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segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Meu destino, minha vida.


Vida de drogado

Vagueias pelas ruas,
Perdido em teus pensamentos,
Já não sabes onde moras,
Pensas e agora choras,
Tua vida, feita de tormentos.
Já não te lembras como foi,
Deixaste-a entrar na tua vida.
No início era tudo mágico,
E depois da tua alma esquecida
Não vês como é tudo trágico.
Queres deixá-la e não consegues,
Quem te ajudará agora?
Ela não te irá perdoar
Tinhas tanto para viver lá fora…
E tu preso nela, a amargurar.
Pensas no fim que terás,
Procuras avidamente dinheiro,
Doente e desesperado,
No meio de uma noite escura,
Só a vida de drogado,
Não te permite ver tua figura.

lusos poemas.

Meu destino, minha vida.

                           Disseram-me um dia que precisamos ter sorte para a vida nos sorrir sempre. Nunca acreditei nisso. Não acredito em sorte. Acredito em escolhas. Estas sim decidem nosso destino. Afinal sempre disseram que temos o livro arbítrio para decidir o certo e o errado. Às vezes tomamos um caminho incerto achando que era o certo. Tomamos decisões que nunca deveriam ter sido tomadas. Mas e daí? Voltar atrás? Pensar de novo se a escolha foi correta? Absurdo. Uma vez a decisão tomada não tem volta. Ou tem?
                           Tudo começou quando fiz dezesseis anos. Loira, esbelta, corpo de Afrodite, uma perfeita combinação da mulher perfeita. Acreditava que sabia de tudo. Tinha todas as respostas. Até minhas amigas me achavam uma auto didata. Risos. Não era nada. Se tivesse metade do juízo delas não seria o que sou hoje. Mamãe sempre implicando. Papai ausente. Resolvi estudar a noite. Todos os meus amigos assim o faziam. Minha mãe dizia que deveria continuar no colégio onde estava. Lutavam com dificuldade, mas conseguiam sempre pagar a mensalidade.
                            Foi à conta. No Colégio Santa Maria das Mercês, do Estado, conheci Venâncio. Amor à primeira vista. Risos. Amor? Quem dera se fosse hoje. Mas os jovens acreditam em tudo. Entreguei-me a Venâncio. Como dizem por aí “ficávamos” em todos os lugares. A princípio usava preservativo, depois a paixão tomava conta. Esquecia-se de tudo. Durante um ano foi assim. Mesmo com minha mãe proibindo eu saia com ele. Braços dados, amor daqui, amor dali, paixão, todos sabem como é. Começa assim depois não quero vê-la nunca mais.
                          Não culpo Venâncio. Ele foi à mão do meu destino. Senti que estava grávida. Medo terrível. Precisava falar com minha mãe. Venâncio comprou uns comprimidos que se tomasse abortaria. Medo maior ainda. O Padre Juventino dizia que ia para o fogo do inferno quem fizesse aborto. Não tomei as pílulas. Tomei coragem. Falei com minha mãe. Que mãe eu tenho. – Gracielle, agora não tem volta. Vamos enfrentar juntas. Lembre-se, sua vida vai mudar. Ser mãe não é como ontem. Vamos exigir muito de você.
                         Estava no sexto mês de gravidez quando Venâncio me convidou para fumar um baseado. – É bom! Experimente! Dei uma tragada. Tossi muito. Vamos meu amor, não tenha medo. Isso vai ajudar a você enfrentar daqui para frente sua gravidez. É. Venâncio era um ingênuo. Sempre foi. Começou com um amigo dele. Traficante. Ele não sabia. Fumei um, dois, três e foi só o começo. Achava lindo. Minha mente abria, o céu era mais azul. Os pássaros cantavam como nunca tinha visto.
                         No oitavo mês comecei a dar os primeiros “caldos” com Venâncio. Um medo terrível no início. Depois usava a seringa com perfeição. Foi o princípio de tudo. Ficava relaxada, um mundo continuava azul, o sol lindo, as flores tinham um perfume que parecia o início da primavera em um bosque florido.  Nunca errei a veia certa. Uma vez a bomba entupiu. Estava com uma ressaca grande. Forçava e Venâncio me ajudava. “Bombei” no lugar errado. Passei mal, desmaiei.
                       Após o uso contínuo eu queria algum mais pesado. A droga estava perdendo o efeito. Venâncio perdeu o emprego. Lico Boca Torta queria dinheiro. Nada de graça. Minha decadência já tinha hora certa para começar, risos. Já tinha começado há tempos. Roubava tudo que encontrava em casa e não demorou para que minha mãe e meu pai descobrirem. Não entendiam porque fazia isso. Não sabiam que estava usando drogas. Escondia as marcas em meus braços, escondia tudo. Mas minha mãe um dia me viu prostrada na cama, seminua, gemendo pedido uma picada, só uma eu dizia.
