Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que se ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade
É servir a quem vence o vencedor,
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade;
Se tão contrário a si é o mesmo amor?
Que o céu me condene!
Todos riam dela. Desde pequena
chamavam-na de tudo, nomes feios, nomes que ele morria de vergonha quando ouvia
e o pior não tinha como fugir. Quando sua mãe e seu pai eram vivos ainda tinham
um pouco de respeito, mas quando a polícia os matou a tiros em uma cidade
próxima acusando-os de serem bandidos perigosos, sua vida acabou. Depois viram
que eram inocentes. E daí? Apenas dois pobres catadores de papel que
trabalhavam para sobreviver. Ana Cláudia um dia tentou se matar. Pulou da ponte
no rio pensando em se afogar. Alguém viu e a salvou. Uma família lhe ofereceu
emprego. Abusavam dela. No final do mês uns trocados, nos fundos um quartinho
simples que mal cabia uma cama e um armário. Ela aprendeu que o sofrimento era
parte dela e o aceitou normalmente. Mas dentro de sua mente e do seu coração
ela odiava aquela cidade e todos que nela moravam.
Ana Cláudia era negra, feia, com um
nariz grosso, cabelos crespos cortados curtos, e o pior era vesga, isto mesmo.
Os outros a chamavam de Caolha. Sempre a chamaram assim. Abaixava a cabeça, mas
não chorava. Evitava andar na cidade durante o dia. Não tinha amigos, fez só o
primário, quase não ouvia musicas e TV? Nunca. Sua vida em Monte Azul não era
divertida e nem colorida. Dona Esmeralda sua patroa só dirigia a ela falando
impropérios. Seu Astholfo então, nem olhava para ela. Isto não a preocupava
mais. Agora com vinte e seis anos não tinha, ou melhor, nunca teve sonhos e esperanças.
Sabia que assim seria até sua morte. Um dia ao voltar do armazém lá pelas nove
da noite uns bêbados a encurralaram em um beco e a maltrataram muito. Chegou em
casa toda machucada, sangrando e Dona Esmeralda e Seu Astholfo riram e nem
ligaram. – Vai ver que foi você quem provocou Caolha!
Quando voltou da missa no domingo,
viu uma enorme fila em frente a um mercadinho. Riu e se perguntou por quê.
Entrou na fila. Gostava de filas. Quando terminou a moça atrás do vidro
perguntou qual seu jogo. Qual jogo? Ora moça, não sei que jogo. Nem sabia o que
era isso. Claro já tinha ouvido falar que grandes premios eram pagos a quem
fosse sorteado. Não tinha dinheiro. Saiu da fila com todos gritando com ela. – Caolha!
Caolha! Nunca ganhou nada e sabia que não iria ganhar. A virar a esquina viu um
bilhete jogado no chão. Por curiosidade o pegou e levou para casa. Nem sabe o porquê
o guardou. Todo dia tirava ele debaixo da cama, olhava, ria e sonhava.
Continuou sua vida de empregada, sem salario a troco de um quartinho e
alimentação que não era a que servia para seus patrões.
Na quarta feira ficou sabendo que
o sorteado era de sua cidade. Todos querendo saber quem era. Passou uma semana
e ninguém reclamou o prêmio. Ana Claudia anotou os números sorteados. Em casa
conferiu. Era o seu bilhete! Seu? Não era seu, mas o que fazer? Ninguém
reclamou e ela esperou mês. Nada. Resolveu procurar a Caixa, mas não em sua
cidade. Tinha umas economias. Dona Esmeralda riu. Você viajar? Para onde
Caolha? Para que ir a Recife? – Só conhecer disse. Vou no sábado à noite e na
segunda estou de volta. – Pode ir, mas não vou lhe dar um tostão e a cada dia
que faltar lhe desconto uma semana. Ana Claudia bem que pensou falar um
palavrão, mas era melhor esperar.
No sábado pegou o ônibus das sete da
noite. Adorou. Havia tempos que não viajava de ônibus. Ficou na janela. O
passageiro ao seu lado a olhava com desdém. Nem a cumprimentou. Às cinco da
manhã chegou em Recife. Ficou boquiaberta com a cidade. Passeou pelo centro
admirando os belos prédios de uma altura que iam até o céu. Encontrou a igreja
de São Pedro dos Clérigos aberta e entrou. Não rezou. Achava que Deus não iria
perdoar o que ela estava fazendo. Assistiu a missa das seis e saiu. Passou pelo
Convento Franciscano, na Casa da Cultura de Pernambuco, no Mercado de São José
e ficou encantada. Iria comprar uma casa ali. Tinha de morar em Recife. Mas
isto iria demorar. Primeiro receber o prêmio depois à vingança.
