Retrato
José Aparecido Botacini
Remexendo meus guardados
Encontrei um retrato seu
Era preto e branco já desbotado,
Que no dia dos namorados você me deu.
O meu coração se recolheu
O meu olhar ficou molhado,
Meu corpo sobre a cama tremeu,
Ao me recordar do passado.
Só um flech num segundo dourado
Iluminou num instante o que foi meu
Atrás do retrato já quase apagado
Uma declaração de amor que você me ofereceu.
Amar-te-ei para sempre
Do seu amor...
Encontrei um retrato seu
Era preto e branco já desbotado,
Que no dia dos namorados você me deu.
O meu coração se recolheu
O meu olhar ficou molhado,
Meu corpo sobre a cama tremeu,
Ao me recordar do passado.
Só um flech num segundo dourado
Iluminou num instante o que foi meu
Atrás do retrato já quase apagado
Uma declaração de amor que você me ofereceu.
Amar-te-ei para sempre
Do seu amor...
Três almas, três destinos e uma só história que entrelaça os personagens para sempre.
Lavinia estava na primavera de sua juventude. 22 anos. Sentia-se feliz, mesmo sabendo de suas dificuldades familiares e profissionais. Uma mãe doente, um pai ausente, longe que morava em um sítio afastado de tudo e de todos. Dificilmente se encontravam. Lavinia era morena, achava-se meio corcunda, uma supertição dela. Não sei se para chamar atenção ou porque se sentia bem, usava os cabelos ruivos, bem avermelhados. Lavínia gostava de sí própria. Muito. Achava-se bonita. Ela tinha mesmo uma beleza especial. Era franca. Direta, não tinha meio termo.
Poderia até dizer que ela tinha história, não sei se triste, pois até me pergunto quem não tem seu pedaço de vida triste? É não dá para sair por aí contando. Mas Lavinia mesmo dizendo que não, eu não sabia se era feliz. Cuidava de sua mãe mais que tudo. Brigava por ela. Sentia-se infeliz só por morar em um bairro afastado da cidade, de má fama, onde marginais cruzavam as ruas armados, drogados e isto a exasperava todo o tempo. Evitava ter amigas e as poucas que tinha nunca as convidava para o convívio do seu lar.
Um curso técnico lhe deu condições de enxergar um futuro. A vida era precária, dificil e porque não dizer cansativa. Fazia um estágio, pois desejava mudar de vida, de bairro e ser alguèm. Meticulosa passava horas e horas lendo viajando nas páginas dos livros por lugares nunca antes imaginados. Conheceu alguns rapazes, mas todos desinteressantes. Não deixava que ninguém a levasse em casa, tinha vergonha de onde morava. Porque não sei.
Otto caminhava para seus 78 anos. Sua vida foi cheia de nuânces. Sua esposa falecera há cinco anos. O cancer nos seios só diagnósticado tarde demais. Para ele foi como se o mundo acabasse. Mas sempre lutou para conseguir o que queria e enfrentou tudo de coração aberto. Dois filhos um na Alemanha e outro em Portugal. Quase não mantinham contato. Vivia de rendas, era um homem rico. Uma bela casa no litoral norte do estado, dois apartamentos de cobertura, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro.
Saia pouco. Gostava mais de sua casa no litoral. Adorava o mar. Ficava alí horas e horas, ouvindo musicas romanticas orquestradas. Não bebia, nunca bebeu. Seu único vício era um cachimbo, amigo inseparável de longos e longos anos. Dormia tarde e acordava cedo. Andava muito pelas areias quentes pisando na água fria do mar. Seu corpo ainda mantinha certo enquilíbrio. Quem não o conhecia de perto, diria até que era um “guapo” bem conservado. Cabelos brancos, cacheados, caindo na testa encobrindo um pouco seus olhos azuis da cor do mar.
Uma vez ou outra papeava com amigos, que raramente iam visitá-lo. Otto sempre foi muito dado a causas de jovens carentes. Contribuia financeiramente com duas e nelas participava diretamente em serviços locais. O sorriso de uma criança era para Otto uma benção dos céus. Uma das poucas coisas que fazia esquecer Laura, sua esposa que se foi. Nunca se envolveu em aventuras, não era mulherengo, e sua vida não tinha nada que o fizesse desmerecer seu grande coração e sua ética pelo respeito.
