Bem vindo ao blog do Osvaldo

Seja bem vindo a este blog. Espero que aqui você encontre boas historias para passar o tempo, e claro, que goste.

Honrado com sua presença. Volte sempre!

domingo, 11 de dezembro de 2011

O céu é testemunha



 O céu é testemunha


Retrato
José Aparecido Botacini
Remexendo meus guardados
Encontrei um retrato seu
Era preto e branco já desbotado,
 
Que no dia dos namorados você me deu.
 

O meu coração se recolheu
O meu olhar ficou molhado,
 
Meu corpo sobre a cama tremeu,
 
Ao me recordar do passado.
 

Só um flech num segundo dourado
Iluminou num instante o que foi meu
Atrás do retrato já quase apagado
Uma declaração de amor que você me ofereceu.
 

Amar-te-ei para sempre
         Do seu amor...

Três almas, três destinos e uma só história que entrelaça os personagens para sempre.

       Lavinia estava na primavera de sua juventude. 22 anos. Sentia-se feliz, mesmo sabendo de suas dificuldades familiares e profissionais. Uma mãe doente, um pai ausente, longe que morava em um sítio afastado de tudo e de todos. Dificilmente se encontravam. Lavinia era morena, achava-se meio corcunda, uma supertição dela. Não sei se para chamar atenção ou porque se sentia bem, usava os cabelos ruivos, bem avermelhados. Lavínia gostava de sí própria. Muito. Achava-se bonita. Ela tinha mesmo uma beleza especial. Era franca. Direta, não tinha meio termo.

         Poderia até dizer que  ela tinha história, não sei se triste, pois até me pergunto quem não tem seu pedaço de vida triste? É não dá para sair por aí contando. Mas Lavinia mesmo dizendo que não, eu não sabia se era feliz. Cuidava de sua mãe mais que tudo. Brigava por ela. Sentia-se infeliz só por morar em um bairro afastado da cidade, de má fama, onde marginais cruzavam as ruas armados, drogados e isto a exasperava todo o tempo. Evitava ter amigas e as poucas que tinha nunca as convidava para o convívio do seu lar.

         Um curso técnico lhe deu condições de enxergar um futuro. A vida era precária, dificil e porque não dizer cansativa. Fazia um estágio, pois desejava mudar de vida, de bairro e ser alguèm. Meticulosa passava horas e horas lendo viajando nas páginas dos livros por lugares nunca antes imaginados. Conheceu alguns rapazes, mas todos desinteressantes. Não deixava que ninguém a levasse em casa, tinha vergonha de onde morava. Porque não sei.

        Otto caminhava para seus 78 anos. Sua vida foi cheia de nuânces. Sua esposa falecera há cinco anos. O cancer nos seios só diagnósticado tarde demais. Para ele foi como se o mundo acabasse. Mas sempre lutou para conseguir o que queria e enfrentou tudo de coração aberto. Dois filhos um na Alemanha e outro em Portugal. Quase não mantinham contato. Vivia de rendas, era um homem rico. Uma bela casa no litoral norte do estado, dois apartamentos de cobertura, um em São Paulo e outro no Rio de Janeiro.

         Saia pouco. Gostava mais de sua casa no litoral. Adorava o mar. Ficava alí horas e horas, ouvindo musicas romanticas orquestradas. Não bebia, nunca bebeu. Seu único vício era um cachimbo, amigo inseparável de longos e longos anos. Dormia tarde e acordava cedo. Andava muito pelas areias quentes pisando na água fria do mar. Seu corpo ainda mantinha certo enquilíbrio. Quem não o conhecia de perto, diria até que era um “guapo” bem conservado. Cabelos brancos, cacheados, caindo na testa encobrindo um pouco seus olhos azuis da cor do mar.

          Uma vez ou outra papeava com amigos, que raramente iam visitá-lo. Otto sempre foi muito dado a causas de jovens carentes. Contribuia financeiramente com duas e nelas participava diretamente em serviços locais. O sorriso de uma criança era para Otto uma benção dos céus. Uma das poucas coisas que fazia esquecer Laura, sua esposa que se foi. Nunca se envolveu em aventuras, não era mulherengo, e sua vida não tinha nada que o fizesse desmerecer seu grande coração e sua ética pelo respeito.

          Zezildo era pobre. Muito. Toda sua vida lutou com dificuldades nas barrancas do Rio Buriti, plantando mandioca, abóbora, alguns poucos pés de mamão e pescava. Assim ele tinha seu almoço e seu jantar. Zezildo morava com Matilde sua irmã, de 13 anos. Sua mãe morrera e seu pai ele nunca soube quem era. Conheceu o pai de Matilde. Sua mãe sempre dissera para ele se afastar dele. Nunca disse por quê. Um dia sumiu e nunca mais voltou.

          Zezildo nunca entendeu porque Matilde um dia sumiu de casa. Até que era bonita, corpo bem desenvolvido olhos negros sonhadores para os seus treze anos. Cabelos negros soltos nos ombros. Matilde era calada, nada dizia, nunca reclamou da vida, e quando muito ia a Salamanca da Santa Maria um povoado distante mais de vinte quilometros e sempre acompanhada por ele.  No principio ficou desnorteado e depois aceitou. Coisas de Deus pensava. Zezildo uma tarde de novembro sentou na beira do rio. A tarde ia findando e ele começou a pensar em sua vida. Agora sozinho alí, sem ninguém, sem noticias de Matilde ele chorou. Achou estranho. Nunca tinha chorado antes. Ficou alí por horas, até que uns pingos de chuva fria o fez voltar para sua choupana.

         Pela manhã, Zezildo tomou uma resolução. Fez uma pequena trouxa de suas poucas roupas, pois não tinha malas, e partiu. Não deixou nada para trás e nem se despediu de ninguém. A terra não o pertencia e sim ao Seu Tiago um fazendeiro amigo. Ia sentir saudades. Ele sabia disso. Ali enterrou sua mãe. Ali viveu sua infância. Pegou a estrada que levava a Capital Federal. Era longe, muito. A pé sabia que ia levar anos. Tudo bem, ele não tinha pressa. Acreditava que lá arrumaria um emprego. O presidente dizia que todos eram iguais.

         Lavinia trabalhava. Um estágio mal remunerado. Fazia com gosto tudo que lhe pediam e muito mais. Não se engraçava com ninguém. Pela manhã ajudava sua mãe na labuta da casa, a tarde ia trabalhar e retornava sempre lá pelas sete. Ia para seu quarto e lia, lia até altas horas da noite. Quando dormia sonhava. Sonhos de todos os tipos de todos os matizes. Ao acordar lembrava-se de um ou dois. Não sonhava com homens, com grandes amores, com romances proibidos.

