AS SETE VIDAS DE MEIRE ANNE
Estou na caridade da evolução do meu ser. Quero ser menina, encontro-me mulher... Quero ser mulher, vejo-me menina...
Brasília – 12 agosto 2007 - Precisava correr. Voar se pudesse. Teve que ficar no colégio mais tempo do que pensava. Arrumara um emprego, não podia faltar. Difícil coordenar as duas coisas, mas precisava deste emprego. Não encontrou ônibus no ponto. Esperou mais um tempo, chegaria atrasada. Explicações, gerente de cara amarrada.
Entrou no ônibus. Sentou perto do cobrador. Um grande engarrafamento. É hoje pensava. Entrou um jovem mulato e outro loiro. Gritou com todos, sentiu uma mordida nas costas, perdeu os sentidos.
Acordou no hospital. Em volta amigos parentes e sua mãe. Tentou sorrir, mas sentiu uma dor aguda nas costas. Sua mãe explicou que ficara em coma dois meses. Graças a Deus que agora iria se recuperar. Não se lembrava de nada. E o colégio? E o emprego?
Baia de Cabrália – 22 abril 1500 - Flor do Campo estava deitada na areia branca do Grande Rio, que demarcava as terra do seu povo, a tribo dos Tupiniquins. Tinha 16 grandes chuvas e já era considerava por muitos jovens da tribo. Seu pai, o cacique Avanti Negro, ainda não tinha decido quem a levaria.
Flor do Campo era pura, casta e via que Pojucã sempre a olhava e sorria. Era um grande guerreiro. Trouxe várias cabeças de Tapajós na ultima batalha. Estava absorta olhando para o céu, seus cabelos negros longos e lisos espalhados na areia branca quando viu lá muito longe do grande rio, umas canoas enormes. Bem maiores que a da tribo. Achava que até boa parte dos seus irmãos índios caberiam ali.
Centenas de botes aportaram na praia. Flor do Campo foi correndo avisar da novidade a sua tribo. Eles eram pacatos e dificilmente atacavam a não ser quando atacados pelos Tapajós, seus piores inimigos. Toda a tribo estava ali, vendo aqueles homens barbudos, parecendo macacos, com peles em cima do corpo diferente da tribo, onde todos andavam nus.
Um deles se aproximou dela, a pegou pela mão e a levou selva adentro. Não pediu, estuprou-a com crueldade. Ela não entendeu. Não precisava ser assim. As índias da aldeia eram bondosas e não negariam um pedido do macaco peludo. Ele a deixou e sumiu de volta ao seu barco.
Durante muito tempo eles permaneceram ali. Fizeram tabas e ocas de barro, um cruz de madeira e um deles, mais delicado com uma pele preta fina falou e falou. Flor do Campo ficara grávida. Teve uma hemorragia. Morreu numa manhã de junho. Nem seu pai quis ajudar na cremação do seu corpo. Achava que ele tinha sido maculado por isto morrera.
Brasília – 28 agosto 2007 – Meire Anne se sentia bem melhor. Conheceu seu médico salvador. Como era lindo. Olhou para ele e se apaixonou na hora. Ele educado, prestativo, examinou-a, tocou-a e ela estremeceu. Suas mãos eram como seda da pérsia. Sorriu para ela e se foi. Ficou só no quarto. Como sua vida mudara. De um momento para outro, não tinha idéia do seu futuro.
Ficou mais 15 dias no hospital. Seu médico vinha sempre, ela sorria, mas sabia que ele era um profissional e ela também ingênua não dava mostra de estar perdidamente apaixonada por ele. Seria um amor impossível. Não sabia se era casado, sua idade. Nada. Saiu em uma tarde de sol, sem se despedir dele. Foi para casa. Voltou a sua vida de antes. Colégio, casa, amigas mais nada. Agora era tentar outro emprego, aquele se foi.
