Vida de
drogado
Vagueias pelas ruas,
Perdido em teus pensamentos,
Já não sabes onde moras,
Pensas e agora choras,
Tua vida, feita de tormentos.
Perdido em teus pensamentos,
Já não sabes onde moras,
Pensas e agora choras,
Tua vida, feita de tormentos.
Já não te lembras como foi,
Deixaste-a entrar na tua vida.
No início era tudo mágico,
E depois da tua alma esquecida
Não vês como é tudo trágico.
Deixaste-a entrar na tua vida.
No início era tudo mágico,
E depois da tua alma esquecida
Não vês como é tudo trágico.
Queres deixá-la e não consegues,
Quem te ajudará agora?
Ela não te irá perdoar
Tinhas tanto para viver lá fora…
Quem te ajudará agora?
Ela não te irá perdoar
Tinhas tanto para viver lá fora…
E tu preso nela, a amargurar.
Pensas no fim que terás,
Procuras avidamente dinheiro,
Doente e desesperado,
No meio de uma noite escura,
Só a vida de drogado,
Não te permite ver tua figura.
lusos poemas.
Pensas no fim que terás,
Procuras avidamente dinheiro,
Doente e desesperado,
No meio de uma noite escura,
Só a vida de drogado,
Não te permite ver tua figura.
lusos poemas.
Meu destino, minha vida.
Disseram-me um dia
que precisamos ter sorte para a vida nos sorrir sempre. Nunca acreditei nisso. Não
acredito em sorte. Acredito em escolhas. Estas sim decidem nosso destino.
Afinal sempre disseram que temos o livro arbítrio para decidir o certo e o
errado. Às vezes tomamos um caminho incerto achando que era o certo. Tomamos
decisões que nunca deveriam ter sido tomadas. Mas e daí? Voltar atrás? Pensar
de novo se a escolha foi correta? Absurdo. Uma vez a decisão tomada não tem
volta. Ou tem?
Tudo começou quando
fiz dezesseis anos. Loira, esbelta, corpo de Afrodite, uma perfeita combinação
da mulher perfeita. Acreditava que sabia de tudo. Tinha todas as respostas. Até
minhas amigas me achavam uma auto didata. Risos. Não era nada. Se tivesse
metade do juízo delas não seria o que sou hoje. Mamãe sempre implicando. Papai
ausente. Resolvi estudar a noite. Todos os meus amigos assim o faziam. Minha
mãe dizia que deveria continuar no colégio onde estava. Lutavam com dificuldade,
mas conseguiam sempre pagar a mensalidade.
Foi à conta. No Colégio
Santa Maria das Mercês, do Estado, conheci Venâncio. Amor à primeira vista.
Risos. Amor? Quem dera se fosse hoje. Mas os jovens acreditam em tudo. Entreguei-me
a Venâncio. Como dizem por aí “ficávamos” em todos os lugares. A princípio
usava preservativo, depois a paixão tomava conta. Esquecia-se de tudo. Durante
um ano foi assim. Mesmo com minha mãe proibindo eu saia com ele. Braços dados,
amor daqui, amor dali, paixão, todos sabem como é. Começa assim depois não
quero vê-la nunca mais.
Não culpo Venâncio.
Ele foi à mão do meu destino. Senti que estava grávida. Medo terrível.
Precisava falar com minha mãe. Venâncio comprou uns comprimidos que se tomasse
abortaria. Medo maior ainda. O Padre Juventino dizia que ia para o fogo do
inferno quem fizesse aborto. Não tomei as pílulas. Tomei coragem. Falei com
minha mãe. Que mãe eu tenho. – Gracielle, agora não tem volta. Vamos enfrentar
juntas. Lembre-se, sua vida vai mudar. Ser mãe não é como ontem. Vamos exigir
muito de você.
Estava no sexto mês de
gravidez quando Venâncio me convidou para fumar um baseado. – É bom!
Experimente! Dei uma tragada. Tossi muito. Vamos meu amor, não tenha medo. Isso
vai ajudar a você enfrentar daqui para frente sua gravidez. É. Venâncio era um
ingênuo. Sempre foi. Começou com um amigo dele. Traficante. Ele não sabia.