Zezildo era pobre. Muito. Toda sua vida lutou com dificuldades nas barrancas do Rio Buriti, plantando mandioca, abóbora, alguns poucos pés de mamão e pescava. Assim ele tinha seu almoço e seu jantar. Zezildo morava com Matilde sua irmã, de 13 anos. Sua mãe morrera e seu pai ele nunca soube quem era. Conheceu o pai de Matilde. Sua mãe sempre dissera para ele se afastar dele. Nunca disse por quê. Um dia sumiu e nunca mais voltou.
Zezildo nunca entendeu porque Matilde um dia sumiu de casa. Até que era bonita, corpo bem desenvolvido olhos negros sonhadores para os seus treze anos. Cabelos negros soltos nos ombros. Matilde era calada, nada dizia, nunca reclamou da vida, e quando muito ia a Salamanca da Santa Maria um povoado distante mais de vinte quilometros e sempre acompanhada por ele. No principio ficou desnorteado e depois aceitou. Coisas de Deus pensava. Zezildo uma tarde de novembro sentou na beira do rio. A tarde ia findando e ele começou a pensar em sua vida. Agora sozinho alí, sem ninguém, sem noticias de Matilde ele chorou. Achou estranho. Nunca tinha chorado antes. Ficou alí por horas, até que uns pingos de chuva fria o fez voltar para sua choupana.
Pela manhã, Zezildo tomou uma resolução. Fez uma pequena trouxa de suas poucas roupas, pois não tinha malas, e partiu. Não deixou nada para trás e nem se despediu de ninguém. A terra não o pertencia e sim ao Seu Tiago um fazendeiro amigo. Ia sentir saudades. Ele sabia disso. Ali enterrou sua mãe. Ali viveu sua infância. Pegou a estrada que levava a Capital Federal. Era longe, muito. A pé sabia que ia levar anos. Tudo bem, ele não tinha pressa. Acreditava que lá arrumaria um emprego. O presidente dizia que todos eram iguais.
Lavinia trabalhava. Um estágio mal remunerado. Fazia com gosto tudo que lhe pediam e muito mais. Não se engraçava com ninguém. Pela manhã ajudava sua mãe na labuta da casa, a tarde ia trabalhar e retornava sempre lá pelas sete. Ia para seu quarto e lia, lia até altas horas da noite. Quando dormia sonhava. Sonhos de todos os tipos de todos os matizes. Ao acordar lembrava-se de um ou dois. Não sonhava com homens, com grandes amores, com romances proibidos.
Lavinia não era religiosa a ponto de frequentar alguma igreja. Acreditava no seu Deus e sempre se referia a uma Deusa desconhecida, para ela sua mentora espiritual. Uma amiga a convidou para participar de um coral. Ela gostava de cantar, porque não? Pensou. Foi lá, umas vezes, cantou, mas achou que não era o que queria. Por um capricho do destino a tempos atrás, conheceu alguém, resolveu viver uma vida com ele. Não deu certo. Sua mãe precisava dela. Retornou. Jurou que nunca mais a deixaria.
Naquela quinta Lavinia ia despreocupadamente para seu trabalho. Desceu do onibos e perdeu o equilíbrio. Quase caiu ao chão e foi amparada por um senhor de idade, aparentando seus 60 anos, que sorrindo levemente a segurou em seus braços. Ela se levantou, pediu desculpas e ia partir quando ele a convidou para um café na esquina. Estava de passagem não conhecia ninguém e ela apareceu em sua vida do nada. Ela devia esse favor. Lavinia não soube o que dizer.
Ele era simpático. Lavinia achou seu rosto bem afeiçoado, mas as rugas mostravam que era bem mais velho do que tinha pensado. Achou ele falante, mas agradável. Ficaram conversando e ela se esqueceu do horário do seu serviço. Ora bolas com o serviço. Há tempos não conheçia alguém para conversar como ele, e resolveu não ir trabalhar naquele dia. Ficaram horas conversando. Depois ele a convidou para jantar. Foram em um belo restaurante no centro. Ela se vestia displicentemente e nem tampouco se incomodava com que os outros pensassem dela.