Olinda – 15 de janeiro de 1774 – Cristal estava em um córrego próximo a sua casa, lavando algumas peças de roupa. Era sua rotina. Não via ninguém e ficava mais a vontade, amarrando seu vestido comprido até a cintura. Não o viu. Quando sentiu sua presença, olhou e se assustou. Era um jovem dos seus 23 anos, a cavalo com mais dois amigos. Ele sorria para ela, ela ficou tonta e não sabia o que dizer. Tinha quinze anos, e mal sabia o que era o amor.
Martinho era moreno, cabelos negros, grandes, amarrados em forma de “rabo de cavalo” com um blusão de couro negro, uma espada cintilante a cintura. Desceu do cavalo e se apresentou fazendo uma reverencia com seu chapéu. Ela ficou muda, estática. Nunca tinha visto isto. Os rapazes que conhecia não eram assim. Acompanhou-a até sua casa. Seu pai não estava. Não tinha mãe. Nunca soube dela. Seu pai a criara.
Martinho ficou sentado em um banco de madeira a porta da casa. Não disse nada. Esperava o pai de cristal. Quando chegou se apresentou, disse que estava de passagem e tinha gostado de sua filha. Ofereceu um dote de cinco libras de ouro em pó, um escravo e um cavalo se aceitasse que ela casasse com ele. Casaram naquele dia mesmo. Frei Raimundo celebrou. Ele partiu com ela a noite. A levava na garupa do seu cavalo.
Não fizeram amor nos três primeiros dias. Dormiam sob as estrelas e ele achava que não ficava bem. Chegaram ao Engenho de sua propriedade ao cair da tarde de sexta feira. Levou-a para o quarto. Foi educado. Ela o amou perdidamente. Durante 15 anos, tiveram uma vida feliz. Cinco filhos. Ela cuidava da casa e a noite sempre faziam amor.
No início de 1790, Pedro Gingado um temível bandido invadiu o engenho. Matou todos inclusive Martinho. Poupou-a. Ela preferiu ter morrido também. Arrastou-a até um tronco e a possuir com brutalidade. Ela gritou, ele tapou sua boca e ela perdendo a respiração morreu.
Brasília – 18 outubro 2007 – Meire Anne voltava para casa cansada. Tentou uma vaga de telefonista. Ficaram de dar uma resposta. Estava desanimada. Várias tentativas de emprego e nada. No ponto de ônibus esperava. Sua vida voltara ao normal. Aquela rotina de sempre. Um carro parou e desceu um homem. Ela o reconheceu. Era seu médico. Dr. Henrique. Estremeceu. Ele sorriu e perguntou se sentia ainda alguma coisa. Ela ficou muda. Ele perguntou de novo. Ela respondeu. Ofereceu para levá-la em casa. Quando acordou estava no carro dele.
Desceu e abriu a porta para ela. Um perfeito cavalheiro. Foi até a porta cumprimentou sua mãe e seu irmão. Entrou para um café a convite. Ficou ali toda a tarde conversando com ela. Convidou-a para jantar a noite. Ela aceitou. Saíram muitas vezes. Ele sempre a respeitou. Nunca tentou nada. Ela tinha medo. Era casta, pura e nunca ficou com um homem.
Ficaram noivos cinco meses depois. Foi um casamento simples. A família de Henrique quase não compareceu. Não aceitavam aquela união. Diziam ser ela simplória, sem condições de pertencer à família. Compraram uma casinha no subúrbio. Meire Anne não cabia em si de alegria e contentamento. Com um ano de casada esperava seu primeiro filho. Henrique a enchia de carinho.
Rio de Janeiro - 28 janeiro – 1881 - A Condensa Ana de L’avoure e o Conde Aristides Costa Pinto, estavam em uma recepção a convite do Governador Mem de Sá. Era uma homenagem ao Imperador Don Pedro II. Uma grande festa. Serviçais, faisões, camarão, frangos, canapés importados da Europa, centenas de milhares de confeitos, cerveja, vinhos e bebidas sem fins. Aguardavam a chegada do Imperador. Ana de L’avoure olhava apaixonadamente para o Barão de Otéllo. Mantinham um romance escondido. Ele era casado e dificilmente poderia dar a Ana uma vida tranqüila. Ele não era nenhum santo.