                     Ela chorou muito. Falou com meu pai. Foram super compreensivos. Levaram-me até o padre Juventino. Ele me convidou a fazer parte do grupo dos Acólitos Anônimos. Lá eles também discutiam as drogas. Vi que era uma irmandade de homens e mulheres que compartilhavam suas experiências a fim de resolver seus problemas. Participei em três. Venâncio só foi à primeira. Depois ele desapareceu. Sentia uma falta tremenda dele e mais ainda da embriaguês infernal das drogas.
                      Resolvi sair de casa a procura de Venâncio. Foi a partir daí que começou minha decadência. Agora vivia no submundo e a correr atrás das “paradas”. Encontrei Venâncio drogado na Boca do Lixo. Cracolândia melhor dizendo. Precisava da droga, precisava mais que tudo. Venâncio me aconselhou a prostituir. Mas com aquela barriga não seria fácil. Mesmo assim encontrei homens para fazer um “boquete” por cinco, dez até vinte reais. Meu Deus! Que coisa horrível! Mas logo me acostumei.
                      O dinheiro era pouco. Mudei para o crack. Diziam ser uma droga devastadora. Paciência. Eu não tinha mais escolha. Estava chegando ao fundo do poço. Ao limiar da condição humana. Quando não podia usar o crack falava coisas sem sentido. Davam-me tapas na cara. Riam de mim. Vivia cercado por outros drogados. Centenas deles. Ainda bem que eram mais humanos. Risos. Sim procuravam dividir comigo o pouco que tinham. Venâncio um dia ficou desacordado. A polícia chegou e o levou. Eu ainda podia correr.
                     Comecei a passar mal em uma noite de domingo. As primeiras contrações. Um guarda civil me ajudou. Colocou-me em seu veículo e me levou até o pronto socorro das Clínicas. Deixou-me na porta e sumiu. Perguntaram-me meu nome, minha família, mas eu não sabia responder. O crack tomava conta do meu corpo. Entorpecido. Agora não via mais flores, céu azul, pássaros cantando. Agora era como se fosse meu ar que faltava.
                      Meu neném nasceu duas horas depois. Vivo. Risos. Não merecia isso, mas os médicos disseram que ele podia não sobreviver. Dei o telefone da minha mãe. Ela chorou muito quando me viu naquele estado. Meu pai mesmo o durão que era, tinha os olhos cheios de lágrimas. Cinco dias depois me internaram em uma clinica. Na cidade mesmo. Meu corpo doía o tratamento não me fazia bem. Fugi dali quatro dias depois. Com a própria roupa do hospital fui para a Cracolandia. Fumei logo quatro bolinhas. Desmaiei.
                     Eu sabia que a droga matava. Que os traficantes só pensam em dinheiro. Que a droga oferecia a morte. Mas quem acredita nisso estando drogado? Como reagir? Como acabar com essa alienação terrível? Eu era uma inculta, manobrável, consumível, descartável, distante. A porcaria me fazia bem. Nem pensava mais em meu filho. Nem sabia se era um menino ou uma menina. Sentia-me sozinha na escuridão da noite. Tomava na veia, fumava sem parar. Crack, maconha o que me dessem ou podia comprar. Nem tudo agora me satisfazia.
                    Se eu morresse ali, eu não me importaria. Não tinha mais vida, família, não tinha motivos para sair dali. Ou será que tinha? Fiquei amiga e amante de Lico Boca Torta. Ele no meio dos drogados fazia sexo comigo de todas as maneiras. Eles riam. Outros queriam participar. Uma festa e eu ali, uma maldita prostituta drogada só querendo mais e mais drogas. Minhas roupas apodreceram. Nua os guardas me levaram a delegacia. Lá risadas, escárnio. Uma baixaria sem tamanho.
                   Chamaram minha mãe. Saí correndo nua pela rua. Não conseguiram me pegar. Uma senhora se apiedou. Comprou ali mesmo um jeans com uma blusa. Não precisa de calcinha nem sutiã. Voltei para o meu lar. A Cracolândia. Um mês, dois, três. Queria dormir. Nunca mais acordar. Agora queria morrer. Nada do que fizesse tinha sentido. Nenhuma delas fazia mais efeito no meu corpo. Gritava. Sorria, cantava uma demente a vagar pelas esquinas da vida. Uma drogada isso sim.