         Lavinia não era religiosa a ponto de frequentar alguma igreja. Acreditava no seu Deus e sempre se referia a uma Deusa desconhecida, para ela sua mentora espiritual. Uma amiga a convidou para participar de um coral. Ela gostava de cantar, porque não? Pensou. Foi lá, umas vezes, cantou, mas achou que não era o que queria. Por um capricho do destino a tempos atrás, conheceu alguém, resolveu viver uma vida com ele. Não deu certo. Sua mãe precisava dela. Retornou. Jurou que nunca mais a deixaria.

         Naquela quinta Lavinia ia despreocupadamente para seu trabalho. Desceu do onibos e perdeu o equilíbrio. Quase caiu ao chão e foi amparada por um senhor de idade, aparentando seus 60 anos, que sorrindo levemente a segurou em seus braços. Ela se levantou, pediu desculpas e ia partir quando ele a convidou para um café na esquina. Estava de passagem não conhecia ninguém e ela apareceu em sua vida do nada. Ela devia esse favor. Lavinia não soube o que dizer.

         Ele era simpático. Lavinia achou seu rosto bem afeiçoado, mas as rugas mostravam que era bem mais velho do que tinha pensado.  Achou ele falante, mas agradável. Ficaram conversando e ela se esqueceu do horário do seu serviço. Ora bolas com o serviço. Há tempos não conheçia alguém para conversar como ele, e resolveu não ir trabalhar naquele dia. Ficaram horas conversando. Depois ele a convidou para jantar. Foram em um belo restaurante no centro. Ela se vestia displicentemente e nem tampouco se incomodava com que os outros pensassem dela.

      Otto estava naquele dia no apartamento em São Paulo. Um amigo ligou para ele contando as novidades. Tinha sido convidado para trabalhar no Ministério da Agricultura, pois uma devassa estava sendo feita pelos mais graduados, e confiavam que ele poderia ajudar a sanear a area e dar um novo rumo na agricultura no país. Seu amigo sempre fora um apaixonado por agricultura. Era proprietário de um grande empreendimento agro-pecuario, que englobava terras no Mato Grosso, em Minas Gerais e em Goiás.

        Convidava Otto para a solenidade onde tomaria posse. O presidente estaria presente disse! Não aceitava recusa. Otto confirmou a ida. Passou o dia em casa, foi a uma Casa Transitória à tarde, onde meninas grávidas eram atendidas e ele via alí o desespero de uma sociedade composta de uma juventude mal preparada para a vida. Imberbes e inesperientes jogavam sua juventude pela janela. Na casa transitoria, onde era o principal benfeitor sempre era bem recebido e muito querido. Ficou lá até o inicio da noite. Retornou, tomou um banho e foi para o aeroporto.

        Chegou a Capital Federal por volta de uma da manhã. Já tinha reserva em hotel e a cerimônia de posse do seu amigo seria por volta das nove horas. Foi uma chatice, mas ao terminar ele se despediu e saiu a esmo pela rua. Não tinha destino. Pensou em pegar um taxi, ir ao hotel e aeroporto. Ao atravessar uma esquina, uma jovem desceu do onibos e caiu em seus braços. Não era bonita, era extramente educada e irradiava uma simpatia incrível. Fez o convite e depois de um café, foram passear em varios lugares. Ele estava entusiasmado pela moça. Lavinia era seu nome.

        Zezildo sofreu por oito meses na estrada. Dormindo ao relento, muitas vezes com chuva, na primeira semana roubaram sua trouxa, o deixaram com sua roupa do corpo. Almas caridosas aqui e ali lhe davam a única refeição do dia. Uma carona em um caminhão de tijolos o deixou a 30 quilometros da capital. Em um dia chegou e se assustou. Um formigueiro de gente. Não sabia aonde ir. Um homem de bigode preto e calvo aproximou-se dele. Quer trabalhar? – Claro Disse.

        Carlito levou Zezildo até a periferia da cidade. Entraram em um bairro humilde cheio de casebres feitos de madeira e lona. Em um deles encontrou mais dois que fumavam despudoradamente. Carlito mandou Miraildes servir almoço para Zezildo. Ele almoçou com gosto estava com muita fome. Almoçou e tinha de fazer perguntas. Muitas. Estavam sendo muito gentís com ele. Mas o que desejavam? Carlito disse – Olhe, precisamos de um homem a mais em um assalto que vamos fazer.

       Zezildo era de paz. Sempre fora. Não sabia ler e nem escrever. Disseram isso para ele. Não ia conseguir nenhum emprego aqui a não ser se tivesse amizade com algum político. Pediu para pensar. Pensou e pensou. Qual a saída? Agora não tinha nenhuma. Se desistisse sabia que iriam dar cabo da vida dele. Era uma testemunha viva. Morto seria melhor. Aceitou. Foi à noite. Um arrastão em um restaurante. Fácil, ninguem reagiu. Sua parte foi ótima. O segundo foi um banco. O saldo melhor ainda.

       Lavinia estava nas nuvens. Otto a foi levar em casa. Não queria. Tinha vergonha de sua moradia. Otto não se preocupou. Até entrou em sua casa. Falou com sua mâe. Lavinia ficou envergonhada. Em pouco tempo Otto e sua mâe conversavam, contavam “causos” e riam como dois antigos amigos. Lavinia estava se apaixonando. Ela não queria isso. Não queria. Mas quem manda em seu coração? Otto ficou lá até de madrugada e voltou novamente à tarde do dia seguinte. Ficaram juntos por três dias. Ela não foi trabalhar.

     Tudo aconteceu muito depressa. Otto a pediu em casamento. Foi um choque, uma surpresa. Lavínia não esperava por isso. Amor? Não sabia. Achava-o atraente, educado, um verdadeiro cavalheiro. Ela nunca tinha conhecido alguém como ele. Porque não pensou? Mas e sua mãe? Otto parecia adivinhar seus pensamentos. Vamos levar sua mãe conosco, ou ela pode continuar aqui, vamos melhorar sua casa e dar a ela uma vida digna. Quem sabe até seu pai anima a retorna?

     Otto estava radiante. Para dizer a verdade, apaixonado. Lavinia era encantadora. Parece que sua vida tinha mudado da noite para o dia. Pela primeira vez  se esqueceu de Neide, sua esposa. Achava-se culpado por isso, mas acreditava que sua felicidade não podia ser jogada fora. Pediu Lavinia em casamento. Ela aceitou. Sua mãe concordou. Otto não se fez de rogado. Nada de pompas. Casariam-se alí mesmo na capital do Brasil. Depois iriam dar uma volta ao mundo em uma grande lua de mel.

      Zezildo teve sua vida mudada pelo avesso. Era agora um perigoso bandido. Um assaltante. Ainda não havia matado ninguém, mas era temido e procurado pela policia em seu estado. Uma noite foi encurralado pela polícia na saida da casa de um magnata, que diziam ter um cofre cheio de dolares. Um forte tiroteio e dos quatro que estavam junto a ele, três morreram na hora. Zezildo escapou por uma casa vizinha. Teve que bater em uma mulher que gritava desesperadamente. Soube depois que ela ficou em coma por meses, mas graças a Deus voltou a sí.