Uma tarde, em um botequim no centro da cidade, ele se vangloriava de suas conquistas. O Conde Aristides soube. O desafiou para um duelo. Não era bom espadachim. Morreu naquela manhã de domingo. O governador Mem de Sá mandou prendê-lo. Julgado foi condenado à forca. Ana ficou só com seus dois filhos. Cinco anos depois foi internada em um sanatório para loucos. Ficou lá mais dois anos. Morreu batendo sua cabeça na parede de sua cela.
Brasília – 14 novembro – 2008 – Foi um dia festivo para a família Meire Anne e Henrique. Nasceu um casal de gêmeos. Se já eram felizes agora muito mais. Mudaram para uma casa maior. Henrique fora promovido no Hospital e seu consultório era bem freqüentado. As folgas de Henrique eram poucas. Quando as tinha, saiam a passear com orgulho mostrando a todos seus gêmeos. Nivia e Javier. Meire Anne era a mais feliz das criaturas.
Meire Anne começou a receber uns telefonemas estranhos. Dizia ser um admirador. Ela não saberia quem. Recebia também cartas anônimas dizendo que seu marido a traia. Não acreditou em principio. Preferiu manter silencio. O estranho não deixava de telefonar todos os dias. A princípio desligava, mas notou que ele tinha uma linda voz e passou a escutar suas declarações de amor.
Isto a divertia e Henrique nunca foi informado. O estranho tentava marcar encontros e ela se negava. Seu corpo estava sendo vencido. Ela pensava seriamente em encontrar com o estranho. Mas quem era? Como seria? Não era fácil tomar uma decisão. Acreditava e não acreditava na fidelidade de Henrique.
Marcou um encontro com ele. Procurou um horário que seus filhos estariam aos cuidados da babá e que deveria ir ao dentista. Ficou escondida atrás de uma coluna no shopping. No local combinado, na sala de alimentação o viu. Lindo. Forte, moreno sarado. Devia ser algum professor de ginástica. Não teve coragem de se aproximar, mas começou a sentir desejos, a fantasiar e sabia que mais cedo ou mais tarde se entregaria a ele.
São Paulo – 10 março – 1924 – O major Leôncio Silva retornava da Europa a bordo do navio Splendid. A guerra havia terminado. Ele era major aviador da FAB e servira na guerra usando aviões americanos, baseados em Bordeaux no sul da frança. Sempre fora um bom vivant e acreditava que todos o considerariam um herói e teria uma boa quantia à disposição quando confirmassem sua chegada.
Isto não aconteceu. Morava com seus pais e ali aproveitou as condições de uma família humilde que trabalhava menos ele. Vivia nos bordeis, bebendo e fumando, com lindas mulheres e não se cansava em auto elogiar sua fama de conquistador. Conheceu Janete quando retornava para sua casa. Era mais de três da manhã. Achou que seria uma conquista fácil e deu sua cantada. Não achou respaldo. Insistiu. Seguiu-a até sua residência.
Janete morava com a mãe e seu filho Hugo de cinco anos. O pai dele desapareceu e nunca mais ouviu falar dele. Trabalhava em uma lanchonete até de madrugada. Estava cansada, e aquele conquistador barato ficava na sua cola.
Isto aconteceu nos dias seguintes. Janete não sabia o que fazer. Até que ele era simpático, boa aparência, boas roupas, mas estava sempre bêbado. Não dava para conversar.