Fumei um, dois, três e foi só o começo. Achava lindo. Minha mente abria, o céu
era mais azul. Os pássaros cantavam como nunca tinha visto.
No oitavo mês comecei
a dar os primeiros “caldos” com Venâncio. Um medo terrível no início. Depois
usava a seringa com perfeição. Foi o princípio de tudo. Ficava relaxada, um
mundo continuava azul, o sol lindo, as flores tinham um perfume que parecia o
início da primavera em um bosque florido.
Nunca errei a veia certa. Uma vez a bomba entupiu. Estava com uma
ressaca grande. Forçava e Venâncio me ajudava. “Bombei” no lugar errado. Passei
mal, desmaiei.
Após o uso contínuo eu
queria algum mais pesado. A droga estava perdendo o efeito. Venâncio perdeu o
emprego. Lico Boca Torta queria dinheiro. Nada de graça. Minha decadência já
tinha hora certa para começar, risos. Já tinha começado há tempos. Roubava tudo
que encontrava em casa e não demorou para que minha mãe e meu pai descobrirem.
Não entendiam porque fazia isso. Não sabiam que estava usando drogas. Escondia as
marcas em meus braços, escondia tudo. Mas minha mãe um dia me viu prostrada na
cama, seminua, gemendo pedido uma picada, só uma eu dizia.
Ela chorou muito. Falou
com meu pai. Foram super compreensivos. Levaram-me até o padre Juventino. Ele
me convidou a fazer parte do grupo dos Acólitos Anônimos. Lá eles também
discutiam as drogas. Vi que era uma irmandade de homens e mulheres que
compartilhavam suas experiências a fim de resolver seus problemas. Participei
em três. Venâncio só foi à primeira. Depois ele desapareceu. Sentia uma falta
tremenda dele e mais ainda da embriaguês infernal das drogas.
Resolvi sair de casa a
procura de Venâncio. Foi a partir daí que começou minha decadência. Agora vivia
no submundo e a correr atrás das “paradas”. Encontrei Venâncio drogado na Boca
do Lixo. Cracolândia melhor dizendo. Precisava da droga, precisava mais que
tudo. Venâncio me aconselhou a prostituir. Mas com aquela barriga não seria
fácil. Mesmo assim encontrei homens para fazer um “boquete” por cinco, dez até
vinte reais. Meu Deus! Que coisa horrível! Mas logo me acostumei.
O dinheiro era pouco.
Mudei para o crack. Diziam ser uma droga devastadora. Paciência. Eu não tinha
mais escolha. Estava chegando ao fundo do poço. Ao limiar da condição humana.
Quando não podia usar o crack falava coisas sem sentido. Davam-me tapas na
cara. Riam de mim. Vivia cercado por outros drogados. Centenas deles. Ainda bem
que eram mais humanos. Risos. Sim procuravam dividir comigo o pouco que tinham.
Venâncio um dia ficou desacordado. A polícia chegou e o levou. Eu ainda podia
correr.
Comecei a passar mal em
uma noite de domingo. As primeiras contrações. Um guarda civil me ajudou.
Colocou-me em seu veículo e me levou até o pronto socorro das Clínicas. Deixou-me
na porta e sumiu. Perguntaram-me meu nome, minha família, mas eu não sabia
responder. O crack tomava conta do meu corpo. Entorpecido. Agora não via mais
flores, céu azul, pássaros cantando. Agora era como se fosse meu ar que
faltava.
Meu neném nasceu duas
horas depois. Vivo. Risos. Não merecia isso, mas os médicos disseram que ele
podia não sobreviver. Dei o telefone da minha mãe. Ela chorou muito quando me
viu naquele estado. Meu pai mesmo o durão que era, tinha os olhos cheios de
lágrimas. Cinco dias depois me internaram em uma clinica. Na cidade mesmo. Meu
corpo doía o tratamento não me fazia bem. Fugi dali quatro dias depois. Com a
própria roupa do hospital fui para a Cracolandia. Fumei logo quatro bolinhas.
