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sexta-feira, 5 de abril de 2013

Seja bem vindo ao inferno Malaquias!




Este Inferno de Amar!

Este inferno de amar – como eu amo!
Quem me pôs aqui n’alma... Quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que a vida – e que a vida destrói.
Como é que se veio a atear,
Quando – ai quando se há-de ela apagar?

Eu não sei não me lembro: o passado,
A outra vida que dantes vivi.
Era um sonho talvez... – Foi um sonho.
Em que paz tão serena eu dormi!
Oh! Que doce era aquele sonhar...
Quem me veio ai de mim! Despertar?

Só me lembra que um dia formoso,
Eu passei... Dava o sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Em seus olhos ardentes os pus.
Que fez el? Eu que fiz? – não não sei;
Mas nessa hora a viver comecei...

Almeida Garret.  

Seja bem vindo ao inferno Malaquias!

                       - Você soube do Cassandro? Não soube? Fugiu com a mulher do Nequinha. Coitado do Nequinha, em vez de ir atrás dele ou dar risadas o coitado senta na porta da sua casa e chora feito uma mulher! – Eu soube, mas é sempre assim. Já foram épocas que ser macho mesmo era ir atrás e sapecava uns dois tiros na testa do filho da puta! – Mas será que eles merecem mesmo? Afinal não foi a mulher que resolveu fugir com ele? – Malaquias sentado na ponta da mesa nada dizia. Sempre fora assim. Caladão. Sorriso? Ninguém viu. De onde veio e o que fazia para sobreviver era um mistério. Nunca disse uma palavra quando estavam ali em volta da mesa do boteco do Virgílio.  Milico Barbeiro é quem contava que ele chegou uma tarde com uma mochila nas costas e perguntou na Barbearia se alguém sabia de uma casa para vender. – Ali? No Martelo? Um povoado de merda onde Judas perdeu as botas? Milico vendeu seu barraco no fim da rua. A única do povoado.

                        O Zé Povinho ficou de olho em Malaquias que não deu bola para ninguém e meteu a cara no seu barraco. Sozinho deu uma melhorada. Comprou umas taboas e fez seus móveis. Claro ninguém tinha visto, pois ele nunca convidou ninguém para ir lá. As tardes costumava ir ao Bar, melhor ao boteco do Virgílio e tomava uma ou duas cervejas. Não bebia cachaça. Mal escurecia ia embora. As comadres diziam que ele ficava sentado na porta do barraco com um lampião a gás lendo. O que ele lia? Ninguém sabia. Interessante de vez em quando ele desaparecia. Cinco ou dez dias fora. Sumia e ninguém via quando ele ia ou chegava. Parecia um fantasma. E se ele fosse um? – Cruz credo, diziam. Martelo era um povoado, ou melhor, município de Lagoa Grande. Ficava a mais de setenta quilômetros de distância. Nunca recebeu nenhum beneficio, mas se orgulhavam de nunca terem pagado o imposto da prefeitura.

                     - Por favor, Malaquias, não me mate! Eu juro por Deus que lhe pago o dobro! – Malaquias o olhou bem nos olhos. Não tinha volta, não tinha perdão. Quando Zózimo pedia e pagava Malaquias não discutia. Nem conversou com Bodoin. Não tinha o que falar. Meteu-lhe dois balaços entre os olhos. Morreu na hora. Ele gostava disto. Morte sem dor dizia para sim mesmo. Nunca perguntava o que o outro fez. Não lhe interessava. Contrato é contrato e tem de ser respeitado. Para falar a verdade não gostava do Zózimo. Homem falso, sem palavra, sorriso de idiota, mas não era nada disto. Malaquias sabia que ele cumpria ordens do Bicheiro Castanha. Homem rico. Dono de todas as bancas no Estado. Quando alguém resolvia entrar sem ser convidado ou então falasse o que não devia Malaquias era chamado.

                       Malaquias não gostava do seu passado. Nasceu num puteiro. Sua mãe morreu jovem de doença venérea. Dona Marquesa foi quem o criou. A dona da boate. Aos quinze anos se mandou. Caiu no mundo. Sofreu poucas e boas. Com dezesseis matava para roubar. Fora preso algumas vezes. Sendo menor de idade era sempre solto. Resolveu crescer no mundo do crime. Ficar matando atrás de uma esquina por cem ou trezentos reais era muito pouco para ele. Foi Zózimo que lhe ofereceu o primeiro contrato. Não escrito é claro. – Olhe Malaquias já dizia a Amanda Rodrigues que ninguém transforma um demônio em um anjo, mas um anjo pode virar demônio facilmente e deu belas gargalhadas. – Malaquias não entendeu. Mas ele sabia que um dia teria de matar o Zózimo. Ele sabia demais de sua vida. Seu primeiro trabalho lhe rendeu dez mil. A partir daí não aceitava nada por menos de vinte. Matou um cara na divisa com o Paraguay por cem mil reais. O cara era o delegado de lá.