     Zezildo viu sua vida virar um inferno. A polícia o “caçava” como se ele fosse um animal. Resolveu ir para São Paulo. Soube que lá uma quadrilha precisava de alguém como ele. Eram temidos e respeitados. Tirou seu bigode e cortou o cabelo naturalmente. Tinha uma boa quantia em dinheiro. No Banco do Brasil mais de r$50.000 e no bolso outro tanto. Não tinha carro, não queria dar “bandeira”. Andava mais de ônibos. Gostou de São Paulo. Cidade grande fez logo muitos amigos. Claro todos marginais como ele.

      Lavinia viveu um conto de fadas. Conheceu muitos paises na companhia de Otho. Ele era gentil e até para fazer amor tinha toda calma para não a ofender (ele assim pensava) e não a machucar. Ficaram na Europa por três meses e retornaram ao Brasil. A vida de Lavinia agora era uma rotina. Ela não trabalhava, e quase não fazia nada em sua casa. Otho dava a ela empregadas e um gordo cartão de crédito. Mas tudo tem seu limite. Seu amor por Otho, se é que existiu estava se apagando. Ela sentia falta de gente jovem. Os amigos de Otho eram todos da idade dele.

      Lavinia passava mais tempo em sua casa de praia, em Ubatuba. Lá ela ficava mais sonhadora, tentava fazer planos, e Otto descia a serra a cada quinze dias deixando-a sempre só. Mas não eram mais o casal feliz do passado. Ela sentia que nova como era não podia continuar ao lado de um homem bem mais velho. Ele agora tinha mil defeitos que ela antes não via. Estava absorta em seus pensamentos quando viu um homem invadindo sua casa. Assustou-se, ele estava armado e perguntava se tinha mais alguém.

     Otto agora tinha uma vida muito ativa. Sentia isso depois que conheceu Lavinia e se casou com ela. Foi realmente uma mudança em sua vida. Ele ficou perdidamente apaixonado e sentia agora que seria um amor impossível. Lavinia era jovem e ele um velho. Já não eram o mesmo casal de antes. Fazer amor para ele era um sacrificio. Bem, se fosse mais espaçado tudo bem, mas Lavinia era insaciavel, queria todos os dias. Ele se olhava no espelho e maldizia ter conhecido Lavinia naquela idade.

     Ele deixava que Lavinia fizesse o que quisesse. Afinal ele não queria perdê-la. Nunca deixou de mandar a mesada da mãe em Brasília. Lavinia tinha mudado e muito. Aquela moça de outrora não existia mais. Ela não reclamava, mas ele sentia que faltava alguma coisa em seu casamento. Claro a idade era preponderante, mas o sexo? Ele ainda não era um amador, mas não satisfazia Lavinia. Notou que ela preferia mais ficar na casa de praia que com ele na capital.

    Zezildo viu vários de seus amigos mortos pela policia. Eles o caçavam como a um cão. Em São Paulo dava para ganhar mais nos assaltos e nos roubos a mansões. Tudo a cada dia ficava mais dificil. Era sempre um ou outro que acabava baleado. Uma nova modalidade estava em curso, explodir caixas eletronicos, ele não conseguiu entrar na quadrilha especializada. Um dia ao chegar a casa em que morava sentiu no ar que estava sendo vigiada. Não viu ninguém. Um caminhão baú parado na esquina era suspeito.

       Não guardava nada em sua casa. Era alugada. Só algumas roupas. Tinha no Banco do Brasil mais de r$200.000 reais. Pegou um onibos e foi para Ubatuba Hospedou-se em uma pequena pensão longe da praia. Não queria chamar atenção. Ficava muito tempo na amurada vendo o mar, as pessoas se divertindo. Ele mesmo nunca entrou lá. Notou uma jovem que toda tarde fazia caminhada e viu onde ela morava. Sentiu que estava sozinha. Deveria ter ficado na sua, mas achou que ela poderia saciar sua fome de macho e quem sabe financeiramente. Vendo-a entrar entrou atrás e ficou a espreita até que a rendeu com seu colt, um 38 de suas longas jornadas de assaltos.

      Lavinia não se impressionou com o bandido. Sorriu para ele. Ele a pegou pelos cabelos e levou até o quarto. Possuiu-a brutalmente. Lavinia gostou. Não entendeu por que. Ficou marcada em vários lugares. Foi somente o começo. Ele se mudou para a casa de praia. Os dois viviam um romance bandido. Ela passou a gostar dele e a odiar Otto. Pensava o dia que ele descesse a serra. Ela  não se preocupava, ele sempre telefonava avisando. Zezildo era agora o seu homem. Mas ela sabia que não podia durar. Qualquer dia seria morto e ela não queria manter um romance com ele muito tempo.

     Deixou transparecer para Zezildo que Otto possuia grande fortuna. Quem sabe ele poderia acabar com a vida dele e ambos partiriam para longe? Em um país distante talvez? Falou isso varias vezes. Viu que Zezildo já pensava na possibilidade. Um dia de quinta feira, quase oito meses de casamento, Otto desceu a serra. Entrou despreocupado e Lavinia  o atraiu até o quarto. Quando fazia amor com ele, Zezildo enfiou um punhal em seu coração. Otto morreu na hora.

     Otto estava preocupado. Uma nova leva de jovens necessitados precisava de sua ajuda. Tentava conseguir financiamento para aumentar os dormitórios da casa onde mais de 100 jovens recebiam dele através de uma organização, toda a educação e amor de pessoas que caridosamente davam sua colaboração. Não corria na estrada, nunca correu. Ao se aproximar da descida da serra, sentiu uma dor forte no coração, foi para a pista secundária próximo a um posto de gasolina e lá parou o carro. Ficou quase uma hora parado até sentir que melhorava.

     Pensou em ficar somente aquela noite em Ubatuba. O que havia sentido o preocupava. Iria voltar no dia seguinte a São Paulo. Precisava fazer exames médicos para ver o tinha. Lavinia o recebeu com os braços abertos. Há muito tempo ele não a via assim. Estava alegre, e aquela alegria a tornava linda, como se fosse o dia que se conheceram. Logo ela o convençeu a ir para o quarto e fazer amor. Ele tinha dúvidas, mas achou que se não atendesse seu pedido ficaria mal. Mal tirou a roupa e sentiu alguém no quarto, olhou e viu um homem. Ele estava com um punhal. Não deu tempo de desviar. Sentiu que morria e seu corpo parecia flutuar.
                                                                                           
    Zezildo estava vivendo um sonho de amor. Ele era um bandido. Não podia fazer aquilo. Não ia durar, mas aquela jovem era irresistível. Não era bonita, mas tinha algum que o atraíra e o fazia se sentir um escravo. Ela determinava tudo que devia fazer. Quando comentou sobre matar o marido ele ficou horrorizado. Nunca matou ninguém. Era um bandido sim, mas respeitava a vida. Ela não o deixou em paz. Fazia juras de amor e planos em  fugir do Brasil.

