sem direito a sair mesmo com bom comportamento. Estou aqui há 15 anos.
Falta somente três. Fiz muitas amigas aqui na prisão. Todas elas me disseram
que poderiam me ajudar quando eu saísse. Eu não sabia se ia voltar para o
Brasil. Acho que lá o passado poderia voltar. Gerard nunca me visitou. Uma
amiga de cela ficou marcada em meu coração. Rosália era natural de San
sebastian, uma cidade localizada a beira mar no golfo de Vizcaia, no norte da
Espanha. Ela dizia que era linda. Me lembrei de Salvador.
Quando sair, irei morar lá com Rosália. Ela
nunca me disse o que fazia e nem perguntei. Mas acredito que depois de tudo que
passei, mereço uma vida melhor e vou lutar por isto. Sei que não será fácil,
mas eu vou conseguir. As lembranças do passado já estão sendo esquecidas. Meu
pai e Modesto devem estar junto se abraçando com o demônio, pois nunca mais
voltaram a me importar com pesadelos. Não posso dizer que Deus os tenha. Mas
digo com prazer, que o tinhoso, o maldito, o coisa-ruim e o lúcifer das trevas proteja-os
para nunca mais sair deste fogo dos infernos.
Futuro?
Uma palavra
muito difícil de dizer diante do presente, pois não sabemos o que vai acontecer
diante dele para existir esse tal de futuro. Pode ser que tenha planejado ele,
mas de uma hora prá outra todas suas idéias podem mudar.
Quem já não
pensou como vai ser? Se realmente vai ser do jeito que pensou? Mas isso só Deus
sabe, não é a gente que decide.
Existem
várias formas de fazer um futuro, como pensar o que vai ser da minha vida
profissional, meu casamento, filhos e por aí vai...
Sendo que
primeiro na nossa vida temos que ter o presente, para depois termos um futuro,
e isso não é uma vidente que vai descobrir. Você mesmo pode fazê-lo e também
escolher quem vai estar nele junto com você.
Para isso é
só ter força de vontade e ser feliz, para que seu esperado futuro seja
tranqüilo e seguro. E pensar que o futuro sempre está começando agora.
Eliene – blog
– Vejo o mundo de outra maneira.
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