Otto estava naquele dia no apartamento em São Paulo. Um amigo ligou para ele contando as novidades. Tinha sido convidado para trabalhar no Ministério da Agricultura, pois uma devassa estava sendo feita pelos mais graduados, e confiavam que ele poderia ajudar a sanear a area e dar um novo rumo na agricultura no país. Seu amigo sempre fora um apaixonado por agricultura. Era proprietário de um grande empreendimento agro-pecuario, que englobava terras no Mato Grosso, em Minas Gerais e em Goiás.
Convidava Otto para a solenidade onde tomaria posse. O presidente estaria presente disse! Não aceitava recusa. Otto confirmou a ida. Passou o dia em casa, foi a uma Casa Transitória à tarde, onde meninas grávidas eram atendidas e ele via alí o desespero de uma sociedade composta de uma juventude mal preparada para a vida. Imberbes e inesperientes jogavam sua juventude pela janela. Na casa transitoria, onde era o principal benfeitor sempre era bem recebido e muito querido. Ficou lá até o inicio da noite. Retornou, tomou um banho e foi para o aeroporto.
Chegou a Capital Federal por volta de uma da manhã. Já tinha reserva em hotel e a cerimônia de posse do seu amigo seria por volta das nove horas. Foi uma chatice, mas ao terminar ele se despediu e saiu a esmo pela rua. Não tinha destino. Pensou em pegar um taxi, ir ao hotel e aeroporto. Ao atravessar uma esquina, uma jovem desceu do onibos e caiu em seus braços. Não era bonita, era extramente educada e irradiava uma simpatia incrível. Fez o convite e depois de um café, foram passear em varios lugares. Ele estava entusiasmado pela moça. Lavinia era seu nome.
Zezildo sofreu por oito meses na estrada. Dormindo ao relento, muitas vezes com chuva, na primeira semana roubaram sua trouxa, o deixaram com sua roupa do corpo. Almas caridosas aqui e ali lhe davam a única refeição do dia. Uma carona em um caminhão de tijolos o deixou a 30 quilometros da capital. Em um dia chegou e se assustou. Um formigueiro de gente. Não sabia aonde ir. Um homem de bigode preto e calvo aproximou-se dele. Quer trabalhar? – Claro Disse.
Carlito levou Zezildo até a periferia da cidade. Entraram em um bairro humilde cheio de casebres feitos de madeira e lona. Em um deles encontrou mais dois que fumavam despudoradamente. Carlito mandou Miraildes servir almoço para Zezildo. Ele almoçou com gosto estava com muita fome. Almoçou e tinha de fazer perguntas. Muitas. Estavam sendo muito gentís com ele. Mas o que desejavam? Carlito disse – Olhe, precisamos de um homem a mais em um assalto que vamos fazer.
Zezildo era de paz. Sempre fora. Não sabia ler e nem escrever. Disseram isso para ele. Não ia conseguir nenhum emprego aqui a não ser se tivesse amizade com algum político. Pediu para pensar. Pensou e pensou. Qual a saída? Agora não tinha nenhuma. Se desistisse sabia que iriam dar cabo da vida dele. Era uma testemunha viva. Morto seria melhor. Aceitou. Foi à noite. Um arrastão em um restaurante. Fácil, ninguem reagiu. Sua parte foi ótima. O segundo foi um banco. O saldo melhor ainda.
Lavinia estava nas nuvens. Otto a foi levar em casa. Não queria. Tinha vergonha de sua moradia. Otto não se preocupou. Até entrou em sua casa. Falou com sua mâe. Lavinia ficou envergonhada. Em pouco tempo Otto e sua mâe conversavam, contavam “causos” e riam como dois antigos amigos. Lavinia estava se apaixonando. Ela não queria isso. Não queria. Mas quem manda em seu coração? Otto ficou lá até de madrugada e voltou novamente à tarde do dia seguinte. Ficaram juntos por três dias. Ela não foi trabalhar.