   Zezildo viu Otto chegando. Era um velho, andava claudicante com a cabeça encurvada. Zezildo odiou tudo aquilo. Não iria fazer. Não iria matar ninguém. Viu quando Lavinia o cercou de carinho e o levou para o quarto. Ela praticamente o forçou a fazer aquilo. Ele estava escondido atrás de um armário e ela fez sinal. Ele foi e enterrou seu punhal no coração de Otto. Logo ouviu um estampido e sentiu balas entrando em seu corpo. Virou-se e viu Lavinia com seu revolver atirando nele. Ficou surpreso. O que ela estava fazendo? Não sentia dores, seu corpo caiu e ele se sentiu levado. Não havia luz, não havia escuridão. Ele sabia que estava morto.

     Lavinia tinha planejado tudo nos seus mínimos detalhes. Chamou a policia. Contratou um bom advogado. Não ficou presa. Legitima defesa. Foi julgada e absolvida. Lavinia sorria pela sua esperteza. Todos a consolaram. No enterro de Otto seus amigos mostraram solidariedade e junto sentiam sua perda. Lavinia nunca pensou que poderia fazer aquilo. Não sabia como até Zezildo aparecer em sua vida. Durante todos os dias que ele permaneceu alí, ela não deixava ser vista com ele pelos vizinhos. Mantinham uma vida reclusa. Só ela saia para comprar o necessário. Soube dominar bem aquele bandido. Quando falou em matar viu que ele era um poltrão, mas sabia que ele cumpriria suas ordens.

      Lavinia vendeu todos os imóveis em São Paulo e no Rio de Janeiro e até a casa de praia. Os filhos vieram e pouco se interessaram pela parte que lhes cabia. Lavinia transformou em dolares todo o dinheiro que recebeu. Deixou somente em aberto as ações e investimentos que Otto tinha em varias instituições financeiras. Contratou um escritorio para tomar conta de tudo e enviar os lucros para ela onde estivesse. Chamou sua mãe e seu pai, comprou uma casinha na Itália, onde ela e Otto ficaram alojados na lua de mel, bem na região de Toscana, em uma bela cidadezinha, linda, com suas estradinhas, seus campos de girassois, vales, ciprestes, oliveiras, vinhedos a perder de vista.

     Hoje, passado muitos anos de toda a história de Lavinia, ela vive sorrindo, satisfeita, em uma bela casa, cercada de flores. Sua mãe e seu pai já velhinhos, não sabem o que aconteceu. Lavinia não conheceu nenhum homem para se unir a ele em matrimônio. Agora ela era feliz, não precisava de ninguém. Tinha uma motoneta e um pequeno Fiat que a levava para muitos lugares. Se pudessemos vasculhar o coração de Lavinia iriamos conhecer que nada ali tinha de ódio. Não tinha remorso. Tudo o que fez e planejou ficará um dia para ser escrito na eternidade, pois lá Otto e Zezildo vivem. Ambos esperam o dia que ela irá se juntar a eles. As saudades que sentem de Lavínia, ainda compensa a vida que ambos levam na eternidade. Haverá retorno. Quantos? Ninguém sabe.

Desígnios

"alguém pode me dizer
se estava prevista na palma da minha mão
esta paixão inesperada
se estava já escrita e demarcada
na linha da minha vida
se fazia já parte da estrada
e tinha que ser vivida

ou foi um desgoverno repentino
que surpreendeu os deuses, todos
os que desenham o nosso destino
ou foi um desatino, uma loucura
uma imprevisível subversão
que só a patir de agora eu trago marcada
na palma da minha mão"



Uma historia de amor perdida no tempo...



Uma historia de amor perdida no tempo

"Há homens que têm patroa.
Há homens que têm mulher.E há mulheres que escolhem o que querem ser."

Os ventos que às vezes tiram
algo que amamos, são os mesmos que trazem algo que aprendemos a amar...Por isso não devemos chorar pelo que nos foi tirado e sim,aprender a amar o que nos foi dado. Pois tudo aquilo que é realmente nosso, nunca se vai para sempre...

Um conto baseado em uma historia  impossível  

Leonora, trinta e quatro anos, morena jambo, cabelos castanhos avermelhados, lábios carnudos, corpo bem feito, muito bonita. Quando passava próximo a minha casa, eu a via no seu porte altivo. Um olhar arrogante olhando sempre em frente. Quem a via não sabia o que se passava em sua mente. Ela planejava, era uma maquina trabalhando sem cessar. Buscava uma solução, um milagre. Sua vida pelo avesso. Dificuldades, sentimentos doidos, casamento fracassado, amigos distantes, credores ligando, ameaçando. Sua vida cada dia piorava. Só mesmo uma surpresa amiga que nunca esperou.

        Nunca teve vida fácil. Nasceu de um parto difícil, lá pelas bandas do centro oeste, em uma pequena cidade, onde seu pai era dono de um pequeno armazém. Lutara com dificuldade desde pequena. Sua mãe a protegia muito. Seu pai não. Era severo, cara amarrada, fazia tudo que ela não queria. Não a deixava sair de dentro de casa, não tinha amigos e só foi para o colégio com oito anos. Mesmo assim a vigiava entrar e sair. Ele mesmo fazia questão disso todos os dias.

       Cresceu, virou mulher, sonhando em sair de casa, ter a sua, seu homem, mas esse dia não chegava. Terminou a oitava série. Era bonita, muito. Todos os homens corriam para ela. Ela criteriosa escolhia. Seu pai morreu numa tarde de setembro. Dia frio. Ela não chorou. Poucos compareceram ao seu féretro. Um ano depois, sua mãe amasiou com outro. Era um casal feliz. Ela passou a amar o padastro. Suas irmãs a adoravam. Eram grandes amigas.

      Por um capricho do destino, mudou de cidade. Sua mãe a expulsou. Por causa de nada. Não confiava nela. Pequenos pedaços de historia mal contada. Conhecia um homem. Rude, não sabia se gostava ou não dele. Bruto, sem cultura, mas seu coração batia por ele. Mas naquele momento era sua bóia naquele mar revolto. A primeira decepção. Sua mãe vivia dizendo do valor da virgindade. Colocou-a sem mais nem menos para fora de casa porque duvidou dela. Como se ela fosse uma qualquer. Sabia de sexo o que tinha lido. Ele lhe fez um convite. Ela curiosa aceitou.