                       Não podia morar na capital. Seria perigoso para ele. Um dia passou por Martelo. Era o lugar ideal. Disse ao Zózimo que quando precisasse dele enviasse uma cartinha para sua caixa postal. Bastava escrever: - Saudades de você amigo! - Caixa Postal? Disse o Zózimo. – Isto mesmo, em Lagoa Grande. – É lá que você mora? - Não, mas passo lá uma vez por semana. Zózimo não perguntou. Sabia que Malaquias não ia dizer mais nada. Malaquias podia ter feito uma casa enorme. Nada disto. Se fizesse despertaria suspeita. Ele lembrou-se de um matador que conheceu que disse para ele – Malaquias, um poeta Charles Caneia disse um dia - O que você chama de coincidência, sorte e azar é à maneira de Deus ou do Demônio se manifestar. Lembre-se a vida é um demônio disfarçado de um lindo anjo mal! Malaquias entendeu o recado.

                          Teve uma tarde que a mesa no Boteco do Virgílio tinha mais de oito cachaceiros. Até o Neco o padeiro da cidade metido a santo apareceu. Encheu Malaquias de pergunta. Malaquias não disse nada. Saiu do boteco e foi embora. Todos em volta da mesa se assustaram. – Neco! Não se faz perguntas assim! – Porque não? Porque você não o conhece! – Neco foi para sua casa preocupado. Caralho! Porque não fiquei de boca fechada? A rua estava deserta. Era assim o Martelo. Fazer o que a noite? A luz fraquinha nem iluminava onde passava. Não tinha cinema nada. Só o boteco do Virgílio. Uma sombra passou por ele. Sentiu um cano de revolver na nuca. – Se você um dia me perguntar mais alguma coisa, vai fazer companhia ao Demônio nas prefundas dos infernos! Neco se borrou todo. Gemeu baixinho pedindo a Deus que o socorresse. Não viu ninguém perto dele. O cara era uma alma do outro mundo.

                           Ele estava ali na sala onde ela morava. Nunca tinha visto, nem sabia quem era e nem queria saber. Zózimo lhe dera o dinheiro e o endereço.  Só pediu que cortasse sua garganta e lhe disse para nunca tentar um homem como o Bicheiro Castanha. Malaquias não gostava de matar mulher. Matou algumas para roubar, mas achava que estava se defendendo. Não discutiu com Zózimo. Não era do seu feitio. Matador é assim. Recebe o pagamento, mata e esquece. Chegou cedo a casa dela. Vazia. Só a noite ela chegou. Ficou preocupado. Parecia ser uma menina. Não tinha mais do que dezesseis anos. Cabelos dourados. Raquítica, um metro e meio no máximo. O que Zózimo esperava de uma menina como essa? O que ele fez para ser apunhalada no pescoço? Ele sabia que não devia perguntar e nem fazer conjecturas. Um matador não faz isto. – Ela o viu com um punhal na mão. Seus olhos arregalaram. – Foi o Zózimo quem mandou?  Pelo amor de Deus! Não me mate. Juro que farei tudo que você quiser!

                             Pela primeira vez em sua vida Malaquias não soube o que fazer. Devia meter-lhe logo o punhal no pescoço, ver o sangue espirrar e ela berrar de dor e dar o recado de Zózimo. Foi pago para isto. Pegou-a pelos cabelos. Ela não gritou mais. As lagrimas secaram seus olhos.  – Só disse o seguinte: Vou me encontrar com você no inferno! Espero você lá! – Malaquias sentado na porta de seu barraco não sabia se estava arrependido ou não. Ela chegou à porta e disse que o jantar estava pronto. Morava com ele, mas não era sua mulher. Não deitava com ele. Uma menina. Isto ele não faria nunca. Sabia que agora estava marcado para morrer. Zózimo não iria perdoar. Iria remover céus e terras até encontrá-lo. Não estava arrependido. Poderia ter fugido dali e se embrenhado em matas do Mato Grosso ou do Pará. Quem sabe algumas das Guianas seria um paraíso para ele morar.

                             Sabia que tinha uma boa reserva financeira. Mais de oito milhões de reais. Uma fortuna para ele viver bem o resto da vida. Mas iria ficar ali e esperar o Zózimo. Ele viria pessoalmente. Seria sua “vendeta” ele sabia que era normal. Matador cumpre ordens caso contrário outro matador acaba com ele. – Uma tarde falou com a menina dos cabelos dourados: - Zózimo vai vir atrás de nós. Não vou fugir. Se você quiser ir embora fique a vontade. – Ela nada disse. Continuou ali ao lado dele. O Povoado de Martelo notou a presença dela. Mesmo não saindo de casa. Os comentários e buchichos se multiplicaram. – Uma menina! Uma menina! Ele é um pedófilo! – Mas ninguém dizia isto para ele. Sabiam o que acontecera com o Padeiro Neco. O cara era um perigo. Carne de pescoço! Alguns diziam que ele era o Demônio escondido ali para pegar um ou outro do povoado.