Tudo aconteceu muito depressa. Otto a pediu em casamento. Foi um choque, uma surpresa. Lavínia não esperava por isso. Amor? Não sabia. Achava-o atraente, educado, um verdadeiro cavalheiro. Ela nunca tinha conhecido alguém como ele. Porque não pensou? Mas e sua mãe? Otto parecia adivinhar seus pensamentos. Vamos levar sua mãe conosco, ou ela pode continuar aqui, vamos melhorar sua casa e dar a ela uma vida digna. Quem sabe até seu pai anima a retorna?
Otto estava radiante. Para dizer a verdade, apaixonado. Lavinia era encantadora. Parece que sua vida tinha mudado da noite para o dia. Pela primeira vez se esqueceu de Neide, sua esposa. Achava-se culpado por isso, mas acreditava que sua felicidade não podia ser jogada fora. Pediu Lavinia em casamento. Ela aceitou. Sua mãe concordou. Otto não se fez de rogado. Nada de pompas. Casariam-se alí mesmo na capital do Brasil. Depois iriam dar uma volta ao mundo em uma grande lua de mel.
Zezildo teve sua vida mudada pelo avesso. Era agora um perigoso bandido. Um assaltante. Ainda não havia matado ninguém, mas era temido e procurado pela policia em seu estado. Uma noite foi encurralado pela polícia na saida da casa de um magnata, que diziam ter um cofre cheio de dolares. Um forte tiroteio e dos quatro que estavam junto a ele, três morreram na hora. Zezildo escapou por uma casa vizinha. Teve que bater em uma mulher que gritava desesperadamente. Soube depois que ela ficou em coma por meses, mas graças a Deus voltou a sí.
Zezildo viu sua vida virar um inferno. A polícia o “caçava” como se ele fosse um animal. Resolveu ir para São Paulo. Soube que lá uma quadrilha precisava de alguém como ele. Eram temidos e respeitados. Tirou seu bigode e cortou o cabelo naturalmente. Tinha uma boa quantia em dinheiro. No Banco do Brasil mais de r$50.000 e no bolso outro tanto. Não tinha carro, não queria dar “bandeira”. Andava mais de ônibos. Gostou de São Paulo. Cidade grande fez logo muitos amigos. Claro todos marginais como ele.
Lavinia viveu um conto de fadas. Conheceu muitos paises na companhia de Otho. Ele era gentil e até para fazer amor tinha toda calma para não a ofender (ele assim pensava) e não a machucar. Ficaram na Europa por três meses e retornaram ao Brasil. A vida de Lavinia agora era uma rotina. Ela não trabalhava, e quase não fazia nada em sua casa. Otho dava a ela empregadas e um gordo cartão de crédito. Mas tudo tem seu limite. Seu amor por Otho, se é que existiu estava se apagando. Ela sentia falta de gente jovem. Os amigos de Otho eram todos da idade dele.
Lavinia passava mais tempo em sua casa de praia, em Ubatuba. Lá ela ficava mais sonhadora, tentava fazer planos, e Otto descia a serra a cada quinze dias deixando-a sempre só. Mas não eram mais o casal feliz do passado. Ela sentia que nova como era não podia continuar ao lado de um homem bem mais velho. Ele agora tinha mil defeitos que ela antes não via. Estava absorta em seus pensamentos quando viu um homem invadindo sua casa. Assustou-se, ele estava armado e perguntava se tinha mais alguém.
Otto agora tinha uma vida muito ativa. Sentia isso depois que conheceu Lavinia e se casou com ela. Foi realmente uma mudança em sua vida. Ele ficou perdidamente apaixonado e sentia agora que seria um amor impossível. Lavinia era jovem e ele um velho. Já não eram o mesmo casal de antes. Fazer amor para ele era um sacrificio. Bem, se fosse mais espaçado tudo bem, mas Lavinia era insaciavel, queria todos os dias. Ele se olhava no espelho e maldizia ter conhecido Lavinia naquela idade.
Ele deixava que Lavinia fizesse o que quisesse. Afinal ele não queria perdê-la. Nunca deixou de mandar a mesada da mãe em Brasília. Lavinia tinha mudado e muito. Aquela moça de outrora não existia mais. Ela não reclamava, mas ele sentia que faltava alguma coisa em seu casamento. Claro a idade era preponderante, mas o sexo? Ele ainda não era um amador, mas não satisfazia Lavinia. Notou que ela preferia mais ficar na casa de praia que com ele na capital.