Desmaiei.
Eu sabia que a droga
matava. Que os traficantes só pensam em dinheiro. Que a droga oferecia a morte.
Mas quem acredita nisso estando drogado? Como reagir? Como acabar com essa
alienação terrível? Eu era uma inculta, manobrável, consumível, descartável,
distante. A porcaria me fazia bem. Nem pensava mais em meu filho. Nem sabia se
era um menino ou uma menina. Sentia-me sozinha na escuridão da noite. Tomava na
veia, fumava sem parar. Crack, maconha o que me dessem ou podia comprar. Nem
tudo agora me satisfazia.
Se eu morresse ali, eu não
me importaria. Não tinha mais vida, família, não tinha motivos para sair dali.
Ou será que tinha? Fiquei amiga e amante de Lico Boca Torta. Ele no meio dos
drogados fazia sexo comigo de todas as maneiras. Eles riam. Outros queriam
participar. Uma festa e eu ali, uma maldita prostituta drogada só querendo mais
e mais drogas. Minhas roupas apodreceram. Nua os guardas me levaram a
delegacia. Lá risadas, escárnio. Uma baixaria sem tamanho.
Chamaram minha mãe. Saí
correndo nua pela rua. Não conseguiram me pegar. Uma senhora se apiedou.
Comprou ali mesmo um jeans com uma blusa. Não precisa de calcinha nem sutiã.
Voltei para o meu lar. A Cracolândia. Um mês, dois, três. Queria dormir. Nunca
mais acordar. Agora queria morrer. Nada do que fizesse tinha sentido. Nenhuma
delas fazia mais efeito no meu corpo. Gritava. Sorria, cantava uma demente a
vagar pelas esquinas da vida. Uma drogada isso sim.
Conheci Raquel. Uma
assistente social. Ficamos amigas. Ela não insistia como as outras para sair
dali. Ajudava-me. Trazia comida que eu comia e vomitava em seguida. Meu corpo
era pele e osso. Pesava cinqüenta e nove quilos. Agora nem trinta. Trouxe roupas.
Deu-me um banho na rua mesmo. Com esponjas. Raquel, meu anjo! Caída do céu! Um
dia chorei, chorei muito. Deitei em seu colo. Ela me afagou. Nunca perguntou
pela minha família. Nunca me forçou a nada. Era minha amiga assim, do nada. Ou
será que era meu Anjo da Guarda?
Quando ficava mais de seis
horas sem droga, meu corpo tremia uma febre alta, a garganta seca, uma lassidão
tomava conta do meu ser. Não sei, mas gostava dos venenos mais lentos, drogas
poderosas e quando me entupia delas meus pensamentos e minhas idéias ficavam
poderosas, insanas um sentimento de liberdade. Risos. Liberdade? A noite era a
minha escuridão da vida. Não era noite, era o meu dia. Zumbís a andar pelas
esquinas da morte.
Um dia quando Raquel
chegou. Chorei. Chorava em prantos. Muitos dos miseráveis que eram meus amigos
acorreram a me acudir. Acharam que era a Raquel. Ela não dizia nada, só me
afagava. Ela é meu anjo, minha alma, minha salvação. Resolvi pedir a ela que me
ajudasse. Queria sair daquele inferno. Não tinha escolhas, que ela fizesse o
que bem entender. Era seu trabalho. Beijou-me no rosto. Fechei os olhos e
sonhei com minha mãe. E minha filha? Será que estava viva?
Ela conseguiu uma
internação em uma clinica para dependentes químicos, no campo, próximo a uma
cidade que não conhecia. Dirigida pelo pastor Jamilton. Ele e sua esposa eram
duas almas bondosas. Ali vi que outras moças como eu tinham muitas historias.
Eu as ouvia. Parecia que não havia diferença entre eu e elas. Quando cheguei
ali achei que não tinha mais dignidade, valor pela vida. O vicio maldito não me
abandonava. Daria tudo por uma picada. Uma só. Gritava, implorava, O Pastor
Jamilton e dona Clementina ficavam ao meu lado. Dando-me forças.
