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quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Um golpe de Mestre.



Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Um golpe de Mestre.

                O Comendador Teobaldo Lascarim estava com os olhos vidrados, uma dor terrível em todo o corpo nu e amarrado em uma mesa com as pernas abertas. Gerônimo não o perdoou. Logo ele quem O Comendador empregou com seu principal capataz na Fazenda Luar do Sertão e sempre o prestigiou. Agora queria matá-lo e no fundo até que tinha razão, mas “pombas” ele não ofereceu a triplicar seu salário? A comprar um carrinho para ele? A dar a melhor casa da fazenda para ele? O Comendador não podia se mexer. Sentia no seu traseiro gordo o enorme pedaço de pau que o Filho da Puta do Jerônimo tinha enfiado. Já não sangrava mais e Jerônimo sempre que aparecia tinha o prazer inato de tirar e enfiar de novo – Se continuar assim eu vou morrer! Ele disse. -  Que morra desgraçado. Isto não é nada com o que ainda vou lhe fazer! O Comendador Teobaldo Lascarim sabia que não haveria perdão.

                O Comendador sabia que ele não teria salvação. Se o Delegado Paludo desconfiasse tudo bem, ele nunca poderia achá-lo ali naquela choupana proximo ao Rio Verde. Mas seria um milagre e ele nunca acreditou em milagres. Gerônimo vinha à noite e pela madrugada. Sabido o cara. Trabalhando ninguém desconfiaria dele. Porque entrou naquela fria? Maldito tesão dos infernos. Sempre ele para desgraçar sua vida. Não fora a primeira vez e se não fosse suas posição na comunidade, já teria levado alguns anos de cadeia. Lembrava-se de tudo. Como todos os dias ia até a cidade para ver como andava seu Cartório do 1º Ofício. Quase não ficava lá. Viu Nininha correndo para pegar o ônibus da escola. Não conseguiu. Ele parou e ofereceu uma carona. Ela sorridente entrou no seu Buick reformado. Ele adorava aquele carro. Tinha mais dois zero quilômetros na garagem de sua fazenda, mas o Buick era seu preferido.

                 Nininha parecia ter onze ou doze anos. Magrinha uma teteia, pois seus seios exuberantes já demonstravam sua força. O Comendador olhava de esguelha sem tirar os olhos da estrada. Ele gostava de meninas. Em fins de semana sempre tinha uma ou duas a disposição na fazenda. Pagava bem aos pais para não ter problemas depois e sabia que o Delegado Paludo também tinha as mesmas taras. Quer saber? Todos os homens proeminentes em Natividade eram pródigos em procurar uma menininha para passar o tempo. Sempre tinha pais que vendiam e sabiam que pagavam bem. Ele com sua mão direita colocou nas pernas de Nininha. Ela sorriu para ele. Sentiu seu corpo ferver. Estava bom demais aquilo. Sem mandar ela acariciou sua protuberância com sua mãozinha pequena. Ele entrou em uma estrada de terra e não deu outra. Possuiu a menina ali mesmo. Ela não reclamava só pedia para ser atrás, pois era virgem. Não gritou e nem gemeu.

                   Mas que “merda” no dia seguinte Jerônimo o pegou de jeito ao sair na porteira da fazenda. O Comendador não esperava aquilo. Jerônimo era seu empregado e sempre foi pacato e obediente. Com brutalidade o empurrou para o lado do passageiro e com um facão o mandou ficar calado. Engatou uma primeira e uma segunda no Buick e saiu a toda pela estradinha. Quando percebeu estavam na Beira do Rio Verde, numa choupana que há tempos ninguém usava. Jerônimo não dizia nada. O amarrou na pequena mesa e cortou suas roupas com o facão o deixado nu. O pior aconteceu. Sentiu quando Jerônimo enfiou aquele galho cortado em seu traseiro. Como doeu e ele nem sabia por que Jerônimo fazia isto. O deixou lá amarrado à mesa com as pernas abertas e se foi. O Comendador gritou feito um peão danado. E quem ouvia? Ninguém ele sabia. Ficou rouco de tanto gritar. À noitinha Jerônimo apareceu. Deu-lhe água e um pouco de arroz com feijão. O Comendador sempre perguntando o porquê ele fazia isto com ele.

                   Só no segundo dia ele disse. - Se quer sair daqui sem morrer bode Velho escreva um bilhete para o Gerente do Cartório dizendo que fez uma pequena viagem e só daqui a alguns dias irá voltar. Já estava ali há dias ele mesmo nem sabia quantos. Sentia que não ia durar muito. Sempre Jerônimo lhe dando comida e água e enfiando o galho naquele lugar. A noite ele ficou sabendo o porquê. Nem sabia que Jerônimo era o pai de Nininha.  Ele nunca foi a sua casa e nunca viu a menina com ele. Jerônimo não falou mais nada. Só disse que ele iria morrer da forma mais horrenda do mundo. Com um pau enfiado em seu trazeiro, amarrado a uma mesa e ele iria parar de levar comida e agua. Que você morra seu Filho da Puta ele disse. No dia seguinte sua ração de água e comida foi cortada. O Comendador chorava a cântaros. Pedia perdão dizia que daria tudo para ele soltá-lo. No dia seguinte Jerônimo pôs as cartas na mesa: – Com um Lepitot o mandou transferir todo seu dinheiro na conta de alguém chamado Aristides Peixoto.