Zezildo viu vários de seus amigos mortos pela policia. Eles o caçavam como a um cão. Em São Paulo dava para ganhar mais nos assaltos e nos roubos a mansões. Tudo a cada dia ficava mais dificil. Era sempre um ou outro que acabava baleado. Uma nova modalidade estava em curso, explodir caixas eletronicos, ele não conseguiu entrar na quadrilha especializada. Um dia ao chegar a casa em que morava sentiu no ar que estava sendo vigiada. Não viu ninguém. Um caminhão baú parado na esquina era suspeito.
Não guardava nada em sua casa. Era alugada. Só algumas roupas. Tinha no Banco do Brasil mais de r$200.000 reais. Pegou um onibos e foi para Ubatuba Hospedou-se em uma pequena pensão longe da praia. Não queria chamar atenção. Ficava muito tempo na amurada vendo o mar, as pessoas se divertindo. Ele mesmo nunca entrou lá. Notou uma jovem que toda tarde fazia caminhada e viu onde ela morava. Sentiu que estava sozinha. Deveria ter ficado na sua, mas achou que ela poderia saciar sua fome de macho e quem sabe financeiramente. Vendo-a entrar entrou atrás e ficou a espreita até que a rendeu com seu colt, um 38 de suas longas jornadas de assaltos.
Lavinia não se impressionou com o bandido. Sorriu para ele. Ele a pegou pelos cabelos e levou até o quarto. Possuiu-a brutalmente. Lavinia gostou. Não entendeu por que. Ficou marcada em vários lugares. Foi somente o começo. Ele se mudou para a casa de praia. Os dois viviam um romance bandido. Ela passou a gostar dele e a odiar Otto. Pensava o dia que ele descesse a serra. Ela não se preocupava, ele sempre telefonava avisando. Zezildo era agora o seu homem. Mas ela sabia que não podia durar. Qualquer dia seria morto e ela não queria manter um romance com ele muito tempo.
Deixou transparecer para Zezildo que Otto possuia grande fortuna. Quem sabe ele poderia acabar com a vida dele e ambos partiriam para longe? Em um país distante talvez? Falou isso varias vezes. Viu que Zezildo já pensava na possibilidade. Um dia de quinta feira, quase oito meses de casamento, Otto desceu a serra. Entrou despreocupado e Lavinia o atraiu até o quarto. Quando fazia amor com ele, Zezildo enfiou um punhal em seu coração. Otto morreu na hora.
Otto estava preocupado. Uma nova leva de jovens necessitados precisava de sua ajuda. Tentava conseguir financiamento para aumentar os dormitórios da casa onde mais de 100 jovens recebiam dele através de uma organização, toda a educação e amor de pessoas que caridosamente davam sua colaboração. Não corria na estrada, nunca correu. Ao se aproximar da descida da serra, sentiu uma dor forte no coração, foi para a pista secundária próximo a um posto de gasolina e lá parou o carro. Ficou quase uma hora parado até sentir que melhorava.
Pensou em ficar somente aquela noite em Ubatuba. O que havia sentido o preocupava. Iria voltar no dia seguinte a São Paulo. Precisava fazer exames médicos para ver o tinha. Lavinia o recebeu com os braços abertos. Há muito tempo ele não a via assim. Estava alegre, e aquela alegria a tornava linda, como se fosse o dia que se conheceram. Logo ela o convençeu a ir para o quarto e fazer amor. Ele tinha dúvidas, mas achou que se não atendesse seu pedido ficaria mal. Mal tirou a roupa e sentiu alguém no quarto, olhou e viu um homem. Ele estava com um punhal. Não deu tempo de desviar. Sentiu que morria e seu corpo parecia flutuar.
Zezildo estava vivendo um sonho de amor. Ele era um bandido. Não podia fazer aquilo. Não ia durar, mas aquela jovem era irresistível. Não era bonita, mas tinha algum que o atraíra e o fazia se sentir um escravo. Ela determinava tudo que devia fazer. Quando comentou sobre matar o marido ele ficou horrorizado. Nunca matou ninguém. Era um bandido sim, mas respeitava a vida. Ela não o deixou em paz. Fazia juras de amor e planos em fugir do Brasil.