                    Conheci Raquel. Uma assistente social. Ficamos amigas. Ela não insistia como as outras para sair dali. Ajudava-me. Trazia comida que eu comia e vomitava em seguida. Meu corpo era pele e osso. Pesava cinqüenta e nove quilos. Agora nem trinta. Trouxe roupas. Deu-me um banho na rua mesmo. Com esponjas. Raquel, meu anjo! Caída do céu! Um dia chorei, chorei muito. Deitei em seu colo. Ela me afagou. Nunca perguntou pela minha família. Nunca me forçou a nada. Era minha amiga assim, do nada. Ou será que era meu Anjo da Guarda?
                    Quando ficava mais de seis horas sem droga, meu corpo tremia uma febre alta, a garganta seca, uma lassidão tomava conta do meu ser. Não sei, mas gostava dos venenos mais lentos, drogas poderosas e quando me entupia delas meus pensamentos e minhas idéias ficavam poderosas, insanas um sentimento de liberdade. Risos. Liberdade? A noite era a minha escuridão da vida. Não era noite, era o meu dia. Zumbís a andar pelas esquinas da morte.
                    Um dia quando Raquel chegou. Chorei. Chorava em prantos. Muitos dos miseráveis que eram meus amigos acorreram a me acudir. Acharam que era a Raquel. Ela não dizia nada, só me afagava. Ela é meu anjo, minha alma, minha salvação. Resolvi pedir a ela que me ajudasse. Queria sair daquele inferno. Não tinha escolhas, que ela fizesse o que bem entender. Era seu trabalho. Beijou-me no rosto. Fechei os olhos e sonhei com minha mãe. E minha filha? Será que estava viva?
                    Ela conseguiu uma internação em uma clinica para dependentes químicos, no campo, próximo a uma cidade que não conhecia. Dirigida pelo pastor Jamilton. Ele e sua esposa eram duas almas bondosas. Ali vi que outras moças como eu tinham muitas historias. Eu as ouvia. Parecia que não havia diferença entre eu e elas. Quando cheguei ali achei que não tinha mais dignidade, valor pela vida. O vicio maldito não me abandonava. Daria tudo por uma picada. Uma só. Gritava, implorava, O Pastor Jamilton e dona Clementina ficavam ao meu lado. Dando-me forças.
                  Com uma semana diminuiu um pouco aquela vontade louca de me drogar. Mas estava longe de alcançar o ideal e voltar para minha casa. Só no segundo mês avisaram minha mãe. Tinha encorpado um pouco. Agora com trinta e nove quilos. Diferente de quando eu cheguei com vinte e três. Ela me abraçou. Meu pai também. Ficamos os três abraçados por um longo tempo. Toda semana eles vinham. Raquel também vinha uma vez por semana. Dizia que não podia ficar comigo muito tempo. Muitas outras pessoas precisavam de sua ajuda.
                 Já se passaram cinco meses. Estou com quarenta e oito quilos. Dizem que meu sorriso voltou. Dizem também que me tornei amiga de todos ali. E uma tarde chegou um automóvel. Surpresa! Bela surpresa! Venâncio tinha sido convencido por Raquel a ir para aquela clinica. Nunca aceitou, mas quando soube que estava ali, resolveu experimentar. Eu ficava ao lado dele constantemente. Autorizada pelo Pastor Jamilton.
               Um ano, dois, três e eu e Venâncio nos casamos. Ele trabalha em uma loja de calçados. O proprietário evangélico aceitava a pedido do Pastor Jamilton ajudar as pessoas drogadas. Sabia que a maioria não ficava lá. Recebiam o primeiro pagamento e voltavam de novo para a Cracolandia.  Isto não aconteceu com Venâncio. Quatro anos depois ele era gerente da loja. Mamãe sempre trazia Neusinha para ficar comigo. Minha filha!
               Agora moramos os três juntos. Uma família feliz. Longe das drogas. Espero que seja para sempre. Não digo que nos recuperamos. Longe disso. Mas eu e Venâncio somos um só. Amamos-nos muito. E Neusinha então? Era nossa luz, nossa estrela a indicar o novo caminho. Os novos tempos que já nos deram a alegria de volta e irão sempre trazer a brisa gostosa da manhã, a respirar pela janela da minha casinha e não mais na rua suja do passado.
                Ainda lembro-me dos meus amigos que lá ficaram. Rezo por eles todos os dias. Sei que não é fácil abandonar o vicio. Muitos já terão morrido. Outros irão morrer logo. Sei que Deus na sua suprema bondade irá amparar a todos. Eles sempre terão o direito de voltar aqui de novo. Uma nova vida. Um novo recomeço. Pois assim é a vida. Nascer, viver, morrer. Nascer de novo, pois esta é a lei!