     Levou-a a um motel de terceira. Feio, fedido. Ela não se sentiu bem. Aquilo não era o que esperava. Entraram. Um quarto sem janelas. Cheiro ruim marcas na cama no chão na mesinha. Ele colocou em um filme pornô. Ela olhou. Primeira vez, quem sabe aprenderia. Ele ficou nu na cama. Ela olhou e assustou, ele nu na cama, medo, horror. Nunca tinha visto. O que fazer?

     Deitou com ele. Só com roupa de baixo. Ele a forçou. Ela o empurrou. Não era aquilo que pensava como seria a primeira vez. Levantaram e se foram sem fazer sexo. A semana não foi boa. Sua mente sempre voltava aquele motel. Ficou noiva dele. Será que iria dar certo? Ela sonhava com isso. No fundo achava que gostava dele. Não aquele amor que lia nos romances nas novelas.

    Casaram-se. Houve sexo. No inicio nada bom. Depois ela sentiu que ele não tinha experiência. A possuía com força. Não era e nunca foi carinhoso. Satisfeito virava e ia dormir. Se ela sentia ou não, ele não importava. O tempo foi passando, o primeiro filho, o segundo o terceiro.

    Sua família fora do casamento não era muito unida. Se se preocupavam com ela, não sabia. Uma bela tarde soube que sua mãe tinha morrido. Suas irmãs casaram-se e não soube mais delas. Ela verteu lágrimas, gostava muito da mãe e de suas irmãs. Criou os filhos com dificuldades. Uma lutadora. O tempo passou, doze anos para ser exato. Largou o emprego fixo para uma aventura. Iria tentar nunca desistiu. Comprou um pequeno negocio.

    Com dificuldade, não tinha capital, mas arregaçou as mangas e foi em frente. Seu casamento estava no fim. Queria mudar de vida, viver com e para seus filhos. Sem ele. Mas eram doze anos de casada. Uma vida. Seus filhos não entendiam o porquê das brigas, das discussões, da sua tristeza.

     A cada dia mais seu casamento piorava. Ela era jovem, bonita, glamorosa, simpática, chamava atenção quando jogava seus cabelos castanhos avermelhados para um lado e outro. Atraia atenção. Muitos homens a queriam. Clientes que iam beber alguma coisa a olhavam com volúpia nos olhos. Ela via em algumas ocasiões um ou outro que poderiam lhe chamar a atenção. Olhe, não fiquei sabendo se ela teve ou não um caso. Nunca me falou sobre isso. Hoje, aqui em minha casa, eu e ela sentados nesta varanda em frente à praia das Palmeiras, conversamos sempre. Mas ela não diz nada.

     Seu marido era um homem sem cultura. Tentava de todas as maneiras ajudar, mas brigavam muito. A princípio até que foram felizes. Ela chegou até a gostar dele. Ele era perverso. Exigia muito dela. Um ciúme doentio. Agora faziam sexo por fazer. Ela não tinha mais nenhum interesse por ele. Quando ela me contava isso, eu não sei. Acreditava, pois sempre a achei sincera.

     Não sei por que estou contando isso. Ela é uma grande amiga. Gostamos muito um do outro como pai e filha. Visita-me sempre. Vem sempre a minha casa. Nunca tivemos relacionamento. Sou viúvo, moro de frente para o mar. Coisa que adoro. Gosto de ficar aqui, olhando as ondas jogando na praia, o vento soprando, costumo ficar até altas horas. Varias vezes dormi pensando em Maria. Sei que isso não vai trazer ela de volta. Mas minhas lembranças são minhas. Minha cadeira de balanço de palhinha que vive comigo a mais de 40 anos é minha companheira de nostalgia.

    Leonora estava em grandes dificuldades. Não tão grandes assim, ela uma mulher lutadora iria vencer. Mas sentia falta de um companheiro que lutasse ao lado dela. Contou-me que tentou muito. Mas o dialogo tinha chegado ao fim. O sexo ela sentia como obrigatório. Não gostava mais. Não acreditei muito nisso. Acho, no entanto que ela era honesta comigo. Agora só fazia quando ele insistia. Durante o dia, vinha para almoçar, e sempre lá estava ele, flertando com uma vizinha. Não tinha ciúmes acreditava que não era certo. Falou com ela um dia, foi franca, gosta dele? Pode levar! Achei graça.

      Era uma luta. Uma grande luta. Cuidar, criar e sustentar três filhos não era fácil. Levantava cedo, abria sua loja, voltava para fazer as refeições, cuidar da casa, a tarde voltava de novo. Clientes, crianças gritando, correndo dentro do seu estabelecimento a enervava. Gostava de ficar ali, na telinha, no computador, vendo e ouvindo tudo que encontrava. Tinha amigos, recebia email, sorria, jogava os cabelos longos para o lado para o outro, mastigava uma bala, trabalhava. Assim era Leonora. Uma mulher de verdade.

     Ontem veio me contar, uma historia fantástica. Rocambolesca mesmo. Não sei se acreditei. Era inverossímil. Impossível mesmo. Mas partindo dela, porque não? – Olhe, ela me dizia, apaixonei por um homem, que nunca vi, nunca senti seu calor, seu aperto de mão, sua respiração. Eu vejo sua foto, algumas, muitas antigas, quase não mostra o que é hoje. No entanto ele é para mim real. É Leonora, sua fantasia de mulher que sonha em conhecer algum dia seu príncipe encantado, desta vez passou dos limites.

     Ele é atencioso, educado, parece simpático. – continuou. Sei que tem Sessenta e oito anos, mas me parece ter uma saúde de ferro. Diz-me coisas lindas. Respeita-me, diz que gosta de mim. - Eu fiquei em dúvida. Acho que Leonora está indo para um caminho sem volta. Isso não existe. Não se pode amar uma fantasia, um fantasma, mesmo que ele seja de carne e osso, mas cuja pele você nunca sentiu e que nunca viu. Ela ria. Aquele sorrindo lindo, ardente. Olhe, vou lhe contar uma coisa, se fosse mais novo, pediria ela em casamento. Acho que ela apesar de pura nos pensamentos para comigo, devia ser ardente, fogosa, uma mulher que todo homem sonha.

     Leonora voltou mais algumas vezes em minha casa. Sentávamos sempre a varanda, olhando o mar, as ondas, o som do vento balançando as árvores. Sempre me contava do seu homem. Do seu amor por ele. Ficava abismado com sua maneira de dizer, de contar. Sorria, sorriso de menina apaixonada. Ainda persistia Leonora? Dizia eu. Ela sorria de novo, com aquele seu jeito espalhafatoso de dizer – Claro amo ele, gosto dele não sei viver sem ele. Olhe passo os dias pensando só nele, é o sol da minha vida. O meu acordar das manhãs.

     Pensei comigo, pobre Leonora. Apaixonou-se por uma tela de computador. Alguém que não existe. Será que isso vale à pena? Um Engodo. Uma enganação. Achei que alguém a estava tapeando. Mas a mulher, principalmente Leonora, acreditava que aquela ilusão era real. Sonhava com ela. Comprou um celular e quando não estava na sua loja, ligava para ele de qualquer lugar. Gastava, gastava sem poder. Incrível um amor assim. Em meu pensamento não podia idealizar o que não existe.

