Soneto do Prazer maior.
Amar dentro do peito uma
donzela;
Jurar-lhe pelos céus a
fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo
alta ventura,
Depois da meia-noite na janela:
Faze-la vir abaixo, e
com cautela.
Sentir abrir a porta,
que murmura;
Entrar pé ante pé, e com
ternura
Aperta-la nos braços
casta e bela:
Beijar-lhe os
vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o
mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os
dois pimpolhos:
Vê-la rendida enfim a
Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os
brancos folhos;
É este o maior gosto que ha no mundo.
Bocage
O rocambolesco escândalo
da virgem Rebecca e o famoso Senador X.
Foram anos a
procura dela. Anos que gastei o que tinha e fiz o que podia para saber seu
paradeiro. Rebecca era única. Eu sabia que não ia amar a mais ninguém pois sem
ela a vida para mim não tinha valor. Apesar de tudo eu não importava o que ela
fez e a receberia de braços abertos. As notícias sobre ela deixaram de virar
manchetes mas ninguém sabia onde ela foi parar. Dizem que as paixões nos levam
a cometer erros e que o amor nos faz cometer desatinos que mais cedo ou mais
tarde iremos nos arrepender. Um poeta anônimo escreveu que a cada dia que se
passa você vai subindo um degrau dessa imensa escada algumas vezes você perde a
força e cai depois se levanta e continua a subir essa escada de cabeça erguida.
Pode ser. Eu não desisti e não vou desistir.
Como fomos
felizes juntos em nossa infância. De mãos dadas nunca iriamos saber o que o
nosso futuro nos reservaria. Lembro-me de vê-la sorrindo na beira do Lago das
borboletas, correndo entre elas, brincando sem as machucar. Apesar dos seus
oito anos a cena merecia ser filmada e passada em todas as telas de cinema que
existissem neste mundo. Eu fiquei ali inebriado com seu balé em meio às flores
silvestres e a revoada das borboletas das mais variadas cores. Você se foi e eu
voltei lá diversas vezes e não a vi. Sentado na Praça do soldado onde repassava
a prova de história que teria no dia seguinte vi você parada na minha frente a
dizer oi. Olhe quase cai do banco de madeira ao ver você. Sei que você sempre
disse que foi o início de uma grande amizade. Para mim nunca foi.
Alguém um dia me
disse que a mais nobre paixão humana é aquela que ama a imagem da beleza em vez
da realidade material. O maior prazer está na contemplação. Pode ser verdade.
Eu nunca me cansava de olhar para você. Foram anos de juventude contemplativa e
poucas vezes senti sua pele morena em minhas mãos. Nunca beijei você. Nunca.
Quer saber? Nem sonhos eróticos eu tinha. Eu dizia para mim que poderia não ser
hoje, poderia não ser amanhã mas algum dia eu iria realizar o meu grande sonho
de ter você junto a mim para sempre. Quando tudo aconteceu você ia fazer dezesseis
anos. Todos os anos que brincamos juntos, que cantamos e como sua voz era
maravilhosa, como passeamos pelas ruas de Campos Dourados e eu sabia que
ninguém duvidava que um dia iriamos fazer o par perfeito, nos casar, ter uma
família e viver feliz para sempre. Mas isto só na minha mente. Ninguém nunca
aceitaria estarmos casados. Sociedade hipócrita.
Maldito Senador.
Maldito mil vezes. Eu era uma pulga, um mosquito que ele com um simples bater
de mão me destruiria. Porque foi a nossa cidade? Era pequena e ele que queria
conquistar o mundo não precisava ter ido lá. Seu discurso em frente à Matriz de
Santo Antonio foi arrebatador. As moçoilas da cidade estavam em estado de êxtase.
Quando ele jogava seu topete já embranquecido de um lado ao outro elas
suspiravam. Fizeram fila na porta do seu hotel. Diziam que ele era solteiro e
aspirante a Presidente da Republica. Como foi bajulado. A cidade inteira ficou
aos seus pés. Porque seu pai o convidou a sua casa? Não precisava. Mas ele foi
só era uma das famílias mais conceituadas e como médico seu pai seria um cabo
eleitoral dos mais perfeitos.
Eu fiquei em frente
sua casa, junto a uma multidão enquanto o Senador X se refastelava com o almoço
cinco estrelas que sua mãe fazia. Você chegava à janela, me dava adeus, sorria
e voltava para dentro. Os erros são os rascunhos da vida. E foi naquele dia que
eu descobri uma coisa fantástica, talvez a mais fantástica de todas: Quando a
gente para de procurar desesperadamente por um amor, a gente percebe que não
pode amar qualquer coisa. Eu amava só você e mais ninguém. Fiquei feliz com a
partida do Senador X. Mas o que me contou a noite me deixou atordoado. Seu pai
autorizou você a ir morar na capital na casa do Senador X. Ele tinha prometido
que você iria estudar no melhor colégio. Iria aprender a viver na melhor
sociedade brasileira, prometeu mundos e fundos. E o pior, disse que a trataria
como se fosse à filha que nunca teve. Eu gostaria de ter lhe dito que nunca
acredite em uma lágrima, acredite na pessoa que derramou esta lágrima por você.