Ana Claudia sabia que tinha de
esperar a segunda feira. A caixa só abria em dias úteis. Rodou por várias ruas
e descobriu uma agência enorme na Rua do Cais do Apolo. A tarde ia chegando e
logo iria escurecer. Viu uma placa e deduziu que era uma pensão. Ana Cláudia
lia com dificuldade. Entrou e alugou um quartinho por uma noite. Pagou
adiantado. Levantou cedo. As oito já estava na agencia da caixa na Rua do Cais
do Apolo. Abriram as dez. Falou com uma moça que tinha um bilhete premiado.
Levaram-na ao gerente. Este se assustou. Era o prêmio do mês passado. Sessenta
e cinco milhões de reais. Foram para um escritório fechado. Conversaram com ela
toda a manhã. Levaram-na a um restaurante e ela comeu o que nunca tinha comido
na vida. A vida de Ana Claudia começou a mudar.
Todo o dinheiro foi aplicado na
poupança. Disseram para ela que daria mais de trezentos mil reais por mês. Ela
estava rica por toda a vida. Pediu ao gerente que lhe contrata-se alguém para
lhe ensinar tudo com o dinheiro. Queria aprender. Lucia Mortille lhe foi
apresentada. Trabalhava no banco como escrituraria. Ofereceu a ela ser sua
funcionária. Um bom salário. Dez mil por mês. Lucia não pestanejou. A partir
daí Lucia ensinou tudo para ela. Mandou-a construir uma mansão em Monte Azul. A
melhor e mais linda da cidade. Mandou comprar a maioria das casas comerciais da
cidade. Lucia descobriu que a casa de Dona Esmeralda tinha uma dívida no Banco
e se ela e marido não pagasse seria despejada. Comprou a divida no banco. A
casa ficou pronta. Na cidade um buchicho. Quem era! Um frisson tremendo em todo
o povo de Monte Azul. Quando ficou pronta os olheiros esperavam a chegada do
dono.
Quando o Padre Liovegildo Começou
a missa, viram entrando na cidade uma limusine branca, enorme. A maioria nunca
tinha visto nada igual. Um homem negro enorme, de terno e gravata, junto com o
motorista do carro desceram e abriram o portão. Lucia abriu a porta e viu uma
multidão chegando. Notou que a igreja se esvaziava até o Padre Liovegildo
deixou a missa sem terminar e veio ver também. Quando viram Ana Cláudia levaram
um susto tremendo. Era a mesma. Cabelos crespos, caolha, agora bem vestida e
não mudara nada. Incrível! Dona Esmeralda e o Senhor Astholfo estavam
embasbacados. Nunca pensaram o que tinha acontecido com Ana Cláudia. Acharam
que tinha morrido em Recife e esqueceram logo sua figura.
Na segunda mandou chamar a todos
que lhe venderam seus comércios. Os deixou no jardim e um a um entrava e saia
cabisbaixo. Eram onze. Ofereceu-lhes um salário para gerenciar. Se começasse a
dar prejuízo – rua. Chamou o gerente do Banco e disse a ele que queria a casa
de Dona Esmeralda em um mês. Um susto! Mas por quê? Não lhe interessa disse Ana
Cláudia. Dona Esmeralda e o Senhor Astholfo imploram para dar um tempo para pagar.
Ana Claudia não os atendeu. Mandou Lucia falar com eles. – Um mês ela disse.
Nem mais um dia! Todas as manhãs passeava pela cidade. Ao seu lado o Laudivino
seu guarda costa. Fazia medo em todo mundo. Entrou na igreja, doou cem mil
reais ao padre. Mesuras, e o pároco virou um puxa saco de primeira.
A primeira casa comercial que deu
prejuízo mandou o ex dono embora. Mandou botar fogo nela. Um susto. Delegado
correu. Por quê? É minha faço o que quiser. Assim se sucedeu com mais quatro.
Louca, louca! Todos disseram. Todos na cidade que ficavam em dificuldade ela
pagava as contas e não recebendo queimava a casa dele. Um medo terrível passou
a existir na cidade. O padre também ficou com medo. O que aquela mulher queria?
Que vingança estava em curso? Em dois meses cinco casas residenciais e quatro
comerciais foram queimadas. Uma fábrica de Tijolos e telhas ela comprou e
fechou. Muitos desempregados. Todos se assustaram quando a casa dela ficou
protegida por oito seguranças. Colocaram cercas eletrificadas e uma enorme
quantidade de câmaras. Sua mansão virou uma fortaleza.