   Leonora era simples. Claro uma mulher forte. Agora, aproximando da maturidade dos 34 anos, ela se portava como uma pantera, ágil, forte, mostrando que não era para qualquer macho do seu bando. Não sei se ainda interessa por sexo. Ela não me contou. De seu marido ela não esperava mais nada. Mas mesmo com muitas cantadas de outros, não aceitou nenhuma. Olhe, não sei se é verdade. Leonora era fogosa demais, se mostrava sempre como uma gata no cio. No seu subconsciente contava uma coisa, mas eu mesmo pensava que haviam outras.

     Ria desbragadamente, quando as tardes, ficava comigo na varanda, esperando o por do sol que se estendia no vasto azul do mar. Era um espetáculo novo para mim todos os dias. Vivia ali a mais de 15 anos. Diziam que morar ali era solidão de quem perdeu o bem amado. Não sei. Nunca esqueci Maria, minha esposa que morreu de câncer. Eu a amava mais que tudo. Nenhuma mulher a substituiu e nem iria substituir. Ali todas as tardes eu a via, saindo do mar, no seu vestido rosa, aquele que usava quando a conheci. Eu tinha poucos amigos. Leonora era a mais próxima. Gostava muito dela. Sempre a respeitei. Nutria um sentimento de pai para filha.

    Lembro-me bem quando entrei em sua loja, e me deparei com ela. Lembrava quando passava em frente a minha morada. Por um motivo que não lembro bem, precisava fazer uma consulta de um pequeno gerador que queria comprar para minha casa. Faltava sempre luz e apesar de gostar do escuro e da solidão, achava que precisava ter um. Entrei e me deparei com aquela linda mulher. Adorei suas maneiras. Tratou-me como se fosse uma amiga de longa data. Conversamos banalidades, fiz o que pretendia e me fui. Lembrava-me sempre dela.

    Um dia, passando perto voltei lá. Conheci dois dos seus filhos. Os convidei para um domingo almoçar comigo. Foram. Nasceu uma grande amizade. Hoje, passado alguns anos ela sempre me procura. Não me considera um conselheiro, pois não vai à busca de conselhos. Mulher determinada nunca pede isso. Ela acho eu, gosta de mim por ser bom ouvinte. A sua maneira é sincera. Conta tudo, até os detalhes mais sórdidos. Fiquei perplexo com certos detalhes que me contou. Mas era assim Leonora. Uma mulher de verdade.

    Grande Leonora. Uma grande mulher. Ficou dias e dias amando sua ilusão. Uma quimera. Desmaio de segunda em seus braços. Flor que não desabrochou na primavera. Em seu devaneio via seu amor em todo o lugar. Dizia que o sentia que sabia como era seu toque. Sonhava com ele em todos lugares por onde andava. Eu não ria, não podia, não era assim que a tratava. Gostava dela, me sentia feliz, extremamente afortunado para não dizer bem-aventurado por ter sua amizade.

    Alguns meses depois, ela chegou. Com os olhos vermelhos. Chorou ali, copiosamente naquela tarde de maio, inverno rigoroso. Disse que seu sonho acabou. Nada mais existia. Tentei saber o porquê, mas ela não disse. Seus olhos negros grandes como jabuticabas colhidas nas grande matas escondidas nas extensas florestas verdes do amazonas, deixava escorrer lágrimas. Não pude dizer nada. Nada havia a dizer. Dizem que chorar faz bem. Eu quando perdi minha mulher não consegui chorar. Quem chorou e chora até hoje, é meu coração. Ficamos ali, ouvindo o anoitecer coberto pelas estrelas no céu. Uma brisa correu em seus cabelos, e ela sentiu um calafrio. Leonora estava silenciosa. Nada dizia. Olhava para o céu e mais lagrimas corriam no seu lindo rosto.

    Foi embora. Ao levantar, me olhou, e chorando disse. - Ele se foi. Meu único e grande amor se foi. Desejei morrer quando soube. Ele dizia que me amava, não sei. Acho que amava todas as mulheres. Disseram-me que morreu sorrindo. Foi melhor. Acho que foi o destino que quis assim. Deus não foi bom comigo. Desejei tantas coisas na vida, o único homem que amei, queria tocá-lo, sentir o calor do seu rosto, sentir o seu sorriso, ouvi sua voz umas poucas vezes e não pude vê-lo. Perdi o único homem que amava. O queria muito. Sempre pensei que um dia teria ele comigo em carne e osso. Ele sempre dizia não. Sei que sou infeliz. Perdi alguém que não podia perder. Que esteve ao meu lado longe de mim. Gostava dele, falar com ele. Agora só tenho meus filhos que muito amo. Ajudam-me a viver.

   Pobre Leonora. Também chorei por ela. Uma pequena lágrima escorreu pelo meu rosto. Gostava dela, minha única filha que nunca tive. O que ela sentia eu também sentia. Mas o amanhã nunca morre tudo tem seu tempo e sua hora. Sei que iria esquecer. A alegria de Leonora se foi. O tempo quem sabe vai fazê-la recuperar. Ao seu modo foi feliz por um mês ou dois não sei. Amou alguém que era uma ilusão. Manteve na mente um amor impossível.

   Nunca me contou quem era de onde era. Isto ela guardou para sempre. Hoje, perambula entre sua casa, seus afazeres, sua loja. Não sei se separou do marido, não sei. Só me disseram que fica horas e horas de frente para o computador, muitas vezes desligado, ou então ouvindo musicas que achei que antes não gostava. Quando estive lá, ela estava ouvindo “A montanha azul dos grandes amantes”, eu conhecia. Era uma paródia romântica de Stavivinsky. Ou melhor, Igor Fiodorovitch Starvinsky, um grande compositor russo. Ou então ouvia Em Algum Lugar do Passado e chorava copiosamente.

     A vida é assim, feita de sonhos de pedaços de historias que não existem, mas que resistem ao sabor do tempo, na memória daqueles que puderam um dia viver um grande amor. Grande Leonora. Espero que seja feliz. Muito feliz. Ela merece e muito. Faz tempo que não a vejo. A última vez que esteve aqui, quase não falou. Pediu para colocar Have I told You Lolely, com floid Cramers, um grande pianista que tocava divinamente musicas românticas. Eu tinha o CD, Ela ficou horas e horas olhando para o mar. Ouvindo a melodia e chorava baixinho.

      Naquele dia, não ouve por do sol, os pássaros noturnos não gorjeavam. Uma chuva fina caia sobre o mar. Um véu cinzento cobria a encosta da montanha ao longe. E ela, Leonora, chorava copiosamente. Descanse minha filha. Linda e Bela Leonora. Também fiquei ali. Mudo. Sem nada dizer. Só as recordações dela e minha faziam do silencio uma memória viva da realidade!