Zezildo viu Otto chegando. Era um velho, andava claudicante com a cabeça encurvada. Zezildo odiou tudo aquilo. Não iria fazer. Não iria matar ninguém. Viu quando Lavinia o cercou de carinho e o levou para o quarto. Ela praticamente o forçou a fazer aquilo. Ele estava escondido atrás de um armário e ela fez sinal. Ele foi e enterrou seu punhal no coração de Otto. Logo ouviu um estampido e sentiu balas entrando em seu corpo. Virou-se e viu Lavinia com seu revolver atirando nele. Ficou surpreso. O que ela estava fazendo? Não sentia dores, seu corpo caiu e ele se sentiu levado. Não havia luz, não havia escuridão. Ele sabia que estava morto.
Lavinia tinha planejado tudo nos seus mínimos detalhes. Chamou a policia. Contratou um bom advogado. Não ficou presa. Legitima defesa. Foi julgada e absolvida. Lavinia sorria pela sua esperteza. Todos a consolaram. No enterro de Otto seus amigos mostraram solidariedade e junto sentiam sua perda. Lavinia nunca pensou que poderia fazer aquilo. Não sabia como até Zezildo aparecer em sua vida. Durante todos os dias que ele permaneceu alí, ela não deixava ser vista com ele pelos vizinhos. Mantinham uma vida reclusa. Só ela saia para comprar o necessário. Soube dominar bem aquele bandido. Quando falou em matar viu que ele era um poltrão, mas sabia que ele cumpriria suas ordens.
Lavinia vendeu todos os imóveis em São Paulo e no Rio de Janeiro e até a casa de praia. Os filhos vieram e pouco se interessaram pela parte que lhes cabia. Lavinia transformou em dolares todo o dinheiro que recebeu. Deixou somente em aberto as ações e investimentos que Otto tinha em varias instituições financeiras. Contratou um escritorio para tomar conta de tudo e enviar os lucros para ela onde estivesse. Chamou sua mãe e seu pai, comprou uma casinha na Itália, onde ela e Otto ficaram alojados na lua de mel, bem na região de Toscana, em uma bela cidadezinha, linda, com suas estradinhas, seus campos de girassois, vales, ciprestes, oliveiras, vinhedos a perder de vista.
Hoje, passado muitos anos de toda a história de Lavinia, ela vive sorrindo, satisfeita, em uma bela casa, cercada de flores. Sua mãe e seu pai já velhinhos, não sabem o que aconteceu. Lavinia não conheceu nenhum homem para se unir a ele em matrimônio. Agora ela era feliz, não precisava de ninguém. Tinha uma motoneta e um pequeno Fiat que a levava para muitos lugares. Se pudessemos vasculhar o coração de Lavinia iriamos conhecer que nada ali tinha de ódio. Não tinha remorso. Tudo o que fez e planejou ficará um dia para ser escrito na eternidade, pois lá Otto e Zezildo vivem. Ambos esperam o dia que ela irá se juntar a eles. As saudades que sentem de Lavínia, ainda compensa a vida que ambos levam na eternidade. Haverá retorno. Quantos? Ninguém sabe.
Desígnios
"alguém pode me dizer
se estava prevista na palma da minha mão
esta paixão inesperada
se estava já escrita e demarcada
na linha da minha vida
se fazia já parte da estrada
e tinha que ser vivida
ou foi um desgoverno repentino
que surpreendeu os deuses, todos
os que desenham o nosso destino
ou foi um desatino, uma loucura
uma imprevisível subversão
que só a patir de agora eu trago marcada
na palma da minha mão"
"alguém pode me dizer
se estava prevista na palma da minha mão
esta paixão inesperada
se estava já escrita e demarcada
na linha da minha vida
se fazia já parte da estrada
e tinha que ser vivida
ou foi um desgoverno repentino
que surpreendeu os deuses, todos
os que desenham o nosso destino
ou foi um desatino, uma loucura
uma imprevisível subversão
que só a patir de agora eu trago marcada
na palma da minha mão"