Com uma semana diminuiu um
pouco aquela vontade louca de me drogar. Mas estava longe de alcançar o ideal e
voltar para minha casa. Só no segundo mês avisaram minha mãe. Tinha encorpado
um pouco. Agora com trinta e nove quilos. Diferente de quando eu cheguei com
vinte e três. Ela me abraçou. Meu pai também. Ficamos os três abraçados por um
longo tempo. Toda semana eles vinham. Raquel também vinha uma vez por semana.
Dizia que não podia ficar comigo muito tempo. Muitas outras pessoas precisavam
de sua ajuda.
Já se passaram cinco meses.
Estou com quarenta e oito quilos. Dizem que meu sorriso voltou. Dizem também
que me tornei amiga de todos ali. E uma tarde chegou um automóvel. Surpresa!
Bela surpresa! Venâncio tinha sido convencido por Raquel a ir para aquela
clinica. Nunca aceitou, mas quando soube que estava ali, resolveu experimentar.
Eu ficava ao lado dele constantemente. Autorizada pelo Pastor Jamilton.
Um ano, dois, três e eu e
Venâncio nos casamos. Ele trabalha em uma loja de calçados. O proprietário
evangélico aceitava a pedido do Pastor Jamilton ajudar as pessoas drogadas.
Sabia que a maioria não ficava lá. Recebiam o primeiro pagamento e voltavam de
novo para a Cracolandia. Isto não
aconteceu com Venâncio. Quatro anos depois ele era gerente da loja. Mamãe
sempre trazia Neusinha para ficar comigo. Minha filha!
Agora moramos os três juntos.
Uma família feliz. Longe das drogas. Espero que seja para sempre. Não digo que
nos recuperamos. Longe disso. Mas eu e Venâncio somos um só. Amamos-nos muito.
E Neusinha então? Era nossa luz, nossa estrela a indicar o novo caminho. Os
novos tempos que já nos deram a alegria de volta e irão sempre trazer a brisa
gostosa da manhã, a respirar pela janela da minha casinha e não mais na rua
suja do passado.
Ainda lembro-me dos meus amigos
que lá ficaram. Rezo por eles todos os dias. Sei que não é fácil abandonar o
vicio. Muitos já terão morrido. Outros irão morrer logo. Sei que Deus na sua
suprema bondade irá amparar a todos. Eles sempre terão o direito de voltar aqui
de novo. Uma nova vida. Um novo recomeço. Pois assim é a vida. Nascer, viver,
morrer. Nascer de novo, pois esta é a lei!
A vida de
um drogado
Mais um dia...
Será que vai ser o último? Acordo com um bófia, a pontapear-me, Lá vou eu, ver se uns trocos consigo arranjar... Se não me derem, vou ter mesmo de roubar... A hora da dose ta a chegar, Ainda tenho de arranjar dinheiro, para a ir comprar... Hoje ta tudo de pernas pro ar Nem uns míseros tostões consegui arranjar, Não me sinto com forças, para esperar Vou ter mesmo, de roubar... Tenho o interior do meu corpo em desespero, Aqueles bichos de baixo da pele põem-me louco, Estou todo arranhado, esta cena dói, e não é pouco Mais uma vez roubei Foi muito fácil, aqui nunca pensei A bolsa da "velha", tava recheada Já vai dar para uma dose, bem abonada Já ta ali o gajo, á mesma hora de sempre, É agora menino riquinho, á conta da gente, Enfim, andam a ganhar dinheiro desta forma indecente... Já tenho tudo o que preciso, a colher, a prata e o limão... E esta grande dose, toda na minha mão... Ah! Que sensação, depois de injetar parece que sou o dono do mundo... E sem ela, não passo de um drogado vagabundo... Vem um homem na minha direção, O quer ele, de mim? Que não passo de um ladrão, Era o filho da Cota, que gamei, Deu me tantas, que nem me levantei... Agora estou aqui, dolorido por dentro e por fora, E fico aqui á espera que chegue a minha hora... Cathia Chumbo. |
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