A vida de um drogado


Mais um dia...
Será que vai ser o último?
Acordo com um bófia, a pontapear-me,
Lá vou eu, ver se uns trocos consigo arranjar...
Se não me derem, vou ter mesmo de roubar...
A hora da dose ta a chegar,
Ainda tenho de arranjar dinheiro, para a ir comprar...

Hoje ta tudo de pernas pro ar
Nem uns míseros tostões consegui arranjar,
Não me sinto com forças, para esperar
Vou ter mesmo, de roubar...

Tenho o interior do meu corpo em desespero,
Aqueles bichos de baixo da pele põem-me louco,
Estou todo arranhado, esta cena dói, e não é pouco

Mais uma vez roubei
Foi muito fácil, aqui nunca pensei
A bolsa da "velha", tava recheada
Já vai dar para uma dose, bem abonada

Já ta ali o gajo, á mesma hora de sempre,
É agora menino riquinho, á conta da gente,
Enfim, andam a ganhar dinheiro desta forma indecente...

Já tenho tudo o que preciso, a colher, a prata e o limão...
E esta grande dose, toda na minha mão...

Ah! Que sensação, depois de injetar parece que sou o dono do mundo...
E sem ela, não passo de um drogado vagabundo...

Vem um homem na minha direção,
O quer ele, de mim? Que não passo de um ladrão,

Era o filho da Cota, que gamei,
Deu me tantas, que nem me levantei...
Agora estou aqui, dolorido por dentro e por fora,
E fico aqui á espera que chegue a minha hora...
Cathia Chumbo.

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