                              Era cedo quando uma BMW 760 LI entrou no povoado. Parou em frente ao boteco do Virgílio. Um homem atarracado de terno preto desceu e perguntou se alguém conhecia o Malaquias. Virgílio tremeu. Fazer o que? Mostrou onde era a casa. O carro foi em frente e parou no local indicado. Desceram quatro homens de terno. Chapéu atolado na cabeça para ninguém ver seus rostos. Ficaram lá uns dez minutos e saíram. Voltaram. No boteco Virgílio disse não saber onde ele tinha ido. Costumava pescar na curva do rio. Lá foram eles. Duas ou três horas se passaram. Ouviram barulhos de tiros. Muitos. Meia hora depois o carro passou na rua principal de Martelo. A menina loira dos cabelos dourados dirigia. Mais ninguém. O que houve? Ninguém sabia e ninguém nunca perguntou. Dois dias depois eles viram Malaquias e a moça novamente na casinha.

                                O sossego durou pouco. O que aconteceu ali seus oitocentos habitantes tiveram mil histórias para contar. Eram mais de quinze veículos. Eram Ranger Rover, Toyota, SUV de todos os tipos. Cheias de homens de terno e mal encarados. Fecharam as portas da cidade. Ninguém sai ninguém entra. Já sabiam onde Malaquias morava. Nem bem dois desceram de uma SUV e cada um recebeu uma condecoração no peito. Balaços sangrentos sem retorno. Passaporte para o inferno! Um tiroteio infernal. Ao amanhecer a rua cheia de mortos. Os engravatados jaziam ali na poeira do Martelo, como se fossem festejar o maior baile funk de todos os tempos. Claro junto aos capetas e demônios no lugar merecido. Um silêncio enorme abateu sobre todos. Ninguém se mexia. Lá no inicio da rua vinha Malaquias e a moça dos cabelos dourados.

                              Nenhum deles falou nada. Malaquias com a mesma mochila que chegou ali um dia. A moça sem nada na mão. Quando sumiram na curva da estrada foram contabilizar os mortos. Mais de vinte e uns dez ainda vivos precisando de socorro médico. Ninguém se mexeu. Era como estivessem mancomunados com Malaquias. Deixaram-nos morrer a mingua ali no meio da rua sob um sol escaldante e inclemente. Martelo ficou famoso. Repórteres, televisões, jornais até gente do exterior. – O que foi? Como foi? Como era Malaquias? E a moça dos cabelos dourados? Ninguém abriu a boca. Delegados, detetives, homens do serviço secreto e nada. Não conseguiram arrancar um naco deles. Todos juravam que não sabiam de nada. 

                              Naquela azáfama todo um homem parecia estar misturado à multidão. Ninguém o reconheceu. O Bicheiro Castanha era assim. Invisível para todo mundo. Olhou seus homens mortos. Paciência. Não tinha amizade com ninguém. Para isto foram bem pagos. Agora mais de trinta homens morrerem nas mãos de um só? Uns bostas isto sim! Quem era Malaquias? Tinha parte com o demônio? Bem ele agora não podia fazer nada. Sabia que dificilmente os encontraria novamente. Esta história que mundo é pequeno para nos dois é balela.  Tudo bem para Malaquias. Ele foi mais esperto, mais valente, mas não sabe com quem se meteu. Ele sabia que mais cedo ou mais tarde Vanessinha iria cortar sua garganta como fez com sua filha Naná. Não conseguiu a vingança que queria, mas tudo bem. Vanessinha um dia ia ter o que merecia. Seus quinze anos não iriam enganar por muito tempo e o tempo? Ah! O tempo. Ele sempre foi o aliado dos calmos, pois os apressados não sabem que o melhor é comer devagar, deixar a carne na brasa até ficar no ponto.

                             Como era mesmo o que dizia Abraham Lincoln? Ah! Sim, ele dizia que você pode enganar uma pessoa por muito tempo; algumas por algum tempo; mas não consegue enganar a todas por todo o tempo. As surpresas da vida estão em cada esquina. E olhem ninguém nunca mais soube de Malaquias e Vanessinha. A loira dos cabelos dourados. Nem mesmo aqueles jacarés do Lago do Suplicio na divisa com a Venezuela souberam de quem era as carnes pudentas e brancas que foram jogadas para eles. Nem repararam nos cabelos dourados cor de mel!                

Quando eu morrer.

Quando eu morrer e no frescor de lua
Da casa nova me quedar a sós,
Deixa-me em paz na minha quieta rua...
Nada mais quero com nenhum de vós!

Quero é ficar com alguns poemas tortos
Que andei tentando endireitar em vão...
Que lindo a Eternidade, amigos mortos,
Para as torturas lentas da Expressão!...

Eu levarei comigo as madrugadas,
Pôr de sóis, algum luar, asas em bando,
Mais o rir das primeiras namoradas...

E um dia a morte há de fitar com espanto
Os fios de vida que eu urdi, cantando,
Na orla negra do seu negro manto...

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