Uma reunião na câmara dos
vereadores, com a presença do prefeito, do juiz, do delegado e do promotor de
justiça discutiam a situação da cidade. Todos tinham seus comércios agora em
mãos de Ana Cláudia. Ela tinha chamado um por um e dito que era candidata a
prefeita. Que eles se virassem para ela ser eleita. O medo estava estampado na
face de cada um. Vários disseram que iam abandonar a cidade. Perguntaram ao
delegado se ele podia fazer alguma coisa para acabar com aquele regime de
terror. Nada ele disse. Ela nos tem nas mãos. Doou uma grande quantia para o
partido do governador. Ana Lucia foi
eleita. Demitiu a maioria dos funcionários da prefeitura. Esta quase parou. Tudo
estava acabando em Monte Azul.
Lucia era uma funcionaria leal, mas
estava vendo que as coisas iam por um caminho sem volta e que muitos inocentes
estavam pagando o que não deviam. Tentou falar com Ana Cláudia. Perda de tempo.
Ela só tinha o pensamento de vingança. Jurou que iria destruir a cidade. A
cidade na mão dela como prefeita estava paralisada. O povo começava a se
revoltar. Ana Cláudia mal sai à rua. Lucia aconselhando para parar. Ela com
seus olhos estrábicos só olhava e não dizia nada. Mais oito casas foram
queimadas. Ninguém podia fazer nada. As casas eram dela. Podia fazer o que
quisesse. Quando ela mandou queimar a casa de Dona Eucládia tudo degringolou. O
povo inteiro foi para a mansão de Ana Cláudia e começou a gritar – Vamos queimar
a casa dela! Uma anarquia. Chamaram o delegado e quando ele viu aquilo
desistiu. Seria suicídio ir contra o povo.
Ficaram em frente à casa dela cinco
dias. Ninguém entrava ninguém saia. Ana Cláudia começou a ficar assustada. O
que fazer? Conversou com Lúcia que ligou para o delegado. Este disse que não
podia fazer nada. Porque não chama um contingente militar? Não posso respondeu.
Cortaram o telefone da delegacia. Ouviram um estalo. O povo invadiu a mansão.
Ana Cláudia foi segura por vários homens e mulheres. Bateram nela. Lucia saiu
incólume. A Colocaram na limusine e disseram que se ela voltasse a cidade eles
a matariam. Quando saiam da cidade, Ana Cláudia sorriu. Olhou para trás e viu
uma grande explosão. Ela havia mandado colocar dinamites em vários pontos da
mansão. Ela mesma tinha um controle e sabia que após ligar uma hora depois a
casa explodiria.
Morreram mais de 20 pessoas que
estavam saqueando a mansão. A policia procurou Ana Claudia. Nunca a
encontraram. Hoje mora em Coupvray, uma cidadezinha próximo de Paris. Não é uma
mansão e nem um castelo, isso não. Lucia aconselhou Ana Claudia a comprar uma
casinha simples. Assim passariam despercebidas. Os vizinhos achavam que Ana
Cláudia era a empregada e Lucia a proprietária. Risos. Bom isso. Viveram assim
por muitos anos e ambas morreram com mais de noventa anos. Toda sua fortuna foi
doada para uma instituição de caridade no Brasil.
Dizem que Ana Cláudia morreu
sorrindo. Sua vingança aconteceu. Não foi como tinha planejado, mas a cidade de
Monte Azul sempre se lembraria dela. A caolha, a vesga, a negra esfarrapada que
fez muitos se ajoelharem-se diante dela. É, o dinheiro! Ele dizem que não trás
a felicidade, pode até ser que não, mas compra tudo. Compra vidas, consciências,
amor mesmo que fingido. Machado de Assis dizia que o dinheiro não traz
felicidade, claro, para quem não sabe o que fazer com ele. Risos.
EXALTAÇÃO DO AMOR
JG de Araújo Jorge
Sofro, bem sei... Mas se preciso
for
sofrer mais, mal maior, extraordinário,
sofrerei tudo o quanto necessário
para a estrela alcançar... Colher a flor...
Que seja imenso o sofrimento, e vário!
Que eu tenha que lutar com força e ardor!
Como um louco talvez, ou um visionário
hei de alcançar o amor... Com o meu Amor!
Nada me impedirá que seja meu
se é fogo que em meu peito se acendeu
e lavra, e cresce, e me consome o Ser...
Deus o pôs... Ninguém mais há de dispor!
Se esse amor não puder ser meu viver
há de ser meu para eu morrer de Amor!