                  O Comendador Teobaldo Lascarim passou uma noite do cão. Ele não acreditava em uma palavra do que dizia Jerônimo em soltá-lo. Mas sempre a duvida está presente e se fosse verdade? Melhor dar o dinheiro a ele e rezar para que ele o soltasse. Transferiu dezoito milhões da poupança e quatro milhões de sua conta pessoal. Pelo menos seus investimentos não poderiam ser transferidos e ele poderia fazer dinheiro com eles quando quisesse. Achou que tinha morrido quando ouviu vozes. Era o Delegado Paludo e mais três praças. Soltaram-no e o levaram para o Hospital Santa Maria. Ficou lá dez dias. Recuperou logo suas forças e só a parte do trazeiro é que ardia demais. O delegado lhe disse que encontraram seu Buick perto de Santana do Livramento há mais de setecentos quilômetros de sua cidade. Prometeu a Deus que nunca mais iria olhar para uma menina. Para ele chegava àquela que quase o matou. Promessas, promessas... E quem acredita nelas?

                   Nininha de óculos escuros, escondida em um biquíni para adultos, se refastelava em uma cadeira da praia particular do Hotel Sirenusi em Mar Del Plata. Estava só e Aristides, ou melhor, Jerônimo tinha viajado até o sul do Brasil a procura de um emprego em alguma fazenda de um ricaço. Nininha na realidade tinha dezessete anos e rosto de anjo de doze. Todos achavam que ela era uma menininha e ela fingia bem. Sabia corar, sabia rebolar, sabia gemer se preciso quando uma vara a penetrava. Ganhou muito dinheiro com isto e pretendia ganhar mais. O Comendador foi uma de suas vítimas. Tudo planejado de antemão. Aristides era um excelente peão boiadeiro e não tinha dificuldades de se empregar em qualquer fazenda. Conheceu Aristides em Araçatuba há cinco anos. Ele bêbado tentou agarrá-la. Ela o levou até sua casa na periferia e ali ele desmaiou. No dia seguinte ela fez sua vontade. Ele achando que era uma menina virgem.

                    Tudo foi o começo. O medo de ela contar para alguém, principalmente o delegado o fez escravo dela. A danada filmou tudo que ele fez com ela. Como era sabida. Quando ele soube que ela tinha dezessete anos ficou possesso. Tentou estrangulá-la, mas ela com um punhal no seu pescoço o fizeram desistir. Ficaram sócios nos golpes que ela armava. Um dia pensou em sumir com o dinheiro, pois todos depositavam em seu nome em uma conta que tinha em Montevidéu. Ela o engendrou de tal jeito que ele não teve escapatória. Tinha uma declaração dele que a tinha estuprado enquanto dormia e tinha o filme. A danada não se sabe como tinha uma identidade onde dizia ter onze anos. Ela com outra identidade falsa tinha contas em vários bancos. Dava para Aristides dez por cento do que conseguiam e pagava todas suas despesas. Ela sabia que mais cedo ou mais tarde tinha de dar um sumiço nele e isto não seria difícil.

                     Em uma tarde de novembro, na cidade de Jersey no Rio Grande do Sul, durante uma exposição de gado Holandês Aristides conseguiu um emprego na fazenda do Coronel Salud que adorou seu modo de tratar os animais. Nininha chegou à noite e viu o Coronel Salud. Não demorou dois dias e planejou tudo. Aristides era seu pau mandado e ficava admirado em ver aquela menina, com cara de novinha e corpo sem graça a não ser os seios atrair os homens como ela atraia. Ele não reclamava, pois sua conta no banco tinha engordado bastante desde que a conheceu. E assim, de golpe em golpe Aristides um dia foi traído pelo destino. Ou será que foi por ela? Quando o Coronel Salud sofria com um galho no trazeiro, nu e amarrado em uma mesa foi surpreendido pelo Delegado Praxedes. O delegado não era boa bisca e chegou atirando. Aristides com os olhos arregalados nem tempo teve de saber o que ouve e como o delegado ficou sabendo. Agora Aristides prestava contas na porta do inferno onde o diabo rindo o esperava.

                  De Nininha ninguém soube mais. Um dia o Comendador Teobaldo Lascarim viu em um jornal da capital a foto do Príncipe de Astúrias George Lascanes que se casava com uma jovem mexicana. Presente Presidentes Reis e Rainhas. A foto não deixava dúvidas. Era Nininha. Ele riu e correu a mostrar ao delegado Paludo. - Comendador, deste buraco não sai coelho. Acusar esta menina dos crimes que cometeu aqui é mexer com o diabo. O cara é príncipe e vai ser rei. Deixa prá lá. Um dia ela encontra seu destino e vai se danar também. O Comendador riu baixinho. Foi duro o pau que ele carregou no traseiro por uma semana. Mas a menina era uma delicia. Ele nunca esqueceu a “trepada” que deu com ela. Mas não dizem que existem males que vem para o bem? Hoje ele está casado com Dindinha, uma menina de catorze anos de cair o queixo. Afinal ele gostava disto e se sofreu merece agora melhor sorte. Nem imaginava que Dindinha era amante de Ponsigolo. Um peão que ele empregara seis meses antes.

                  É... Não tem jeito. Que assim seja, pois não dizem que enquanto houver cavalo São Jorge não anda a pé? Risos.

“Se algum dos senhores quiser mandar uma mensagem ao diabo, digam-me imediatamente, pois estou prestes a encontrá-lo.”

Via Láctea
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”.

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.”.

Olavo Bilac

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