Quero Amar-te

Quero amar-te como ninguém te amou;
Em toda a parte quero ter-te sem fim;
Como se fosses tu uma parte de mim;
Amar-te até desconhecer quem sou;

Quero encontrar-te se ninguém te encontrou;
Passear contigo entre as flores do jardim;
Colher as mais perfumadas que o jasmim;
Para que por ti saibas quem se apaixonou.

Quando te imagino sabes o que eu vejo:
Alguém que encheria todo o meu ego;
Por isso encontrar-te é o que eu almejo.

E se não podes amar-me por medo
Aqui te deixo um secreto desejo:
Seremos amantes em grande segredo!

Ass: amante virtual

sábado, 10 de dezembro de 2011

O esquife de Martinho Boa Morte


Nem Jesus Cristo, quando veio à Terra, se propôs resolver o problema particular de alguém. Ele se limitou a nos ensinar o caminho, que necessitamos palmilhar por nós mesmos”.(Frases e Pensamentos de Chico Xavier).

O ESQUIFE DE MARTINHO BOA MORTE

                  Acordou de um sono profundo. Olhou em volta e viu tudo escuro. Não lembrava onde estava, quem era e porque tinha ido parar ali. Forçou a tampa do esquife e conseguiu sair facilmente. Não teve medo. Nem sabia que tinha sido enterrado vivo. Viu um pequeno vão com claridade e tentou ir até lá. Passagem estreita. Não desistiu. Achou um osso jogado em um canto. Usou-o como faca. Dois dias depois conseguiu uma abertura e deu para sair.

                   Era noite. Horas não sabia. Tudo escuro mais viu que estava em uma grande necrópole com muitos jazigos, mausoléus, sepulturas e não soube por que, mas ele se achou em casa. Gostava daquele lugar. Achou um portão trancado. Passou fácil por ele. Como passou também não sabia. Não tinha aparência de espectro, tinha certeza que era de carne e osso. Deu até vontade de soltar sua moafa mesmo sabendo que não tinha bebido nada. Não estava com fome, também não tinha sede.

                    Seguiu sem rumo na rua escura e abandonada. Viu que estava vestido com um terno apertado e sem sapatos. Só meias. Seus pés não doíam. Nada no seu corpo doía. Ele se sentia como uma pluma no vento. Andava como se estivesse volitando. Não encontrou ninguém, não viu ninguém. Viu ao longe umas luzes. Um farol foi de encontro ao seu rosto. O veículo rodava em grande velocidade. Freou em uma curva e parou. Desceram dois homens. Não foram ao encontro dele. Foi então que viu uma jovem na calçada e descobriu quem era a presa.

                    Eles agarraram a moça, subjugando-a. Ela gritava, esperneava, pedia pelo amor de Deus que a soltassem. Eles riam desbragadamente. Ele foi até lá, pediu para soltarem-na. Eles riram e pronunciaram palavras de baixo calão. Ele se aproximou mais, recebeu quatro tiros no peito. Ele não sentiu nada. As balas entraram e saíram do outro lado. Ele achou estranho. Os homens o olharam novamente e mais seis tiros, ele deu um tremendo soco em um e o outro pegou pelo cabelo e o jogou do outro lado do muro do cemitério.

                    A moça estava atônita. Perplexa. Queria agradecer ao seu salvador, mas não sabia como. Correu. Transformou-se em uma gazela espantada. Virou uma esquina, outra e mais outra. Não olhava para traz. Chegou a sua casa, pequena, humilde e não conseguia abrir a porta. Ela se abriu. O viu do outro lado dentro de sua casa. Fora ele quem abrira para ela. Um mistério. Quem seria? Um falecido? Seu fantasma? – Ele a olhava e sorria bondosamente. Queria falar, mas não conseguia.

                    Ela viu seu irmão de dez anos dormindo na poltrona. Ele sempre a esperava ali. Eram uma família de dois. O único emprego que conseguira foi de atendente e auxiliar de limpeza em um prédio próximo a sua casa. Horário desigual. Virava a noite. Terminando voltava mais cedo para casa. Dava para o sustento. Olhou para traz e viu que ele ainda estava lá. Terno amarrotado, sem sapatos, cabelos revoltos. Não era bonito, mas podia-se dizer que tinha um lindo porte. Pena que estava meio sujo e seu corpo soltava um odor diferente, nauseabundo,

                   Agradeceu a ele de novo e disse que precisava dormir. Ele sorria. Entendeu. Não falou nada. Ela fechou a porta. Olhou pela janela e não o viu. Dormiu pensando em tudo. Não entendia nada. Quem era? De onde tinha vindo? Claro, estava cortando caminho e passando numa rua paralela ao cemitério, mas fazia isto todas as noites, não tinha medo. Acordou pela manhã. Seu irmão já tinha ido para a escola. Uma rotina que ela havia ensinado. Limpou a casa, iniciou o almoço. Simples. Seu dinheiro era pouco.

                    Abriu a porta para colocar o lixo e o viu. Ele estava no passeio, em pé e olhando para ela e sorrindo. Assustou. Foi até ele e perguntou se ele não lembrava onde morava. Ele não respondeu. Continuava olhando para ela e sorrindo. Deu para ela uma sacola que estava encostada em um poste. Ele olhou de soslaio. Paes, doce, carne, muitos víveres. Uma sacola pesada. Agradeceu. Recusar na penúria que se econtrava era demais.

                      Deixou-o ali e entrou. Viu que uma sacolinha tinha grande soma em dinheiro. Correu para a rua. Ele tinha ido embora. Ficou receosa. Quem seria? O que queria? Seu irmão chegou e ambos fizeram uma lauta refeição. Quantos anos isto não acontecia. Escondeu o dinheiro que ele tinha dado. Iria devolver. A noite partiu para o seu trabalho. Todos haviam saído menos seu Honório que atendia na recepção. Começou o batente. Ela o viu de novo. Ajudava. Limpava em uma rapidez incrível. Parecia ser um daqueles super herói da historia em quandrinhos.

                      Deus do céu! Pensou. Em que tinha se metido? Quem era ele? Pelo jeito uma alma do outro mundo! Só podia ser. Rezou a Jesus que era seu amigo naquelas horas. Pediu tudo. Rogou aos santos protetores. Abriu os olhos e ele estava lá. Agora o salão que fazia limpeza estava um brinco. Nunca havia feito uma limpeza como aquela. Ele sempre em pé sorrindo. O mesmo cabelo revolto, o mesmo terno as mesas meias azuis sem sapato.