Ele mandou sua
limusine para sua viagem. Tentei me aproximar mas seu pai não deixou. Pediu-me
que não atrapalhasse seu futuro brilhante. Eu perdi o sentido da vida. Sem você
ela para mim não tinha mais valor. Pensava como estava vivendo, se sorria como
outrora, e se deixou que o maldito Senador X a tocasse. Isto me embrulhava o
estomago. Nunca podia imaginar ele acariciando seu rosto, seus seios, todo seu
corpo que pensei que um dia seria meu. Sei que você não sabe, mas pense, pense
que existe alguém que sorri só a ouvir o teu nome? Mas o mundo não para de
girar, a vida segue sua rotina e o tempo foi passando, passando, e eu não me
interessando por ninguém. O que aconteceu me deixou atabalhoada. Os jornais
estamparam em letras garrafais – O Senador X quase foi morto por um jovem de
nome Rebecca.
Aquilo era
impossível. Seus pais não me diriam nada. Com os parcos recursos que um dia
guardei para nós parti para a capital. Eu sabia que não seria recebido pelo
Senador X. Mas eu precisava saber onde você estava. Eu não ia deixar você
sozinha. Eu jurei que éramos um só antes e seriamos sempre a mesma pessoa. Não
iria condenar o que fizeste. Nunca. Perdoar é libertar alguém da culpa e
descobrir que o prisioneiro era você! Fiquei vários dias no portão tentando
saber de alguém onde você estava. Um jardineiro sorriu para mim. Era novo, me
achou bonita. Sorri para ele. Deixei que me acariciasse apesar de sentir asco.
Contou-me que por ser menor você foi para a Fundação Casa. Onde internam os
menores infratores. Disse-me mais que você iria ficar lá por dois anos até
fazer 18 anos. Eu não iria deixar. Combinei com o jardineiro de voltar à noite
e deixar que ele me possuísse. Maldito que se masturbasse a vontade, pois ali
nunca mais voltaria.
Precisava
conhecer alguém que trabalhava ali. Ninguém iria me deixar entrar. Afinal
estava com meus dezessete anos e o que poderia acontecer é ser presa também.
Uma mocinha magrinha muito simpática estava saindo do prédio. Aproximei-me.
Disse que uma prima estava ali se ela conhecia. Ao dar o nome ela sorriu. –
Olhe sua prima não está mais aqui. Ficava o dia inteiro gritando, dizendo que
ia se matar. Foi levada para o Hospital psiquiátrico de Sorocaba. Meu dinheiro
estava acabando. Comia quase nada. Um Cachorro quente aqui outro ali, mas deu
para comprar uma passagem de ônibus até Sorocaba. Não foi difícil encontrar o
hospital. Difícil era entrar lá e descobrir onde estava Rebecca. O jeito era me
prostituir com um guarda. Não seria fácil. Era virgem, mas por Rebecca eu faria
qualquer coisa.
Antonio foi
uma bela surpresa. Quando me aproximei dele ele sorriu para mim. Quando disse o
que queria ele se assustou, quando ofereci meu corpo ele fechou a cara e disse
que aquilo ele nunca faria. Era evangélico e respeitava todas as mulheres que
um dia apareceram em sua vida. Disse que iria ajudar. Que eu voltasse no dia
seguinte e ele iria se informar onde Rebecca estaria internada. Arrumou-me um
uniforme de faxineira. Entrei sem problemas junto com ele. Quase chorei quando
vi Rebecca. Estava um trapo. Aquela menina linda e formosa era sombra do agora.
Ela não me reconheceu e só no segundo dia um lampejo passou em sua mente.
Antonio me ajudou a fugir com ela. Deu-nos uma carona até Campinas. Não poderia
voltar a nossa cidade. Ela seria presa novamente. O dinheiro acabou. Tive que
me prostituir. Um rufião me fez uma proposta para trabalhar em São João da
Barra. Estavam construindo o grande porto e era um ótimo local para fazer
dinheiro se prostituindo.
Rebecca me
seguia onde fosse. Não era dona de si mais. Não tinha domínio sobre si e era
mais um robô humano a me seguir. Faz onze anos que estamos morando em São João
da Barra. Compramos a Boate Nostradamus. Ela não é a melhor, mas não nos deixou
na miséria. Falta pouco para irmos embora daqui e quem sabe abrir um pequeno
comercio em alguma cidade. Rebecca dorme comigo na mesma cama. Não fazemos
sexo. Ela não sente nada. Mas eu durmo abraçado com ela. Eu a amo mais que tudo
na vida. Nunca me perguntou pelos seus pais e pelo Senador X. Não contei para
ela que ele e a família tinham morrido em um acidente aéreo. Não importava para
ela. Eu e ela já temos mais de dezoito anos. Sei que seremos felizes, pois eu
vou cuidar dela por toda minha vida. Como disse Shakespeare, é muito melhor
viver sem felicidade do que sem amor. E eu amo muito a minha querida Rebecca.
Sei que não disse, mas me chamo Monalisa e não sou bonita. Mas importa?
Soneto do Monge
caluniado.
[anônimo]
Língua mordaz, infame e
maldizente,
Não ouses murmurar do bom
prelado:
Ainda que o vejas com
Alcippe ao lado.
Amigo não será, será
parente:
Geral da Ordem, pregador
potente,
No jogo padre-mestre
jubilado,
E também caloteiro
descarado
Pode ser que o repute
alguma gente:
E que te importa que
fornique a moça?
Que pregue o evangelho
por dinheiro? [pé quebrado]
Que em vez de andar a pé
ande em carroça?
Talvez que disso seja um
verdadeiro
Dos monges exemplar, da
Serra d'Ossa,
Pois que dos monges é hoje o
primeiro. (anônimo)
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