No quinto dia ele forçou um beijo em uma rua escura. Seu hálito era forte de cigarro de cachaça. Ela se desvencilhou. Ela forçou mais, mesmo bêbado era forte. Ninguém para ajudá-la. Ele forçou sua boca para não gritar. Tentava tirar sua roupa, ali naquela esquina, rua suja, três da manhã. Jogou-a no chão. Ela encontrou uma farpa de madeira. Enfiou de uma só vez em seu pescoço. Ele apertou sua boca e ela perdeu o ar. Morreu em menos de um minuto. Ele sangrando saiu pela rua cantando e dando gargalhadas, andou uma quarteirão e caiu morto.
Brasília – 14 abril – 2010 – Meire Anne tinha um novo amante. Henrique seu esposo nada sabia. Ela ficara grávida de Fabio Alorte. Ele era filho de um comerciante português riquíssimo. Era casado e possuía três filhos. Tentava de toda sorte fazê-la largar de Henrique e morar em uma casa que ele poderia comprar. Ela não aceitava.
Henrique, mesmo sendo médico, morreu em 30 novembro de tuberculose. Meire Anne aceitou a oferta de Fabio. Dividia a vida dele com outra, só que ela era a segunda.
Buenos Aires – 19 de março – 1950 – Maria Antonia e Jonas não tinham onde morar. Não tinham o que comer. O país passava por uma fase difícil para os pobres. O Presidente Perón prometia e sua esposa dona Eva Perón era adorada por todos. Todas as noites ela ia à praça central onde era servido uma sopa. Dia sim dia não era sua única refeição que conseguiam mais fácil. Jonas era mestre de obras, mas ninguém queria dar emprego a ele. Ficara preso por quatro meses por haver furtado um supermercado e seu currículo não era bom.
Um dia jogaram na loteria e ganharam uma boa quantia. Saíram da miséria, compraram uma casinha e Jonas montou uma loja de tecidos. Tiveram dois filhos homens. Jonas tinha cabeça para os negócios. Em pouco tempo possuía uma grande rede de lojas. Passou a não dar mais atenção a ela e tinha várias amantes.
Viveram assim por vinte anos. Ela conheceu outro homem. Separou-se de Jonas. Casou com o outro. Teve uma vida feliz por muitos e muitos anos. Morreu sorrindo. Pela primeira vez.
Brasília – 07 julho – 2010 – Meire Anne estava desgostosa. Aqueles primeiros dias com Fabio acabou. Deixou-o e foi morar com seus filhos na antiga casa, pois não havia sido vendida. Leo crescera. Tinha 22 anos. Adorava sua mãe e Meire Anne também. Era uma família feliz. Leo formara em química e seu irmão ainda estava na faculdade. Leo se interessou por política. Foi eleito vereador, deputado e finalmente senador da república. Levou sua mãe e seu irmão para um apartamento no centro de Brasília.
Convidado a ministro de estado, mudou de novo. Sua mãe orgulhava do seu filho. A imprensa dizia ser um dos poucos honestos e que trabalhava mesmo para o povo.
Seu partido resolveu lançá-lo como candidato a presidente da republica. Aceitou. Viajava por todo o pais mostrando quem era e o que pretendia fazer. Foi eleito com boa margem de voto. Voltava do Rio de Janeiro com sua mãe e seu irmão em um pequeno avião da FAB para o discurso que faria no Naoum Plaza Hotel em Brasília, onde se hospedara durante a campanha.
. O avião sofreu uma pane. Caiu na Baia de Guanabara. Morreram todos.
Hoje – sem data – 2011 – As outras vidas de Meire Anne acontecerão de novo. Faz parte. Nascer, viver, morrer, nascer de novo. Não sei o futuro. O passado foi possível contar. Meire Anne não teve muita sorte na vida. Acreditar na felicidade levou Meire Anne por um longo tempo na caminhada para seu crescimento interior. Acredito que ainda não conseguiu.
Muita paz para você Meire Anne. Que os anjos a protejam na sua próxima vida.
Há pessoas que nos falam e nem as escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidas e nos marcam para sempre.
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