                      Ele não sabia o que estava acontecendo. Gostou da jovem, achou que a conhecia. Queria ajudar. Tentava conversar, explicar, não conseguia. Achou estranho quando os bandidos atiraram e ele não sentiu nada. Mas se fosse um espírito do outro mundo como se explicaria que ele pudesse tocar? Sentir, segurar? E agora, como se explica que ele consegue tudo? Virou um Super Homem? Caramba! Uma incógnita.

                     O dia amanhecendo ela retornando ele acompanhando. Ela aceitou sua companhia. Tentava entabular uma conversa. Mas era monólogo, só ela falava ele só sorria. Virou rotina. Uma semana, duas, resolveu ir até a delegacia explicar o que estava acontecendo. O delegado riu. Disse que ela precisava de se tratar. Ele estava junto ao delegado. Sorrindo. Levantou o telefone. O delegado ficou em pé assustado. Ele soltou o telefone. O delegado gritou. Sai de mim satanás!

                     Ela foi embora com o delegado desconjurando. Ele ao seu lado. Sorrindo. Sem falar nada. Chegou em casa, diversas sacolas, uma TV nova, muitas coisas. Seu irmão disse que vieram entregar. Não tinha nota fiscal, nada que identificasse quem foi que mandou. Vou morrer se continuar assim. Ajuda-me Jesus Cristo! Deus seja louvado. Abriu os olhos, ele estava na porta sorrindo. Acho que vou enlouquecer pensou.

                     Ele viu que ela estava assustada. Precisa pensar. Voltou ao cemitério, lá era mais tranqüilo. Entrou de novo no seu jazigo. Deitou em seu caixão e fechou a tampa. Ficou ali um bom tempo. Não lembrava de nada. Seu nome, de onde veio e para onde ia. Nada. Uma espessa nuvem branca em seu cérebro. Tentou dormir como todo mundo. Não conseguiu. Ouviu um barulho, saiu correndo do caixão a procura. Uma luz escarlate num jazido ao lado do seu. Conseguiu entrar. Tentavam abrir um caixão. Batiam de dentro para fora. Ele ajudou. Abriu. Viu uma linda jovem deitada com um vestido de noiva. Idêntica a  jovem que ele estava ajudando.

                     Passaram-se cinco dias. Ela estava mais calma. Ele não tinha mais aparecido. Queria devolver tudo que deu. Não sabia para quem. O jeito é usar. Paciência. Quando passava pelo muro do cemitério, o viu de novo. Acompanhado de uma moça linda, chegou mais perto. Era ela! Impossível. Ela estava ali de carne e osso. Não podia ter morrido. A moça de branco sorriu. Acenou. Ela reconheceu sua mãe. Mais nova. Tinha morrido com 75 anos. De coração. Fumava muito.

                      Tentou abraçar sua mãe. Não conseguiu. Ele segurou na sua mão. Ela sentiu mas com sua mãe nada. Foram juntos para sua casa. Ela sentou na poltrona, ele não, sempre em pé sorrindo. Tentou conversar com sua mãe. Nada. Ela mostrou uma parede. Não viu nada. Sentiu que não havia tijolos por trás do reboco. Quebrou com um martelo. Viu uma caixa. Uma cruz de madeira pequena, um sapo pequeno empalhado, dois dentes de ouro. Fez sinal para jogar no fogo. Ela assim o fez. Ela sorriu e desapareceu.

                      Ele viu tudo aquilo. Não entendeu. Saiu rápido e foi até ao esquife dela, no jazigo que estava. Abriu. Pedaços de ossos, dentes, uma cruz de madeira, e um sapo empalhado. Achou que Ela agora iria descansar. Imaginou para onde teria ido. Nada. Sua mente não concatenava. Voltou a casa da jovem. Estava fechada. Entrou. Ninguém. Vazia. Ela, seu irmão e moveis haviam desaparecido. Não entendeu nada. Ela gostava dela, era a única que conhecia e que o via como alguém e não um defunto.

                      Passaram-se dois meses. Ela não viu mais o homem e nem sua mãe. Tinha medo de ficar ali. Buscou suas últimas economias no banco e mudar para outra cidade. Assustou. Uma enorme quantia estava depositada em seu nome. Procurou o gerente, confirmaram. Foi depositado para ela. Era dela. Poderia fazer o que quiser com o dinheiro. Ninguém lembrava quem depositou. Foi uma ordem de pagamento feita em um país distante.

                      Ela voltou para sua cidade natal. Comprou uma bela casa. Um carro e montou uma loja de roupas. Seu irmão sorria. Boas roupas, bom colégio. Suas vidas se transformaram. Era uma tarde de domingo, Foram a um parque de diversões. Ele ria, ela ria, pipocas, doces, dinheiro a vontade. Acabaram-se as dificuldades, agora iriam viver o que não tinham vivido. Sentiu um estranho a olhando. Virou-se. Era ele. Meu Deus! De novo. Não. Ajude-me Jesus amado.

                      Ele se aproximou. A cumprimentou. Ela ouviu. Se for ele agora falava. Apresentou-se. Eduardo Palhares Sacramento. Juiz de Direito nesta cidade. Ela viu que eram sósias. Não é possível! Mas aquele era de verdade. Estava de roupa esporte. Lindo, belo, um sorriso encantador. Foi galante. Convites. Jantares. Casamento. Seu irmão gostou do novo cunhado.

                     Estavam juntos há oito anos. Felizes. Sem filhos. Tentava de todo jeito. Agora estava fazendo uma fertilização. Não sabia o nome direito. Todos na cidade gostavam do casal. Eram convidados para festas, recepções e muitos queiram como padrinhos para casamentos ou batizados.

                     Recebeu um telefonema. Gelou. Ele reagira a um assalto e tinha sido morto com dois tiros. Desespero. Nunca pensou que isto pudesse acontecer. A cidade em peso compareceu nas suas exéquias. Muitos choravam. Ela voltou para casa. A vida continua dizia ela. Tudo tem explicação. A morte é um mistério, mas um dia ela iria passar por isto.

                     Acordou de um sono profundo. Olhou em volta e viu tudo escuro. Não lembrava onde estava, quem era e porque tinha ido parar ali. Forçou a tampa do esquife e conseguiu sair facilmente. Não teve medo. Nem sabia que tinha sido enterrado vivo. Viu um pequeno vão com claridade e tentou ir até lá. Passagem estreita. Não desistiu. Achou um osso jogado em um canto. Usou-o como faca. Dois dias depois conseguiu uma abertura e deu para sair.

                     Foi até o portão. Uma rua escura. Passou fácil. Poucas luzes. Um carro jogou os faróis acima dele. Freou bruscamente. Ela desceu. Fascinada! Tremia!  De novo não. Meu Deus! Jesus amado!. Não deixe acontecer de novo!

... Se encontrares algum cadáver, dá-lhe a bênção da sepultura, na relação das tuas obras de caridade, mas, em se tratando da jornada espiritual, deixa sempre "aos mortos o cuidado de enterrar os seus mortos"...